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UM CURRÍCULO DEBOCHADO RISCADO NO CHÃO DE ESTRELAS1 1 Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.

UN CURRÍCULO BURLÓN RAYADO EN EL SUELO DE LAS ESTRELLAS

RESUMO:

Por meio das teorias pós-críticas do currículo, temos como objetivo, neste texto, cartografar as dissidências de masculinidade produzidas no filme Tatuagem (Brasil, 2013, direção de Hilton Lacerda), entendendo a potência do filme na educação do olhar para as diferenças de gênero e de sexualidade. O filme, um dos representantes da nova seara do cinema pernambucano, conta a história da relação amorosa entre Clécio, um artista tropicalista, e Arlindo, um tímido soldado que serve ao regime militar em pleno ano de 1978. Como metodologia, a cartografia, inspirada nos filósofos da diferença Gilles Deleuze e Félix Guattari, nos serviu de guia para uma atenção criativa e inventiva em torno das imagens. Concluímos que a experiência contracultural dos personagens de Tatuagem produz um currículo-desbunde, que opera dissidências nas masculinidades em dois movimentos: 1) através da força da ironia e do deboche, da anarquia da linguagem e da performance e 2) por meio de um devir-mulher que vaza por trás, um território de prazer abjetificado pela cultura heterossexual, mas que ganha força de rizoma no filme.

Palavras-chave:
Currículo; gênero; sexualidade; cinema; cartografia

RESUMEN:

A través de las teorías poscríticas del currículum, nuestro objetivo en este texto es mapear las disidencias de masculinidad que se producen en la película Tatuagem (Brasil, 2013, dirigida por Hilton Lacerda) entendiendo el poder de la película en la educación de las diferencias de género y sexualidad. La película, una de las representantes de la nueva era del cine pernambucano, cuenta la historia de la relación amorosa entre Clécio, un artista tropicalista, y Arlindo, un tímido soldado que sirve al régimen militar en el año 1978. Como metodología, la cartografía, inspirada en los filósofos de la diferencia Gilles Deleuze y Félix Guattari, nos sirvió de guía para una atención creativa e inventiva en torno a las imágenes. Concluimos que la experiencia contracultural de los personajes de Tatuagem produce un currículo-anárquico que opera disidencias en las masculinidades en dos movimientos: 1) mediante la fuerza de la ironía y el libertinaje, la anarquía del lenguaje y la performance y 2) a través de un devenir mujer que se filtra por detrás, un territorio de placer abyectado por la cultura heterosexual, pero que cobra fuerza de rizoma en la película.

Palabras clave:
Currículo; género; sexualidad; cine; cartografía

ABSTRACT:

Through post-critical theories of the curriculum, the aim of this text is to map the dissidences of masculinity portrayed in the movie Tatuagem (Brazil, 2013, directed by Hilton Lacerda) understanding the power of the film in educating the viewer's perspective towards gender and sexuality differences. The film, which is one of the representatives of the new wave of cinema fromPernambuco, tells the story of the romantic relationship between Clécio, a tropicalist artist, and Arlindo, a shy soldier under the military regime in the year 1978. As a methodology, cartography, inspired by the philosophers of difference Gilles Deleuze and Félix Guattari, guided us ina creative and inventive attention around images. We conclude that the countercultural experience of the characters in Tatuagem produces an anarchic-curriculum that operates dissidences in masculinities through two movements: 1) through the power of irony and debauchery, the anarchy of language and performance and 2) through a becoming-woman that leaks from behind, a territory of pleasure abjectified by heterosexual culture, but which gains rhizome strength in the film

Keywords:
Curriculum; gender; sexuality; cinema; cartography

PRIMEIRAS CENAS...

Brasil, 1978. Por todos os lados, uma atmosfera repressiva ainda insiste em se fazer presente, ainda que pincelada com cores menos intoleráveis. Matizadas de tonalidades módicas, como se esperassem o momento de uma reviravolta mais esperançosa, ondas que vibram ousadia apontam para o futuro, deixando que o passado se torne apenas o pano de fundo desta tela a ser retrabalhada, visto ser o seu apagamento total impossível diante das muitas marcas já tatuadas na pele. Na clareira de morte, aberta sem misericórdia pelo Regime Militar no Brasil, que se instaurara desde o primeiro dia do mês de abril de 1964, sinalizando para a sombra de Marte, que coroava de agressividade e violência os tempos que nos sobrevieram, vidas em resistência foram ceifadas nos mais diversos aspectos de sua presença no mundo. Tais acontecimentos impetuosos se revelaram por meio de corpos jamais encontrados na Região do Araguaia, da ocupação dolorida de almas eternamente ressentidas ou por meio do exílio, este caminho pálido na busca por discos voadores (Veloso, 1971VELOSO, Caetano. London, London. In: VELOSO, Caetano. Caetano Veloso. Londres: Paramount Records, 1971. LP. Faixa 2. ).

É justamente no marco temporal de 1978 que se ambienta o filme Tatuagem (2013), foco deste artigo e primeira produção do cineasta e roteirista pernambucano Hilton Lacerda. Com a ditadura militar mostrando sinais de esgotamento e diante das primeiras iniciativas organizadas do movimento homossexual brasileiro, inclusive com o lançamento do jornal Lampião da Esquina, referência nestas incipientes articulações, bem como a influência sexualmente contestatória de artistas como Secos & Molhados (Trevisan, 1986TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso. São Paulo: Max Limonad, 1986. ; Facchini, 2003FACCHINI, Regina. Movimento homossexual no Brasil: recompondo um histórico. Cad. AEL, v. 10, n. 18/19, 2003. Disponível em. <Disponível em. https://www.al.sp.gov.br/repositorio/bibliotecaDigital/20788_arquivo.pdf >. Acesso em: 04 jan. 2024.
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), somos apresentados/as à Companhia de Teatro Chão de Estrelas, dirigida por Clécio Wanderley (Irandhir Santos), com atuação nas cidades de Recife e Olinda (Pernambuco), onde, em suas bordas, funda uma casa-cabaré, servindo de moradia e de espaço para os espetáculos do grupo. Por meio do deboche e da anarquia, os/as artistas, em sua maioria representantes de grupos marginalizados, como a travesti Paulete (Rodrigo García), provocam o poder e o moralismo do Regime Militar. Com performances que borram as fronteiras de gênero e de sexualidade, da religiosidade e do conservadorismo dominante, sinalizam para outra forma de resistência, ainda não compreendida como tal por alguns agrupamentos políticos de esquerda.

Neste cenário tortuoso, onde a abertura política ainda se desenha sob uma vontade de silenciamento das mais distintas diferenças que não coadunam com os setores hegemônicos do Brasil (pessoas brancas, heterossexuais, religiosas, conservadoras etc.), o pânico moral impera, produzindo uma série de perseguições que buscam eliminar - ou ao menos abafar - do convívio social e da visibilização pública a presença dos sujeitos sociais dissonantes e de toda a sua expressão cultural. Para Rodolfo Londero (2014LONDERO, Rodolfo Rorato. Livros pornográficos e o surto censório durante o governo Geisel (1974-1979). Revista Brasileira de História da Mídia (RBHM), v. 3, n. 2, p. 119-129, jul./dez. 2014. Disponível em: <Disponível em: https://www.unicentro.br/rbhm/ed06/dossie/11.pdf > . Acesso em: 17/10/2023.
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), a narrativa da crise moral que se espalhava pelo Brasil, evidenciada ainda com mais força no governo do General Ernesto Geisel (1974-1979), pretendia ser uma legitimação discursiva para os atos repressivos daquele período, massageando os interesses de grupos conservadores responsáveis pela manutenção da ditadura militar.

Na seara da luta pela afirmação de si mesmo/a que se mostra, portanto, adversa a qualquer forma de sufocamento das existências múltiplas, incluímos os/as artistas de uma maneira geral e fazemos uma consideração aos/às ativistas gays e lésbicas na ditadura militar. Eles e elas foram, juntamente com os/as militantes de esquerda, alvos preferenciais dos setores conservadores, como se responsáveis pela deterioração moral da sociedade brasileira, dignos/as, pois, do apagamento existencial. Destacamos aqui não apenas os aspectos macropolíticos nas lutas pelo poder, ou seja, aqueles que dizem respeito à institucionalidade e às formas maiores de governo de uma nação, alvos de disputa, por exemplo, dos/as militantes das organizações armadas da ditadura, mas também dos partidos políticos contemporâneos (Rolnik, 1987ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: Estação Liberdade, 1989. ; 2018ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018.; 2023ROLNIK, Suely. Para o Brasil esconjurar o fascismo. Outras Palavras, São Paulo, s/p, 2023. Disponível em: <Disponível em: https://outraspalavras.net/descolonizacoes/suelyrolnik-para-o-brasil-esconjurar-o-fascismo/ >. Acesso em: 25/02/2023.
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). Há um aspecto micropolítico a ser considerado que trabalha com a produção de subjetividades no nível do cotidiano, da intimidade e da sexualidade, na relação consigo e com o outro, na ocupação de outros mundos possíveis, não necessariamente passando por leis e/ou morais estabelecidas coletivamente. Dessa forma, “[...] ao contrário da experiência acumulada de resistência na esfera macropolítica, o ativismo micropolítico é relativamente recente na história do ocidente moderno, o que torna esta tarefa ainda mais desafiadora” (Rolnik, 2023ROLNIK, Suely. Para o Brasil esconjurar o fascismo. Outras Palavras, São Paulo, s/p, 2023. Disponível em: <Disponível em: https://outraspalavras.net/descolonizacoes/suelyrolnik-para-o-brasil-esconjurar-o-fascismo/ >. Acesso em: 25/02/2023.
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, s/p).

Nas linhas deste artigo, damos margem não apenas a uma revolução que se limita às armas ou aos palanques ressonadores de discursos que, mesmo à esquerda, tornam-se convencionais e normativos, mas também a uma revolução que passa pelo pau, pela buceta, pelo cu, pelos beijos, pelo sexo, pelos rebolados, pelos cabelos crespos no ar, pelas roupas que debocham dos binarismos de gênero, pelos filmes censurados e pelas palavras que carregam o descompasso com o seu tempo. É um currículo-desbunde, como desenvolveremos mais adiante, que tem inspiração em Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil, nos Secos & Molhados, nos Novos Baianos e em toda a queeridade das Dzi Croquetes e do Vivencial Diversiones2 2 Embora todos/as estes/as artistas brasileiros/as tenham uma grande relevância no movimento contracultural em plena ditadura militar, destacamos a importância do Vivencial Diversiones (1974-1983), grupo de teatro marginal com sede em Olinda, Pernambuco, na época da ditadura, sendo inspiração da Companhia Chão de Estrelas em Tatuagem. , todos/as estes/as corpos-molotov lançados de mão em mão contra o autoritarismo da ditadura.

