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TRANSMASCULINIDADE E TEORIA QUEER: A EXPERIÊNCIA CORPORAL DA INFÂNCIA À VIDA ADULTA

TRANSMASCULINIDAD Y TEORÍA QUEER: LA EXPERIENCIA CORPORAL DESDE LA INFANCIA HASTA LA EDAD ADULTA

TRANSMASCULINITY AND QUEER THEORY: BODY EXPERIENCE FROM CHILDHOOD TO ADULTHOOD

Resumo

Considerando o discurso patologizante e biologizante que têm recaído incisivamente sobre as pessoas e corpos trans, e partindo do pressuposto de que a identidade de gênero é socialmente construída, este estudo tem por objetivo investigar a experiência corporal de um homem trans da infância à vida adulta. Os dados foram colhidos mediante aplicação individual de sucessivas entrevistas semiestruturadas individuais com um homem trans e com sua mãe. O material transcrito foi organizado sob a forma de estudo de caso e analisado com base nos estudos queer. Os resultados indicam que a experiência corporal é atravessada pelo discurso heteronormativo desde tenra idade. A passagem pelo processo transexualizador, paulatinamente permite ao homem trans aceder às possibilidades hegemônicas e humanizadoras das construções de gênero, performatizando a relação fictícia entre sexo e gênero e se afastando do lugar de abjeção relegado à transexualidade na cultura heteronormativa.

Palavras-chave:
Transexualidade; Consciência corporal; Processo transexualizador; Teoria queer

Resumen

Considerando el discurso patologizante y biologizante que ha caído incisivamente sobre las personas y cuerpos trans, y asumiendo que la identidad de género se construye socialmente, este estudio tiene como objetivo investigar la experiencia corporal de un hombre trans desde la niñez a la edad adulta. Los datos fueron recolectados mediante la aplicación individual de sucesivas entrevistas individuales semiestructuradas con un hombre trans y su madre. El material transcrito se organizó como un estudio de caso y se analizó en base a los estudios queer. Los resultados indican que la experiencia corporal es atravesada por el discurso heteronormativo desde temprana edad. El paso por el proceso de transexualización permite que los hombres trans accedan paulatinamente a las posibilidades hegemónicas y humanizadoras de las construcciones de género, realizando la relación ficticia entre sexo y género y alejándose del lugar de abyección relegado a la transexualidad en la cultura heteronormativa.

Palabras clave:
Transexualidad; Conciencia corporal; Proceso de transexualización; Teoría queer

Abstract

Considering the pathologizing and biologizing discourse that have been incisively fallen on transgender people and bodies, and assuming that gender identity is socially constructed, this study aims to investigate the bodily experience of a trans man (FtM) from childhood to adulthood. Data were collected through individual application of successive semi-structured individual interviews with a transman and his mother. The transcribed material was organized as a case study and analyzed based on queer studies. The results indicate that the body experience is crossed by heteronormative discourse from an early age. The passage through the transsexualizing process gradually allows the transgender man to access the hegemonic and humanizing possibilities of gender constructions, performing the fictitious relationship between sex and gender and moving away from the place of abjection relegated to transsexuality in heteronormative culture.

Keywords:
Transsexuality; Corporal conscience; Transsexual process; Queer theory

Introdução

O termo “transexual” tem sido utilizado, na literatura médica, para designar a pessoa que manifesta sensação intensa e irreversível de pertencer a um gênero oposto ao que lhe foi designado no nascimento em função de sua genitália, sem apresentar distúrbios delirantes ou base orgânica (Castel, 2001Castel, P. (2001). Algumas reflexões para estabelecer a cronologia do "fenômeno transexual" (1910-1995). Revista Brasileira de História, 21(41), 77-111.). Por essa ótica, espera-se que uma pessoa trans, via de regra, mostre repúdio por seus órgãos sexuais e deseje se submeter (ou já se submeteu) à cirurgia de redesignação sexual, a fim de “adequar” seu corpo à sua expressão de gênero, que conflitua com o gênero adjudicado ao nascimento (Benjamin, 1966Benjamin, H. (1966). The transexual phenomena. Julian Press.; Galli, Vieira, Giami, & Santos, 2013Galli, R. A., Vieira, E. M., Giami, A., & Santos, M. A. (2013). Corpos mutantes, mulheres intrigantes: Transexualidade e cirurgia de redesignação sexual. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 29(4), 447-457. doi:10.1590/S0102-37722013000400011
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).

Em vista da aderência à concepção normativa de conformidade entre sexo e gênero, a proposição médica do construto transexualismo compreende essa experiência como uma psicopatologia, atribuindo um sentido de tratamento viável às técnicas cirúrgicas e terapias hormonais viabilizadas pelos avanços da biomedicina (Arán, 2006Arán, M. (2006). Transexualidade e a gramática normativa do sistema sexo-gênero. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, 9(1), 49-63.; Santos et al., 2019Santos, M. A., Souza, R. S., Lara, L. A., Risk, E. N., Oliveira, W., Alexandre, V., & Oliveira-Cardoso, É. A. (2019). Transexualidade, ordem médica e política de saúde: Controle normativo do processo transexualizador no Brasil.Estudos Interdisciplinares em Psicologia,10(1), 3-19. http://doi.org/10.5433/2236-6407.2019v10n1p03
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). Todavia, as pressões da militância trans fizeram com que essa concepção se alterasse nos últimos anos (Stop Trans Pathologization, 2012Stop Trans Pathologization. (2012). Manifesto - Rede Internacional pela Despatologização Trans. Recuperado de http://stp2012.info/old/pt/manifesto
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).

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5a edição - DSM-5 (American Psychiatry Association, 2013American Psychiatry Association. (2013). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - DSM-5™ (5th ed.). American Psychiatric Association.), deixou de classificar a transexualidade como transtorno de identidade de gênero e passou a adotar o termo disforia de gênero, que centra atenção no sofrimento desencadeado pela incongruência entre o gênero experimentado e o gênero atribuído socialmente, considerando ainda o sofrimento que pode acometer as pessoas trans quando as possibilidades de modificações físicas desejadas não estão disponíveis, ou quando o acesso às tecnologias de intervenção corporal só é exequível para a minoria economicamente privilegiada (Santos et al., 2019Santos, M. A., Souza, R. S., Lara, L. A., Risk, E. N., Oliveira, W., Alexandre, V., & Oliveira-Cardoso, É. A. (2019). Transexualidade, ordem médica e política de saúde: Controle normativo do processo transexualizador no Brasil.Estudos Interdisciplinares em Psicologia,10(1), 3-19. http://doi.org/10.5433/2236-6407.2019v10n1p03
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).

Na 11a versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID-11 (Conselho Federal de Psicologia, 2019Conselho Federal de Psicologia. (2019). Transexualidade não é transtorno mental, oficializa OMS. Recuperado de https://site.cfp.org.br/transexualidade-nao-e-transtorno-mental-oficializa-oms/
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), a categoria transtorno de identidade de gênero foi substituída pelo diagnóstico de incongruência de gênero, e passou a compor o capítulo relacionado à saúde sexual e não mais o de transtornos mentais, como catalogada na versão anterior do manual.

