RESUMO
Este trabalho é resultado de uma pesquisa qualitativa, realizada a partir de análise documental, embasada principalmente em teóricos da Educação em Ciência de origem diversa, sob a perspectiva indisciplinar da Linguística Aplicada (LA). Investiga-se um conjunto de atividades propostas e aplicadas no ensino de escrita acadêmica, no período de 2011 a 2021, no contexto do Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O objetivo foi identificar evidências do trabalho pedagógico com práticas e conhecimentos atrelados às ciências, e problematizar representações e discursos sobre ciências, a partir de atividades didáticas do componente curricular dedicado à educação linguística no programa mencionado. Como resultados, divisaram-se possibilidades de se ampliarem as abordagens promotoras da educação científica, principalmente mediante encaminhamentos didáticos que envolvam mais diretamente os estudantes em práticas investigativas ou no pensar cientificamente. Além disso, vê-se um contexto bastante fecundo para se dar visibilidade às pesquisas realizadas por cientistas no campo dos estudos linguísticos ou linguísticos aplicados, realçando-se o compromisso de pesquisas aí realizadas com demandas investigativas sempre emergentes na sociedade.
Palavras-chave:
letramento científico; ensino de escrita acadêmica; educação linguística; Linguística Aplicada
ABSTRACT
This work results of a qualitative research study conducted through document analysis, primarily grounded in Education in Science theorists from various backgrounds, under the interdisciplinary perspective of Applied Linguistics (AL). It investigates a set of activities proposed and implemented in the teaching of academic writing from 2011 to 2021 within the context of the Interdisciplinary Higher Education Program (ProFIS) at the State University of Campinas (Unicamp). The objective was to identify evidence of pedagogical work with practices and knowledge related to the sciences and to critically examine representations and discourses about sciences based on didactic activities in a linguistic education component of the mentioned program. The results revealed possibilities to broaden approaches that promote scientific education, particularly through didactic strategies that more directly involve students in investigative practices or scientific thinking. Additionally, it presents a highly fertile context for showcasing research conducted by scientists in the field of linguistic studies or applied linguistics, emphasizing the commitment of research conducted there to ever-emerging investigative demands in society.
Keywords:
scientific literacy; academic writing instruction; language education; Applied Linguistics
INTRODUÇÃO
Desde a sua emergência nas últimas décadas do século XX, abordagens pedagógicas delineadas pelas teorias dos gêneros textuais/discursivos (Bakhtin, 2011BAKHTIN, M. (1992). Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.; Marcuschi, 2008MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.), dos estudos dos letramentos (Signorini, 2007SIGNORINI, I. (2007). Letramento escolar e formação do professor de Língua Portuguesa. In: KLEIMAN, A. B.; CAVALCANTI, M. C. (org.). Linguística Aplicada: suas faces e interfaces. Mercado de Letras: Campinas. p. 317-337.; Street, 2014STREET, B. (2014). Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial.; Kleiman, 2005KLEIMAN, A. B. (2005). Preciso “ensinar” o letramento? Não basta ensinar a ler e a escrever? [S.l.]: Cefiel / IEL / Unicamp.; 2008) e de perspectivas do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) (Bronckart, 2009BRONCKART, J. P. (2009). Atividades de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sociodiscursivo. São Paulo: EDUC.; 2006BRONCKART, J. P. (2006). Atividades de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Organização: Anna Rachel Machado; Maria de Lourdes Meirelles Matencio. Campinas-SP: Mercado de Letras.) têm se mantido relevantes para a educação linguística, impulsionando processos educacionais centrados no reconhecimento da língua(gem) como ferramenta de prática social dialógica, empregada em contextos discursivos situados. Tais entendimentos trazem em seu bojo, no mínimo, uma resultância principal e imediata para os cenários educacionais: práticas de ensino-aprendizagem que façam da pedagogização ou escolarização do letramento um processo menos forjado e mais próximo de atividades linguageiras que, de fato, preparem e atuem para o atendimento de demandas sociais mais amplas, de teor sociocomunicativo e interacional. Nessa configuração, convocam para o centro da dinâmica pedagógica um estudante autor, que, ao exercer sua autonomia, tenha propósitos genuínos ao mobilizar e gerenciar diversas práticas de oralidade, escrita ou multimodais.
Em consonância com tais orientações teórico-epistemológicas e pragmáticas, particularmente no que diz respeito aos estudos dos letramentos, têm ganhado relevância as extensões ocorridas a partir de empréstimos do termo no campo da linguagem, associando-o à educação científica (Cunha, 2019CUNHA, R. B. (2019). Por que falar em letramento científico? Raízes do conceito nos estudos da linguagem. Campinas, SP: Estante Labjor; Nudecri; Unicamp.; Silva, 2020SILVA, W. R. Educação científica como abordagem pedagógica e investigativa de resistência. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, SP, v. 59, n. 3, p. 2278-2308, 2020. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8661691. Acesso em: 30 out. 2023.
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). Em Linguística Aplicada (LA), têm-se relatado experiências relacionadas a práticas de letramento científico como uma abordagem pedagógica alternativa tanto para o ensino-aprendizagem do português como língua materna, como também para a instrução do professor de língua (Silva; Mendes, 2023SILVA, W. R; MARTINS, R. G.; REIS, A. P.; SANTANA, B. R.; SILVEIRA, R. A.; SANTOS, E. M.; SOUSA, M. S. C.; SANTOS, F. C. Compreensão de ciências por professores em formação inicial. Raído, v. 12, n. 30, p. 35-53, 2018b. Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/Wagner-R-Silva/publication/331141631_Compreensao_de_ciencia_por_professores_em_formacao_inicial/links/5c67605f4585156b57fff2d0/Compreensao-de-ciencia-por-professores-em-formacao-inicial.pdf. Acesso em: 2 nov. 2023.