Em uma das apresentações da Companhia Chão de Estrelas - performando uma versão arrebatadora da música Esse cara de Caetano Veloso -, Clécio conhece Arlindo (Jesuíta Barbosa), também conhecido como Fininha, soldado do interior que serve ao exército na capital. Este, até então cunhado de Paulete, passa a se envolver com o diretor do grupo em um romance que transforma a vida dos dois. O encontro de Clécio com Fininha, assim como o acontecimento Chão de Estrelas na vida do soldado, transforma-se em um agenciamento à medida que os corpos agem mutuamente com graus distintos na transformação do outro. Se a disciplina e o rigor de Arlindo vão se quebrantando sutilmente ao longo do filme, a ponto de ele participar de uma performance do grupo teatral no auge do seu escárnio à sociedade conservadora, Clécio também altera suas percepções de mundo, chegando a questionar, por conta da paixão pelo garoto, o amor livre que anteriormente apregoava aos/às outros/as. Este encontro produz uma afecção que, segundo Deleuze (2019DELEUZE, Gilles. Cursos sobre Spinoza (Vincennes, 1978-1981). Tradução de Emanuel Angelo da Rocha Fragoso, Francisca Evilene Barbosa de Castro, Hélio Rebello Cardoso Júnior e Jefferson Alves de Aquino. 3. ed. Fortaleza: EdUECE, 2019. , p. 44), “é uma mistura de dois corpos, um corpo que é dito agir sobre o outro e o outro que vai acolher a marca do primeiro”. Poderíamos dizer que Tatuagem é um filme de/sobre resistência micropolítica à ditadura, porém, de forma coexistente, trata de afecções, de modos de (des)aprendizagens que liberam nossa vida por meio do prazer, restituindo a este, afastado do seu caráter herdado pela cultura judaico-cristã, e a sua potência de júbilo, necessária em um mundo nebuloso.

Interessante o quanto estamos, a todo momento, desenhando as linhas que compõem estas subjetividades em Tatuagem. Na cartografia, os personagens vão ilustrando os movimentos que não apenas desterritorializam e vazam as identidades, mas que também mostram as estruturas que fundam territórios. Se Clécio é aquele que ousa, por meio da performance, contestar a ordem autoritária vigente, é também aquele que, conforme dito acima, se afasta, em certos momentos, por meio de um ideal de amor romântico, da liberdade afetiva e desejante que antes apregoava ao se apaixonar por Fininha. É também o artista, pai de um menino, que adverte à genitora sobre a casa da Companhia Chão de Estrelas, não sendo este um ambiente para a formação do garoto. Estamos, pois, diante de movimentos interessantes que se espalham em meio aos processos de subjetivação de gênero, de sexualidade, enfim, dos desejos entre os/as personagens.

Por meio das teorias pós-críticas do currículo, temos como objetivo, neste texto, cartografar as dissidências de masculinidade que são produzidas em Tatuagem, entendendo a potência do filme na educação do olhar para as diferenças de gênero e de sexualidade. Por meio da cartografia e desta vontade de “dar língua aos afetos” (Rolnik, 1989ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: Estação Liberdade, 1989. ), buscamos acompanhar as linhas de composição das subjetividades no filme, sejam elas estratificadas, organizadas, territorializadas em suas zonas familiares e identitárias, sejam elas desterritorializadas em seus processos de fuga e de produção da diferença (Deleuze; Guattari, 2011DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. V. 1. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira, Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011.). Nesta “disposição labiríntica” (Corazza, 1996CORAZZA, Sandra Mara. Labirintos da pesquisa, diante dos ferrolhos. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Caminhos investigativos: novos olhares na pesquisa em educação. Porto Alegre: Mediação, 1996, p. 105-131.), intentamos uma “arte da atenção imanente” e uma “criatividade dos sentidos” (Stengers, 2017STENGERS, Isabelle. Reativar o animismo. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. Caderno de Leituras, n. 62, p. 01-15, mai. 2017. Disponível em: <Disponível em: https://chaodafeira.com/wp-content/uploads/2017/05/caderno-62-reativar-ok.pdf >. Acesso em: 18/10/2023.
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) para olharmos os detalhes, a fragmentação das peças, os contornos das linhas em alerta aos devires imperceptíveis, para aquilo que passa batido nos nossos objetos de estudo e que se torna, justamente, a dimensão intensiva para uma escrita intensificada pelo cinema.

Perseguimos aqui o argumento de que há um currículo-desbunde em Tatuagem, que opera um devir-mulher que passa pelo cu na resistência à ditadura, fruto de uma experiência contracultural e de uma força para uma transformação de si mesmo. Para tanto, para além desta introdução, organizamos o texto em três pontos que cobrem uma breve discussão sobre as teorias pós-críticas do currículo; o atravessamento tropicalista na produção do desbunde curricular; e a singularização no/do cu como território micropolítico de experimentação de outras masculinidades.

CUSTURANDO COM AS TEORIAS PÓS-CRÍTICAS DE CURRÍCULO

Para ampliar os objetos de estudo a serem problematizados no campo da educação, nos lançamos às teorizações pós-críticas de currículo, cuja preocupação está em “[...] expor o tipo de sujeito e de subjetividades que as diferentes práticas formam, modificam, educam, fabricam, fixam, divulgam” (Paraíso, 2004PARAÍSO, Marlucy Alves. Pesquisas pós-críticas em educação no Brasil: esboço de um mapa. Cad. Pesqui., v. 34, n. 122, p. 283-303, mai./ago. 2004. <https://doi.org/10.1590/S0100-15742004000200002>
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, p. 293). Afastando-se das verdades únicas, da filosofia da representação, da linguagem como mera descrição da realidade e da emancipação de um sujeito racional e coerente, como tanto apregoaram as chamadas teorias críticas no campo da educação (Silva, 2017SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. ), as perspectivas pós-críticas de currículo tornam-se um arsenal criativo e inventivo para que não apenas a escola e outros espaços formais de educação sejam entendidos como lugares de aprendizagens para modos, hábitos e valores, mas também os mais diferentes artefatos e cenários culturais da contemporaneidade.

A incerteza, a instabilidade e a desordem, como forças do pensamento e da política (Gandin et al., 2002GANDIN, Luís Armando; PARASKEVA, João M.; HYPOLITO, Álvaro Moreira; SILVA, Tomaz Tadeu da. Mapeando a [complexa] produção teórica educacional - entrevista com Tomaz Tadeu da Silva. Currículo sem fronteiras, v. 2, n. 1, p. 5-14, jan./jun. 2002. Disponível em: < Disponível em: https://www.curriculosemfronteiras.org/vol2iss1articles/tomaz.pdf >. Acesso em: 10/10/2023.
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), são considerados em toda a sua potência germinativa entre os/as autores/as pós-críticas/as, sinalizando para desencaixes necessários em relação aos modelos hegemônicos de pensamento, dando preferência ao conhecimento provisório, localizado e perspectivista. Para tanto, as teorias pós-críticas de currículo bebem em múltiplas fontes, dentre elas, o pós-modernismo, o pós-estruturalismo, a filosofia da diferença, os estudos culturais, a teoria queer, os estudos ecológicos, multiculturalistas, pós-colonialistas, dentre outros (Maknamara; Paraíso, 2013MAKNAMARA, Marlécio; PARAÍSO, Marlucy Alves. Pesquisas pós-críticas em Educação: notas metodológicas para investigações com currículos de gosto duvidoso. Revista da FAEEBA - Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 22, n. 40, p. 41-53, jul./dez. 2013. Disponível em: < http://educa.fcc.org.br/pdf/faeeba/v22n40/v22n40a05.pdf>. Acesso em: 18/10/2023.), vivificando o campo educacional com “[...] um material de pensamento capaz de captar a miríade de forças do cosmo” (Corazza, 2002CORAZZA, Sandra Mara. Para uma filosofia do inferno na Educação: Nietzche, Deleuze e outros malditos afins. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. , p. 14).

Uma cartografia do currículo de Tatuagem, que poderia ser compreendido como um currículo cultural na sua capacidade de governar sujeitos em meio aos jogos de poder e de verdade nos discursos veiculados nas mídias (Costa; Wortmann; Bonin, 2016COSTA, Marisa Vorraber; WORTMANN, Maria Lúcia; BONIN, Iara Tatiana. Contribuições dos Estudos Culturais às pesquisas sobre currículo - uma revisão. Currículo sem fronteiras, v. 16, n. 3, p. 509-541, set./dez. 2016. Disponível em: <Disponível em: https://www.curriculosemfronteiras.org/vol16iss3articles/costa-wortmann-bonin.pdf >. Acesso em: 18/10/2023.
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), ou um currículo-imagem que propicia experiências estéticas na produção de afecções com força de desfazer formas instituídas e ideias fixas (Silva Junior, 2022SILVA JUNIOR, Alcidesio Oliveira da. O currículo-imagem do videoclipe: educando olhares para diferenças de gênero e sexualidade. Linhas Críticas, 28, 2022. <https://doi.org/10.26512/lc28202244188>
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), é possível, pois as teorias pós-críticas “implicam em acolhida, experimentação e legitimação de formas alternativas que assumem e privilegiam o dissidente, o local, o parcial e o provisório nos processos de conhecer em educação” (Maknamara, 2021MAKNAMARA, Marlécio. Onde está o/a educador/a ambiental na formação docente em Biologia e Geografia? REMEA - Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, v. 38, n. 3, p. 176-296, 2021. <https://doi.org/10.14295/remea.v38i3.13301>
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, p. 182) e, também, “[...] favorecem o reconhecimento de que no mundo contemporâneo novas configurações culturais têm concorrido com a escola pelo privilégio sobre a educação das pessoas” (Maknamara; Paraíso, 2013CARNEIRO, Gláucia. Corpo em trânsito e desterritorializações de gênero no currículo da cidade com a arte. In: PARAÍSO, Marlucy; CALDEIRA, Maria Carolina da (Orgs.). Pesquisas sobre currículos, gêneros e sexualidades. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2018, p. 327-344, p. 42). Alcançando a teoria curricular, os movimentos pós-críticos entendem que o currículo é “[...] por natureza, rizomático, porque é território de proliferação de sentidos e multiplicação de significados” (Paraíso, 2010PARAÍSO, Marlucy Alves. Diferença no currículo. Cad. Pesqui., v. 40, n. 140, ago. 2010. <https://doi.org/10.1590/S0100-15742010000200014>
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, p. 588).