A despeito de tais mudanças, a concepção psicopatológica da transexualidade ainda está profundamente enraizada na prática e nos saberes médicos (Lima & Cruz, 2016Lima, F. & Cruz, K. T. (2016). Os processos de hormonização e a produção do cuidado em saúde na transexualidade masculina. Sexualidad, Salud y Sociedad: Revista Latinoamericana, 23, 162-186.; Oliveira & Romanini, 2020Oliveira, I. & Romanini, M. (2020). (Re)escrevendo roteiros (in)visíveis: A trajetória de mulheres transgênero nas políticas públicas de saúde.Saúde e Sociedade,29(1), e170961.). A compreensão da transexualidade como um fenômeno passível de ser enquadrado em manuais diagnósticos, a fim de justificar um tratamento médico para reduzir o sofrimento desencadeado por essa condição, é um efeito perverso da captura das experiências trans pelo dispositivo biomédico. Essa concepção tem sido fortemente contestada na contemporaneidade (Butler, 2009Butler, J. (2009). Desdiagnosticando o gênero (A., Rios, trad.).Physis: Revista de Saúde Coletiva, 19(1), 95-126.; Galli et al., 2013Galli, R. A., Vieira, E. M., Giami, A., & Santos, M. A. (2013). Corpos mutantes, mulheres intrigantes: Transexualidade e cirurgia de redesignação sexual. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 29(4), 447-457. doi:10.1590/S0102-37722013000400011
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).

Em uma perspectiva radicalmente diversa da visão biomédica, o termo transexualidade, tal como é utilizado nos dias de hoje, considera essa condição como um conflito identitário sem qualquer viés patologizante, visto que não normatiza nem naturaliza a conformidade gênero-sexo (Bento, 2006Bento, B. (2006). A reinvenção do corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Garamond.). Essa concepção diverge do discurso biomédico, opondo-se à leitura que identifica na diferença uma forma de desvio e questionando a noção que equipara o desvio à doença. O construto transexualidade coloca no centro o caráter socialmente construído da identidade de gênero, na medida em que resulta das relações socioculturais estabelecidas pelo indivíduo ao longo de sua existência (Arán, 2006Arán, M. (2006). Transexualidade e a gramática normativa do sistema sexo-gênero. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, 9(1), 49-63.).

Nessa vertente, para a pessoa trans, a descoberta do corpo sexuado e a experiência de não conseguir performar de acordo com o gênero concebido socialmente configuram descobertas que repercutirão ao longo de toda a vida, visto que é um momento marcado por diversas barreiras nos espaços de sociabilidade. Não raro, essas barreiras resultam em episódios de intolerância, preconceito e discriminação, tais como insultos, ofensas e humilhações contra os membros da comunidade trans, culminando com rejeição familiar, expulsão de casa, exclusão da escola e dificuldade de inserção no mercado de trabalho (Bento, 2009Bento B. (2009). A diferença que faz a diferença: corpo e subjetividade na transexualidade. Bagoas: Estudos Gays: Gêneros e Sexualidades , 3(4), 95-112.; Galli et al., 2013Galli, R. A., Vieira, E. M., Giami, A., & Santos, M. A. (2013). Corpos mutantes, mulheres intrigantes: Transexualidade e cirurgia de redesignação sexual. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 29(4), 447-457. doi:10.1590/S0102-37722013000400011
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; Martínez-Guzmán, & Íñiguez-Rueda, 2017Martínez-Guzmán, A. & Íñiguez-Rueda, L. (2017). Prácticas discursivas y violencia simbólica hacia la comunidad LGBT en espacios universitarios.Paidéia, 27(Suppl.1), 367-375. https://doi.org/10.1590/1982-432727s1201701
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).

Transgredir as normas, especificamente as da matriz heterossexual (Louro, 2001Louro, G. L. (2001). Teoria queer: Uma política pós-identitária para a educação. Revista Estudos Feministas, 9(2), 541-553.), em uma sociedade na qual o corpo é altamente investido como elemento responsável pela mediação sociedade-indivíduo, é motivo mais do que suficiente para justificar o repúdio, a exclusão e o extermínio dos diferentes (Fernandes & Barbosa, 2016Fernandes, L. & Barbosa, R. (2016). A construção social dos corpos periféricos. Saúde e Sociedade, 25(1), 70-82.). Infringir as prescrições das estratégias sociais normalizadoras referentes às diversas orientações sexuais e identidades de gênero, que ditam e restringem as formas legítimas de viver e ser (Louro, 2001), tem como contrapartida uma série de sanções da ordem social que demarcam, separam e castigam severamente tal transgressão, de modo a aprisioná-la em uma condição abjeta (Butler, 2013Butler, J. (2013). Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade (R., Aguiar, trad.). Civilização Brasileira.). As reiteradas experiências de violência e discriminação vividas ao longo da vida se prestam como fontes de sofrimento físico, psíquico e social, encerrando a pessoa trans em vivências aniquiladoras de exclusão, solidão e desamparo (Fernandes & Barbosa, 2016).

A partir de uma perspectiva queer é possível pensar como os dispositivos normalizadores, que recaem sobre o gênero e seus modos performáticos, inscrevem-se nos corpos e se expressam por meio deles. Segundo Louro (2015Louro, G. L. (2015). O corpo estranho: Ensaios sobre a sexualidade e a teoria queer. Autêntica.), padrões, normas, referências, valores e ideias de uma sociedade são inscritos discursivamente nos corpos ao longo de toda a trajetória de vida do indivíduo. Assim, são as práticas discursivas disseminadas na cultura que significam, de forma reiterada, os aspectos da materialidade do corpo, tornando-os definidores de gênero. Por se tratar de um processo que é contínuo, passível de intervenção, desconstrução e ressignificação, a percepção do gênero, amplamente difundida como algo “cristalizado” ou natural, nada mais é do que o efeito de uma prática insistente, sustentada e regulada discursivamente nos meios sociais (Butler, 2003).

Esse conjunto de mecanismos regulatórios é denominado, no campo dos estudos de gênero, de heteronormatividade. Trata-se de um dispositivo que regula a ordem sexual contemporânea, a partir da qual se classificam e condenam diversas identidades ou expressões do universo afetivo-sexual que transgridem e contestam a norma, como por exemplo a experiência transexual. A perspectiva queer permite confrontar as estratégias regulatórias da heteronormatividade (Miskolci, 2012Miskolci, R. (2012). Teoria Queer: Um aprendizado pelas diferenças. Autêntica.), buscando romper com o binarismo dos gêneros e das sexualidades, dos corpos e também dos efeitos engendrados, a saber: a hierarquia, a classificação, a dominação e a exclusão, propondo em seu lugar uma visão alternativa múltipla, fluida, plural e cambiante (Louro, 2001Louro, G. L. (2001). Teoria queer: Uma política pós-identitária para a educação. Revista Estudos Feministas, 9(2), 541-553.).

