Resumo
Estudos sobre o impeachment de Dilma Rousseff enfatizam o papel da mídia, dos partidos, das elites políticas, da má performance da democracia e dos protestos de rua como fatores explicativos para a interrupção de seu mandato. O artigo contribui com essas análises aos discutir o papel da opinião pública no processo, com foco nos primeiros três meses de 2015, a partir de dados produzidos pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom/PR), como surveys telefônicos semanais responsáveis por monitorar o “pulso” da opinião pública em relação ao Governo Federal. Foi neste período em que ela perdeu mais de 30% de apoio popular e chegou a 62% de avaliações ruins e péssimas, patamares de onde nunca mais saiu até ser removida do cargo. Ao perder o apoio junto à opinião pública, a ex-presidente perdeu também um dos mais importantes escudos contra a interrupção de mandatos, ficando refém das elites políticas e dos partidos representados no Congresso Nacional.
Palavras-chave:
Dilma Rousseff; Impeachment; Popularidade; Opinião pública; Instituições políticas
Abstract
Studies on the impeachment of Dilma Rousseff emphasize the role of the media, the parties, the political elites, the poor performance of democracy and the street protests as explanatory factors for the interruption of her term. The article contributes to these analyses by discussing the role of public opinion in the process, focusing on the first three months of 2015, based on data produced by the Secretariat of Social Communication of the Presidency of the Republic (Secom/PR), such as weekly telephone surveys responsible for monitoring the “pulse” of public opinion in relation to the Federal Government. It was in this period that she lost more than 30% of popular support and reached 62% of bad and terrible evaluation, levels from which she never left until she was removed from office. By losing the support of public opinion, the former president also lost one of the most important shields against the interruption of mandates, becoming hostage of the political elites and parties represented in the National Congress.
Keywords:
Dilma Rousseff; Impeachment; Popularity; Public opinion; Political institutions
No dia 17 de abril de 2016, um domingo, 367 deputados federais votaram a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), acusada de cometer crime de responsabilidade fiscal. Em 31 de agosto do mesmo ano, seu processo foi julgado pelo Senado, e ela foi condenada, por 61 votos contra 20, a perder definitivamente o cargo de presidente da República, para o qual havia sido eleita democraticamente em 26 de outubro de 2014, com 51,64% dos votos válidos.
Desde então, foram produzidas inúmeras análises sobre o golpe parlamentar ocorrido em 2016. Muitas destacaram como os meios e empresas de comunicação contribuíram para a perda do mandato (Albuquerque, 2019ALBUQUERQUE, Afonso de. 2019. Protecting democracy or conspiring against it? Media and politics in Latin America: a glimpse from Brazil. Journalism, v. 20, n. 7, pp. 906-923. DOI: 10.1177/1464884917738376
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; Damgaard, 2018DAMGAARD, Mads. 2018. Cascading corruption news: Explaining the bias of media attention to Brazil’s political scandals. Opiniao Publica, v. 24, n. 1, pp. 114-143. DOI: 10.1590/1807-01912018241114
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; Goldstein, 2016aGOLDSTEIN, Ariel Alejandro. 2016a. The contribution of the liberal-conservative press to the crisis of Dilma Rousseff’s second term. Cogent Social Sciences, v. 2, n. 1, pp. 1-13., Van Dijk, 2017DIJK, Teun. A. Van. 2017. How Globo media manipulated the impeachment of Brazilian president Dilma Rousseff. Discourse and Communication, v. 11, n. 2, pp. 199-229. DOI: 10.1177/1750481317691838
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). Outras abordaram o fato de um ponto de vista institucional e argumentaram que o comportamento dos partidos e das elites políticas, além da má performance da democracia no Brasil, foram determinantes para o impeachment (Amorim Neto, 2016AMORIM NETO, Octavio. 2016. A crise política brasileira de 2015-2016: Diagnóstico, sequelas e profilaxia. Relações Internacionais, n. 52, pp. 43-54.; Avritzer, 2017AVRITZER, Leonardo. 2017. The Rousseff impeachment and the crisis of democracy in Brazil. Critical Policy Studies, v. 11, n. 3, pp. 352-357. DOI: 10.1080/19460171.2017.1363066
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; Limongi, 2015LIMONGI, Fernando de Magalhães Papaterra. 2015. O passaporte de Cunha e o impeachment: a crônica de uma tragédia anunciada. Novos Estudos: CEBRAP , v. 34, n. 103, pp. 99-112. DOI: 10.25091/s0101-3300201500030005
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; Nunes e Melo, 2017NUNES, Felipe; MELO, Carlos Ranulfo. 2017. Impeachment, political crisis and democracy in Brazil. Revista de Ciencia Política, v. 37, n. 2, pp. 281-304.; Sousa Braga, 2018BRAGA, Maria do Socorro. 2018. O comportamento dos partidos políticos em impeachment presidencial : comparando os casos Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff. Lusotopie, v. 17, n. 1, pp. 40-68.). Deve-se, também, enfatizar a importância dos movimentos de rua e das manifestações pró-impeachment, que começaram ainda em 2014, logo após o fim da eleição, e que ganharam robustez a partir de março de 2015 (Alonso, 2017ALONSO, Angela. 2017. A política das ruas: Protestos em São Paulo de Dilma a Temer. Novos Estudos: CEBRAP, v. 37, n. 1, pp. 49-58; Messenberg, 2017MESSENBERG, Débora. 2017. A direita que saiu do armário: a cosmovisão dos formadores de opinião dos manifestantes de direita brasileiros. Sociedade e Estado, v. 32, n. 3, pp. 621-648. DOI: 10.1590/s0102-69922017.3203004
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; Pinto, 2017PINTO, Céli Regina Jardim. 2017. A trajetória discursiva das manifestações de rua no Brasil (2013-2015)”. Lua Nova , n. 100, pp. 119-153. DOI: 10.1590/0102-119153/100
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; Rocha, 2019ROCHA, Camila. 2019. Imposto é roubo! A formação de um contrapúblico ultraliberal e os protestos pró-impeachment de Dilma Rousseff. Dados , v. 62, n. 3, pp. 1-42. DOI: 10.1590/001152582019189
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; Tatagiba, 2018TATAGIBA, Luciana. 2018. Entre as ruas e as instituições: Os protestos e o impeachment de Dilma Rousseff. Lusotopie , v. 17, n. 1, pp. 112-135.; Tatagiba et al., 2015TATAGIBA, Luciana; TRINDADE, Thiago; TEIXEIRA, Ana Claudia Chaves. 2015. Protestos à direita no Brasil (2007-2015). In: CRUZ, Sebastião C. Velasco; KAYSEL, André; CODAS, Gustavo. (org.). Direita, volver! O retorno da direita e o ciclo polıtíco brasileiro. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, pp. 197-212.).
De fato, a imprensa brasileira contribuiu para a queda de Dilma Rousseff. As elites políticas conspiraram contra a presidente, inclusive seu vice Michel Temer (MDB). A crise econômica internacional gerou instabilidade. O presidencialismo de coalizão não funcionou a contento, mas acredito que falta um elemento importante aos diagnósticos: nenhum deles discutiu a fundo o papel da opinião pública para a interrupção do mandato de Dilma Rousseff.
Este artigo tem como foco a derrocada da presidência de Dilma Rousseff nos primeiros três meses de seu segundo governo. Foi neste período que ela perdeu mais apoio popular e chegou a 62% de avaliações ruins e péssimas, e a apenas 13% de boas ou ótimas, com uma reprovação de cerca de 78%, patamares dos quais não se afastou até ser removida do cargo. Ao perder, junto à opinião pública, o apoio que ainda tinha no final de 2014 por conta da eleição - ou, para usar as palavras de Darton (1995DARNTON, Robert. 1995. Os Best-sellers proibidos da França Pré-revolucionária. São Paulo: Companhia das Letras., pp. 369-370), ao perder a “batalha para controlar a opinião pública” - a ex-presidente deixou de ter um dos mais importantes escudos contra a interrupção de mandatos presidenciais, ficando refém das elites políticas e dos partidos representados no Congresso Nacional.