Dessa forma, para além da promoção de modelos estanques de identidades formatadas, há a compreensão da possibilidade de proliferação das diferenças por meio dos currículos, sendo estes composições de forças inesperadas à espreita de uma afirmação vitalista. O currículo de Tatuagem, custurado em uma linguagem desejante, será compreendido aqui através das teorias pós-críticas, hábeis na identificação de “significantes, significados, sons, imagens, conceitos, falas, língua, posições discursivas, representações, metáforas, metonímias, ironias, invenções, fluxos, cortes...” (Corazza, 2001CORAZZA, Sandra Mara. O que quer um currículo? Pesquisas pós-críticas em educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001., p. 09). No debruçar proposto pela cartografia, uma das metodologias pós-críticas inspiradas na filosofia da diferença de Gilles Deleuze e Félix Guattari, há uma vontade de percorrer um território de (des)aprendizagens por meio do filme, tomando “direções imprevistas ou promovem ações desordenadas [...] passível de constante modificação; conectável em todas as dimensões; desmontável, rasgável e reversível, em suas múltiplas entradas e saídas” (Corazza, 2010CORAZZA, Sandra Mara. Sentidos do currículo. Revista Teias, v. 11, n. 22, p. 149-164, mai./ago. 2010. Disponível em: < Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/revistateias/article/view/24120/17098 >. Acesso em: 10/10/2023.
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, p. 159-160).

Já que a verdade é uma “[...] ficción, invención y creación” (Silva, 2001SILVA, Tomaz Tadeu da. Dr. Nietzsche, curriculista, con aportes del profesor Deleuze: una mirada post-estructuralista de la Teoría Del Currículo. Pensamiento Educativo, v. 29, p. 15-36, dez. 2001. Disponível em: < Disponível em: https://pensamientoeducativo.uc.cl/index.php/pel/article/view/26119/20977 >. Acesso em: 18/10/2023.
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, p. 16), é necessário que sejam esmiuçadas as linhas, as imagens, as representações, as relações de poder que produzem os currículos e que sejam postos sob atenção todos os quereres e dizeres, pois estes almejam a construção de sujeitos, não a sua revelação ou emancipação. Como nos diz Sandra Corazza (2001CORAZZA, Sandra Mara. O que quer um currículo? Pesquisas pós-críticas em educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001., p. 12), ao falar do currículo, “[...] sua linguagem não apenas ‘representa’ o mundo das coisas, mas também fabrica este mundo, as próprias coisas e a modalidade das relações entre as coisas”. No jogo interessante e interesseiro dos quereres curriculares, cabe às teorias pós-críticas o dançar entre as formas e as forças, sempre almejando, em toda a sua provisoriedade, a cartografia de um diagrama cuja tônica se dá na imanência dos jogos sociais e culturais.

“MEU CORPO NO SEU, NO DESBUNDE GERAL”: A POÉTICA DE UM CURRÍCULO DEBOCHADO

“Apaches, punks, existencialistas, hippies, beatniks de todos os tempos: Uni-vos!”

Caetano Veloso, em Ele me deu um beijo na boca (1982).

Caetano Veloso, no trecho da música acima, nos conduz à tônica da Companhia de Teatro Chão de Estrelas em sua operação micropolítica nos tempos autoritários de 1978. Parafraseando a clássica palavra de ordem marxista (“Proletários de todos os países: uni-vos!”), Veloso esgarça o tecido político de hegemonia macropolítica e economicista, bandeira dos grupos de esquerda opositores à ditadura brasileira. Como um poeta do movimento contracultural brasileiro, antenado às insurreições de Paris de 1968 e a outros levantes internacionais encabeçados pelas ditas minorias (mulheres, gays, lésbicas, travestis, negros/as etc.) na reivindicação de uma nova sociedade, temos aí a expressão lírica de uma “revolução molecular” (Guattari; Rolnik, 1996GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. ), que ganha corpo no Brasil e é representada em Tatuagem.

Junto com Félix Guattari e Suely Rolnik (1996GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. ), compreendemos a revolução molecular como uma intensa efervescência na criação de novas subjetividades em torno de padrões repetitivos, afastando-se da alienação da mera reprodução dos quadros vigentes. Neste processo revolucionário, não apenas as relações sociais de geografias mais extensas são transformadas, mas as cotidianas e as interpessoais na invenção de outras sociabilidades, afetos e amores, no que se destacam também os novos devires de sonhos, imaginário e desejo. Para Guattari e Rolnik (1996, p. 46), “são revoluções moleculares criando mutações na subjetividade consciente e inconsciente dos indivíduos e dos grupos sociais”.

00:00:49 - Ao som de aplausos e de uma voz com entonação circense apresentando um espetáculo ainda não nomeado, uma câmera em plano-sequência segue pela direita percorrendo um espaço com parca iluminação. O que vemos, além das estrelas prateadas mal cortadas coladas nas paredes, são alguns adereços precários espalhados no cenário a ser percorrido por nossos olhos ansiosos por uma revelação. “O Moulin Rouge do subúrbio, a Broadway dos pobres, o Studio 54 da favela: bem-vindos ao Chão de Estrelas!”. Nos introduzindo ao universo de Tatuagem com estas palavras, o animador arranca mais aplausos da plateia e nos prepara para uma noite cujo arsenal é o deboche.

Os primeiros minutos de Tatuagem, conforme o fragmento acima, nos apresentam a Chão de Estrelas como o avesso/periferia de espaços badalados, como o francês Moulin Rouge e os norte-americanos Broadway e Studio 54. Com atrações como Paulete Beirinha, Suzane Estilo de Gata, Marquinhos Odara e o concurso “Membro de Ouro”, o grupo anuncia, por meio do seu cicerone, que sua arma é o deboche que abala o quarteirão e “faz tremer toda a forma de autoridade”. Fazendo uso de uma linguagem zombeteira na composição do seu espetáculo, a Chão de Estrelas celebra a precariedade como forma de potencializar um lugar de enunciação - que poderíamos chamar de queer - ao tornar o insulto e o vocabulário cafona-periférico-travesti como táticas de luta. A linguagem escolhida se torna performática à medida que cria uma atmosfera específica para o espetáculo daquele grupo, tal como se já adentrássemos em uma precariedade reconhecida, mas sendo fundamento para uma política de aliança (Butler, 2018BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Tradução de Fernanda Siqueira Miguens. 1. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. ) necessária para a sobrevivência em tempos de ruína. Junto com Judith Butler (2018BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Tradução de Fernanda Siqueira Miguens. 1. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. , p. 36), compreendemos que a performatividade da linguagem, neste caso na retomada do precário como espetáculo a ser visibilizado, “[...] faz alguma coisa acontecer ou traz algum fenômeno à existência”, tal qual o resgate em cooperação de vidas que estão à margem da cultura hegemônica.

Em outro momento, ao ser chamada de “frango chato da porra” (00:07:25) por um comerciante enquanto toma sol na praia com Clécio, Paulete, a hipérbole do corpo dissidente na expressão da travesti, ridiculariza e bloqueia a ofensa por meio da própria reivindicação deste lugar: “ohh, frango! Descobriu o Brasil, o senhor! Cuidado para não me atingir com esta ofensa...”. Se situarmos o evento no final da década de 1970, na arrastada reabertura política do Brasil, vemos como as linhas dissidentes começam a ganhar corpo na sociedade, ainda que sob o açoite do pânico moral vigente. Clécio, comentando com Paulete sobre os futuros passos do grupo de teatro logo após o ocorrido, expressa sua vontade “[d]a práxis do improvável junto à epifania da desordem”. Interessante notar os efeitos provocados por um corpo queer que afirma sua existência - cabelos ao vento, sorriso no rosto, graciosidade dos gestos - e que anuncia, materialmente, as palavras de Clécio. Aí não estamos diante do abstrato, mas da breve condensação do que pode representar o discurso da Chão de Estrelas na reterritorialização de suas subjetividades: em forma líquida, porém, com facilidade de adentrar os múltiplos orifícios da sociedade, como a chuca3 3 Técnica de limpeza do cu habitual entre os/as praticantes do sexo anal, também chamada de “ducha higiênica”. pelo cu, território de assombros e desejos.

Por Paulete não ‘entender’ as palavras, ainda que seja ela o próprio discurso em movimento, Clécio explica: “Práxis, em vez de você pensar, você praticar. Fuder invés de você bater punheta. E epifania é você dar rumo à vida, dar corpo à alma, dar vasão ao desejo”. O diretor, ao ressoar as palavras práxis e epifania em outra tonalidade do habitual, a primeira, com um sentido marxista sempre marcado, a segunda, religioso/místico, nos brinda com uma nova expressão que ilustra a atuação micropolítica, parte do movimento contracultural que, no Brasil dos anos de 1960 e 1970, ganha vida por meio do tropicalismo e do que veio a ser chamado de desbunde. Vemos que a Chão de Estrelas se insere nesta lacuna criativa aberta no meio do cinzento ciclo autoritário que sacudia o Brasil, marcado pelo desejo latente não apenas de transformação do corpo social em sua totalidade, mas pelas relações com o outro e consigo, do cotidiano, do prazer...

Tais formas de [uma outra] luta na ditadura militar eram interpretadas pela esquerda tradicional como desbunde, ou seja, um modo irresponsável e despolitizado de compreender a realidade do seu tempo, assim como seus/suas participantes, “[...] rotulados de ‘meninos de Marcuse’, ‘alienados’ e, por fim, ‘malucos’ devido à valorização dos processos intuitivos, sensórios e imaginativos” (Barros, 2014BARROS, Patrícia Marcondes de. “Tropicália”: a face da nascente contracultura no Brasil nos anos de chumbo. Revista de Literatura, História e Memória, v. 10, n. 15, p. 45-57, 2014. <https://doi.org/10.48075/rlhm.v10i15.10326>
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, p. 47). Porém, segundo Sheyla Diniz (2020DINIZ, Sheyla Castro. Desbundando em anos de chumbo: contracultura, produção artística e Os Novos Baianos. História (São Paulo), v. 39, p. 01-29, 2020. <https://doi.org/10.1590/1980-4369e2020016>
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), os/as desbundados/as seriam todos/as aqueles/as que assumiam radicalmente uma posição anarquista, antiburguesa, adeptos/as do movimento hippie, da vida comunitária e das experiências psicodélicas com drogas, tinham curiosidade com as religiões orientais, indígenas e afro-brasileiras e, o que incomodava com notoriedade a esquerda tradicional, rejeitavam explicações históricas totalizantes, assim como vivenciavam os prazeres do corpo e da sexualidade de maneira mais livre. O desbunde, pois, se tornou a versão tupiniquim do movimento contracultural que varreu o mundo na década de 1960 e 1970, que “[...] reivindicava transformações nos planos subjetivo e cultural para além da revolução propriamente estrutural, embora uma e outra não se excluíssem” (Diniz, 2020DINIZ, Sheyla Castro. Desbundando em anos de chumbo: contracultura, produção artística e Os Novos Baianos. História (São Paulo), v. 39, p. 01-29, 2020. <https://doi.org/10.1590/1980-4369e2020016>
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, p. 02).