Além de proporcionar uma resistência à heteronormatividade, a perspectiva queer manifesta a necessidade do desenvolvimento de uma analítica que coloque em xeque a dinâmica regulatória da normalização de como as fronteiras da diferença sexual são construídas e adquirem o status de marcadores de hierarquia e opressão. Nesse sentido, os estudos queer possibilitam um entendimento acerca das pessoas trans que não as encerra em contornos patológicos e subalternizantes, tampouco se coloca em sua defesa de maneira conclusiva e autoritária, tendo em vista que isso reduziria a potencialidade dos múltiplos lugares enunciatórios e desconsideraria o caráter contingente da agência (Miskolci, 2009).

Ao enfatizar o efeito das relações de poder e das normatizações sobre a ordem social e as identidades, a teoria queer proporciona uma implicação política da Psicologia às compreensões de sujeito e de gênero e sexualidades que são movimentadas no interior da prática, pesquisa e formação profissional. Em outras palavras, os estudos queer oferecem contribuições bastante promissoras à Psicologia, no sentido de se poder compreender-questionar a lógica heteronormativa que atravessa os sujeitos atendidos pelos/as profissionais, assim como estes/as também são atravessados por essas mesmas injunções. A crítica queer também contribui para um alinhamento maior da área àquilo que Miskolci (2009) denomina de aposta queer de crítica à normalização a partir da multiplicação (e isso passa pela não patologização) das diferenças como um meio de subverter os discursos hegemônicos.

Acresce-se à proposição desta pesquisa o fato de que tem crescido a participação de homens trans na produção científica da atualidade (Lima & Cruz, 2016Lima, F. & Cruz, K. T. (2016). Os processos de hormonização e a produção do cuidado em saúde na transexualidade masculina. Sexualidad, Salud y Sociedad: Revista Latinoamericana, 23, 162-186.), embora ainda seja um movimento incipiente em razão de que parte significativa dos estudos que têm se debruçado sobre as experiências trans centram suas análises sobre as travestilidades e as mulheres trans, em específico.

O presente estudo, ao mirar a experiência corporal do homem trans, entendida a partir dos aportes da perspectiva queer, em especial os escritos de Judith Butler (2013Butler, J. (2013). Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade (R., Aguiar, trad.). Civilização Brasileira.), pretende contribuir como contraponto relevante à ideia patologizante impingida pelo discurso biomédico para catalogar tais indivíduos e aprisionar seus corpos em categorias psicopatológicas e biologizantes.

Nessa direção, este estudo tem por objetivo investigar retrospectivamente a experiência corporal de um homem trans nas diferentes etapas do ciclo vital, da infância à vida adulta. Para tanto, buscou-se apreender a relação que o participante estabeleceu com seu corpo a partir de experiências cotidianas, transformadas em memórias significativas ao longo do ciclo vital, e identificar os anseios e inquietudes que marcam o momento atual de vida.

Método

Participantes

O participante, designado como Carlos1 1 Foram utilizados nomes fictícios para se referir aos participantes, bem como às pessoas que eles mencionaram nos trechos das entrevistas apresentados na seção Resultados e Discussão. , foi extraído de um conjunto de pessoas trans que participaram de um projeto de pesquisa mais amplo. Ele se autodeclarou homem transexual, branco, heterossexual, tem 24 anos, é pedagogo e reside na cidade de São Paulo. Ao longo do processo de coleta de dados, o convite de participação foi estendido à mãe do participante, Márcia, após ter sido constatada a importância de sua presença na vida do filho e, particularmente, sua participação central em todas as etapas da transição de gênero de Carlos. Márcia tem 50 anos e se autoidentifica como mulher cisgênero, branca, heterossexual, trabalha como bancária e, assim como o filho, é espírita kardecista.

As entrevistas que constituíram o corpus de pesquisa são parte de um estudo conduzido pelos pesquisadores, cujo objetivo era investigar a experiência corporal de homens e mulheres trans ao longo da vida. O recorte foi delimitado em razão da disponibilidade de Carlos de colaborar com várias entrevistas realizadas no decorrer de vários meses e da possibilidade enriquecedora de incluir sua mãe como colaboradora do estudo. Também se considerou a escassez de pesquisas com homens trans.

Procedimento

O acesso às/aos participantes foi mediado por profissionais que atuam em um serviço de diversidade sexual e de gênero situado em um hospital público universitário. Os pesquisadores não mantêm vinculação formal com o serviço em questão e conhecem os profissionais por conta de pesquisas realizadas anteriormente. Para arregimentar os/as participantes deste estudo, foi elaborada uma mensagem de texto, solicitando-se aos profissionais que encaminhassem às pessoas trans atendidas no ambulatório. A mensagem as convidava a participarem da pesquisa e detalhava quem eram os proponentes, os objetivos do estudo e as questões éticas asseguradas. Conforme orientado, as pessoas interessadas entraram espontaneamente em contato. Esse procedimento foi pensado de modo a não induzir qualquer prejuízo ético às pessoas envolvidas. A mensagem informava que o atendimento prestado e a pesquisa eram procedimentos independentes e que os profissionais mediadores não seriam informados de quem entrou ou não em contato com os pesquisadores.

Após as negociações para a participação de Carlos, o contato se deu em sua residência. O mesmo ocorreu meses depois com Márcia. Foram realizadas entrevistas individuais em profundidade, em situação face a face, que se desdobraram ao longo de três encontros com o participante trans e um com sua mãe. As entrevistas tiveram duração variável, entre 85 e 130 minutos. Ambos os participantes aceitaram participar voluntariamente da pesquisa e formalizaram sua concordância por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A primeira entrevista com Carlos foi conduzida a partir de um roteiro de entrevista semiestruturada, tendo como eixo estruturante uma questão norteadora: “Conte-me como você se sente em relação a si mesmo, ao seu corpo, e suas relações afetivas”. A segunda entrevista foi realizada em um intervalo de algumas semanas e foi conduzida com base em pontos destacados pelo pesquisador a partir da análise das narrativas produzidas no primeiro encontro e que requeriam aprofundamento. A terceira entrevista teve por objetivo a leitura e a discussão, junto com o participante, das análises preliminares das duas entrevistas até então realizadas, a fim de que se pudessem alinhar possíveis eixos interpretativos e corrigir eventuais equívocos ou vieses de interpretação do material obtidos nos primeiros encontros. Essa entrevista também permitiu entender melhor a cronologia das experiências biográficas, assim como ouvir do participante sugestões de mudanças e críticas em relação às compreensões produzidas pelo pesquisador. A entrevista realizada com Márcia teve como eixos norteadores alguns pontos levantados pelo pesquisador nas três entrevistas realizadas com Carlos, a fim de explorar a perspectiva da mãe sobre episódios e experiências que envolveram a transição do filho.