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; Freitas, 2022FREITAS, M. de O. Educação científica do Professor em formação inicial: uma experiência a partir da curricularização da prática. Revista de Educação do Vale do Arinos – RELVA, v. 9, n. 2, p. 78-96, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.30681/relva.v9i2.10683. Acesso em: 29 set. 2023.
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; Santana; Silva; Freitas, 2021SANTANA, B. R.; SILVA, W. R.; FREITAS, M. de O. O Show da Luna como Gênero Mediador de Educação Científica. Ciência & Educação (Online), v. 27, p. 1-18, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1516-731320210003. Acesso em: 29 set. 2023.
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; Reis; Silva; Freitas, 2021REIS, A. P.; SILVA, W. R.; FREITAS, M. O. Gêneros mediadores de letramentos e educação científica. Confluência, v. 61, p. 249-282, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.18364/rc.2021n61.396. Acesso em: 29 set. 2023.
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; Freitas, 2018, para citar alguns).
Nosso interesse pela investigação aqui relatada surgiu, pois, delineado por essas perspectivas, centrando-se no recorte contextual da universidade como espaço de educação formal e sistematizada, como agência de letramento. Entendemos que os componentes curriculares dedicados à educação linguística para o ensino superior podem ampliar a instrução dos estudantes e promover aprendizagens mais significativas se cooperarem mais direta, sistemática e concomitantemente com o letramento científico.
O objetivo do estudo foi, assim, identificar evidências da mobilização de conhecimentos e práticas informados pela educação científica, em um conjunto de propostas de atividades voltadas ao ensino de escrita acadêmica no contexto do Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)1
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O estudo é parte de um projeto de abrangência nacional, intitulado “Exploração técnico-científica e pedagógica de corpora linguísticos no ensino da escrita na universidade”, registrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) sob o número 404390/2021-8 (Edital CNPq/MCTI/FNDCT nº18/2021 – Universal Faixa B – Grupos Consolidados), sob a coordenação da proponente, professora Dra. Inês Signorini, docente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), instituição em que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) em 2018 (Parecer nº 2.920.418).
. A investigação ainda buscou problematizar representações e discursos sobre ciências, considerando-se que as ciências da linguagem (e seus subcampos) parecem ainda requerer um trabalho direcionado que amplie seu reconhecimento social como ciências legítimas (Sousa; Silva; Brito, 2023SOUSA, R. S.; SILVA, W. R.; BRITO, C. C. de P. Preconcebidos sobre ciência compartilhados por estudantes de escola pública rural. Educação e Pesquisa [online], v. 49, e249915, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1678-4634202349249915por. Acesso em: 2 out. 2023.
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; Motta-Roth, 2013MOTTA-ROTH, D. (2013). Desenvolvimento do Letramento Acadêmico por engajamento em práticas sociais na Universidade. In VIAN Jr., O.; CALBATIANO, C. (org.). Língua(gem) e suas múltiplas faces. Campinas: Mercado de Letras. p. 135-162.; Silva; Rajagopalan, 2004SILVA, F. L.; RAJAGOPALAN, K. (2004). A linguística que nos faz falhar: investigação crítica. São Paulo: Parábola Editorial.).
Este artigo resulta de uma pesquisa fundamentada na LA, de abordagem qualitativa e procedimento documental. Como aporte teórico, dialogamos com teóricos da Educação em Ciência em sua diversidade e com autores que têm se dedicado aos estudos dos letramentos, particularmente os de natureza acadêmica e científica.
EDUCAÇÃO CIENTÍFICA NO CAMPO DA LINGUAGEM
Santos (2007)SANTOS, W. L. P. (2007). Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 36, p. 474-550, set./dez. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/C58ZMt5JwnNGr5dMkrDDPTN/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 2 out. 2023.
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fala de um conceito diversamente amplo para educação científica, o que justifica a necessidade de se discutirem significados e funções atribuídos à expressão. Assumimos, assim, um conceito que emerge do ensino de ciências naturais; uma abordagem pedagógica que congrega: (1) o acesso a conhecimentos teórico-científicos em sua diversidade; (2) o envolvimento com processos e práticas de investigação científica; (3) a conscientização acerca de questões éticas envolvidas, de riscos e benefícios dos avanços científicos; e (4) a mobilização de saberes de natureza científica para agência social.
Nesse sentido, a educação científica compõe-se de duas dimensões interconectadas, que podem se configurar pontos de contato ou sobreposição (Figura 1): alfabetização e letramento científicos, como extensões dos conceitos iniciais de alfabetização e letramento nos campos da linguagem e da educação (Kleiman, 2008KLEIMAN, A. B. (org.). (2008). Os significados do letramento: Uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado de Letras.; Soares, 1998SOARES, M. (1998). Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica.; 2017SILVA, W. R.; CORDEIRO, M. R.; FARAH, B. F.; MORAIS, C. W. R.; SOUSA, D. L.; SILVA, L. L. S.; MENDES, V. C. B. B. Ciências nas licenciaturas? Linguagem: Estudos e Pesquisa, v. 22, n. 1, p. 83-108, 2018a. Disponível em: https://periodicos.ufcat.edu.br/lep/article/view/54461/26049. Acesso em: 2 nov. 2023.