Para sustentar meu argumento, utilizo dados quantitativos - surveys telefônicas semanais, responsáveis por monitorar o “pulso” da opinião pública em relação ao Governo Federal1 1 Até onde sei, nenhuma outra instituição acompanhou de maneira tão detida e com dados, semana a semana, a maneira como os brasileiros responderam aos acontecimentos políticos, econômicos e sociais do início do segundo mandato de Dilma Rousseff. As amostras das pesquisas telefônicas semanais eram nacionais, compostas por 1000 pessoas com 16 anos ou mais, com acesso a telefone fixo (51%) e celular (49%). O método amostral utilizado: modelo de conglomerados em 2 estágios (município, indivíduos), com cotas para sexo, grupos de idade, instrução e atividade. Margem de erro de ±3% e intervalo de confiança de 95%. - e qualitativos - grupos focais realizados em diversas capitais brasileiras - produzidos pela Assessoria de Pesquisa de Opinião Pública da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom/PR).2 2 Hoje, os relatórios das pesquisas podem ser obtidos aqui: https://www.gov.br/secom/pt-br/acesso-a-informacao/pesquisa. Os microdados das pesquisas e as transcrições dos grupos focais podem ser solicitados diretamente ao autor. Os dados dessas pesquisas mostram, por exemplo, que a perda de popularidade de 2015 não ocorreu em uma forma de “choque” como em 2013, devido aos “protestos de junho”, ou como sugerem levantamentos feitos por institutos como o Datafolha e Ibope, mas sim de forma paulatina durante as semanas dos meses de janeiro, fevereiro e março. Mostram, também, que os brasileiros estavam ressentidos com a forma como Dilma Rousseff implementou o ajuste fiscal no início do seu 2º mandato, mesmo tendo dito durante a campanha que não o faria.
O artigo está organizado da seguinte forma: na primeira parte, discuto a importância da popularidade presidencial para as relações do Executivo com o poder Legislativo e como presidentes mal avaliados têm mais chances de sofrer interrupções de seus mandatos, especialmente na América Latina. Em seguida, apresento os trabalhos sobre o impeachment de Dilma Rousseff e as razões econômicas, políticas, midiáticas e sociais que, na opinião de seus autores ou autoras, levaram a esse desfecho. Por fim, utilizo os dados das pesquisas da Secom/PR para contar a história da perda de popularidade de Dilma Rousseff do ponto de vista da opinião pública.
Popularidade presidencial, Congresso e interrupções de mandato
De acordo com as teorias sobre popularidade presidencial, o 2º mandato de Dilma Rousseff pode ser visto como um caso “desviante” (Gerring, 2007GERRING, John. 2007. Case study research: principles and practices. Cambridge: Cambridge University Press.). Stimson (1976STIMSON, James A. 1976. Public support for American presidents: a cyclical model. Public Opinion Quarterly, v. 40, n. 1, pp. 1-21.) mostrou que as curvas de popularidade seguem padrões cíclicos: altos índices de aprovação ao início dos mandatos, seguido por uma perda de popularidade e uma leve recuperação do apoio popular ao fim de quatro anos. Do ponto de vista gráfico, isso seria representado por uma curva de formato convexo. Os gráficos da Figura 1, que trazem a evolução da aprovação de Dilma Rousseff entre 2011 e 2015 e da reprovação do Governo Federal em 2015, mostram que popularidade da ex-presidente seguiu um padrão destoante desse modelo.
Evolução da aprovação de Dilma Rousseff (2011-2015) e da reprovação do Governo Federal (2015)
Tanto o padrão cíclico das curvas de popularidade proposto por Stimson quanto casos desviantes já foram encontrados em diversos países da América Latina (Carlin et al., 2018CARLIN, Ryan E. et al. 2018. Public support for Latin American presidents: The cyclical model in comparative perspective. Research and Politics, v. 5, n. 3, pp. 1-8. DOI: 10.1177/2053168018787690
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; Carlin e Martínez-Gallardo, 2019CARLIN, Ryan E.; MARTÍNEZ-GALLARDO, Cecilia. 2019. Outliers of presidential approval: dynamics, levels, and rates”. Revista Latinoamericana de Opinión Pública, v. 8, n. 2, pp. 7-27. DOI: 10.14201/rlop.22352
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). No Brasil, um exemplo é o 2º mandato do ex-presidente Lula, ainda que ele tenha, ao contrário de sua sucessora, alcançado altos índices de popularidade entre 2007 e 2010 (Mundim, 2019MUNDIM, Pedro Santos. 2019. Os impactos dos efeitos de priming na popularidade presidencial: o caso do segundo mandato de Lula. Revista Latinoamericana de Opinón Pública, v. 8, n. 2, pp. 31-61. DOI: 10.14201/rlop.22353
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). O que chama atenção para os dados de Dilma Rousseff, é que não apenas ela não pôde desfrutar da chamada “lua de mel” do seu 2º mandato (Feres Júnior e Sassara, 2018FERES JÚNIOR, João; SASSARA, Luna de Oliveira. 2018. Failed honeymoon: Dilma Rousseff’s third election round. Latin American Perspectives, v. 45, n. 3, pp. 224-235. DOI: 10.1177/0094582X18767429
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), como foi justamente neste período em que sua popularidade decaiu.
O que causou esta perda substancial de popularidade em um período de três meses? Quais seriam as consequências deste fato para a continuidade do seu mandato? Como a perda de popularidade afetou a capacidade de Dilma Rousseff de lidar com os parlamentares brasileiros, especialmente na Câmara dos Deputados, e como isso pode ser visto como a gênese do processo de impeachment a que foi submetida?
A conexão que eu proponho é entre duas teorias. A primeira discute como a opinião pública afeta a relação entre os poderes Executivo e Legislativo, ao lado de outros fatores importantes como o partido do presidente, a coalizão de governo e o relacionamento com as lideranças políticas. A segunda discute como essa perda de apoio da opinião pública também leva à uma perda da capacidade de lidar e coordenar o Legislativo, abrindo brechas para a implementação de processos de impeachment.
Popularidade e relação Executivo-Legislativo
A partir das votações nominais, a literatura norte-americana identificou três variáveis que influenciam a relação Executivo-Legislativo: partidos, ideologias e a popularidade presidencial (Bond, Fleisher e Northrup, 1988BOND, Jon R.; FLEISHER, Richard; NORTHRUP, Michael. 1988. Public opinion and presidential support. The ANNALS of the American Academy of Political and Social Science, v. 499, pp. 47-63.; Edwards, 1997EDWARDS III, George. C. 1997. Aligning tests with theory: Presidential approval as a source of influence in congress. Congress and the Presidency , v. 24, n. 2, pp. 113-130. DOI: 10.1080/07343469709507814
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). Enquanto os dois primeiros fatores são consensuais nos estudos sobre o tema, o papel e a força da popularidade geraram divergências entre os pesquisadores.
A ideologia é importante porque conecta líderes que compartilham dos mesmos valores e preferências políticas. O apoio partidário, por sua vez, não depende apenas da filiação partidária e da visão de mundo das elites políticas, mas também da capacidade dos presidentes de distribuir recursos para correligionários leais e ajudar nas suas chances de reeleição (se os presidentes forem populares, é claro). No Brasil, pode-se destacar também os argumentos a favor de como nosso sistema presidencialista foi capaz de produzir partidos disciplinados, o que colabora para uma estabilidade na relação entre Executivo e Legislativo (Cheibub, Figueiredo e Limongi, 2009CHEIBUB, José Antonio; FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. 2009. Partidos políticos e governadores como determinantes do comportamento legislativo na câmara dos deputados, 1988-2006. Dados, v. 52, n. 2, pp. 263-299.; Figueiredo, 1998FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. 1998. Bases institucionais do presidencialismo de coalizão. Lua Nova, v. 44, pp. 81-106.; Limongi, 2006LIMONGI, Fernando de Magalhães Papaterra. 2006. A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório. Novos Estudos: CEBRAP , n. 76, pp. 17-41. DOI: 10.1590/s0101-33002006000300002
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).