Perseguidos/as pela esquerda tradicional, visto não serem adeptos/as da luta armada contra a ditadura, assim como dos grupos conservadores que viam nestas pessoas uma ameaça aos valores burgueses e aos bons costumes, muitos/as artistas, e aqui destacamos os/as tropicalistas, utilizavam um arsenal estético para provocar abalos micropolíticos na sociedade. Para Arnaldo Contier et al. (2003CONTIER, Arnaldo Daraya; FISCHER, Catarina Justus; FABRÍCIO, Ovanil; CARVALHO, Vera A. Assumpção Tavares de. O movimento tropicalista e a revolução estética. Cad. de Pós-Graduação em Educ., Arte e Hist. da Cult., São Paulo, v. 3, n. 1, p. 135-159, 2003.< https://www.hugoribeiro.com.br/biblioteca-digital/Contier-Movimento_tropicalista_e_a_revolucao_estetica.pdf>. Acesso em: 01/09/2023.
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, p. 149), “[...] seus princípios estéticos vinham da síntese, da imaginação, da agressividade, da invenção, da surpresa, da imagem-choque, do ridículo, do cafona, do grotesco”, o que promovia um turbilhão de questionamentos ao status quo e aos poderios dominantes que criavam subjetividades comportadas ao modelo de sociedade vigente. Ainda segundo Celso Favaretto (2000FAVARETTO, Celso. Tropicália, alegoria, alegria. 3. ed. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2000., p. 114), “a atividade tropicalista se materializa como exercício surrealista: uma prática em que a realidade é fecundada pela imaginação e pelo sonho, iluminando as possibilidades reprimidas”, como ilustrado no conjunto das próximas cenas:

00:17:46 - Um plano geral4 4 Também chamado de plano aberto, é um tipo de enquadramento da imagem para ambientação onde delimitamos um espaço onde os/as personagens se encontram ocupando apenas uma pequena parte deste. ao som de aplausos abre a sequência de esquetes que a Chão de Estrelas passa a apresentar, ainda que não saibamos ao certo se trata-se de uma mesma noite: (1) vestido como um Dragão da Independência em versão queer - a Dragonesa - Clécio presta continência ao público sob a trilha de uma melodia militar. Cortes em plano-sequência5 5 Segundo Jacques Aumont e Michel Marie (2003, p. 231), plano-sequência “[...] trata-se de um plano bastante longo e articulado para representar o equivalente de uma sequência”. Neste plano, não temos cortes e os/as personagens são acompanhados na totalidade de uma ação dramatizada no filme. mostram o público que se divide entre espectadores/as ativos/as e outros/as que se lançam aos beijos. Ao som do Hino Nacional brasileiro, a Dragonesa apresenta dois personagens que coroam o Brasil: “Pri” e “Quito”. Seria uma reapropriação do priquito perseguido pela ditadura? (2) Após falas intertextuais de Clécio citando Glauber Rocha e Glauce Rocha, dois ídolos do cinema novo brasileiro, Professor Joubert declama um poema em que proclama a diferença, o múltiplo e o porvir. A câmera, que se intercala agitada entre primeiro plano e primeiríssimo plano6 6 Quanto ao enquadramento da câmera, o primeiro plano é quando o/a personagem é filmado do peito para cima; no primeiríssimo plano, o foco é dos ombros pra cima, destacando mais o rosto; e, no plano médio, é mostrada a figura humana por inteiro com um sutil espaçamento sobre a cabeça e sob os pés. , revela, em cortes, a figura de Paulete com um vestido feito com o tecido de uma toalha cafona, performando ao som do Hino de Pernambuco (3) Plano médio e iluminação baixa - destoando apenas dos pisca-piscas no fundo do cenário - e duas figuras femininas dançam com roupas vermelhas enquanto um homem negro estala os dedos. A câmera foca primeiro os seios de uma e depois o pau peludo da outra sob os gritos da plateia (4) Em plano médio, três personagens, talvez funcionários públicos, dividem-se entre a mecânica da burocracia e a fruição da libido para atenuar as linhas duras do tédio ao som do Concerto nº 1 Primavera de Vivaldi (5) Com tom de deboche, a Chão de Estrelas apresenta um pastoril com duas pastorinhas, entre elas um gay afeminado, enquanto o velho, interpretado por Clécio, aconselha as duas sobre o casamento: o soldado, não serve para casar, mas o travesti sim, pois pode vir como homem e como mulher também.

O trecho descrito traz o teor subversivo e as linhas de tensionamento, dentre elas, as de gênero e de sexualidade, que acompanham todo o filme e que podem ser aqui mais bem trabalhadas na cartografia das imagens. Uma estética tropicalista é marca de Tatuagem, pois vemos o predomínio de uma série de características ligadas ao tropicalismo, como o dialogismo, a reinvenção crítica da cultura brasileira, a ambiguidade, a justaposição de imagens, o culto do prazer, o riso, o deboche e a sátira. Como “agentes de provocação” (Contier et al., 2003CONTIER, Arnaldo Daraya; FISCHER, Catarina Justus; FABRÍCIO, Ovanil; CARVALHO, Vera A. Assumpção Tavares de. O movimento tropicalista e a revolução estética. Cad. de Pós-Graduação em Educ., Arte e Hist. da Cult., São Paulo, v. 3, n. 1, p. 135-159, 2003.< https://www.hugoribeiro.com.br/biblioteca-digital/Contier-Movimento_tropicalista_e_a_revolucao_estetica.pdf>. Acesso em: 01/09/2023.
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), os/as tropicalistas da Chão de Estrelas empreendem o que aqui temos chamado de currículo-desbunde, aproximando-se do queer ao promover citações anteriormente marginalizadas, pejorativas e indignas, em jogos de palavras e imagens que celebram a diferença e promovem a visibilização do abjeto. Neste caminho, “a lógica da ofensa é tensionada quando, em um movimento de recusa à normalização, assume-se como possível de se viver o lugar da estranheza e do desvio” (Silva; Paraíso, 2020SILVA, João Paulo de Lorena; PARAÍSO, Marlucy Alves. Infâncias queer no currículo escolar e a criação de modos de vida transviados. In: RODRIGUES, Alexsandro; CAETANO, Márcio; SOARES, Maria da Conceição Silva (Orgs.). Queerizando currículos e educação: narrativas do encontro. 1. ed. Salvador, BA: Editora Devires, 2020, p. 129-148., p. 134, grifos do autor e da autora).

Indicando que o desbunde é uma versão brasileira da contracultura que sugere uma soltura e um desgoverno, Caetano Veloso nos diz que “desbundar significava deixar-se levar pela bunda, tomando-se aqui como sinédoque para ‘corpo’ a palavra afro-brasileira que designa essa parte avizinhada das funções excrementícias e do sexo” (Veloso, 1997VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. , p. 469). Um currículo-desbunde opera intervalando as normalizações, dando espaço e privilégio aos enfrentamentos micropolíticos por meio do deboche, da justaposição de imagens contraditórias e da ambiguidade, colocando ao avesso os modos de vida e as matérias de expressão que atendem, de forma acrítica, as formas hegemônicas. Se para os grupos tradicionais - de direita ou de esquerda -, o prefixo “des”, de negação, junto à bunda, coroava de falta de coragem os/as agentes da provocação micropolítica do seu tempo, pois significava, “[...] no bom português coloquial ‘tirar o cu da seringa’ ou ‘tirar o cu da reta’, quer dizer, abster-se, recuar” (Diniz, 2020DINIZ, Sheyla Castro. Desbundando em anos de chumbo: contracultura, produção artística e Os Novos Baianos. História (São Paulo), v. 39, p. 01-29, 2020. <https://doi.org/10.1590/1980-4369e2020016>
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, p. 04), vemos o desbunde como um movimento que arregaça as cordas que buscam limitar os significados da política.

Fazendo uso de um pensamento desbundado, remexemos os significados conferidos a este modo de vida e os entendemos não como atos de covardia ou de despolitização. Muito pelo contrário, o currículo-desbunde, como prática de significação, promove (des)aprendizagens múltiplas que recuam diante dos modos retos - lineares, diretos, direitos/as -, mas avançam nos territórios não ocupados, liberando devires que têm no desejo sua força máxima de atração. Um currículo que “tira o cu da reta”, pois não é feito apenas de dois pontos, mas de uma miríade de pontos que formam curvas oblíquas se encontrando por todos os lados de forma incontrolável. Tem uma expressão rizomática, pois “[...] pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer, e também retoma segundo uma ou outra de suas linhas e segundo outras linhas” (Deleuze; Guattari, 2011DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. V. 1. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira, Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011., p. 25). Ao tirar o cu da reta, o currículo-desbunde escolhe habitar, provisoriamente, o tortuoso, o pregueado, o marginal e a tela opaca, ainda que, em algum momento, cruze a retidão para que deboche dela novamente.

Sob a inspiração de Jack Halberstam (2011HALBERTSTAM, Jack. El arte queer del fracaso. Tradução de Javier Sáez. Barcelona: Editorial EGALES, 2011. ) ao celebrar a inadequação do queer, vemos o currículo-desbunde como uma arte fracassada, uma vez que não coaduna com a régua moral do seu tempo, preferindo a margem ao centro, a travesti ao soldado, o amor livre ao casamento burguês, a diferença que entra e sai (entra e sai, entra e sai, entra e sai...) pelo cu ao falocratismo que confunde poder com potência. O currículo-desbunde, portanto, promove processos de singularização (Guattari; Rolnik, 1996GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. ), ou seja, modos de subjetivação singulares que se afirmam diferentemente de uma massificação subjetiva que apreende a norma e os valores dominantes como modo de vida.

Há, nas cenas descritas, uma série de “pontos de singularidade” (Guattari; Rolnik, 1996GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. ) como respostas ao seu tempo. Diante do autoritarismo de formas vigentes da cultura hegemônica, segundo o autor e a autora, um ponto de singularidade pode cair no limbo, transformando-se na infertilidade, ou pode se transformar em um processo de singularização, que “[...] coincida com um desejo, com um gosto de viver, com uma vontade de construir o mundo no qual nos encontramos, com a instauração de dispositivos para mudar os tipos de sociedade, os tipos de valores que não são os nossos”, segundo Guattari (1985, p. 17). Ao enaltecer a diferença e o múltiplo tal qual forças para o porvir, conforme o poema do Professor Joubert, Tatuagem nos ensina que as identidades, especialmente aquelas privilegiadas pela cultura dominante, são laços que espremem os devires, permitindo que gangrenas se espalhem pelo corpo, impossibilitando o fluxo da vida. Há, dessa maneira, uma luta micropolítica materializada nas imagens contra uma maioria, entendendo esta não como “[...] uma quantidade relativa maior, mas [como] a determinação de um estado ou de um padrão em relação ao qual tanto as quantidades maiores quanto as menores serão ditas minoritárias: homem-branco, adulto-macho, etc.” (Deleuze; Guattari, 2012DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. V. 4. Tradução de Suely Rolnik. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2012. , p. 92).