As entrevistas com Carlos foram realizadas com intervalo médio de cinco meses, iniciando-se no primeiro semestre de 2017 e terminando no primeiro semestre de 2018. A entrevista com Márcia foi realizada no primeiro semestre de 2018.

O conteúdo das entrevistas foi audiogravado, mediante consentimento prévio dos participantes, e transcrito literalmente e na íntegra. Inicialmente, foram realizadas leituras flutuantes e exaustivas das entrevistas, para sistematização de ideias preliminares. O material foi cuidadosamente escrutinado e, após sucessivas leituras, procurou-se organizá-lo, primeiramente, de forma cronológica e, posteriormente, pela categorização dos dados acerca dos períodos e eventos que se mostraram marcantes e significativos no que tange à experiência corporal ao longo do ciclo vital do participante.

A análise das entrevistas se alicerçou nos pressupostos dos estudos queer, que proporcionam uma possibilidade de leitura original sobre a experiência corporal da pessoa trans, notadamente ao contestar a matriz heterossexual compulsória. A perspectiva queer permite desconstruir essa matriz que reafirma o binarismo e o alinhamento do sistema sexo/gênero. Essa postura permite desestabilizar a suposta concordância entre corpo, gênero, desejo e práticas sexuais, que conferiria inteligibilidade ao sistema (Butler, 2013Butler, J. (2013). Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade (R., Aguiar, trad.). Civilização Brasileira.).

Resultados e Discussão

Os resultados serão apresentados de acordo com os eixos temáticos construídos com base nos períodos relatados como significativos no percurso desenvolvimental do participante, à luz do referencial teórico adotado.

Infância e adolescência: descobertas, conflitos e anseios

Carlos destacou diversas experiências da infância nas quais, em sua percepção, já vislumbrava claramente sua identificação ao gênero masculino. Aos seis anos, pediu pela primeira vez para usar roupas iguais às do pai, ao invés das peças tipicamente femininas que lhe eram oferecidas ou impostas. Ele conta que, embora sua mãe resistisse, ele usava bermudas, camisetas e chinelos semelhantes aos do pai, o que lhe dava uma aparência ambígua: “Se você pegar minhas fotos de seis até uns 10 anos de idade, eu sempre fui muito andrógino”.

Márcia relata que tem uma irmã com idade próxima a de Carlos, e quando ambos eram pequenos, sua mãe cuidava dos dois como se fossem duas meninas, mas que eram perceptíveis as diferenças entre seu filho e sua irmã no que concerne à familiaridade com o que culturalmente se compreende como feminino:

“Ele destoava muito dela. Ela toda menininha emperequetadinha, e ele troncudo, diferente. Ele tirava a roupa toda, não tinha vergonha de nada. Tirava a camisa, tirava a calça, no meio do quintal tirava a roupa... O oposto da minha irmãzinha, porque ela era toda fechada, e ele era todo aberto.”

Por volta dos seis anos, Carlos relata outra experiência bastante elucidativa quanto à identificação com o gênero masculino. No contexto escolar, se sentia mais confortável ao se socializar com os garotos do que com as colegas, preferindo participar das brincadeiras “de meninos”:

No primário, tinha um corredor em que só ficavam os meninos jogando Taz, e no resto da escola ficavam as meninas, e eu só ficava naquele corredor, eu falava: eu sou igual a eles, mas por que eu sou diferente?

Evidencia-se também o conflito que a identidade de gênero começava a desencadear. Apesar de se identificar com os meninos, ele percebia que era diferente, inclusive pelo modo como era tratado por esses colegas: “o tratamento deles era diferente por causa desse feminino/masculino”.

Dado o nítido interesse de Carlos por signos típicos do que é socialmente considerado masculino e a rejeição aos signos lidos como femininos, por volta dos seus oito anos, os pais decidiram levá-lo a uma profissional de psicologia para atendimento individual. Carlos narra esse encontro e o modo inusitado como essa experiência transcorreu:

Minha mãe levou pensando tipo: “é doido”. Eu não sei a conclusão da minha mãe, eu sei que ela disse: “eu vou levar você em um psicólogo”, agora o porquê eu não sei. Eu lembro que eu cheguei lá [no atendimento com a psicóloga] e falei: “Eu queria saber quem sou eu? E o que é isso? O que é o mundo?” Aí eu endoidei a psicóloga e não voltei mais lá, só fui uma vez... Eu realmente fiz essa pergunta: “Quem sou eu? E o que é o mundo?” Eu lembro exatamente dessa frase.

Morgan e Stevens (2008Morgan, S. W. & Stevens, P. E. (2008). Transgender identity development as represented by a group of female-to-male transgendered adult. Issues in Mental Health Nursing, 29(6), 585-599.) afirmam que o surgimento do conflito entre o gênero imposto e o gênero de identificação ocorre precocemente, em geral logo na infância da pessoa trans, resultando em confusão não apenas para a criança, como também para seus pais, que buscam inteligibilidade em meio a um turbilhão de inquietações que os deixam perplexos e para as quais não encontram explicação convincente.

Nota-se, pelos relatos, tanto de Carlos quanto de Márcia, que o conflito com o gênero atribuído socialmente se expressava durante a infância, principalmente no incômodo de ver “a filha” preferir ostensivamente usar roupas masculinas, assim como nas dificuldades de socialização na escola, visto que o filho não se enturmava integralmente nem com os meninos nem com as meninas.

Por outro lado, como esperado, a entrada na adolescência trouxe intensas mudanças no comportamento e na aparência física do participante. Carlos afirma: “quando entrou a adolescência, lascou tudo”, em razão das diversas descobertas que fez nesse período e, principalmente, do caminho lento e tortuoso que percorreu para se identificar como pessoa trans e iniciar o processo transexualizador. Em relação ao modo como percebia seu corpo nessa etapa do desenvolvimento, ele relata:

O que eu tinha de mais desconforto era de bater o olho no espelho, mas eu não tinha plena noção de que eu podia mudar o meu corpo, eu não sabia, pensava que tinha que conviver com aquilo, até porque não tinha informação, eu não sabia dessa possibilidade. O que eu odiava era o espelho, assim que eu batia o olho e ao ver aquilo.

Um pouco mais velho, por volta dos 18 anos, ele relata que, embora tenha percebido como “ruim” a maturação dos caracteres sexuais secundários, em especial os seios, que denominou de “invasores”, ele estava acima do peso, o que ajudava a esconder da vista do outro os tais “invasores”: “eu tinha muitos invasores, eu andava corcunda, por causa disso, eu tentava usar o binder pra não ficar balançando muito, para as pessoas não perceberem muito”.

A adolescência é compreendida pelas pessoas trans como uma fase difícil, em razão de muitas vivenciarem conflitos emocionais intensos, que as tornam vulneráveis a desenvolver sintomas depressivos e ansiosos (De Vries, Steensma, Doreleijers, & Cohen-Kettenis, 2011De Vries, A. L. C., Steensma, T. D., Doreleijers, T. A. H., & Cohen-Kettenis, P. T. (2011). Puberty suppression in adolescents with Gender Identity Disorder: A prospective follow-up study. The Journal of Sexual Medicine, 8(8), 2276-2283.). A puberdade e a maturação dos caracteres sexuais secundários podem ser potencializadores do conflito identitário, intensificando a insatisfação corporal e o sofrimento psíquico, o que resta evidente nos relatos de Carlos.