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).
Como mostramos na Figura 1, a alfabetização científica compreende o domínio da linguagem científica (cf. Santos, 2007, p. 479SANTOS, W. L. P. (2007). Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 36, p. 474-550, set./dez. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/C58ZMt5JwnNGr5dMkrDDPTN/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 2 out. 2023.
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), saber sobre o conhecimento científico, seus princípios e especificidades, a exemplo de procedimentos metodológicos para realização de pesquisas. Por sua vez, como uma extensão desse conceito, letramento científico implica a ação efetiva de apoiar-se nas ciências com vistas à solução de problemas sociocientíficos, ou seja, em inter-relação com a sociedade (Cunha, 2019CUNHA, R. B. (2019). Por que falar em letramento científico? Raízes do conceito nos estudos da linguagem. Campinas, SP: Estante Labjor; Nudecri; Unicamp.); suscita ainda o envolvimento em situações interativas do cotidiano em que assuntos em torno das ciências são discursivizados (Silva, 2020SILVA, W. R. Educação científica como abordagem pedagógica e investigativa de resistência. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, SP, v. 59, n. 3, p. 2278-2308, 2020. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8661691. Acesso em: 30 out. 2023.
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). Trata-se, portanto, de uma perspectiva político-social de letramento, para além de habilidades técnicas que estão atreladas ao processo de alfabetização científica.
Tal qual se defende nos campos de estudos da educação e da linguagem, reiteramos a existência de uma interdependência entre os conceitos, embora suas facetas (Soares, 2004SOARES, M. B. (2004). Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação, n. 25, p. 5-17. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/89tX3SGw5G4dNWdHRkRxrZk/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 2 out. 2023.
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) possam ser enfatizadas distintamente em alguns momentos. A esse respeito, Cunha (2019, p. 23)CUNHA, R. B. (2019). Por que falar em letramento científico? Raízes do conceito nos estudos da linguagem. Campinas, SP: Estante Labjor; Nudecri; Unicamp. afirma haver duas formas possíveis de se abordar a ciência, formas estas que não se excluem, mas se complementam: “uma com ênfase na natureza da ciência – que envolve conceitos científicos, teorias, fórmulas, métodos –; e outra com ênfase na sua relação com a sociedade”, no que vemos, respectivamente, alfabetização e letramento científicos.
Para Oliveira e Magalhães (2022)OLIVEIRA, L. C.; MAGALHÃES, T. G. (2022). Uma análise do Fundo de Apoio à Pesquisa em Educação Básica (FAPEB) na perspectiva do letramento científico. Revista Interfaces, v. 13, n. 2, p. 209-227. Disponível em: https://revistas.unicentro.br/index.php/revista_interfaces/article/view/7142/5215. Acesso em: 17 out. 2023.
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, o mote do letramento científico em contextos de instrução é a prática científica por meio da pesquisa, numa dinâmica de interação por gêneros textuais/discursivos próprios do campo da ciência e que medeiam a ação dos cientistas. Por sua vez, Silva (2016, p. 14)SILVA, W. R. Letramento científico na formação inicial do professor. Revista Práticas de Linguagem, v. 6, Especial – Escrita Discente, p. 8-23, 2016. Disponível em https://www.researchgate.net/publication/312951261_LETRAMENTO_CIENTIFICO_NA_FORMACAO_INICIAL_DO_PROFESSOR_SCIENTIFIC_LITERACY_IN_PRE-SERVICE_TEACHER_TRAINING. Acesso em: 23 out. 2023.
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, embora não situe diretamente o letramento científico em contextos de instrução, enfatiza que este envolve “práticas investigativas informadas pela escrita em função da produção de conhecimentos necessários ao desenvolvimento humano na complexidade que lhe é constitutiva em diferentes domínios sociais [...]”.
Compondo-se de ambas as dimensões, alfabetização e letramento científicos, a educação científica é ferramenta de empoderamento e cidadania, o que vemos corroborado pelos estudos mais recentes de Silva (2021aSILVA, W. R. Por uma Linguística Aplicada arrojada. In: SILVA, W. R. (org.). Contribuições sociais da Linguística Aplicada: uma homenagem a Inês Signorini. Campinas: Pontes Editores, 2021a. p. 17-30.; 2021bSILVA, W. R. Letramento ou literacia: ameaças da cientificidade. In: SILVA, W. R. (org.). Contribuições sociais da Linguística Aplicada: uma homenagem a Inês Signorini. Campinas: Pontes Editores, 2021b. p. 111-162.; 2023)SILVA, W. R.; CORDEIRO, M. R.; FARAH, B. F.; MORAIS, C. W. R.; SOUSA, D. L.; SILVA, L. L. S.; MENDES, V. C. B. B. Ciências nas licenciaturas? Linguagem: Estudos e Pesquisa, v. 22, n. 1, p. 83-108, 2018a. Disponível em: https://periodicos.ufcat.edu.br/lep/article/view/54461/26049. Acesso em: 2 nov. 2023.