O papel da popularidade presidencial para o sucesso da relação entre Executivo e Legislativo é mais controverso, porque os estudos divergem nos resultados que encontraram. Abordagens como as de Bond et al (2003BOND, Jon R.; FLEISHER, Richard; WOOD, B. Dan 2003. The marginal and time-varying effect of public approval on presidential success in Congress. The Journal of Politics, v. 62, n. 1, pp. 92-110.) e Pereira, Power e Rennó (2005PEREIRA, Carlos; POWER, Timothy; RENNÓ, Lúcio. 2005. Opinião pública, estratégia presidencial e ação do congresso no Brasil: “quem manda?”. Opinião Pública , v. 11, n. 2, pp. 401-421.) argumentam que os impactos da popularidade variam ao longo do tempo e são, no máximo, marginais, mas outros autores consideram a popularidade como um recurso importante para presidentes em sua relação com o Legislativo. Presidentes populares têm maiores probabilidades de alcançar “sucesso legislativo”, ou seja, capacidade de definir a agenda, formular leis, de aprová-las e de influenciar o comportamento dos congressistas (Canes-Wrone e Marchi, 2002CANES-WRONE, Brandice; MARCHI, Scott de. 2002. Presidential approval and legislative success. The Journal of Politics , v. 64, n. 2, pp. 491-509.; Cohen, 2013COHEN, Jeffrey E. 2013. Everybody loves a winner: on the mutual causality of presidential approval and success in Congress. Congress and the Presidency, v. 40, n. 3, pp. 285-307. DOI: 10.1080/07343469.2013.829891
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; Cohen e Rottinghaus, 2019COHEN, Jeffrey E.; ROTTINGHAUS, Brandon. 2019. Constituent approval and presidential support: the mediating effect of party and chamber. Political Research Quarterly, v. 74, n. 1, pp. 76-89. DOI: 10.1177/1065912919866511
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; Ostrom e Simon, 1985OSTROM JR., Charles W.; SIMON, Dennis M. 1985. Promise and performance: a dynamic model of presidential popularity. American Political Science Review , v. 79, n. 2, pp. 334-358.). Com base nestes estudos citados, acredito que a importância da popularidade na relação dos presidentes com as Casas Legislativas está demonstrada e é robusta. Isso é relevante para o argumento deste artigo porque se conecta com as discussões sobre instabilidade e crises presidenciais, principalmente na América Latina (Hochstetler, 2007HOCHSTETLER, Kathryn. 2007. Repensando o presidencialismo: contestações e quedas de presidentes na América do Sul. Lua Nova , n. 72, pp. 9-46., 2011HOCHSTETLER, Kathryn. 2011. The fates of presidents in post-transition Latin America: from democratic breakdown to impeachment to presidential breakdown. Journal of Politics in Latin America, v. 3, n. 1, pp. 125-141.; Kim e Bahry, 2008KIM, Young Hun; BAHRY, Donna. 2008. Interrupted presidencies in third wave democracies. Journal of Politics, v. 70, n. 3, pp. 807-822.; Pérez-Liñán, 2007PÉREZ-LIÑÁN, Aníbal S. 2007. Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin America. Cambridge: Cambridge University Press ., 2014PÉREZ-LIÑÁN, Aníbal S. 2014. “A Two-Level Theory of Presidential Instability”. Latin American Politics and Society, v. 56, n. 1, pp. 34-54., 2019PÉREZ-LIÑÁN, Aníbal S. 2019. Presidential crises and democratic accountability in Latin America, 1990-1999. In: ECKSTEIN, Susan Eva; WICKHAM-CROWLEY, Timothy P. (org.). What Justice? Whose Justice? Fighting for Fairness in Latin America. Berkeley: University of California Press, pp. 98-132.).
Interrupção de mandatos
Pérez-Liñán (2014)PÉREZ-LIÑÁN, Aníbal S. 2014. “A Two-Level Theory of Presidential Instability”. Latin American Politics and Society, v. 56, n. 1, pp. 34-54. desenvolveu um modelo teórico para definir quais situações podem levar às interrupções de mandatos presidenciais. Nesse modelo, há dois pontos chave a serem considerados: (1) a existência, ou não, de forças políticas capazes de derrubar um presidente, e (2) a existência, ou não, de um “escudo” capaz de protegê-lo em situações de crises agudas. Como se formariam cada uma dessas situações?
As situações de “ameaça” que levam às interrupções de mandato são crises econômicas, grandes escândalos de corrupção, governos incapazes de formar coalizões estáveis ou com minorias nas casas legislativas e protestos massivos nas ruas (Álvarez e Marsteintredet, 2010ÁLVAREZ, Michael E.; MARSTEINTREDET, Leiv. 2010. Presidential and Democratic Breakdowns in Latin America: Similar Causes, Different Outcomes. In: LLANOS, Mariana; MARSTEINTREDET, Leiv. (org.). Presidential Breakdowns in Latin America: Causes and Outcomes of Executive Instability in Developing Democracies. New York: Palgrave Macmillan, pp. 33-52.; Hochstetler, 2007HOCHSTETLER, Kathryn. 2007. Repensando o presidencialismo: contestações e quedas de presidentes na América do Sul. Lua Nova , n. 72, pp. 9-46.; Llanos e Marsteintredet, 2010LLANOS, Mariana; MARSTEINTREDET, Leiv. 2010. Introduction: presidentialism and presidential breakdowns in Latin America. In: LLANOS, Mariana; MARSTEINTREDET, Leiv (org.). Presidential Breakdowns in Latin America: Causes and Outcomes of Executive Instability in Developing Democracies . New York: Palgrave Macmillan , pp. 1-13.). Por sua vez, os escudos se formam, principalmente, em mandatos populares e capazes de mobilizar manifestações a favor do governo em momentos de crise, ou de um governo cuja coalizão é majoritária nas casas legislativas. Em ambos os casos estariam postas salvaguardas contra tentativas de implementação de processos de impeachment (Pérez-Liñán, 2014PÉREZ-LIÑÁN, Aníbal S. 2014. “A Two-Level Theory of Presidential Instability”. Latin American Politics and Society, v. 56, n. 1, pp. 34-54.; Taylor-Robinson e Ura, 2013TAYLOR-ROBINSON, Michelle M.; URA, Joseph Daniel. 2013. Public opinion and conflict in the separation of powers: Understanding the Honduran coup of 2009. Journal of Theoretical Politics, v. 25, n. 1, pp. 105-127.).
Portanto, as teorias sobre o apoio do Legislativo ao Executivo mostram que presidentes populares lideram melhor o Parlamento, e as teorias sobre interrupção de mandatos mostram que presidentes populares têm, na opinião pública, uma proteção contra insurgências das elites e partidos políticos, pois sempre haverá o risco de resistência popular.
Ao mesmo tempo, presidentes impopulares têm sua força reduzida na relação com o congresso. Ficam vulneráveis não apenas nas votações, mas também na construção de um escudo Legislativo contra processos de deposição, o que abre, inclusive, brechas para traições por parte do vice-presidente (Limongi, 2015LIMONGI, Fernando de Magalhães Papaterra. 2015. O passaporte de Cunha e o impeachment: a crônica de uma tragédia anunciada. Novos Estudos: CEBRAP , v. 34, n. 103, pp. 99-112. DOI: 10.25091/s0101-3300201500030005
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; Marsteintredet e Uggla, 2019MARSTEINTREDET, Leiv; UGGLA, Fredrik. 2019. Allies and traitors: vice-presidents in Latin America. Journal of Latin American Studies, v. 51, n. 3, pp. 665-688. DOI: 10.1017/S0022216X18001098
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). No âmbito externo ao Parlamento, presidentes impopulares perdem a capacidade de interlocução com os cidadãos e o escudo da opinião pública contra insurgências por parte das elites e partidos políticos.