Ao justapor imagens nas montagens descritas - (1) o militarismo e o queer; (2) a formalidade do hino e a exaltação do múltiplo; (3) o corpo delicado-feminino e/com o pau peludo; (4) a burocracia e a libido; (5) o soldado e a travesti - Tatuagem nos mostra que um currículo-desbunde é especialista em contrastar imagens para que um incômodo crítico se anuncie, ensaie um gesto, uma leve movência... Para Georges Didi-Huberman (2018DIDI-HUBERMAN, Georges. Olhos livres da história. Revista Ícone, Recife, v. 16, n. 2, p. 161-172, 2018. <https://doi.org/10.34176/icone.v16i2.238900>
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, p. 20, grifo meu), “[...] o passado se torna legível, logo conhecível, quando as singularidades aparecem e se articulam dinamicamente umas com as outras - pela montagem, escrita, cinemática - como tantas imagens em movimento”. O pau que surge no meio de um corpo interpretado como feminino nos mostra como as interpretações são equivocadas, uma vez que estão assentadas em códigos de uma semiótica dominante (Guattari, 1985GUATTARI, Félix. Revolução molecular: pulsações políticas do desejo. Tradução de Suely Belinha Rolnik, 3. ed. São Paulo, SP: Editora Brasiliense, 1985. ), sendo preferível, pois, a experimentação. O pastoril, símbolo da cultura que profana o sagrado, ao enunciar o privilégio de uma travesti a um soldado em um casamento pelas múltiplas possibilidades de prazer que esta pode proporcionar, nos mostra que a montagem provoca abalos, já que des-hierarquiza existências, colocando-as como contraditórias para a frutificação do pensamento. Ainda segundo Didi-Huberman (2017DIDI-HUBERMAN, Georges. Quando as imagens tomam posição. Tradução de Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017. , p. 119), “só se expõe a política mostrando os conflitos, os paradoxos [...] é por isso que a montagem aparece como procedimento por excelência [...] as coisas aparecem ali tomando posição”.

Em Tatuagem, o currículo-desbunde carnavaliza, em especial, as questões de gênero e de sexualidade (Silva Junior, 2021SILVA, Roberto Vinício Souza da; NASCIMENTO, Letícia Carolina Pereira do; CAETANO, Márcio. A Bicha Docente Despachada: sociopoetizando a educação nas diferenças. Textura, v. 23, n. 55, p. 194-214, jul./dez. 2021. < https://doi.org/10.29327/227811.23.55-9>
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), como veremos no próximo ponto, pois amplia as possibilidades e não mais se cerca dos limites heteronormativos. Isto se alia aos argumentos de Patrícia Barros (2014BARROS, Patrícia Marcondes de. “Tropicália”: a face da nascente contracultura no Brasil nos anos de chumbo. Revista de Literatura, História e Memória, v. 10, n. 15, p. 45-57, 2014. <https://doi.org/10.48075/rlhm.v10i15.10326>
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) ao dizer que o tropicalismo transformou o Brasil do “isto ou aquilo” no Brasil do “isto e aquilo” por conta de uma antropofagia de imagens, novos valores e experimentações estéticas. Assim, ao fazer o múltiplo (Deleuze; Guattari, 2011DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. V. 1. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira, Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011.), há uma abertura para que o rizoma, nutriente do currículo-desbunde em Tatuagem, assuma como “tecido a conjunção ‘e...e...e...’”, capaz de colocar em abalos o verbo ser, ligado às essências e filiações (Deleuze; Guattari, 2011DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. V. 1. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira, Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011., p. 48).

O CU COMO TERRITÓRIO MICROPOLÍTICO: O BURACO DA SINGULARIDADE

“Cu: substantivo masculino; orifício na extremidade inferior do intestino grosso, por onde se expelem os excrementos; ânus, ano”.

Dicionário Oxford Languages

“O meu cu é teu, o meu cu é teu. O meu cu é teu, é teu, é teu, você já lambeu, você já meteu [...]

Você me venceu, o meu cu é teu”.

Valesca Popozuda

“O buraco do meu cu é revolucionário”.

Guy Hocquengheim

“Hey, Bolsonaro, vai tomar no cu!”

Brasil

Estes trechos - de músicas, filosofias, formalidades e palavras de ordem - nos mostram que o cu está na boca de todo mundo. Em um beijo grego (in)voluntário, muita gente já raspou o cu na língua, na tentativa de ofender alguém, de enaltecer o prazer, ou de comungar com palavras daquilo que todo mundo tem, ainda que nem todo mundo queira [dizer que gosta de] dar. Da filosofia ao funk, existe algo bem no meio do cu que nos desconcerta, nos deixa incomodados/as e nos faz rir, nutrindo uma série de tabus e de brincadeiras que nos perseguem independentemente da idade ou do grupo social. O cu é onipresente, logo, é parte do divino.

Em Tatuagem, mesmo que, em um deslize normativo, as primeiras cenas nos revelem certa importância dada ao pau, como no concurso “Membro de Ouro” já citado no início deste artigo, é o cu que ganha uma importância na narrativa do filme, tal qual a experimentação de um novo território ainda pouco explorado. A instigante pergunta de Javier Saéz e Sejo Carrascosa (2016, p. 10), “como é possível pensar a partir do cu ou pelo cu?”, parece animar o cineasta Hilton Lacerda e a Companhia de Teatro Chão de Estrelas nas suas experimentações com a linguagem e com o corpo, apontando para uma performance contracultural. Pensar a partir e pelo cu diz respeito a produzir novos sentidos para um mundo codificado pela maioria, apelando para outras configurações marginais que enriqueçam as alternativas não apenas de interpretação do entorno, mas do coito com tudo que vive, devorando as existências antropofagicamente. Pensar a partir e pelo cu equivale a compreender que existe, sim, um “estado de dominação” (Deleuze; Guattari, 2012DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. V. 4. Tradução de Suely Rolnik. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2012. ), mas que é necessário o impulso libertino para, nos inspirando em Deleuze (2013DELEUZE, Gilles. Conversações. Tradução de Peter Pál Pelbart. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2013.), enrabar a maioria, como ele fazia com os/as outros/as autores/as, produzindo um monstro, porém, cheio de vitalidade para criar outras sensibilidades.

As cenas iniciais de Tatuagem apontam para os contrastes celebrados a todo momento na película. É como se estivéssemos diante de uma metáfora visual das linhas de tensionamento que produzem as vidas dos/as personagens: os recuos e avanços, contrações e afrouxamentos, como um cu que pisca de prazer [ou de medo]. Arlindo, no seu contexto militarizado, sempre surge endurecido, permeado de situações de controle e disciplina corporal sob uma constante suspeita de sua masculinidade. Já Paulete, assim como os/as outros/as personagens da Chão de Estrelas, parece brincar com o gênero, tecendo um currículo-desbunde que carnavaliza as performances e que, de acordo com Favaretto (2000FAVARETTO, Celso. Tropicália, alegoria, alegria. 3. ed. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2000., p. 132-133), “[...] abole a distância entre os homens, entre o sagrado e o profano, entre o sublime e o insignificante, entre o cômico e o sério, entre o alto e o baixo etc.; relativizando todos os valores”. Se, no quartel de Tatuagem, temos um currículo cuja bunda está sempre na reta, na Chão de Estrelas, há aquilo que se diz de uma “[...] contingência discursiva produzindo afecções, dobras - éticas, estéticas e políticas” (Pocahy, 2020POCAHY, Fernando. Gênero, sexualidade e geração: latitudes queer. In: RODRIGUES, Alexsandro; CAETANO, Márcio; SOARES, Maria da Conceição Silva (Orgs.). Queerizando currículos e educação: narrativas do encontro. 1. ed. Salvador, BA: Editora Devires, 2020, p. 308-320., p. 316), colocando a bunda em jogo e expandido todas as suas possibilidades de abertura para o desejo.

Arlindo - ou Fininha - está, a todo momento, negociando a performance de sua masculinidade. Mesmo fincando estacas passageiras nas “casas-dos-homens” (Welzer-Lang, 2001WELZER-LANG, Daniel. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Estudos feministas, v. 2, 2001. <https://doi.org/10.1590/S0104-026X2001000200008>
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), como nos quartéis e nas partidas de futebol com seus colegas soldados, ou administrando o armário, este dispositivo de regulação do que é exposto/assumido ou não na homossexualidade (Sedgwick, 2007SEDWICK, Eve Kosofsky. A epistemologia do armário. Cadernos Pagu, v. 28, p. 19-54, jan./jun. 2007. < https://doi.org/10.1590/S0104-83332007000100003>
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), como nas visitas às parentas do interior e a sua namoradinha, existem lacunas abertas, de onde podem escorrer experimentações e devires. Ainda antes de encontrar Clécio, vemos que uma suspeita - que após será confirmada - ronda a vida de Fininha: o seu caso com um militar de maior patente no exército, o que lhe conferia proteção no quartel. Seus colegas de serviço constantemente o interpelam (00:06:14), debochando do seu ‘medo de aranha’, ao se referirem à vulva das mulheres, ou de suas fugas quando chamado para sair e comer algumas meninas.

Porém, é importante destacar, junto com Daniel Welzer-Lang (2001WELZER-LANG, Daniel. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Estudos feministas, v. 2, 2001. <https://doi.org/10.1590/S0104-026X2001000200008>
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), que estes espaços de homossocialização não são apenas propícios para atos homofóbicos, sejam físicos, sejam psicológicos, como os vividos por Arlindo, mas ali também se vivenciam muitos jogos do erotismo masculino. É como se o cu sempre estivesse à espreita para uma danação, emitindo vibrações dionisíacas impossíveis de serem contidas naqueles corpos jovens e libertinos. Em uma das cenas, soldado Gusmão (Ariclenes Barroso), cercado por uma brenha de pica(e)paus por todos os lados, questiona a masculinidade de Arlindo, na tentativa de enquadrá-lo nos atributos esperados de um ‘verdadeiro’ macho: virilidade, potência sexual e, acima de tudo, heterossexualidade. Percebemos aí que “[...] a dominação masculina produz homofobia para que, com ameaças, os homens se calquem sobre os esquemas ditos normais de virilidade” (Welzer-Lang, 2001WELZER-LANG, Daniel. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Estudos feministas, v. 2, 2001. <https://doi.org/10.1590/S0104-026X2001000200008>
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, p. 465). Ainda que tenha sido algoz de Fininha na cena descrita, um pouco mais adiante no filme, soldado Gusmão deixa escapar seus desejos por Arlindo, o que mostra como a sexualidade e o gênero são linhas trêmulas que, por mais que sejam submetidas a uma série de pedagogias de masculinidade ao longo da vida, são instáveis, indefinidas e potentes em sua variação. Compreendemos, fazendo uso das formulações de Suely Rolnik (1989ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: Estação Liberdade, 1989. , p. 49), que as linhas de gênero e de sexualidade são como linhas de simulação, que estão “[...] sempre a oscilar na direção do fluxo puro e desencantar a matéria, provocando desabamento de território”.