Aos 18 anos, Carlos conheceu o significado da palavra transexualidade. O primeiro contato com esse termo se deu por amigos de uma garota com quem ele estava se relacionando nessa época:

O primeiro contato com essa palavra transexualidade, eu tinha saído com uma menina que eu estava ficando na época, e eu conheci um casal de amigos dela, e o cara era trans. Foi ele que falou, mas ele só falou a palavra. Eu fui pesquisar, comecei a ver as entrevistas do João Nery... Eu não sei, é surreal, foi surreal, foi algo mágico, é isso, tudo, sabe tudo, sua vida inteira resumida naquilo! Me identifiquei totalmente. Não foi um passo atrás, foi totalmente!

O conhecimento do que significa transexualidade promoveu um salto no processo de autoconhecimento do participante, mobilizando muitos conteúdos de sua subjetividade: questões identitárias, preconceitos, expectativas, medos, entre outras inquietações que o convidavam a refletir sobre suas experiências ímpares. Esse conhecimento foi transformador porque permitiu a Carlos, pela primeira vez, articular a identificação do que sentia com o significado da experiência transexual. Por outro lado, essa descoberta foi seguida de um período de preconceito direcionado a si mesmo. Essa época coincidiu com uma perda em sua rede pessoal significativa. O falecimento de sua avó culminou em um quadro de depressão grave e isolamento social. A saúde mental de Carlos ficou tão fragilizada aos 19 anos, que ele só se recorda dos episódios de intensificação da ideação suicida, que o levaram a ser internado em uma clínica psiquiátrica por um breve período.

O isolamento social e o empobrecimento da rede social de apoio são efeitos notórios dos processos discriminatórios a que estão submetidas as pessoas trans (Santos, Oliveira, & Oliveira-Cardoso, 2020Santos, M. A., Oliveira, W. A., & Oliveira-Cardoso, É. A. (2020). Inconfidências de abril: Impacto do isolamento social na comunidade trans em tempos de pandemia de COVID-19.Psicologia & Sociedade,32, e020018. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240339
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v3...
; Soares, Feijó, Valério, Siquieri, & Pinto, 2011Soares, M., Feijó, M. R., Valério, N. I., Siquieri, C. L. S. M., & Pinto, M. J. C. (2011). O apoio da rede social a transexuais femininas.Paidéia (Ribeirão Preto),21(48), 83-92. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2011000100010
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). Butler (2013Butler, J. (2013). Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade (R., Aguiar, trad.). Civilização Brasileira.) afirma que a lei dominante que opera na produção da estrutura binária de gênero, a partir da qual se acredita que há continuidade entre gênero e sexo, nos ameaça com problemas e nos coloca em apuros quando tentamos evitar que tenhamos esses problemas. Carlos, ao se identificar com o universo trans e vislumbrar o embate que travaria com o meio social e uma sociedade hostil que se voltaria contra ele ao vê-lo transgredir a norma hegemônica, teme ser colocado em apuros. Preferindo evitar tais problemas, decide pela autoexclusão e se afasta do mundo social em estado de sofrida reclusão, o que, aliado a outros fatores circunstanciais, teve um impacto devastador em sua saúde mental.

No ápice da depressão, em um momento de sofrimento agudo, Carlos decidiu revelar à sua mãe o que estava acontecendo, bem como o desejo por iniciar o processo transexualizador. Para sua surpresa, encontrou na mãe acolhimento, empatia e compreensão. Com o apoio materno, ele colocou em prática seu plano e começou a transicionar, o que segundo ele foi essencial para a recuperação de sua fragilidade emocional: “Ela [a transexualidade] foi realmente e sempre será o divisor de águas, porque ela devolveu a minha vida.”

Vida afetivo-sexual: da adolescência à fase adulta

Aos 13 anos de idade, o participante criou um perfil fake em uma rede social voltada para encontrar pessoas. Essa foi a ferramenta que Carlos encontrou para viver, em sua adolescência, como aspirava ser (mantendo uma performatividade masculina) e para se relacionar com as pessoas conforme desejava:

É praticamente igual ao Facebook, só que o mundo que nós vivemos lá dentro é fake, é um mundo falso, totalmente. Você cria o perfil do jeito que você quer. E desde os 13 anos de idade eu tenho fake, e sempre perfil masculino. Lá eu podia ser quem eu era, quem eu sempre fui, sempre tive perfil masculino, até tentei [ter perfil feminino], mas não consegui.

Interessante paradoxo: é necessário ser fake para poder ser verdadeiro. Percebe-se que a rede social fornecia a representação idealizada de um mundo perfeito para o participante, no qual seu corpo não estava materializado, mas virtualizado nas malhas do ambiente digital. Finalmente ele podia se apresentar da maneira como se compreendia, sem sofrer qualquer tipo de retaliação ou violência por isso, o que assumiu um significado libertador. A omissão do corpo biológico em favor de um avatar, experiência proporcionada pela rede social, evidencia o que Butler (2013Butler, J. (2013). Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade (R., Aguiar, trad.). Civilização Brasileira.) afirma do gênero enquanto um fazer reiterado no plano das relações sociais, visto que a criação de um perfil virtual generificado guarda estreita relação com a norma social, e não com fatores genéticos ou corporais como sustenta o discurso heteronormativo.

Ao se apresentar como homem nessa rede social, Carlos encontrou o cenário ideal para desenvolver boa parte de seus primeiros relacionamentos amorosos. Entre os 13 e 14 anos, ele conta que teve a primeira experiência de paixão: “Naquele momento eu falei: ‘Tô apaixonado por uma menina’. Isso é doido, mas legal, pela primeira vez que eu me apaixonei, e foi por uma menina. Eu não cheguei a ver a menina, depois a gente se separou.”

Meses depois dessa experiência na cena virtual, aos 14 anos, Carlos vivenciou outra situação que foi essencial para ele se compreender como uma pessoa que sente atração por mulheres. Sentindo-se encorajado e fortalecido pelas experiências anteriores, resolveu sair do ambiente on-line e beijou pela primeira vez uma garota. “Eu descobri que gostava de mulher, eu comecei a olhar pra mim, comecei a ver: ‘pô, eu gosto de mulher’, fiquei com a minha primeira menina, que foi um desastre, nossa!”

Tendo então uma percepção mais clara sobre sua orientação sexual, Carlos decidiu revelar sua atração por mulheres para os pais: “Eu não falei nada, só disse: ‘Gosto de mulher’”. Seu pai “surtou” e o proibiu de rever a menina que ele tinha beijado. Ele resistiu à proibição, enviava cartas declarando seu amor e saia às escondidas para se encontrar com a garota. Dos 14 aos 16 anos, Carlos conta que viveu um período conturbado nas suas relações familiares, visto que a revelação de que se sentia atraído por mulheres e a persistência em cultivar uma aparência física andrógina afrontavam diretamente os princípios morais do pai.