Em ambos os casos, a opinião pública é um dos fatores que podem influenciar a deposição ou permanência de um presidente. Presidentes impopulares estão mais expostos a manifestações massivas contra eles, já presidentes populares podem contar com o apoio dos cidadãos contra tentativas de impedimento pelas elites e partidos políticos. Portanto, embora a opinião pública não seja uma condição “suficiente” para qualquer encerramento de mandato presidencial, pode-se considerar que é uma condição “necessária” (Goertz e Mahoney, 2010GOERTZ, Gary; MAHONEY, James. 2010. A tale of two cultures: quantitative and qualitative research in the social sciences. Princeton: Princeton University Press.).
Razões do impeachment de Dilma
O gráfico de avaliação do Governo Federal da Figura 1 mostra que os brasileiros começaram a expressar insatisfações com Dilma Rousseff a partir de janeiro de 2015. As manifestações de rua pró-impeachment se intensificaram três meses depois. Outro dado relevante das figuras é que a queda na popularidade da presidenta não foi abrupta, como aparece no gráfico mensal. Ela foi gradual e constante, até se estabilizar em um patamar de reprovação superior a 70%.
Quais acontecimentos ou ações do Governo Federal levaram a opinião pública brasileira a mudar de humor, transformando a ex-presidente numa líder frágil do ponto de vista institucional? Os trabalhos sobre o impeachment de Dilma Rousseff enfatizam dimensões econômicas, políticas, midiáticas e dos movimentos de protesto como fatores explicativos da interrupção de seu mandato.
O Brasil enfrentou uma grave crise econômica no início de 2015, marcada pela alta do dólar, que pressionou a inflação e afetou a competitividade da indústria; pela queda dos preços das commodities, o que diminuiu as exportações; e pelo rebaixamento da nota de crédito do país. Além disso, as medidas de ajuste fiscal implementadas pela equipe econômica para equilibrar as contas públicas, como o aumento de impostos, a revisão de desonerações e o corte de investimentos em programas de infraestrutura, não alcançaram seus objetivos nem reverteram a recessão (Carleial, 2015FROTA CARLEIAL, Liana Maria da. 2015. Política econômica, mercado de trabalho e democracia: O segundo governo Dilma Rousseff. Estudos Avançados, v. 29, n. 85, pp. 201-214. DOI: 10.1590/S0103-40142015008500014
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). Alguns autores mais críticos argumentam que a crise escancarou conflitos de interesses de classe no Brasil que haviam sido apaziguados pelos anos de prosperidade dos governos anteriores do PT (Bastos, 2017BASTOS, Pedro Paulo Zahluth. 2017. Ascensão e crise do governo Dilma Rousseff e o golpe de 2016: Poder estrutural, contradição e ideologia. Revista de Economia Contemporânea, v. 21, n. 2, pp. 1-63. DOI: 10.1590/198055272129
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; Braz, 2017BRAZ, Marcelo. 2017. O golpe nas ilusões democráticas e a ascensão do conservadorismo reacionário. Serviço Social & Sociedade, n. 128, pp. 85-103. DOI: 10.1590/0101-6628.095
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; Singer, 2017SINGER, André. 2017. The failure of the developmentalist experiment in three acts. Critical Policy Studies , v. 11, n. 3, pp. 358-364.).
Independentemente do tipo de abordagem, é certo que a crise econômica e os sentimentos negativos que ela trouxe à tona foram algumas das variáveis responsáveis pela perda de apoio popular de Dilma Rousseff (Mundim et al., 2018MUNDIM, Pedro Santos; GRAMACHO, Wladimir; PINTO, André Jácomo de Paula. 2018. Razão e emoção: reações ao estado da economia e aprovação do governo federal. Opinião Pública, v. 24, n. 1, pp. 90-113.). Isso não se explica apenas pelos resultados econômicos objetivos. Havia frustração e raiva de muitos brasileiros pelo fato de, durante a campanha, não ter ficado claro para os eleitores que haveria um ajuste fiscal em 2015 (Singer, 2017SINGER, André. 2017. The failure of the developmentalist experiment in three acts. Critical Policy Studies , v. 11, n. 3, pp. 358-364.).
A crise econômica do país e a maneira como os brasileiros estavam se sentindo em relação a ela tocam em duas dimensões dos estudos sobre interrupção de mandatos presidenciais. A primeira é que a situação da economia desencadeia uma série de insatisfações populares que derrubam a popularidade dos presidentes e podem levar à grandes manifestações de rua. A segunda é que, em tais contextos, diminui-se a capacidade de negociação de presidentes com o Congresso, tornando-os vulneráveis às ações das elites e partidos políticos. Perde-se, de uma vez só, dois escudos de proteção.
Do ponto de vista institucional, as análises sobre o impeachment de Dilma Rousseff argumentam que a maneira como a presidente lidou com a formação de sua base no Congresso, além de sua relação com o vice-presidente Michel Temer, foram equivocadas (Limongi, 2015LIMONGI, Fernando de Magalhães Papaterra. 2015. O passaporte de Cunha e o impeachment: a crônica de uma tragédia anunciada. Novos Estudos: CEBRAP , v. 34, n. 103, pp. 99-112. DOI: 10.25091/s0101-3300201500030005
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; Nunes e Melo, 2017NUNES, Felipe; MELO, Carlos Ranulfo. 2017. Impeachment, political crisis and democracy in Brazil. Revista de Ciencia Política, v. 37, n. 2, pp. 281-304.). Isso levou-a, em seu 2º mandato, a perder o “escudo Legislativo” (Amorim Neto, 2016AMORIM NETO, Octavio. 2016. A crise política brasileira de 2015-2016: Diagnóstico, sequelas e profilaxia. Relações Internacionais, n. 52, pp. 43-54.).
Além disso, os protestos de junho de 2013 fragilizaram o chamado “presidencialismo de coalizão” brasileiro, pois colocaram na agenda pública que os problemas nacionais eram causados pelos governos do PT e pelas alianças políticas que lhe garantiam estabilidade. Neste caso, os protestos também levaram o país para uma crise de representatividade das instituições políticas (Avritzer, 2017AVRITZER, Leonardo. 2017. The Rousseff impeachment and the crisis of democracy in Brazil. Critical Policy Studies, v. 11, n. 3, pp. 352-357. DOI: 10.1080/19460171.2017.1363066
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, 2018AVRITZER, Leonardo. 2018. The pendulum of democracy in Brazil: an approach of the 2013-2018 crisis. Novos Estudos: CEBRAP , v. 37, n. 2, pp. 273-289. DOI: 10.25091/S01013300201800020006
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). Com instituições políticas fragilizadas, principalmente a Presidência da República, tornou-se mais fácil destituir Dilma Rousseff (Feres Júnior, 2017FERES JÚNIOR, João. 2017. Looking through a glass, darkly: The unsolved problem of Brazilian democracy. Critical Policy Studies , v. 11, n. 3, pp. 365-372. DOI: 10.1080/19460171.2017.136306
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).
No campo midiático, os principais meios de informação do país teriam feito duas coisas para enfraquecer a apoio popular de Dilma Rousseff. A primeira seria a espetacularização da cobertura sobre a Operação Lava-Jato e as denúncias de corrupção envolvendo a Petrobras. A segunda seria o enquadramento negativo dessa cobertura para o Governo Federal e o endeusamento, por assim dizer, do ex-juiz Sérgio Moro e dos procuradores da República responsáveis pela força-tarefa das investigações, que foram alçados à condição de paladinos do combate à corrupção no país (Albuquerque, 2019ALBUQUERQUE, Afonso de. 2019. Protecting democracy or conspiring against it? Media and politics in Latin America: a glimpse from Brazil. Journalism, v. 20, n. 7, pp. 906-923. DOI: 10.1177/1464884917738376
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; Damgaard, 2018DAMGAARD, Mads. 2018. Cascading corruption news: Explaining the bias of media attention to Brazil’s political scandals. Opiniao Publica, v. 24, n. 1, pp. 114-143. DOI: 10.1590/1807-01912018241114
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; Feres Júnior e Sassara, 2018FERES JÚNIOR, João; SASSARA, Luna de Oliveira. 2018. Failed honeymoon: Dilma Rousseff’s third election round. Latin American Perspectives, v. 45, n. 3, pp. 224-235. DOI: 10.1177/0094582X18767429
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; Goldstein, 2016bGOLDSTEIN, Ariel Alejandro. 2016b. The contribution of the liberal-conservative press to the crisis of Dilma Rousseff’s second term. Cogent Social Sciences , v. 2, pp. 1-3.; Van Dijk, 2017DIJK, Teun. A. Van. 2017. How Globo media manipulated the impeachment of Brazilian president Dilma Rousseff. Discourse and Communication, v. 11, n. 2, pp. 199-229. DOI: 10.1177/1750481317691838
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).