A ditadura militar representou a maximização da masculinidade hegemônica, que, apoiando-se em uma perseguição acirrada aos homossexuais, buscava a consolidação de um modelo de gênero e de sexualidade que estava em constante questionamento após a década de 1960 em todo o mundo. Entre os censores do Brasil nesse período autoritário, a homossexualidade era vista como manifestação de subversão, como imoralidade e como fruto do comunismo, como vemos, inclusive, na proibição a uma das apresentações da Chão de Estrelas (01:31:27) e na repressão que invadiu uma das noites na casa de espetáculo do grupo (01:37:46). Em Tatuagem, se de um lado temos a tentativa de conservação das pregas anais como troféu de uma virilidade a ser reforçada em tempos estremecidos, temos também certa positivação do cu (Saéz; Carrascosa, 2016), ou seja, a afirmação elástica de um buraco que é a singularidade do desfazimento da Forma-Homem, ou seja, do modelo de masculinidade esperado para o assujeitamento dos homens.

Tantos são os debates colocados pelo cu que uma das práticas de tortura escolhidas pelos militares nos tempos autoritários, especialmente para os homens que eram capturados por sua resistência ao regime, estava centrada no ânus. Em sua pesquisa sobre as implicações de gênero no uso sistemático da tortura na ditadura militar, Emerson Gracia (2018GRACIA, Emerson Flores. Masculinidade e tortura: gênero e o uso sistemático da tortura na Ditadura Civil-Militar Brasileira. Dissertação (Mestrado em História). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2018. ) relata práticas de estupro, choque no ânus, penetração de dedos e com objetos metálicos, dentre tantas outras formas que mulheres e, especialmente, homens eram submetidos/as para delatarem companheiros/as da oposição aos militares. No caso dos homens, “o foco nos genitais e no ânus, as frequentes ameaças de violação, especialmente com objetos, buscavam a diminuição do militante em sua masculinidade, dobrando-o à vontade do torturador e o humilhando” (Gracia, 2018, p. 132).

Na tentativa de desmontar os grupos de resistência, os militares apelavam à inferiorização do homem torturado, colocando a sua masculinidade em xeque ao romper sua impenetrabilidade, visto que a penetração passiva é parte da performance exclusivamente feminina. Como “[...] um homem penetrado já não é um homem, é uma mulher” (Sáez; Carrascosa, 2016SÁEZ, Javier; CARRASCOSA, Sejo. Pelo cu: políticas anais. Tradução de Rafael Leopoldo. Belo Horizonte: Grupo Editorial Letramento, 2016., p. 181), não apenas a tortura física, mas também a violência psicológica [e de gênero] era posta em ação pelos militares, desejosos em preservar não apenas a gestão macropolítica da sociedade, conforme os grupos dominantes, mas também a atuação micropolítica. Talvez adviesse daí a associação frequente entre homossexualidade e comunismo, como “[...] ameaças à segurança e à viabilidade do Brasil” (Cowan, 2018COWAN, Benjamin. Homossexualidade, ideologia e “subversão” no regime militar. In: GREEN, James N.; QUINALHA, Renan (Orgs.). Ditadura e homossexualidades: repressão, resistência e a busca da verdade. São Carlos: EdUFSCAR, 2018, p. 27-52., p. 49).

O controle do cu se torna indispensável para a manutenção dos quadros sociais e culturais em um país cujos símbolos de autoridade exalam hipermasculinidade. Dar o cu, ou “distribuir” (Popozuda, 2013POPOZUDA, Valeska. Hoje eu não vou dar, eu vou distribuir. In: POPOZUDAS, Gaiola das. Gaiola das Popozudas. Rio de Janeiro: Pardal Produções/Galerão Records, 2013. CD. ), passa a ser uma ferramenta micropolítica, que consiste “[...] em atos de criação que se inscrevem nos territórios existenciais estabelecidos e suas respectivas cartografias, rompendo a cena pacata do instituído” (Rolnik, 2018ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018., p. 61). Queremos dizer com isso que o currículo-desbunde, conforme visto em Tatuagem, é contracultural, pois, se estamos imersos/as em uma “cultura cisheteropatriarcal” (Silva; Nascimento; Caetano, 2021SILVA JUNIOR, Alcidesio Oliveira da. “Eu gosto mais das coisas que brilham!”: e se gênero fosse um carnaval? Revista Diversidade e Educação, v. 9, n. 1, p. 169-196, jan./jun. 2021. <https://doi.org/10.14295/de.v9i1.12958>
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), à medida que debochamos do emaranhado de linhas de produção do gênero e da sexualidade dominante, estamos inventando alternativas para que a diferença ganhe corpo no mundo.

A cultura dominante procura nos vincular, de forma rígida, a determinados sistemas semióticos para a organização e orientação do social. Ainda segundo Guattari e Rolnik (1996GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. ), temos uma industrialização das subjetividades que atende a interesses de grupos dominantes na tentativa de bloquear os processos de singularização. Quando dizemos que o currículo-desbunde em Tatuagem é contracultural, é justamente pela abertura das vias de passagem que ele promove entre as semióticas dominantes de gênero e de sexualidade. Há uma semiótica do/no cu que destoa do privilégio cultural dado ao pau. Uma produção de sentidos de ordem inversa, cheia de pregas e que alcança territórios marginalmente explorados na cultura cisheteropatriarcal. Se “[...] a arquitetura do corpo é política” (Preciado, 2014PRECIADO, Beatriz. Manifesto contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. Tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: n-1 edições, 2014., p. 31), a exclusão do cu como território de prazer e como espaço de liberdade para todas as formas de gênero tem tudo a ver com a manutenção da heteronorma, estando em um cenário de constante tremulação, pois é performática.

Ao fazer uma genealogia do cu, Javier Sáez e Sejo Carrascosa (2016SÁEZ, Javier; CARRASCOSA, Sejo. Pelo cu: políticas anais. Tradução de Rafael Leopoldo. Belo Horizonte: Grupo Editorial Letramento, 2016.) nos mostram como o corpo foi historicamente recortado e significado de muitas maneiras, tendo como foco as partes dignas ou não para o prazer sexual, especialmente se inseridas em um regime de verdade heteronormativo. Ao evidenciar a força da ética da passividade, os autores sinalizam que “[...] a construção da sexualidade, do desejo, está atravessada por muitas variáveis transversais, mas, sobretudo, está dentro de um sistema, o heteropatriarcal, onde os valores do penetrador [do cu] são os mais elevados” (Sáez; Carrascosa, 2016SÁEZ, Javier; CARRASCOSA, Sejo. Pelo cu: políticas anais. Tradução de Rafael Leopoldo. Belo Horizonte: Grupo Editorial Letramento, 2016., p. 161). Com base nos modos de vida heterossexuais, portanto, o cu se tornou uma área repulsiva, apenas dirigida às funções excretoras do aparelho digestivo, tendo em vista que a conjunção pau-buceta, alicerce da reprodução sexual no regime heteronormativo, fincou-se como única possibilidade aceitável e legítima na cultura hegemônica. Se pensamos, junto com Preciado (2014PRECIADO, Beatriz. Manifesto contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. Tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: n-1 edições, 2014.), que a contrassexualidade é a desnaturalização da heteronormatividade, provocando questionamentos incisivos sobre como os corpos são hierarquizados e definidos sob uma suposta natureza, compreendemos também que o cu é um “centro contrassexual universal” (Preciado, 2014PRECIADO, Beatriz. Manifesto contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. Tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: n-1 edições, 2014., p. 36). Deste centro - difuso, não coeso e deliciosamente instável - se engendram desterritorializações que agitam um devir-mulher entre os homens, uma vez que degelam a Forma-Homem em prol de uma multiplicidade de experiências de masculinidades.

00:29:19 - Sob uma luz que lembra as cores da bandeira do Brasil, Clécio surge no canto direito de um cenário pouco iluminado, enquanto um violão lança alguns acordes. Cantando Esse Cara, de Caetano Veloso, Clécio olha para Arlindo que se encontra na plateia pela primeira vez. Ali vemos os olhares se cruzarem e uma atmosfera de sedução ganhar densidade com o soldado em um primeiro plano desfocado na imagem. Corta.

00:32:32 - Após o espetáculo, Paulete apresenta o seu cunhado, Arlindo, para o grupo. Clécio e Arlindo se cumprimentam e o rapaz se senta para uma conversa. Mais um contraste no filme se evidencia na forma como os personagens se olham e gesticulam na cena: a timidez recolhida de Fininha e o magnetismo extravasante de Clécio. Durante a conversa e troca de olhares, a câmera se aproxima na captura do tesão que vibra entre os dois. Corta. Já no camarim, a voz de Dolores Duran ressoa no LP enquanto os dois se aproximam. A cena, toda em plano-sequência, transforma a câmera em nossos olhos, boca e nariz e acompanhamos a conversa que desemboca em um intenso beijo. Corta. Na cama, Clécio faz sexo oral em Arlindo que, após mais troca de carícias, vira o cu para ser comido.

Um dos momentos mais intensos da narrativa de Tatuagem é a cena descrita acima, que mostra o primeiro encontro entre Clécio e Fininha na casa-cabaré da Chão de Estrelas. O ator, travestido no palco, seduz o soldado com o lirismo de Caetano Veloso, marco do tropicalismo. A atmosfera de desejo que se espalha como poeira desde a performance de Esse Cara é desatadora de uma experiência estética com a imagem que parece nos colocar em contato com a própria excitação dos dois personagens. Se a atmosfera fílmica é um “[...] campo energético que circula num contexto determinado a partir de um corpo ou de uma situação precisa”, como nos diz Inês Gil (2005GIL, Inês. A atmosfera como figura fílmica. In: III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO, 2005, Covilhã, p. 141-146, 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/gil-ines-a-atmosfera-como-figura-filmica.pdf > Acesso em: 11/03/2023.
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, p. 141-142), ela também pode ser a expressão sensível de um contraespaço, como nos fala Michel Foucault (2013FOUCAULT, Michel. O corpo utópico, as heterotopias. Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: n-1 edições, 2013. ). Para o filósofo, esta modalidade de espaço seria uma heterotopia, pois tem “como regra justapor em um lugar real vários espaços que, normalmente, seriam ou deveriam ser incompatíveis” (Foucault, 2013FOUCAULT, Michel. O corpo utópico, as heterotopias. Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: n-1 edições, 2013. , p. 24). Ao colocar um soldado - representante da ditadura - em uma casa-cabaré habitada por corpos marginais a este mesmo regime, o filme nos ensina a potência da montagem como produtora de experiências desatadoras de devires inimagináveis. A atmosfera, carregada de intensidades, densidades e dinamismos (Gil, 2005GIL, Inês. A atmosfera como figura fílmica. In: III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO, 2005, Covilhã, p. 141-146, 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/gil-ines-a-atmosfera-como-figura-filmica.pdf > Acesso em: 11/03/2023.
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), nos leva a sentir no nosso próprio corpo as aberturas possíveis destes contraespaços. A dramaticidade da música de Dolores Duran, a dança dos personagens, o plano-sequência que acompanha a cena, a sonoridade dos beijos e a pouca iluminação nos colocam como espectadores/as de um romance inesperado e que, por esta preciosidade, nos enche de urgência.