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. Nas investigações do autor — que têm relatado empenhos em prol de se dar visibilidade aos estudos linguísticos e linguísticos aplicados como campos genuínos do fazer científico —, distinguimos algumas abordagens mais particulares da educação científica na LA, conforme elencadas adiante. Segundo propõem Silva, Fidelis e Antonella (2024), trata-se de esforços no campo educacional que objetivam:
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(a) o aprimoramento da educação linguística dos estudantes, por meio da conscientização linguística e sociocultural, articulada à diversidade das práticas sociais de linguagem, especialmente do campo da pesquisa;
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(b) o trabalho escolar com gêneros diversos (escritos, orais e multimodais), com enfoque naqueles atinentes ao letramento científico, considerando-se as sobreposições possíveis ao acadêmico2 2 As ciências se configuram como um dos pilares da academia; desse modo, há inter-relações entre o que assumimos como letramento acadêmico e letramento científico. Entretanto, considerando-se o nosso enfoque neste último, há distinções que vemos como relevantes no contexto deste estudo, haja vista que ambos os tipos de letramentos podem focalizar competências específicas, conforme discutimos em seção à frente neste artigo. ;
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(c) o discernimento da propagação de discursos hegemônicos em torno de práticas científicas, geralmente atrelados à legitimação exclusiva das ciências naturais, considerando ainda interesses pessoais e de grupos pela inflamação desses discursos;
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(d) a promoção do fazer científico nos estudos da linguagem, como um motivador para a busca de conhecimentos a partir da pesquisa;
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(e) o empoderamento e a quebra de paradigmas com a consecução, por parte de indivíduos não cientistas profissionais — a exemplo de professores atuantes no ensino básico —, do sentimento de pertencimento a um grupo social que constrói conhecimentos legítimos, científicos ou, até mesmo, saberes comunitários3 3 Conforme Silva e Mendes (2023, p. 164), os saberes comunitários “são reproduzidos na comunidade por diferentes gerações. São gerados espontaneamente por grupos organizados ou coletivos, a partir da observação atenta do próprio entorno. Esses saberes orientam as práticas locais de sobrevivência e não estão condicionados ao nível de escolarização dos membros da comunidade, diferentemente dos científicos”. ;
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(f) o desenvolvimento de metainvestigações sobre os percursos de pesquisa dinâmicos passíveis de construção na LA, contribuindo para o reconhecimento e fortalecimento científico do referido campo do conhecimento a partir de procedimentos investigativos construídos.
Alicerçados nessas perspectivas, vemos o contexto do ProFis como um campo fértil para se concretizarem todas essas abordagens pedagógicas para a promoção da educação científica. Ademais, um contexto favorável também a práticas de leitura e escrita que extrapolem a mera reprodução de conhecimentos selecionados por outrem, o tecnicismo ou o reconhecimento exclusivo de saberes legitimados.
LETRAMENTO ACADÊMICO E LETRAMENTO CIENTÍFICO: UMA QUESTÃO DE NOMENCLATURA?
Se na literatura especializada têm sido diversas as concepções a respeito de educação científica, de igual modo, não há consenso quanto a proximidades e distanciamentos entre o que se tem denominado “letramento acadêmico” e “letramento científico”. Alguns autores consideram tais expressões como intercambiáveis, tomando-as como sinônimas. Outros já optam por relativa separação entre ambas ou pela conjugação delas sob a locução hifenizada “letramento acadêmico-científico”.
Quando se trata de pensar o enfoque educacional centrado no desenvolvimento de habilidades de leitura, escrita, escuta e fala na esfera acadêmica, Motta-Roth (2013)MOTTA-ROTH, D. (2013). Desenvolvimento do Letramento Acadêmico por engajamento em práticas sociais na Universidade. In VIAN Jr., O.; CALBATIANO, C. (org.). Língua(gem) e suas múltiplas faces. Campinas: Mercado de Letras. p. 135-162., situada na LA, parece ter uma perspectiva mais ampla, que se aproxima do conceito de educação científica, tal qual assumido nesta publicação. A autora define letramento acadêmico como “processo pertinente ao contexto de ensino e pesquisa na universidade, envolvendo a aprendizagem do modo de pensar, atuar e se comunicar em situações de produção de conhecimento científico [...] eminentemente de interação social, constituída discursivamente” (Motta-Roth, 2013, p. 143-144MOTTA-ROTH, D. (2013). Desenvolvimento do Letramento Acadêmico por engajamento em práticas sociais na Universidade. In VIAN Jr., O.; CALBATIANO, C. (org.). Língua(gem) e suas múltiplas faces. Campinas: Mercado de Letras. p. 135-162.; destaques adicionados). Segue citando a perspectiva de Lemke (2000), para quem o letramento acadêmico envolve tanto a “familiaridade com fatos e conceitos científicos básicos”, como também a “habilidade de usar o complexo aparato representacional do raciocínio, do cálculo e da prática científica” (Motta-Roth, 2013, p. 144MOTTA-ROTH, D. (2013). Desenvolvimento do Letramento Acadêmico por engajamento em práticas sociais na Universidade. In VIAN Jr., O.; CALBATIANO, C. (org.). Língua(gem) e suas múltiplas faces. Campinas: Mercado de Letras. p. 135-162.; destaques adicionados). Sob tais compreensões, a autora considera a possibilidade de se falar em letramento científico ou acadêmico — como designações equivalentes — por se referirem ao conhecimento como ciência, esta última definida pela autora como “conhecimento de qualquer objeto, entidade, fenômeno etc., por intermédio da sua observação, identificação, descrição, avaliação, explicitação, na forma de uma investigação ordenada, que tome por base um paradigma de referência acordado em uma comunidade de prática [...]” (Motta-Roth, 2013, p. 144MOTTA-ROTH, D. (2013). Desenvolvimento do Letramento Acadêmico por engajamento em práticas sociais na Universidade. In VIAN Jr., O.; CALBATIANO, C. (org.). Língua(gem) e suas múltiplas faces. Campinas: Mercado de Letras. p. 135-162.; destaques adicionados).