Como afirmou Amorim Neto (2016AMORIM NETO, Octavio. 2016. A crise política brasileira de 2015-2016: Diagnóstico, sequelas e profilaxia. Relações Internacionais, n. 52, pp. 43-54., p. 49), “a Lava-Jato é o mais possante componente do pacote de fatores suficiente para produzir a crise de 2015-2016”. Mas esse efeito político não ocorreria sem que a operação tivesse sido amplamente coberta pela imprensa. Ao fazê-lo, esta não apenas inseriu o tema na agenda pública como provavelmente criou um efeito de priming - quando um assunto se torna importante na agenda pública e passa a ser uma questão especial na avaliação dos governantes (Iyengar e Donald Kinder, 1987IYENGAR, Shanto; KINDER, Donald R. 1987. News that matter: television and American opinion. Chicago: University of Chicago Press .; Krosnick e Kinder, 1990KROSNICK, Jon A.; KINDER, Donald R. 1990. Altering the foundations of support for the president through priming. American Political Science Review, v. 84, n. 2, pp. 497-512. DOI: 10.2307/1963531
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; Miller e Krosnick, 2000MILLER, Joanne M.; KROSNICK, Jon A. 2000. News media impact on the ingredients of presidential evaluations: politically knowledgeable citizens are guided by a trusted source. American Jounal of Political Science, v. 44, n. 2, pp. 301-315. DOI: 10.2307/2669312
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). Isso pode ter feito com que uma parte considerável da opinião pública brasileira passasse a avaliar Dilma Rousseff com base no desenrolar das investigações da operação.
Por fim, deve-se ressaltar a importância dos protestos pró-impeachment. Eles expressaram o antipetismo (Tatagiba, Trindade e Teixeira, 2015TATAGIBA, Luciana; TRINDADE, Thiago; TEIXEIRA, Ana Claudia Chaves. 2015. Protestos à direita no Brasil (2007-2015). In: CRUZ, Sebastião C. Velasco; KAYSEL, André; CODAS, Gustavo. (org.). Direita, volver! O retorno da direita e o ciclo polıtíco brasileiro. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, pp. 197-212.), baseado no discurso que associava o PT à corrupção (Pinto, 2017PINTO, Céli Regina Jardim. 2017. A trajetória discursiva das manifestações de rua no Brasil (2013-2015)”. Lua Nova , n. 100, pp. 119-153. DOI: 10.1590/0102-119153/100
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; Rocha, 2019ROCHA, Camila. 2019. Imposto é roubo! A formação de um contrapúblico ultraliberal e os protestos pró-impeachment de Dilma Rousseff. Dados , v. 62, n. 3, pp. 1-42. DOI: 10.1590/001152582019189
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); mobilizaram cidadãos de direita, setores empresariais e religiosos influentes (Tatagiba, 2017); e ecoaram o pensamento de formadores de opinião (Messenberg, 2017MESSENBERG, Débora. 2017. A direita que saiu do armário: a cosmovisão dos formadores de opinião dos manifestantes de direita brasileiros. Sociedade e Estado, v. 32, n. 3, pp. 621-648. DOI: 10.1590/s0102-69922017.3203004
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), mostrando o poder das novas mídias. Embora os participantes não fossem representativos da população brasileira (Ortellado e Solano, 2016ORTELLADO, Pablo; SOLANO, Esther. 2016. Protestos antigoverno de 2015. Perseu: História, Memória e Política, n. 11, pp. 169-180.; Telles, 2016TELLES, Helcimara. 2016. A direita vai às ruas: O antipetismo, a corrupção e democracia nos protesto antigoverno. Ponto e Vírgula, n. 19, pp. 97-125.), os protestos tiveram um impacto simbólico e discursivo que provavelmente afetou os eventos políticos de 2015 em diante e o comportamento das elites políticas envolvidas na interrupção do mandato de Dilma Rousseff.
Lua de Mel ou pesadelo? Os primeiros três meses
As pesquisas da Secom/PR adicionam outra dimensão ao processo político que levou ao impeachment: a perda da popularidade de Dilma Rousseff do ponto de vista da opinião pública. Elas mostram como um período de “lua de mel” se tornou, na verdade, um pesadelo. Para simplificar a narrativa, dividi a história em 5 partes, que serão ilustradas com os dados das pesquisas. Como se verá, o monitoramento semanal do “pulso” da opinião pública sobre o Governo Federal captou, de maneira consistente, os motivos por trás do enfraquecimento popular da ex-presidente, que levaram às manifestações de rua pelo seu impeachment e à sua perda de influência sobre o Parlamento.
A agenda negativa
As pesquisas telefônicas semanais realizadas pela área de pesquisa da Secom/PR perguntava aos entrevistados quais eram as notícias sobre o Governo Federal das quais eles mais se lembravam. Os gráficos da Figura 2 mostram como era esse recall. Os primeiros três meses de 2015 foram marcados por uma agenda midiática bastante negativa. Entre as notícias mais lembradas, a única que não afetou diretamente o Governo Federal foram as sobre a crise hídrica do início do ano, um evento mais circunscrito a São Paulo, cujo impacto foi amenizado com a volta das chuvas.3 3 Entre os dias 27 e 28 de janeiro de 2015, a Secom/PR realizou uma pesquisa qualitativa na cidade de São Paulo que investigou, entre outros assuntos, sobre quem recaia a culpa da crise hídrica pela qual a cidade passava. Ao menos entre os participantes do grupo, foi unânime a avaliação de que o Governo Estadual era o principal culpado pela falta de planejamento que levou à escassez da água na cidade (“Estudo Qualitativo Ad hoc: Conjuntura São Paulo (01/205)”, 2015) Todas as demais, contudo, estavam diretamente ligadas ao governo de Dilma Rousseff.
Percentual de notícias mais lembradas pelos brasileiros sobre o Governo Federal entre 15 jan. e 30 abr. de 2015
As notícias sobre a crise econômica e sobre as investigações de corrupção na Petrobras permaneceram bastante salientes na cabeça dos brasileiros nos primeiros meses de 2015. Elas só foram superadas em importância quando ocorreram manifestações a favor do impeachment. Não é preciso uma análise de conteúdo para saber que elas tinham um enquadramento negativo, ou um impacto negativo sobre a opinião pública e, consequentemente, sobre a imagem do Governo Federal. E, embora a correlação entre elas seja fraca (r de Pearson = 0,363, N = 15), as duas dimensões estavam conectadas, como será demonstrado a seguir.
O enquadramento das notícias
A mera formação da agenda não acarretaria, necessariamente, um impacto negativo sobre a popularidade. Afinal, por pior que fosse o tema das notícias, o enquadramento importa (Iyengar, 1991IYENGAR, Shanto. 1991. Is anyone responsible? How television frames political issues. Chicago: University of Chicago Press.). Contudo, análises que monitoram a cobertura dos principais veículos de informação do país mostram que a cobertura sobre o Governo Federal no período foi majoritariamente desfavorável (Feres Júnior e Sassara, 2018FERES JÚNIOR, João; SASSARA, Luna de Oliveira. 2018. Failed honeymoon: Dilma Rousseff’s third election round. Latin American Perspectives, v. 45, n. 3, pp. 224-235. DOI: 10.1177/0094582X18767429
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). Além disso, a Secom/PR também mensurava a percepção do noticiário sobre o Governo Federal. Os dados da Figura 3 mostram que, se ela não era boa em 2014, piorou em 2015.