É como se Tatuagem nos brindasse com um ataque micropolítico à ditadura militar pela afirmação do desejo entre um soldado e um artista da resistência contracultural. No filme - e nesta cena em especial -, Fininha não apenas se envolve afetivamente e sexualmente com outro homem, mas desvirtua a geografia hegemônica do prazer e oferece seu cu para Clécio. O filme mostra um soldado com performance de masculinidade que poderíamos interpretar como heteronormativa dando o cu para uma bicha que transita entre diversos graus de afetamento. Nesta positivação do cu e da passividade sexual, ou seja, do corpo sendo penetrado por outro, o cu de um soldado sendo comido por um artista vaza desterritorializações de masculinidades por todos os lados, pois não obedece à lógica da bicha-passiva-afeminada que é fodida pelo macho-ativo-dominador, presente no imaginário de inspiração heterossexual. No contexto cultural e histórico encenado no filme, a dicotomia de gênero com repercussão na performance sexual de inspiração heteronormativa (macho-ativo-comedor x bicha-passiva-comida) é revirada ao avesso e coloca em questão a complexidade do corpo como suporte material para múltiplos pontos de prazer.

Já que “o cu é a essência da bicha, é seu leitmotiv e órgão pelo qual perde a sua dignidade e se converte no abjeto, no indesejável e exterminável” (Saéz; Carrascosa, 2016, p. 95, grifo dos autores), quais afecções são provocadas pelo cu da ditadura, sendo devorado justamente por tudo aquilo que mais abomina? Há um devir-mulher que passa pelo cu de Arlindo? Diante das cenas, compreendemos que Hilton Lacerda promove um currículo-desbunde ao debochar da cultura cisheteropatriarcal, ao revirar as posições hegemônicas e ao problematizar os significantes que são tatuados no corpo e nas performances sexuais, tentando desvinculá-los dos atos performativos que produzem a naturalização do gênero e da sexualidade.

Dentre as várias engrenagens, repartições e maquinismos desta fábrica do orgasmo, este artigo coloca, intencionalmente, toda a centralidade no cu, esta geografia prazerosa do corpo humano que desliza entre significados de repulsa, deboche, funcionalismo biológico e desejo. Aqui não desejamos explorar o conteúdo de diversas outras possibilidades corporais para o sexo, mas enfatizar a forma como, especificamente, o cu foi cartografado por estes pesquisadores em Tatuagem. A percepção é sempre subtração (Deleuze, 2018DELEUZE, Gilles. Cinema 1 - A imagem-movimento. Tradução de Stella Guerra. 1. ed. São Paulo: Editora 34, 2018.; Sauvagnargues; Raniere; Hack, 2020SAUVAGNARGUES, Anne; RANIERE, Édio; HACK, Lilian. “Somos nada mais que imagens” - entrevista com Anne Sauvagnargues. Rev. Polis e Psique, v. 10, n. 1, p. 6-29, 2020. <http://dx.doi.org/10.22456/2238-152X.97503>
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) e recorta, em meio a vários pontos possíveis de luminosidade, um objeto específico que satisfaça determinadas necessidades do/a espectador/a. Para Deleuze (2018DELEUZE, Gilles. Cinema 1 - A imagem-movimento. Tradução de Stella Guerra. 1. ed. São Paulo: Editora 34, 2018., p. 106), “na percepção assim definida jamais há outra coisa, ou mais do que na coisa: ao contrário, há ‘menos’. Percebemos a coisa menos o que não nos interessa em função de nossas necessidades”, sendo a nossa face receptora um conjunto de linhas e pontos que retém a coisa percebida. Em uma cartografia como caminho ‘metodológico’, a percepção do/a pesquisador/a traduz os afetos em tela, que poderiam ser outros à medida que mudam as subjetividades daquele/a que está diante das imagens e, em seguida, escreve suas afecções. Colocando em questão a diferença sexual [todo mundo tem um ânus], o trabalho reprodutivo e a imagem romântica (Lauro, 2023LAURO, Rafael. Dar o cu te faz menos homem. Razão Inadequada, 20 mar. 2023. Disponível em: <Disponível em: https://razaoinadequada.com/2023/03/20/dar-o-cu-te-faz-menos-homem/?goal=0_c4700a3214-58675719fd-199879000&mc_cid=58675719fd&mc_eid=b23f7a28e5 >. Acesso em: 04 jan. 2024.
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), a nossa disposição teórica-metodológica, neste texto, é prolapsar o cu enquanto o gozo perdurar.

Para Félix Guattari (1985GUATTARI, Félix. Revolução molecular: pulsações políticas do desejo. Tradução de Suely Belinha Rolnik, 3. ed. São Paulo, SP: Editora Brasiliense, 1985. , p. 35, grifo meu), “um homem que se desliga das disputas fálicas, inerentes a todas as formações de poder, se engajará, segundo diversas modalidades possíveis, num tal devir mulher”. Funcionando como um desatador que prolifera as diferenças, o devir-mulher irrompe quando corpos seguem rotas distintas ao que as normas estabelecem como verdade, preferindo a experimentação à reprodução da identidade. Já que “[...] o cu é o escudo supremo da masculinidade” (Saéz; Carrascosa, 2016, p. 32) e “[...] se é penetrado, é feminino; se é impenetrável, é masculino” (Idem, p. 180), o devir-mulher de Arlindo se expressa no empoderamento do seu prazer anal, afirmando uma masculinidade que não repete as configurações da Forma-Homem. Se a masculinidade hegemônica, símbolo valorizado pela cultura dominante, é impenetrável, pois faz uso apenas do seu pau como devorador, não podendo, em hipótese alguma, assumir uma posição passiva-feminina nas relações sexuais, com Fininha, vemos como “o corpo é um texto socialmente construído” (Preciado, 2014PRECIADO, Beatriz. Manifesto contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. Tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: n-1 edições, 2014., p. 26), que pode ser experimentado de múltiplas formas.

O binarismo ativo-masculino x passivo-feminino é uma territorialização do poder que opera sobre os modelos de gênero e de sexualidade. Se o macho é o que come, e a fêmea é a que dá - sob os ditames de uma organização e hierarquização das geografias do prazer -, o devir-mulher se apresenta quando os/as desejantes, cansados/as da congruência papai-mamãe, desbundam o currículo cisheteropatriarcal e transformam todo o seu corpo em uma fábrica de orgasmo. Nisso incluímos tanto as relações homossexuais, como também as heterossexuais, que vivenciam a extensão dos seus prazeres para além das dicotomias estanques ensinadas e reproduzidas nas mais diferentes instâncias da sociedade.

Não fazemos referência nesta argumentação apenas aos homens gays passivos, que fazem uso do cu para a fruição do prazer, mas também aos homens heterossexuais, que se aventuram nas práticas anais, como o fio-terra, a inversão de papéis de gênero - quando são penetrados por mulheres cis usando artefatos que simulam o pênis ou por mulheres trans com seus paus - e as outras infinitas possibilidades aqui não categorizadas. Compreendemos que estas experiências são desatadoras de uma desconstrução do que entendemos por homem e por masculinidade na nossa cultura cisheteropatriarcal: o devir-mulher.

Este devir-mulher “[...] trata-se muito mais que um devir outro, trata-se de uma etapa para tornar-se diferente daquilo que o corpo social repressivo nos destinou autoritariamente” (Guattari, 1985GUATTARI, Félix. Revolução molecular: pulsações políticas do desejo. Tradução de Suely Belinha Rolnik, 3. ed. São Paulo, SP: Editora Brasiliense, 1985. , p. 43-44, grifo do autor). Se ser macho, símbolo da ditadura militar, é ser impenetrável, a performance de Arlindo coloca o regime autoritário com o cu para cima e gozando por trás, desestabilizando os locais de produção de desejo, valorizados pelo cisheteropatriarcalismo. No currículo-desbunde, o deboche se torna um apetrecho contrassexual por ser contracultural, ou seja, por empreender uma luta micropolítica contra as semióticas dominantes, inventando outras maneiras de experimentar os gêneros e as sexualidades. O desbunde curricular, ao fazer gaguejar a língua dominante e modificar os sistemas convencionais de signos (Corazza, 2000CORAZZA, Sandra Mara. O que faz gaguejar a linguagem da escola. In: CANDAU, Vera Maria (Org.). Linguagens, espaços e tempos no ensinar e aprender. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2000, p. 89-103.), carnavaliza as situações de opressão e faz do improvável uma possibilidade de questionamento contracultural.

No entendimento de que “todo currículo é um texto eivado de poder - prescreve saberes, modos de ser, de pensar e de agir, indicando pensamentos, valores, exercícios e atitudes a serem praticados no sentido de constituição de tipos particulares de sujeitos” (Maknamara, 2020MAKNAMARA, Marlécio. Quando artefatos culturais fazem-se currículo e produzem sujeitos. Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v. 27, n. 1, p. 04-18, mai./ago. 2020. <https://doi.org/10.17058/rea.v28i2.14189>
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, p. 59), alguns aspectos ressoam no currículo-desbunde de Tatuagem. Ao trabalhar com a montagem e com a ambiguidade, o filme nos ensina como as linhas de conformação de gênero e de sexualidade são transitórias, moventes e contingentes. Nas apresentações da Chão de Estrelas, evidenciamos um currículo a partir do momento em que esta montagem abre espaço para a criação de novos valores, pois há um contraste bem demarcado entre corpos, experiências e performances, quando colocadas em condições des-hierarquizadas: a valorização da travesti e não do soldado; a alegria dos corpos abjetos em oposição ao semblante triste da família tradicional; o amor livre como afirmação de uma maneira de se relacionar para além das relações monogâmicas tradicionais etc. Do ponto de vista estético (e técnico) do filme, o realismo também nos convoca a adentrarmos no universo de Tatuagem, como nos mostra Isaac Aragão (2018ARAGÃO, Isaac Dourado. O êxtase como elemento narrativo na construção de personagens de Hilton Lacerda: uma análise do filme Tatuagem. Dissertação (Mestrado em Cinema e Narrativas Sociais). São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2018. ), seja pelas filmagens em cenários reais, seja pelos planos-sequência, seja pelos diálogos simultâneos entre os/as personagens, seja pelas músicas de apelo popular, tal como nos seduzissem a embarcar em uma viagem que nos faz também problematizar as nossas próprias vidas.