Ao analisar as primeiras experiências de relacionamento amoroso, que ocorreram no plano virtual, e as poucas que aconteceram no mundo off-line, o participante conta que no passado foram “relações”, nunca um namoro de fato, visto que sua performatividade de gênero não era plenamente reconhecida: “No início, diziam que me aceitavam, mas no final de tudo era sempre assim, o desfecho da história era sempre o mesmo: ‘você não é homem’”.

Entretanto, na segunda entrevista, Carlos contou que estava namorando com uma moça que conhecera na faculdade. Relatou estar “muito feliz” e “bem realizado” em razão de poder experienciar algo que nunca fora possível antes: um relacionamento vivido no mundo real, com uma parceira que reconhecia sua performatividade masculina. Comparando o relacionamento atual com os anteriores, o participante reflete:

Essa parte de relacionamento eu sempre me lasquei muito bem, porque eu nunca fui visto da forma com que eu realmente sou, só agora que eu estou namorando, ela é, ela sempre foi hétero... Essa é a vida que eu sempre quis pra mim, porque ela me trata da forma como realmente sou, ela sempre me tratou do jeito que eu sempre fui a vida inteira, como homem que sou e ponto final.

Na terceira entrevista, o participante relatou a confusão que as pessoas que sabem da sua transexualidade tendem a fazer em relação às características da namorada e do relacionamento que eles mantêm:

A parte da Letícia, ela é hétero, sempre foi, a vida inteira, sempre vai ser hétero. E as pessoas confundem muito, elas não conseguem admitir que uma pessoa hétero pode gostar de um homem trans. Acham que é anormal, quer dizer, nada é anormal na vida, né? Mas, assim, as pessoas confundem muito isso. Muitas pessoas olham para ela como lésbica. Isso é difícil, me incomoda porque é um desrespeito, e eu já falei desde o início, falei: “Lê, vão te olhar de forma errada”, e ela: “foda-se, foda-se”.

Carlos expõe outra dificuldade: a abjeção recai não apenas sobre o seu corpo dissidente, mas se estende ao de sua parceira. Trata-se de uma estigmatização por procuração, que produz a representação de um casal anormal, uma relação entre um homem e uma mulher que transgride a intelegibilidade da estrutura social hegemônica que, além de prever o alinhamento entre sexo-gênero-desejo-prática sexual, impõe a binaridade como norma regulatória que define os limites do pensável (Butler, 2013Butler, J. (2013). Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade (R., Aguiar, trad.). Civilização Brasileira.). A binaridade diz respeito à classificação do sexo e do gênero em duas formas distintas, opostas e desconectadas entre si, de masculino ou feminino. Isto é, o casal cis-trans, formado por Carlos trans e a namorada cis, exibe uma configuração que, assim como a performatividade de gênero de Carlos, é ininteligível às possibilidades imagináveis de uma cultura heteronormativa, especificamente na perspectiva da heterossexualidade compulsória (Alexandre & Santos, 2019Alexandre, V. & Santos, M. A. (2019). Experiência conjugal de casal cis-trans: Contribuições ao estudo da transconjugalidade.Psicologia: Ciência e Profissão,39(nspe. 3), 1-13. e228629. https://doi.org/10.1590/1982-3703003228629
https://doi.org/10.1590/1982-37030032286...
; Nascimento, Scorsolini-Comin, Fontaine, & Santos, 2015Nascimento, G. C. M., Scorsolini-Comin, F., Fontaine, A. M. G. V., & Santos, M. A. (2015). Relacionamentos amorosos e homossexualidade: Revisão integrativa da literatura. Temas em Psicologia, 23(3), 547-563. http://dx.doi.org/10.9788/TP2015.3-03
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).

Ademais, acrescenta-se também que, com a atual namorada, Carlos passou a ter uma vida sexual que ele nunca tinha experimentado anteriormente: conseguia manter relações sexuais sem roupa e, consequentemente, diminuiu a insegurança que tinha em relação ao seu próprio corpo. Ele comenta: “Hoje eu uso o pecker, é um pênis que nós usamos, uso o pecker com ela, eu fico com o pecker e só, com a cinta própria para o pecker e sem camiseta, sem roupa, normal.” Assim como relatado por Schilt e Windsor (2014Schilt, K. & Windsor, E. (2014). The sexual habitus of transgender men: Negotiating sexuality through gender. Journal of Homosexuality, 61(5), 732-748.), a partir do momento que Carlos acredita que sua masculinidade pôde ser reconhecida e validada por sua parceira, o repertório de práticas sexuais e ideias eróticas pôde ser afirmado e ampliado, o que favoreceu o fortalecimento do laço afetivo. Isso permite pensar também que há uma relação dinâmica e mutuamente reforçadora e fecunda entre gênero e sexualidade (Alexandre & Santos, 2019Alexandre, V. & Santos, M. A. (2019). Experiência conjugal de casal cis-trans: Contribuições ao estudo da transconjugalidade.Psicologia: Ciência e Profissão,39(nspe. 3), 1-13. e228629. https://doi.org/10.1590/1982-3703003228629
https://doi.org/10.1590/1982-37030032286...
; Baptista-Silva, Hamann, & Pizzinato, 2017Baptista-Silva, G., Hamann, C., & Pizzinato, A. (2017). Casamento no cárcere: Agenciamentos identitários e conjugais em uma galeria LGBT.Paidéia (Ribeirão Preto),27(Suppl. 1), 376-385. https://doi.org/10.1590/1982-432727s1201702
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).

Fase adulta: o processo de transição de gênero e a relação atual com o corpo

Carlos compreende que o seu processo de transição iniciou aos 14 anos, quando contou para seus pais a atração que sentia por mulheres e passou a cultivar intencionalmente uma aparência física andrógina, com o intuito de buscar se aproximar de um padrão de gênero masculino. Na mesma época, outro marco decisivo para definir essa transição “desintencionada” foi o corte do cabelo: “Eu cortei meu cabelo com 14 anos mesmo... meu sonho de infância era cortar o cabelo.”

Isso evidencia que o desenvolvimento da própria identidade como homem trans é um processo de apropriação paulatina, composto por vários estágios - não lineares nem necessariamente progressivos, no qual seu sentido se desvela antes mesmo que se possa nomeá-la (Morgan & Stevens, 2008Morgan, S. W. & Stevens, P. E. (2008). Transgender identity development as represented by a group of female-to-male transgendered adult. Issues in Mental Health Nursing, 29(6), 585-599.). Isso porque todas as ações, iniciativas e conhecimento gradual de suas preferências aconteceram antes de Carlos conhecer ou saber o que significava transexualidade.