Nesse sentido, segundo Motta-Roth (2013)MOTTA-ROTH, D. (2013). Desenvolvimento do Letramento Acadêmico por engajamento em práticas sociais na Universidade. In VIAN Jr., O.; CALBATIANO, C. (org.). Língua(gem) e suas múltiplas faces. Campinas: Mercado de Letras. p. 135-162., o letramento acadêmico ou científico oferece condições para: aprimoramento da competência leitora, inclusive de leitura do mundo; agência na sociedade; desenvolvimento de opiniões fundamentadas e críticas sobre ciência e suas inovações; e percepção de questões políticas e sociais que envolvam ciência, promovendo-se a formação cidadã. Aqui nos referimos, por exemplo, aos interesses pessoais ou de grupo de governantes ao considerarem ou não o respaldo de pesquisas científicas na construção de políticas públicas ou nas tomadas de decisões diversas, podendo até mesmo chegarem ao ponto de ignorarem ou negarem veementemente algumas ciências, especialmente as constitutivas da grande área das humanidades. Mas, a depender da situação, nem as ciências naturais deixam de ser alvo de agentes públicos e de seus seguidores4 4 Sobre o desalinhamento entre políticas de estado e orientações científicas, recomendamos a leitura do Dossiê Especial Discursos Fascistas: enfretamento, resistência e combate na/pela língua(gem), no volume 15, número 4, da Revista X. Fonte: https://revistas.ufpr.br/revistax/issue/view/3023. Acesso em: 28 nov. 2023. .
Alguns autores também aceitam a possibilidade de uma compreensão mais ampla da expressão letramento acadêmico, como bastante próxima do letramento científico, ao considerarem que muitos dos textos da universidade estendem-se a outros contextos ou partem desses outros espaços e são trazidos para as salas de aula do ensino superior; é o caso, por exemplo, de publicações em periódicos científicos e atinentes também a participações em eventos científicos, com publicações outras decorrentes destes. Ou seja, a abordagem do letramento acadêmico ou envolve produções científicas ou, de fato, consiste delas; nesse sentido, não haveria como proporcionar uma educação sustentável ao estudante para interagir autonomamente no ambiente acadêmico sem que também ele fosse preparado para contextos de pesquisa científica. Por isso, Kraemer (2014)KRAEMER, M. A. D. (2014). Letramento acadêmico/científico e participação periférica legítima: estudo etnográfico em comunidades de prática jurídica. Bakhtiniana, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 92-110. Disponível em: https://www.scielo.br/j/bak/a/QCwW9Pch5nWsvgRbT6v9fym/abstract/?lang=pt#. Acesso em: 16 out. 2023.
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, ao abordar as práticas de letramento na participação de um núcleo de prática jurídica, afirma tomar como sinônimas as expressões “letramento acadêmico” e “letramento científico”. Afinal, segundo a autora, a universidade é, por definição, o espaço social de produção de conhecimentos científicos, socialmente reconhecida como o locus de pesquisadores atuantes na ciência.
Os conceitos propostos por esses autores lembram-nos o próprio surgimento do termo “letramento” no contexto educacional brasileiro, em distinção ao que se conhecia por alfabetização. Diante de novas demandas sociais e do fato de que nem sempre se entendia a alfabetização em sentido mais amplo — como na perspectiva freiriana de uma educação escolar que formasse para o uso da leitura e da escrita para agência social e crítica —, houve a necessidade de se distinguirem os processos, criando-se um novo conceito (Soares, 1998SOARES, M. (1998). Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica.). De igual modo, parece-nos que nem sempre o letramento acadêmico enfatiza produção e aplicação prática de ciência, tampouco se ocupa dos desdobramentos sociais desta; não necessariamente envolve universitários na dinâmica de participação social para além da academia e por meio da ciência. Prova disso são alguns dos resultados de um levantamento realizado por Motta-Roth (2013)MOTTA-ROTH, D. (2013). Desenvolvimento do Letramento Acadêmico por engajamento em práticas sociais na Universidade. In VIAN Jr., O.; CALBATIANO, C. (org.). Língua(gem) e suas múltiplas faces. Campinas: Mercado de Letras. p. 135-162. acerca das perspectivas de estudantes universitários quanto às relações entre educação linguística e participação em práticas sociais letradas. A autora concluiu pelos impactos dos diferentes modelos teóricos de escrita e das distintas abordagens acadêmicas na promoção do envolvimento dos estudantes no sistema de atividades.
À vista disso e do conceito que assumimos para educação científica, não tomamos como sinonímicas as expressões “letramento acadêmico” e “letramento científico”, ou mesmo “escrita acadêmica” e “escrita científica”. Entendemos que há proximidades entre esses domínios, de forma que o discurso acadêmico pode associar-se ao científico; mas nem sempre implica o envolvimento ativo em práticas de investigação científica, bem como leituras e elaborações textuais que sirvam ao processo de produção científica de conhecimento e inovação tecnológica.