Há um exercício que provoca efeitos de sentido nos olhares, entendendo estes como perturbadores de nossas perspectivas inquestionáveis, já que o olhar “é a ruminação do ver: sua experiência alongada no tempo e no espaço e que, por isso, nos instaura em outra consciência de ser” (Tiburi, 2004, s/p). Os sentidos em Tatuagem emergem com uma grande dose de deboche, sendo este mais um exercício crítico do currículo-desbunde em questão, que pode engendrar novos “modelos de sociabilidade e afetividade” (Maknamara, 2020MAKNAMARA, Marlécio. Quando artefatos culturais fazem-se currículo e produzem sujeitos. Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v. 27, n. 1, p. 04-18, mai./ago. 2020. <https://doi.org/10.17058/rea.v28i2.14189>
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, p. 59). Sendo o cu, este território abjeto do corpo humano, aquilo que põe densidade à atmosfera estética de Tatuagem, como na cena do soldado Fininha tomando no cu e nas próximas cenas de proclamação da utopia anal como festa da experimentação dos prazeres desmedidos, vemos que o deboche é marca deste exercício curricular, já que este trata-se de uma gramática que ridiculariza as normas, colocando-as em suspensão por conta do humor e do desdém. Fazendo a ditadura tomar no meio do cu, Tatuagem nos ensina a lançar mão de artifícios estéticos para questionar a ordem, colocando intervalos nas normas e nos espaços de suspensão e de hiato, podendo liberar zonas criativas de tempo e espaço para o exercício de novos valores.

01:19:47 - Após a Chão de Estrelas debochar da censura que sobre eles/as sobreveio em um esquete anterior, a câmera nos coloca diante de várias bundas que rebolam no palco. Em um cenário com adereços tropicalistas, a música exalta a diversidade do(s) cu(s). Tal como se conduzisse uma orquestra, Clécio se diverte com o devir-violino do cu, o devir-flauta do cu, o devir-piano do cu... “Tem cu para todos. Tem cu para mim, tem cu para você. Tem cu para dar, cu para vender. Tem cu que tem medalha, tem cu do coronel que traz felicidade a todos do quartel [...] O papa tem cu, o nosso ilustre presidente tem cu, tem cu a classe operária e, se duvidar, até Deus tem o onipotente, onisciente, onipotente CU”, assim cantam enquanto se misturam nus no meio do público em um coral de exaltação do cu.

A performance do cu é, sem dúvida, a celebração da contracultura em Tatuagem. Se a conjunção pau-buceta é a ode da cultura cisheteropatriarcal e das semióticas dominantes do capitalismo, visto que a família e a reprodução (hetero)sexual são parte da engrenagem que sustenta as relações de produção neste regime, o cu é uma abertura marginal que conduz à afirmação do devir-mulher. Este devir é, segundo Guattari e Rolnik (1996GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. , p. 73), “uma economia do desejo que tende a colocar em questão um certo tipo de finalidade da produção das relações sociais, um certo tipo de demarcação, que faz com que se possa falar de um mundo dominado pela subjetividade masculina”. Ao cantarem sobre o cu do papa, do coronel e de Deus, símbolos da religiosidade e do conservadorismo nos tempos autoritários, a Chão de Estrelas desierarquiza posições de poder que se sustentam com base nas geografias do corpo sexuado e opera uma minorização através da linguagem e da performance, o que poderia ser “[...] um caso político, [qu]e apela a todo um trabalho de potência, uma micropolítica ativa” (Deleuze; Guattari, 2012DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. V. 4. Tradução de Suely Rolnik. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2012. , p. 93). Em outro momento (01:35:49), Arlindo também participa da “performance do cu”. Seu semblante mais leve e risonho evidencia uma transformação das suas subjetividades no encontro com o grupo de artistas. Ainda que esta última apresentação tenha sido reprimida pelas forças militares que adentraram violentamente a casa-cabaré, vemos que as linhas de fuga são incapturáveis e deixam os personagens com alternativas de vida perante o já instituído.

Segundo Deleuze e Guattari (2012DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. V. 4. Tradução de Suely Rolnik. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2012. , p. 93), “[..] é sempre ‘homem’ que é o sujeito de um devir; mas ele só é um tal sujeito, ao entrar num devir-minoritário que o arranca de sua identidade maior”. Esta desterritorialização é possível pela experimentação do corpo ao atualizar todos os virtuais do prazer. Em Tatuagem, o cu, símbolo da passividade homossexual, ou seja, da posição e do sujeito depreciado nas relações entre gêneros e sexualidades - inclusive entre os próprios gays -, torna-se uma zona de intensidades que nos procura nos estimular a questionar a ordem social do gozo, a heteronorma e os autoritarismos que se vestem de masculinidades impenetráveis. Trata-se, pois, “de um corpo transformado em um feixe de forças” (Carneiro, 2018CARNEIRO, Gláucia. Corpo em trânsito e desterritorializações de gênero no currículo da cidade com a arte. In: PARAÍSO, Marlucy; CALDEIRA, Maria Carolina da (Orgs.). Pesquisas sobre currículos, gêneros e sexualidades. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2018, p. 327-344, p. 337, grifo meu) e que supera a invisibilização promovida pela forma.

Declarando que “a única coisa que nos salva, a única coisa que nos une, a única utopia possível é a utopia do cu” (01:22:17), Clécio nos ensina, por meio da performance, as reflexões de Michel Foucault (2013FOUCAULT, Michel. O corpo utópico, as heterotopias. Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: n-1 edições, 2013. ) a respeito dos corpos utópicos. Segundo o filósofo, por mais que a utopia tenha sido construída em lugares de idealização, inclusive na tentativa de sufocar o corpo, é deste que surgem as utopias, as formas de construção de espaços outros que operam sobre o próprio corpo. Falar que a utopia que nos une é a utopia do cu é compreender os mistérios, do visível e do invisível, que entram em relação a nossa corporeidade. A presença no mundo, percebida através dos poros e de todas as cavidades da nossa matéria, agenciam as forças coletivas que nos cercam e daí podem ser extraídas as potências do novo.

Seja o coronel, seja a bicha periférica, todo mundo tem a mesma ferramenta de desterritorialização - o cu - e pode aproveitar as linhas de força que nos atravessam para agenciar um voo divergente das rotas costumazes. Já que “[...] o corpo é o ponto zero do mundo” (Foucault, 2013FOUCAULT, Michel. O corpo utópico, as heterotopias. Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: n-1 edições, 2013. , p. 14), a utopia do cu é a experiência de uma marginalidade criativa que mais confunde do que propõe soluções ou sínteses. Assim, fazer do cu uma estrela reluzente no/do corpo utópico é experimentar o mundo por meio de sua perspectiva: pela traseira, na invisibilidade, na multiplicidade dos seus usos e privilegiando as pregas diferenciais agêneras que nos fazem singulares.

CRÉDITOS FINAIS

Ao problematizarmos Tatuagem sob o referencial das teorias pós-críticas do currículo, pudemos evidenciar a potência das imagens no deslocamento dos sentidos de vida enrijecidos, fechados e que buscam se consolidar na lógica da representação. Sendo o currículo uma linguagem cuja “[...] natureza de sua discursividade é arbitrária e ficcional, por ser histórica e socialmente construída” (Corazza, 2001CORAZZA, Sandra Mara. O que quer um currículo? Pesquisas pós-críticas em educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.), podemos perceber as velocidades e lentidões, avanços e retrocessos das linhas de desejo que atravessam a sua constituição, sendo estes movimentos produtores de olhares e de (des)aprendizagens que deixam no ar quereres e falações com vontade de verdade.

No currículo-desbunde de Tatuagem, aprendemos a força da ironia e do deboche, a anarquia da linguagem e da performance através da Companhia de Teatro Chão de Estrelas e de seus/suas artistas no tropicalismo pernambucano. Em um enfrentamento micropolítico, estes corpos desejam se desviar da heteronormatividade, inventando modos outros de comportamento, mesmo sob condições precárias, sempre embebedados em uma política do contraste e do hibridismo, revelando costuras inesperadas em tempos violentos da ditadura militar brasileira. Também aprendemos que o currículo-desbunde é aquele que vivencia um devir-mulher que sai pelo cu, este território de prazer abjetificado pela cultura heterossexual, mas que ganha força de rizoma no filme, se espalhando como uma presença glorificadora que fura o escudo supremo da masculinidade (Sáez; Carrascosa, 2016SÁEZ, Javier; CARRASCOSA, Sejo. Pelo cu: políticas anais. Tradução de Rafael Leopoldo. Belo Horizonte: Grupo Editorial Letramento, 2016.).

A experiência contracultural em Tatuagem nos inspira a avançarmos nos debates sobre masculinidades, visto ser um campo cada vez mais em evidência (Silva Junior; Carvalho, 2023SILVA JUNIOR, Alcidesio Oliveira da; CARVALHO, Maria Eulina Pessoa de. Eles por eles: pesquisas sobre masculinidades no Brasil. 1. ed. Curitiba: Editora CRV, 2022. ) ao deslocar os homens de posições de gênero e de sexualidade naturalizadas. Sendo o cinema uma arte que pode alterar nossos modos de ver o mundo (Berger, 1999), Tatuagem nos ensina que a arte, como aquela que produz afetos, impulsiona novas leituras de mundo, atravessadas pelo currículo das imagens nos filmes, sendo, portanto, um território de inventividade, germinando as existências de outras possibilidades de estar no mundo.

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  • 1
    Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.
  • 2
    Embora todos/as estes/as artistas brasileiros/as tenham uma grande relevância no movimento contracultural em plena ditadura militar, destacamos a importância do Vivencial Diversiones (1974-1983), grupo de teatro marginal com sede em Olinda, Pernambuco, na época da ditadura, sendo inspiração da Companhia Chão de Estrelas em Tatuagem.
  • 3
    Técnica de limpeza do cu habitual entre os/as praticantes do sexo anal, também chamada de “ducha higiênica”.
  • 4
    Também chamado de plano aberto, é um tipo de enquadramento da imagem para ambientação onde delimitamos um espaço onde os/as personagens se encontram ocupando apenas uma pequena parte deste.
  • 5
    Segundo Jacques Aumont e Michel Marie (2003AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Dicionário teórico e crítico de cinema. Tradução de Eloisa Araújo Ribeiro. Campinas, SP: Papirus, 2003., p. 231), plano-sequência “[...] trata-se de um plano bastante longo e articulado para representar o equivalente de uma sequência”. Neste plano, não temos cortes e os/as personagens são acompanhados na totalidade de uma ação dramatizada no filme.
  • 6
    Quanto ao enquadramento da câmera, o primeiro plano é quando o/a personagem é filmado do peito para cima; no primeiríssimo plano, o foco é dos ombros pra cima, destacando mais o rosto; e, no plano médio, é mostrada a figura humana por inteiro com um sutil espaçamento sobre a cabeça e sob os pés.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2023
  • Aceito
    06 Jan 2024
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