Aos 19 anos, após um ano do conhecimento real do que significava a transexualidade, e mergulhado na depressão, Carlos decide compartilhar sua identidade trans com sua mãe:

Não, não tem jeito, é isso, e eu vou ter que sobreviver, eu me dizia, porque eu estava me matando, depois de um ano de autopreconceito e dessa depressão profunda eu falei: “chega!” Falei pra minha mãe que eu me descobri, que é assim que eu vou vive... Falei: “mãe, é o seguinte, eu sou transexual, e a partir de agora eu pretendo iniciar a transição”. Ela olhou pra minha cara e disse: “meu, se você não descobriu que eu te amo até hoje, é agora que você vai descobrir.”

A partir desse ponto de inflexão, Carlos buscou ajuda profissional e passou a ser atendido em um ambulatório especializado em diversidade de gênero. Entretanto, ele e sua mãe afirmam que não foi uma boa experiência. Carlos passou um ano frequentando esse serviço sem vislumbrar resultados, além de fazer acompanhamento medicamentoso que não levou à remissão do quadro depressivo.

Após um ano e meio de tratamento ambulatorial, o participante conheceu um grupo de acolhimento para pessoas trans coordenado por uma psicóloga. Apesar de, naquela época, quase não sair de casa, ele tinha muitos amigos trans nas redes sociais e, depois que um deles comentou sobre essa roda de conversa, decidiu frequentar os encontros para conhecer.

Quando eu cheguei na roda de conversa, eu encontrei meu mundo, sabe, foi sentar ali e falar: “existem pessoas iguais a mim”, e são pessoas normais, como qualquer um, elas trabalham, estudam, elas namoram, não namoram, elas conversam, têm amizades, são pessoas... São pessoas normais. Então, por que me tacham como anormal?

Foi a partir das aberturas proporcionadas por esse espaço de acolhimento que Carlos pôde receber orientações para iniciar o processo transexualizador pelo serviço vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Ele relata que, apesar de ter demorado, conseguiu ter acesso à hormonioterapia depois de um ano, desde a primeira vez que participara da roda de conversa.

Quando eu tomei a primeira dose, eu falei assim: “nasci”. Realmente deu certo, tudo o que eu procurei até hoje, tudo pelo que eu lutei até hoje não foi em vão... depois da primeira dose de hormônio, eu comecei a me reerguer, foi um boom na minha vida muito grande. Cheguei pra minha mãe no dia em que eu tomei, estava muito feliz, não tinha nada que poderia destruir minha vida, cheguei em casa e disse: “Tomei a primeira dose de hormônio, e agora, agora minha vida começou”.

Resta evidente o efeito positivo do início da hormonioterapia no estado subjetivo de Carlos, visto que a partir desse evento ele começou a se sentir fortalecido em sua autoestima. Como observado na literatura (Arán, Zaidhaft, & Murta, 2008Arán, M., Zaidhaft, S., & Murta, D. (2008). Transexualidade: Corpo, subjetividade e saúde coletiva. Psicologia & Sociedade, 20(1), 70-79.; Sampaio & Coelho, 2012Sampaio, L. L. P. & Coelho, M. T. Á. D. (2012). Transexualidade: Aspectos psicológicos e novas demandas ao setor saúde. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 16(42), 637-649.; Van de Grift et al., 2016Van de Grift, T. C., Kreukels, B. C., Elfering, L., Özer, M., Bouman, M., Buncamper, M. E., Smit, J. M., & Mullender, M. G. (2016). Body image in transmen: Multidimensional measurement and the effects of mastectomy. The Journal of Sexual Medicine, 13(11), 1778-1786.), após o início do processo transexualizador, geralmente se observa uma melhora significativa no bem-estar psicológico e na relação que a pessoa trans estabelece com o seu corpo, quando comparado com o estágio anterior.

Com as mudanças corporais, há uma atualização da subjetividade e da autopercepção, consolidando a sensação da pessoa trans de ser quem ela realmente é (Johnson, 2007Johnson, K. (2007). Changing sex, changing self-theorizing transitions in embodied subjectivity. Men and Masculinities, 10(1), 54-70.). Ainda que os hormônios não tivessem provocado mudanças físicas no primeiro dia de aplicação, apenas com a promessa de mudança Carlos já sentiu que sua vida iria “começar” a partir daquele marco, e que, depois de muita luta e sofrimento, ele enfim começava a (re)nascer. Tendo em vista os bons resultados e a intensa satisfação que a hormonioterapia promoveu na vida do participante, decorridos apenas três meses ele se submeteu à cirurgia de mamoplastia em um serviço particular. Carlos conta que os “invasores” causavam sofrimento e insegurança, como uma das partes de seu corpo que traziam maior insatisfação.

Uma das coisas que me travava demais era isso, era a insegurança de não poder colocar uma camiseta, de colocar só uma camiseta e estar bem, sabe, porque eu tinha problema seríssimo, principalmente com a parte de cima do meu corpo, era algo que pra mim dava vontade de pegar a faca e realmente cortar... E aí eu fiz a cirurgia, você não faz ideia do que foi isso na minha vida, você não faz ideia.

O destaque de Carlos para o desconforto produzido pela parte superior do tronco está em conformidade com pesquisas da área. Sampaio e Coelho (2012Sampaio, L. L. P. & Coelho, M. T. Á. D. (2012). Transexualidade: Aspectos psicológicos e novas demandas ao setor saúde. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 16(42), 637-649.) afirmam que, para diversos homens trans, esse intenso incômodo com os seios, e muitas vezes também com a menstruação, ocorre em razão de serem aspectos que estão em estreita relação com a noção do feminino em nossa cultura, e o feminino, para um homem trans, está em desacordo com sua convicção íntima de ser homem.

Outra conquista destacada nos relatos de Carlos em seu processo de transição de gênero foi a mudança do nome civil e da especificação do gênero nos documentos pessoais, obtida aos 23 anos.

Nossa, incrível, assim, é incrível. É outra vida, a qualidade de vida é completamente diferente, pra mim foi a mesma coisa que a cirurgia. Foram duas coisas que, para mim, me fizeram viver de verdade e sair do estado que eu estava..., Você tem noção que, desde que eu nasci, eu não tenho direito ao meu próprio nome? Na fase da descoberta da transexualidade, foi a pior coisa da vida, ter que apresentar um RG, é muito difícil.

Observa-se que a mudança do primeiro nome e do gênero nos documentos pessoais teve enorme impacto na vida de Carlos, contribuindo para melhorar significativamente sua saúde mental e sua qualidade de vida, promovendo bem-estar psíquico e social. De posse de documentos que estavam em conformidade com sua identidade de gênero, era possível circular pelo mundo com maior liberdade. Nas palavras de Carlos, eles lhe “fizeram viver”.

Ao analisar o caminho que trilhou para ser quem ele é, Carlos se utiliza das expressões “foi muito bom”, “uma sensação única”, ao passo que afirma “não acreditar” ter passado por tudo isso. Ele sinaliza que o processo de transição de gênero produz intensa satisfação subjetiva, o que incrementa a sensação de felicidade e bem-estar; por outro lado, foi permeado por diversas barreiras, subjetivas e/ou concretas, como os embates acalorados com o pai, os conflitos com os parentes, as questões jurídicas, os gastos financeiros, o que também resulta em considerável sofrimento.