Dadas essas ponderações, para fins desta investigação e considerando-se os contextos de ensinoaprendizagem, entendemos o letramento acadêmico como estando mais relacionado a práticas de leitura e escrita no contexto universitário, que é disciplinar e pedagógico (cf. Mussio, 2017MUSSIO, S. C. (2017). A escrita na universidade: reflexões sobre os tipos de letramento e o discurso acadêmico-científico atual. Ideação, v. 19, n. 1, p. 57-80. Disponível em: https://e-revista.unioeste.br/index.php/ideacao/article/view/20819. Acesso em: 23 out. 2023.
https://e-revista.unioeste.br/index.php/...
; Oliveira; Magalhães, 2022OLIVEIRA, L. C.; MAGALHÃES, T. G. (2022). Uma análise do Fundo de Apoio à Pesquisa em Educação Básica (FAPEB) na perspectiva do letramento científico. Revista Interfaces, v. 13, n. 2, p. 209-227. Disponível em: https://revistas.unicentro.br/index.php/revista_interfaces/article/view/7142/5215. Acesso em: 17 out. 2023.
https://revistas.unicentro.br/index.php/...
). Geralmente envolve leitura de textos científicos, como relatórios, artigos científicos e trabalhos de conclusão de curso, por exemplo; talvez até a produção de alguns desses gêneros, como artigos de revisão, projetos de pesquisa “fabricados” para fins didáticos, entre outros. Mas estende-se também a outros escritos não científicos, no sentido estrito do termo, como memoriais, relatos de experiências, fichamentos, resumos e resenhas de obras diversas etc.; ou seja, textos que são preparatórios para ou complementares à produção científica original. Além disso, o propósito de disciplinas dedicadas ao ensino-aprendizagem da escrita acadêmica, geralmente, centra-se nas convenções exigidas para a leitura e a produção proficiente de textos dessa natureza. Certamente, tais enfoques não tiram do letramento acadêmico o caráter social como prática de linguagem, haja vista ter sua relevância e ser pertinente aos contextos situados em que se realiza.
Mussio (2017)MUSSIO, S. C. (2017). A escrita na universidade: reflexões sobre os tipos de letramento e o discurso acadêmico-científico atual. Ideação, v. 19, n. 1, p. 57-80. Disponível em: https://e-revista.unioeste.br/index.php/ideacao/article/view/20819. Acesso em: 23 out. 2023.
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esclarece a distinção entre o letramento acadêmico e o científico a partir das condições de produção e dos contextos de circulação dos gêneros. Para a autora, ao primeiro importam questões respeitantes à universidade como ambiente estudantil, materializadas em trabalhos acadêmicos com fins didáticos e avaliativos. Segundo ela, “a escrita acadêmica está atrelada a avaliações didáticas, afinal, um texto acadêmico pode [...] divulgar informações de pesquisas etc., mas, em algum momento, sofrerá reparações, ajustes, críticas e/ou elogios daquele a quem ele é submetido” (p. 77).
Entretanto, Mussio (2017)MUSSIO, S. C. (2017). A escrita na universidade: reflexões sobre os tipos de letramento e o discurso acadêmico-científico atual. Ideação, v. 19, n. 1, p. 57-80. Disponível em: https://e-revista.unioeste.br/index.php/ideacao/article/view/20819. Acesso em: 23 out. 2023.
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também reconhece produções que podem ser chamadas acadêmico-científicas, uma vez que, embora permeiem o espaço universitário e o caracterizem, elas o extrapolam, contribuindo com pesquisas e produções científicas. É o caso, por exemplo, de trabalhos de conclusão de cursos, artigos científicos, entre outros, que podem relatar a realização de pesquisa original, propor revisões teóricas, realizar análises críticas, e que, por isso, têm outros contextos sociais também como espaço de circulação.
Diante disso, para a autora, existe certa convergência entre o acadêmico e o científico no sentido de que, no ambiente universitário, prima-se por um sujeito científico, do qual igualmente se esperam competências e habilidades para a produção de gêneros que dão suporte a atividades investigativas. Além disso, os textos lidos e produzidos nesse espaço tratam de temas científicos. Entretanto, consideradas as distinções, “o discurso científico pode ser também acadêmico, mas o acadêmico não necessariamente é científico, uma vez que depende da sua esfera de circulação, assim como do conteúdo ali engendrado” (Mussio, 2017, p. 77MUSSIO, S. C. (2017). A escrita na universidade: reflexões sobre os tipos de letramento e o discurso acadêmico-científico atual. Ideação, v. 19, n. 1, p. 57-80. Disponível em: https://e-revista.unioeste.br/index.php/ideacao/article/view/20819. Acesso em: 23 out. 2023.
https://e-revista.unioeste.br/index.php/...
).
A investigação aqui relatada apoia-se, portanto, nesses pressupostos e distinções teórico-conceituais, o que justifica a nossa busca por evidências de educação científica, segundo compreendida na LA, no contexto universitário de uma disciplina voltada à apropriação de recursos de linguagem característicos de textos desse universo.
ASPECTOS CONTEXTUAIS E METODOLÓGICOS
O ProFIS foi oficialmente instituído na Unicamp em 2010, data de sua aprovação pelo Conselho Universitário da instituição, e recebeu seus primeiros alunos no início de 2011. Trata-se de um programa de ingresso e formação em curso superior, de caráter multidisciplinar para complementação de estudos, planejado para ser “um avanço em inclusão social e inovação pedagógica” (Gomes, 2012, p. 6GOMES, F. M. ([2012]). PROFIS – Programa de Formação Interdisciplinar Superior: um retrato do primeiro ano do programa de formação geral da UNICAMP. Campinas, SP: Unicamp. Disponível em: https://www.ime.unicamp.br/~chico/brochura_profis_compacta.pdf. Acesso em: 25 out. 2023.
https://www.ime.unicamp.br/~chico/brochu...