Valores percentuais da avaliação do noticiário sobre o Governo Federal entre 30 jan. e 26 de jun. 2014 e 15 jan. e 30 abr. de 2015.
As figuras 2 e 3 sugerem que a agenda negativa dos três primeiros meses de 2015 não se formou apenas em torno de temas indigestos para o Governo Federal, mas também com uma percepção fortemente negativa do noticiário. Se a formação de agendas com enquadramentos negativos impacta a popularidade presidencial com um efeito de priming, e as investigações da Lava-Jato sobre a Petrobras e a crise econômica passaram a ser componentes fundamentais da opinião dos brasileiros, tal cenário seria plenamente capaz de explicar a mudança de avaliação do Governo Federal nesse período.
O som do silêncio
O Governo Federal logo percebeu que essa agenda negativa estava lhe custando popularidade, mas talvez a demora em agir para conter o aumento de sua reprovação e combater a agenda negativa tenha deixado sequelas. Como mostra um dos gráficos da Figura 2, em 19 de fevereiro de 2015 surgiram as primeiras recordações de notícias sobre manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff. Ainda que o número fosse pequeno, 4%, era um indício do que viria a seguir.
Nessa mesma pesquisa de 19 de fevereiro, outros dois dados chamam a atenção. O primeiro são os motivos pelos quais os entrevistados avaliavam o Governo Federal como ruim ou péssimo - 62% da amostra. Eles estão descritos na tabela 1. A pergunta era aberta e pré-codificada e os entrevistados foram estimulados a dar até duas respostas. Inclui apenas os motivos que alcançaram valores superiores a 1% nas duas opções de resposta. Também apresento os dados da pesquisa de 12 de março de 2015, nela se perguntou aos entrevistados por que passaram a desaprovar o Governo Federal nos últimos seis meses - 27% da amostra - e por que queriam que o Governo Federal não terminasse seu mandato - 56% da amostra.
Os dados refletem o momento vivido pelo país. Entre os principais motivos de críticas ao Governo Federal estavam fatores econômicos, como o aumento da inflação e do desemprego, os escândalos de corrupção ligados às investigações da Petrobras pela Lava-Jato, e um motivo que poderia ser enquadrado como “estelionato eleitoral”, que teria ocorrido da eleição de 2014. Na época, a queixa dos brasileiros sobre Dilma Rousseff “não cumprir o que promete” fazia referência às promessas de campanha, de que não haveria um debacle econômico se ela continuasse no poder por mais 4 anos.
Outro dado importante era o de que, para os brasileiros, Dilma não dar “explicações sobre os problemas do país” poderia sugerir: (1) não explicar para as pessoas sobre o que realmente estava acontecendo no país e os motivos e objetivos das medidas de ajuste fiscal adotadas, ou (2), o puro e simples silêncio do Governo Federal, e principalmente de sua mandatária, em relação às questões de crise pelo qual o país passava. Ambos os casos tocam em problemas de comunicação do Governo Federal, captados pelos dados da tabela 2. Ao serem perguntados sobre como o Governo Federal estava se posicionando em relação às notícias divulgadas nos últimos dias sobre a corrupção na Petrobras e a situação econômica do país, a maioria dos brasileiros respondeu que não havia qualquer posicionamento e, quando isso ocorria, era de maneira inadequada. Essas informações sugerem que, ou Dilma Rousseff não vinha se comunicando com os brasileiros, ou, quando o fazia, era de maneira equivocada.
Dados que ajudam a esclarecer esses pontos vêm de uma pesquisa qualitativa realizada entre 23 e 26 de março de 2015 em São Paulo.4 4 Pesquisa realizada cerca de 96 moradores da cidade de São Paulo, de 18-55 anos, de todas as classes sociais, entre pessoas que Aprovavam, Desaprovam e Passaram a Desaprovar o Governo Federal nos últimos 6 meses (“Estudo Qualitativo Ad hoc: Conjuntura São Paulo II (03/2015)”, 2015). Uma das discussões levantadas foi justamente sobre a comunicação do Governo Federal. Entre os pontos críticos levantados estavam: falta de transparência por parte do governo no combate à corrupção; o desejo de informações exaustivas sobre como e por que a crise na Petrobras aconteceu, pois os participantes estavam frustrados com a falta de explicações sobre o ocorrido; e, o que era mais preocupante, principalmente por ser um sentimento que aparecia entre os que ainda apoiavam Dilma Rousseff, um desconforto ou inibição em defendê-la das críticas e da agenda negativa da mídia, uma vez que o governo não lhes dava uma narrativa clara e coerente sobre os acontecimentos.
Uma informação adicional deixa essas impressões ainda mais evidentes. Mesmo com a perda vertiginosa de popularidade presidencial, e com as pesquisas da Secom/PR captando essa percepção negativa da opinião pública sobre a economia e a crise da Petrobras, a primeira campanha do Governo Federal sobre o ajuste fiscal - “Ajustar para avançar” - foi lançada apenas em abril de 2015.5 5 “Governo federal lança campanha em defesa do ajuste fiscal”. UOL, 02 maio 2015. Disponível em: <https://bit.ly/3rpEDtE>. Acesso em: 05 mar. 2021. Ou seja, na batalha de comunicação pela opinião pública, o governo e Dilma Rousseff somente agiram de maneira mais contundente quando o cenário econômico do país já era amplamente desfavorável à sua gestão e o noticiário estava repleto de notícias negativas por conta das investigações da Lava-Jato.
A culpa não é minha
Mesmo ao “irem a público” (Kernell, 1987KERNELL, Samuel. 1987. Going public: new strategies of presidential leadership. Washington, DC: CQ Press.), presidentes podem enfrentar dificuldades políticas com a opinião pública e com o Parlamento (Canes-Wrone, 2001CANES-WRONE, Brandice. 2001. The president’s Legislative influence from public appeals. American Journal of Political Science, v. 45, n. 2, pp. 313-329.). Esse quadro se agrava quando eles não se comunicam corretamente com seus constituintes ou adotam uma estratégia equivocada de se eximir das responsabilidades. Em pronunciamento à nação no dia 8 de março, Dilma Rousseff culpou a crise financeira internacional e a falta de chuvas do início do ano pela situação econômica do país.6 6 “Dilma culpa crise externa e pede paciência ao país”. Exame, 09 mar. 2015. Disponível em: <https://bit.ly/39rDLOn>. Acesso em: 28 jan. 2021. “Nem de longe crise é nas dimensões que dizem alguns”, afirma Dilma na TV. UOL, 08 mar. 2015. Disponível em: <https://bit.ly/36DfMu3>. Acesso em: 28 jan. 2021. Essa estratégia não funcionou, como mostram os dados da tabela 3, que traz a opinião dos brasileiros sobre a principal causa da crise econômica do Brasil e os sentimentos que melhor descrevem como eles estavam se sentindo em relação ao Governo Federal e à economia do país.
Embora a crise econômica e o escândalo de corrupção na Petrobras fossem coisas distintas, o fato de ambos os assuntos estarem diariamente na imprensa e, consequentemente, circulando em outros meios de comunicação, como as redes sociais e aplicativos de troca de mensagens instantâneas, pode ter feito com que uma grande parcela dos brasileiros enxergasse que as duas coisas estivessem diretamente relacionadas numa relação de causa e efeito, infligindo danos à popularidade da ex-presidente Dilma.
De fato, fazia todo sentido culpar a política econômica do 2º mandato de Dilma Rousseff pela crise econômica do país. Mas por que esta estaria sendo associada à corrupção e a situação da Petrobras? Uma possível resposta encontra-se em outra pesquisa qualitativa da Secom/PR, realizada entre os dias 16 e 19 de março de 2015, e que buscou avaliar a conjuntura econômica do país.7 7 Pesquisa realizada com cerca de 192 brasileiros de 18-55 anos, de todas as classes sociais, entre pessoas que Aprovavam, Desaprovam e Passaram a Desaprovar o Governo Federal, nas cidades de Porto Alegre, Salvador, Rio de Janeiro e Recife, entre 16 e 19 de março de 2015 (“Estudo Qualitativo Ad hoc: Ajuste Econômico (03/2015)”, 2015). Como falas abaixo ilustram, os participantes espontaneamente relacionaram a crise econômica com a corrupção na Petrobras ao falarem sobre as suas percepções do momento econômico pelo qual o país passava.