Márcia reconheceu que a realização dos procedimentos típicos do processo transexualizador possibilitou a Carlos se dedicar aos seus planos com mais afinco e liberdade, dedicando-se aos seus projetos sem receio de ser desrespeitado e ridicularizado. Isso fica patente na fala de Márcia: “Com cinco dias de operado ele foi pra faculdade. De lá pra cá, são só lutas boas. Acabou de se formar, não parou um minuto, só tinha nota show, então, não tem o que falar.”

Quanto à maneira como percebe seu corpo na atualidade, Carlos relata que seu relacionamento amoroso, aliado às conquistas obtidas no processo transexualizador e à mudança do primeiro nome e gênero nos documentos, repercutiram de modo bastante positivo na relação atual que estabelece com seu corpo, além de incrementar sua autoestima. Entretanto, a genitália ainda se configura como um ponto de seu corpo que gera desconforto e sofrimento.

Nessa questão de corpo, em relação à genitália, eu ainda penso em fazer cirurgia. Como eu falei, não existe técnica ainda, pode demorar 10, 20, 30, 50 anos... eu acredito que vai sair, que uma hora vai sair, eu tenho essa crença, independentemente do tempo que demore, eu espero. Minha vida está extremamente estável, não tenho queixa nenhuma, às vezes esse conflito da genitália vem um pouco à tona na minha cabeça, e aí eu paro e penso: “Não é isso que me faz mais ou menos homem”. Eu, pelo menos, tenho essa inferiorização própria, me inferiorizo um pouco por conta disso, mas é algo que vou trabalhando aos poucos. Tem que trabalhar aos poucos.

Além de sentir-se inferiorizado por não ter uma genitália em conformidade com seu gênero, ao longo das entrevistas Carlos utilizou palavras como “pavor” e “ódio” ao se referir a essa parte do corpo. A rejeição que Carlos nutre por seu órgão genital pode ser lida como um efeito da heteronormatividade, considerando que nessa perspectiva discursiva o sexo deve refletir o gênero, e vice-versa, além das consequências altamente punitivas que são reservadas àqueles indivíduos que ousam transgredi-la (Butler, 2013Butler, J. (2013). Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade (R., Aguiar, trad.). Civilização Brasileira.). Identificar-se com signos socialmente considerados como masculino e ter uma vagina, na perspectiva de uma ótica heteronormativa, são fatos incongruentes. Se o sexo e o gênero são espelhos um do outro, possivelmente a insegurança de Carlos se dê em razão da sua performatividade de gênero não estar amparada por um corpo dotado de um pênis.

Nesse sentido, em contraposição a esse pensamento essencialista e heteronormativo, para preservar a melhor qualidade possível de seu bem-estar psíquico, Carlos tem sempre que reiterar para si próprio, em um diálogo interno: “não é isso que me faz mais ou menos homem”, além de ter que ir “trabalhando aos poucos” essa sensação de estar fora da norma e de sentir-se inferiorizado por se perceber em uma condição liminar, isto é, na margem da concepção dominante de masculinidade.

Considerações finais

Submeter-se aos protocolos do processo transexualizador possivelmente pode ser compreendido como um endosso à cultura heteronormativa, visto que a pessoa transexual pode, a partir da sujeição a tais procedimentos, não querer mais ser reconhecida como pertencente a esse grupo, mas ser percebida como um homem ou uma mulher em consonância com o que a heteronormatividade prescreve, acedendo assim às possibilidades imagináveis das construções de gênero hegemônicas. Por outro lado, a própria existência da realização do processo transexualizador e da transição de gênero como um todo desmantela as bases nas quais o discurso heteronormativo se assenta, uma vez que expõe o caráter performativo das construções de gênero e a fragilidade da noção de corpo/diferença anatômica como referente absoluto e imutável. Em síntese, ao performar um gênero diferente do que lhe foi atribuído socialmente, Carlos subverte o discurso heteronormativo, imputando deslocamentos que inevitavelmente o tensionam e o fraturam.

É preciso ter como horizonte que, embora Carlos produza deslocamentos na heteronormatividade, ele também é parte integrante da sociedade na qual ela impera. Isto é, tendo em vista que os sujeitos são discursivamente constituídos, a reprodução desse discurso por parte de pessoas trans é completamente compreensível. Para além do ato subversivo ou de transgressão, esse discurso também os constitui.

Pôde-se observar que a experiência corporal se modifica ao longo da vida de forma processual. Se um dia Carlos não queria ser visto pelas pessoas com “aquele” corpo, hoje ele transita no mundo com mais liberdade, ao passo que ainda convive com o desconforto corporal devido à genitália ainda não modificada. O processo transexualizador parece produzir um deslocamento da posição que preserva elementos próprios de um ser abjeto para uma posição com elementos imprescindíveis para se adquirir o status de ser humano, na medida que o corpo vai assimilando marcadores em sua superfície que a heteronormatividade endossa como adequados à performatividade masculina ou feminina. Nessa lógica, o pertencimento às configurações hegemônicas de gênero em nossa cultura significa o reconhecimento enquanto sujeito. Isso é o que confere o caráter humanizador do corpo.

Os resultados obtidos permitem elaborar uma reflexão crítica que permite entender os sofrimentos e desejos da pessoa trans em relação ao seu corpo, não como um fenômeno psicopatológico, mas como resultado de uma norma social que, esculpida no corpo desde o nascimento, aniquila e achata as diversas possibilidades de expressão de gênero e da sexualidade. O reconhecimento dessas marcas e cicatrizes indeléveis na superfície dos corpos trans pode fornecer subsídios valiosos para amparar a atuação crítica de diferentes profissionais, serviços e organizações que atuam junto à população trans.

O discurso heteronormativo regula todos os corpos de modo silencioso, não apenas os dos sujeitos transexuais, muito embora a existência da transexualidade evidencie a fragilidade de suas bases. Para avançar nessa reflexão acerca dos efeitos da heteronormatividade na construção das subjetividades e corpos trans, novas pesquisas sob o olhar queer com outros grupos de sexualidades e gêneros dissidentes podem ter um potencial elucidativo, principalmente daqueles que confundem e embaralham as fronteiras binárias dos corpos, gêneros e desejos, sobre os quais não há uma grande incidência de estudos, como trans não-binários.

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Nota

  • 1
    Foram utilizados nomes fictícios para se referir aos participantes, bem como às pessoas que eles mencionaram nos trechos das entrevistas apresentados na seção Resultados e Discussão.
  • Financiamento: Este estudo foi subvencionado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo número 2016/16895-5.
  • 6
    Aprovação, ética e consentimento: o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (processo CAEE número n° 52867216.2.0000.5407).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2020
  • Revisado
    30 Nov 2020
  • Aceito
    01 Dez 2020
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