).
Segundo consta no Projeto Pedagógico do curso (Unicamp, 2016UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS – Unicamp. (2016). Pró-Reitoria de Graduação – PRG. Projeto Pedagógico do Programa de Formação Interdisciplinar Superior – ProFIS. Campinas, SP: Unicamp.), o ProFIS tem uma oferta anual de 120 vagas, todas elas reservadas para estudantes provenientes de escolas públicas da cidade de Campinas, estudantes estes que tenham se inscrito para participarem da seleção para ingresso no programa, segundo edital próprio publicado pela Pró-reitoria de Graduação da Unicamp. Os ingressantes são selecionados de acordo com as notas alcançadas por eles na avaliação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), mas de forma que, para cada escola da cidade, garante-se uma vaga para admissão no programa.
A inovação pedagógica reside na formação geral sequencial e ampliada em Ciências Humanas, Artes e Ciências da Natureza, com uma estrutura curricular constituída de disciplinas básicas dessas áreas do conhecimento5
5
Conforme listado em https://www.prg.unicamp.br/curso-profis/#ancora5. Acesso em: 28 nov. 2023.
, às quais se associa formação teórica e prática. O objetivo é possibilitar: “a abordagem de problemas científicos de modo integrado, a compreensão da ciência como um modo de olhar o mundo e a compreensão das relações do conhecimento com o mundo do trabalho, tendo em vista uma definição mais segura do campo profissional futuro” (Andrade et. al., 2012, p. 700ANDRADE C. et al. (2012). Programa de Formação Interdisciplinar Superior: um novo caminho para a educação superior. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 93, n. 235, p. 698-719, set./dez. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbeped/a/Jg4hqs5Vk5SHZhXxcgsFvnh/abstract/?lang=pt#. Acesso em: 1 nov. 2023.
https://www.scielo.br/j/rbeped/a/Jg4hqs5...
; destaques adicionados).
Ademais, o currículo prevê que sejam cursadas disciplinas eletivas, escolhidas livremente por cada estudante dentre todas as oferecidas na Universidade. Ao final da formação geral de 2 anos, os cursistas recebem o Certificado de Formação Interdisciplinar Superior e têm garantida uma vaga em cursos de graduação da Universidade, conforme suas escolhas pessoais. Esse ingresso acontece segundo o número de vagas disponibilizadas por cada curso, com matrícula condicionada ao rendimento acadêmico dos interessados nas disciplinas cursadas ao longo do ProFis.
Nessa dinâmica e formato, o programa prevê e compreende a formação científica dos estudantes, a qual vemos mais explícita em dois de seus objetivos específicos: i) “[a]mpliação de conhecimentos nas áreas acadêmicas desenvolvidas nas Ciências Humanas e Ciências da Natureza, possibilitando a abordagem de problemas científicos de modo integrado e a compreensão da ciência como um modo de olhar o mundo”; ii) “[d]esenvolvimento do conhecimento dos métodos de pesquisa quantitativos e qualitativos” (Unicamp, 2016, p. 8UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS – Unicamp. (2016). Pró-Reitoria de Graduação – PRG. Projeto Pedagógico do Programa de Formação Interdisciplinar Superior – ProFIS. Campinas, SP: Unicamp.; destaques adicionados).
Embora, em alguma medida, a formação científica certamente perpasse por todo o curso, há duas disciplinas que preveem a inserção efetiva dos estudantes em atividades de iniciação científica: Introdução à Prática de Ciências e Artes I e II. Em tais contextos, os estudantes propõem e desenvolvem um projeto individual, sob a supervisão de um professor. Ambas têm como ementa: “Iniciação ao pensamento crítico relativo ao conhecimento científico e senso comum. Inserção do aluno no cotidiano do processo criativo, em atividades de pesquisa laboratoriais ou artísticas. Noções sobre a pesquisa científica e suas características. Sendo opcional a apresentação do trabalho em evento científico (Unicamp, 2016, p. 23UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS – Unicamp. (2016). Pró-Reitoria de Graduação – PRG. Projeto Pedagógico do Programa de Formação Interdisciplinar Superior – ProFIS. Campinas, SP: Unicamp.; destaques adicionados)”.
Como uma forma de ampliar a competência dos estudantes para interações eficientes e adequadas, especialmente na área acadêmico-científica em que acabam de ser inseridos, o currículo do ProFIS também se compõe de duas disciplinas de Linguagens, oferecidas nos primeiros dois semestres, dedicadas a esse fim: Leitura e Produção de Texto I e II. Estas têm ementas similares, visando à leitura e à produção de gêneros prestigiados na esfera acadêmica.