Nós estamos pagando por algo que não fizemos, grande parte do problema econômico do país é por causa dessa roubalheira dos políticos: verbas desviadas, propinas. (Passou a desaprovar, 18 a 25 anos, CDE, Salvador)
Eles querem tirar o furo da Petrobras em cima da economia. Fica cada vez pior. Está alto o custo de vida para compras, remédios, roupas, coisas para a casa. Está difícil a situação. (Desaprova, 18 a 25 anos, AB, Recife)
O motivo do aumento é para cobrir o rombo na Petrobras. Tem que tirar de algum lugar. (Passou a desaprovar, 18 a 25 anos, CDE, Salvador)
Já roubaram tanto, e quem vai pagar é a gente. Alguém vai ter que pagar este rombo, quem paga é o povo. (Passou a desaprovar, 26 a 39 anos, CDE, Rio de Janeiro)
O governo está repassando um prejuízo que nós não causamos, mas estamos sofrendo. É o caso da Petrobras, eu não peguei aquele dinheiro, mas estou pagando na gasolina do carro. A gasolina em si afeta o preço de tudo: transportes. As transportadoras que levam os produtos para o mercado. Sobe o preço de tudo. (Passou a desaprovar, 18 a 25 anos, CDE, Salvador)
Não é justo. Eu estou sofrendo por corrupção de pessoas dentro da Petrobras. Foi isso que aconteceu. (Desaprova, 18 a 25 anos, CDE, Rio de Janeiro)
Já os sentimentos de raiva e frustração eram encontrados principalmente entre os que haviam passado a desaprovar o Governo Federal. O que eles mostram é tanto um sentido de perda, quanto a sensação de que as pessoas foram, mais uma vez, enganadas pela classe política.
Há um tempo a gente tinha a impressão de que poderia conquistar algo, ter. Hoje, talvez não tenhamos mais essa percepção devido a vários fatores. (Passou a desaprovar, 18 a 25 anos, CDE, Salvador)
A gente que é de baixa renda teve muita oportunidade no crédito, mas em compensação, agora, tudo que você conseguiu comprar, você não pode usar. O ar-condicionado você tem, mas não pode ligar. Então tudo que eles te deram no passado, de alguma forma eles estão te tirando agora. (Passou a desaprovar, 26 a 39 anos, CDE, Rio de Janeiro)
Disseram que não mexeriam na área do trabalho, que ia diminuir a luz. Fizeram o contrário. O desemprego está aumentando. Olha quanto pai de família desempregado! (Passou a desaprovar, 26 a 39 anos, CDE, Recife)
No geral, os dados sugerem que o Governo Federal perdeu a disputa pela narrativa sobre as crises econômica e política que assolavam o país. E, ao perdê-la, deixou um misto de sentimentos negativos de raiva, frustração e, por que não dizer, de desamparo, principalmente do ponto de vista informacional, como já havia sido observado na pesquisa feita em São Paulo. Dois últimos depoimentos ajudam a explicitar esse ponto, pois eles vêm de brasileiros que, àquela altura, ainda aprovavam o governo de Dilma Rousseff.
Eu acho que poderiam esclarecer mais, muita gente fica sabendo pela mídia. Teria que ter alguns comunicados do governo, notas televisivas, ela explicar. A última vez que eu vi algo dela foi em 2013 nas manifestações… Eu acho que ela tem que esclarecer para o povo não ficar tão revoltado. (Aprova, 18 a 25 anos, AB, Porto Alegre)
Eu acho que o governo não está fazendo nada e, se está, não está divulgado, não está aparecendo. A gente já está no mês 3 e não temos nenhum tipo de informação a respeito. (Aprova, 40 a 55 anos, CDE, Rio de Janeiro)
As manifestações pelo impeachment
O cenário descrito acima levou às manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff. A primeira das grandes manifestações ocorreu no dia 15 de março, um domingo, em ao menos 160 cidades do país.8 8 “Manifestantes protestam contra Dilma em todos os estados, DF e exterior”. Disponível em: https://glo.bo/3tasV7l. Acesso em: 30 jan. 2021. “Mass Protests Across Brazil Reflect Anger at President”. Disponível em: https://on.wsj.com/3pDe96U. Acesso em: 30 jan. 2021. Como os protestos estavam sendo organizados e anunciados semanas antes, principalmente pelas redes sociais, na última semana de fevereiro a pesquisa telefônica da Secom/PR trouxe duas perguntas de uma série de quatro que seriam aplicadas durante todo o mês de março. Os resultados estão na tabela 4.
Os dados mostram que o nível de conhecimento sobre as manifestações que pediam “a descontinuidade do Governo Federal”, e a aprovação delas, já era altos duas semanas antes de elas ocorrerem. O número de pessoas dispostas a participar dos protestos também era alto, ainda que a pesquisa de 20 de março tenha obtido números mais realistas: 15% dos entrevistados disseram que o próprio entrevistado, ou alguém que mora no mesmo domicílio, realmente foram às ruas.9 9 A título de comparação, nas manifestações de 2013 esse número foi de 25%, de acordo com dados da pesquisa “Estudo Telefônico Flash Ad hoc Manifestações e Reforma Política (06/2013)”.
Mas a pergunta mais importante era se o entrevistado era a favor ou contra o Governo Federal concluir seu mandato até 2018. Embora a palavra impeachment não tenha sido usada, acredito que a pergunta captou, em grande medida, o posicionamento da opinião pública da época sobre o assunto.10 10 Pesquisa do Datafolha feita entre os dias 17 e 18 de março de 2015, ou seja, após as manifestações, e com a palavra impeachment no enunciado da pergunta, apresentou números mais negativos para Dilma Rousseff: 68% a favor, 27% contra, 3% indiferentes e 2% não sabiam. Disponível em: < https://bit.ly/2YsBI6D>. Acesso em: 30 jan. 2021. Outra informação importante, e que reforça os dados da tabela 1, é o principal motivo pelo qual as pessoas atribuíam a ocorrência das manifestações: 38% disseram que era contra a corrupção, 34% contra a corrupção na Petrobras, 22% pela descontinuidade do Governo Federal (ou seja, impeachment) e 14% pelos problemas da economia.
Com isso, fecha-se um ciclo que começa com a implementação de um ajuste econômico que havia sido descartado na campanha eleitoral de 2014 e que não contou com uma campanha publicitária ou um esforço de comunicação mais efetivo por parte do Governo Federal, desde o seu início, para explicar aos brasileiros o que estava ocorrendo com a economia do país. Soma-se a isso a agenda negativa e a cobertura bastante crítica da imprensa sobre a crise econômica e, principalmente, as investigações de corrupção na Petrobras levadas a cabo pela operação Lava-Jato. As manifestações foram, acima de tudo, um desfecho desses três meses de turbulência que fizeram com que Dilma Rousseff perdesse apoio da opinião pública, o suficiente para que sua popularidade deixasse de funcionar como um escudo contra qualquer tentativa de interrupção de seu mandato.
Conclusão
Nos 13 anos em que o PT ocupou a presidência da República, tanto Lula quanto Dilma Rousseff passaram por crises política causadas por escândalos de corrupção que tiveram ampla repercussão midiática. O 1º mandato de Lula foi perturbado, em 2005, pelo escândalo do Mensalão. O 2º mandato de Dilma, pelos escândalos de corrupção na Petrobras descobertos pela operação Lava-Jato. Contudo, os desfechos foram diferentes. Enquanto Lula se reelegeu presidente em 2006, terminou seu 2º mandato com mais de 80% de aprovação, sua sucessora, Dilma Rousseff, foi removida do cargo por um golpe parlamentar em 2016 que contou, inclusive, com a anuência de seu vice-presidente. Em seu célebre artigo sobre a “contribuição” de Monica Lewinsky para a Ciência Política, Zaller (1998ZALLER, John R. 1998. Monica Lewinsky’s contribution to political science. PS: Political Science & Politics, v. 31, n. 2, pp. 182-189., p. 185) argumenta que a “ascensão e queda de presidentes […] têm a ver principalmente com a forma como eles governam”.11 11 O impeachment do democrata Bill Clinton, sob as acusações de perjúrio e obstrução de justiça por conta do seu envolvimento sexual com a ex-estagiária da Casa Branca, Monica Lewinsky, foi aceito em 19 de dezembro de 1998 pela Câmara dos Deputados dos EUA, mas rejeitado pelo Senado, onde a oposição não tinha votos suficientes para alcançar os 2/3 dos votos necessários. Embora, em suas palavras, “outras coisas” possam ser importantes, é a “prestação de contas sobre as condições do país e a implementação de políticas efetivas” o que realmente importa. Ou seja, mandatos presidenciais têm uma relação indissociável com a opinião pública do país, e governos que conseguem entregar “realizações” aos seus cidadãos tendem a prosperar, já que possuem “substância política”.
Como já dito, Lula terminou seu 2º mandato com cerca de 80% de avaliação positiva e fez sua sucessora, mas também passou por uma situação de crise, com o escândalo do Mensalão, em 2005. Contudo, como mostraram outros estudos, Lula tinha como escudo contra o impeachment justamente um histórico de realizações - o que lhe garantia “substância política” - principalmente na economia (Rennó, 2007RENNÓ, Lúcio R. 2007. Escândalos e voto: as eleições presidenciais brasileiras de 2006. Opinião Pública , v. 13, n. 2, pp. 260-282.). Além disso, o petista tinha uma segunda camada de proteção, por assim dizer, pois foi capaz de montar uma coalizão de governo mais estável e disciplinada do que de sua sucessora (Pereira, 2017PEREIRA, Celina. 2017. Medindo a governabilidade no Brasil: o presidencialismo de coalizão nos governos FHC, Lula e Dilma. Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Brasília: UnB.). Nesse contexto, o Mensalão deixou feridas em seu governo e o fez perder alguma popularidade, mas insuficiente para que qualquer pedido de interrupção de seu mandato prosperasse com apoio popular ou no parlamento.
Dilma não teve a mesma sorte. Como mostram os dados da Figura 1, embora sua aprovação estivesse perto de 50% ao final de 2014, em 2015 o cenário mudou completamente, em especial a partir da segunda quinzena de janeiro de 2015. Em três meses, ela perdeu o apoio da opinião pública e não seria capaz de recuperá-lo até seu afastamento do cargo - caso o tivesse feito, o seu destino poderia ter sido diferente. Como o capital político deteriorado, sem um histórico de realizações recentes para entregar, sem substância política e com sua legitimidade como líder abalada junto à opinião pública, não lhe restaram mecanismos de pressão junto ao Parlamento, ou capacidade de coordenação por parte de sua coalização, que pudessem ter impedido o início do processo de interrupção de seu mandato no final de 2015, e seu desfecho em 2016.
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1
Até onde sei, nenhuma outra instituição acompanhou de maneira tão detida e com dados, semana a semana, a maneira como os brasileiros responderam aos acontecimentos políticos, econômicos e sociais do início do segundo mandato de Dilma Rousseff. As amostras das pesquisas telefônicas semanais eram nacionais, compostas por 1000 pessoas com 16 anos ou mais, com acesso a telefone fixo (51%) e celular (49%). O método amostral utilizado: modelo de conglomerados em 2 estágios (município, indivíduos), com cotas para sexo, grupos de idade, instrução e atividade. Margem de erro de ±3% e intervalo de confiança de 95%.
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2
Hoje, os relatórios das pesquisas podem ser obtidos aqui: https://www.gov.br/secom/pt-br/acesso-a-informacao/pesquisa. Os microdados das pesquisas e as transcrições dos grupos focais podem ser solicitados diretamente ao autor.
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3
Entre os dias 27 e 28 de janeiro de 2015, a Secom/PR realizou uma pesquisa qualitativa na cidade de São Paulo que investigou, entre outros assuntos, sobre quem recaia a culpa da crise hídrica pela qual a cidade passava. Ao menos entre os participantes do grupo, foi unânime a avaliação de que o Governo Estadual era o principal culpado pela falta de planejamento que levou à escassez da água na cidade (“Estudo Qualitativo Ad hoc: Conjuntura São Paulo (01/205)”, 2015Estudo Qualitativo Ad hoc: Conjuntura São Paulo (01/205). 2015. Brasília: Assessoria de Pesquisa de Opinião Pública/Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República .)
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4
Pesquisa realizada cerca de 96 moradores da cidade de São Paulo, de 18-55 anos, de todas as classes sociais, entre pessoas que Aprovavam, Desaprovam e Passaram a Desaprovar o Governo Federal nos últimos 6 meses (“Estudo Qualitativo Ad hoc: Conjuntura São Paulo II (03/2015)”, 2015Estudo Qualitativo Ad hoc: Conjuntura São Paulo II (03/2015). 2015. Brasília: Assessoria de Pesquisa de Opinião Pública/Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República .).
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5
“Governo federal lança campanha em defesa do ajuste fiscal”. UOL, 02 maio 2015. Disponível em: <https://bit.ly/3rpEDtE>. Acesso em: 05 mar. 2021.
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6
“Dilma culpa crise externa e pede paciência ao país”. Exame, 09 mar. 2015. Disponível em: <https://bit.ly/39rDLOn>. Acesso em: 28 jan. 2021. “Nem de longe crise é nas dimensões que dizem alguns”, afirma Dilma na TV. UOL, 08 mar. 2015. Disponível em: <https://bit.ly/36DfMu3>. Acesso em: 28 jan. 2021.
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7
Pesquisa realizada com cerca de 192 brasileiros de 18-55 anos, de todas as classes sociais, entre pessoas que Aprovavam, Desaprovam e Passaram a Desaprovar o Governo Federal, nas cidades de Porto Alegre, Salvador, Rio de Janeiro e Recife, entre 16 e 19 de março de 2015 (“Estudo Qualitativo Ad hoc: Ajuste Econômico (03/2015)”, 2015Estudo Qualitativo Ad hoc: Ajuste Econômico (03/2015). 2015. Brasília: Assessoria de Pesquisa de Opinião Pública/Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.).
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8
“Manifestantes protestam contra Dilma em todos os estados, DF e exterior”. Disponível em: https://glo.bo/3tasV7l. Acesso em: 30 jan. 2021. “Mass Protests Across Brazil Reflect Anger at President”. Disponível em: https://on.wsj.com/3pDe96U. Acesso em: 30 jan. 2021.
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9
A título de comparação, nas manifestações de 2013 esse número foi de 25%, de acordo com dados da pesquisa “Estudo Telefônico Flash Ad hoc Manifestações e Reforma Política (06/2013)”.
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Pesquisa do Datafolha feita entre os dias 17 e 18 de março de 2015, ou seja, após as manifestações, e com a palavra impeachment no enunciado da pergunta, apresentou números mais negativos para Dilma Rousseff: 68% a favor, 27% contra, 3% indiferentes e 2% não sabiam. Disponível em: < https://bit.ly/2YsBI6D>. Acesso em: 30 jan. 2021.
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O impeachment do democrata Bill Clinton, sob as acusações de perjúrio e obstrução de justiça por conta do seu envolvimento sexual com a ex-estagiária da Casa Branca, Monica Lewinsky, foi aceito em 19 de dezembro de 1998 pela Câmara dos Deputados dos EUA, mas rejeitado pelo Senado, onde a oposição não tinha votos suficientes para alcançar os 2/3 dos votos necessários.
Disponibilidade de dados
Citações de dados
CARLIN, Ryan E. et al. Executive Approval Database 2.0. Disponível em: Disponível em: https://shre.ink/abBN Acesso em: 8 ago 2023.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
09 Out 2023 -
Data do Fascículo
May-Aug 2023
Histórico
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Recebido
15 Mar 2021 -
Aceito
11 Jul 2023