Nosso recorte contextual de análise é a oferta da disciplina “Leitura e Produção de Textos Acadêmicos I”, contexto em que, no período de 2011 a 2021, formou-se um corpus constituído tanto de textos de aprendizes como de atividades propostas aos estudantes e realizadas por eles no componente (ProCorp-Unicamp). Por meio de pesquisa documental de abordagem fundamentalmente qualitativa, considerados os fundamentos teóricos assumidos para efeitos deste trabalho, investigamos evidências de educação científica nas abordagens didáticas registradas nessas propostas de atividades, no formato de tarefas diagnósticas, mediadoras do processo de aprendizagem e exames classificatórios (Quadro 1)6 6 Denominamos como atividades mediadoras do processo de aprendizagem aquelas aplicadas ao longo da formação no componente curricular, com vistas a promover ou facilitar a aquisição e construção de conhecimentos, bem como o desenvolvimento de habilidades por parte do estudante. Diferenciam-se, portanto, das atividades diagnosticas, projetadas para diagnosticar dificuldades, necessidades, conhecimentos, habilidades e competências dos estudantes j á no início da formação. Também se distinguem das avaliações classificatórias, cujo fim principal é atribuir nota com base no desempenho dos estudantes, considerando, para tanto, critérios predefinidos. .
Conforme indicado no Quadro 1, todo o material compartilhado na base do ProCorp-Unicamp e disponibilizado para análise compreendeu os anos 2011, 2013, 2016, 2018, 2020 e 2021, mas com especificidades. Grande parte do conjunto de documentos consiste em produções de aprendizes na forma de diversas categorias de textos, dentre as quais, respostas a atividades como demonstração de entendimento ou aplicação de conhecimentos. Entretanto, diante do nosso interesse nas proposições docentes mediadoras ou verificadoras de aprendizagem, apenas atenderam ao nosso propósito os materiais disponibilizados dos anos 2011, 2018, 2020 e 2021.
Dentro desse período, tivemos acesso a 21 arquivos de atividades designadas aos estudantes. Embora o material dos aprendizes contivesse também transcrições de algumas propostas a que os estudantes deveriam atender, bem como respostas que talvez nos permitissem inferir possíveis questionamentos que as motivaram, o recorte se fez necessário para garantirmos o acesso à proposta no todo, com orientações, perspectivas e contextualizações. Mesmo se configurando um conjunto reduzido, sob a perspectiva de análise qualitativa, ele representa os objetivos educacionais visados, a partir do que se esperou como aprendizagens decorridas dos conteúdos trabalhados e da forma didática de se recuperá-las. São avaliações somativas e classificatórias, provas e exercícios, conforme consta nos planejamentos das disciplinas. Evidenciam compreensões a respeito de abordagens didático-metodológicas das práticas de linguagens em contextos acadêmicos.
De posse das propostas de atividades, procedemos à leitura e identificação de aspectos que pudessem evidenciar uma abordagem acadêmica articulada com a educação científica no contexto da disciplina Leitura e Produção de Textos Acadêmicos I, ou seja, desde a etapa inicial da formação. Assim, estabelecemos como categorias de análise: i) os gêneros textuais/discursivos lidos e produzidos; ii) os assuntos abordados nos textos e as respectivas áreas do conhecimento a que se associavam; e iii) as finalidades estabelecidas para as práticas de leitura e produção, segundo os objetos das atividades.
Considerando-se a análise documental proposta, tais categorias contribuem para identificação e avaliação de como as práticas pedagógicas integram conhecimentos científicos no currículo de educação linguística. A análise dos gêneros textuais/discursivos permite-nos identificar se e como formas de discurso científico estão sendo introduzidas e praticadas, sinalizando, em alguma medida, como as ciências têm sido representadas e discursivamente construídas no contexto em análise. No que diz respeito ao mapeamento dos assuntos e das áreas do conhecimento abordados nos textos, ele nos permite identificar a diversidade dos temas científicos tratados. Desse modo, revela quais áreas científicas são contempladas, ajudando também a problematizar as representações de ciência que estão sendo promovidas. Por fim, identificar as finalidades pedagógicas para a leitura e produção de textos ajuda-nos a compreender as intenções educacionais por trás das atividades, as quais visam desenvolver habilidades e competências que podem se alinhar mais proximamente ou não da prática científica, de uma visão crítica e reflexiva sobre as ciências e da consecução de significado social para a disciplina e os conteúdos aprendidos.
Quanto à operacionalização desses segmentos, foi realizada conforme as seguintes etapas, cumpridas não necessariamente nesta ordem ou de forma linear:
-
– acesso aos dados já coletados e armazenados em plataforma específica;
-
– classificação e quantificação dos textos conforme os gêneros trabalhados;
-
– identificação de informações de natureza científica presentes nos gêneros (temas, conhecimentos e práticas);
-
– categorização dos temas segundo as áreas de conhecimento a que se relacionam;
-
– identificação de predominância de temas ou áreas e levantamento de possíveis razões e implicações;
-
– descrição das atividades propostas a partir dos enunciados apresentados aos estudantes;
-
– reconhecimento das finalidades específicas das atividades (ex.: prática escritural acadêmica, desenvolvimento da capacidade de argumentação e de pensamento crítico, compreensão de métodos científicos etc.).
Acreditamos que tal processo nos permite — em parte, mas de modo significativo — ter uma visão de como o componente curricular dedicado à educação linguística tem integrado práticas e conhecimentos científicos no contexto e na etapa de formação em análise.
EDUCAÇÃO CIENTÍFICA E LETRAMENTO ACADÊMICO NO PROFIS
No conjunto de documentos que compõem o ProCorp-Unicamp, foram também disponibilizados dois programas da disciplina “Leitura e Produção de Textos Acadêmicos I”, propostos para os anos 2018 e 2020. Ao listarem os assuntos a serem tratados, referem-se à escrita acadêmica, a contexto e textos/gêneros acadêmicos:
Exemplo 1: ProFis 2018 e 2020 / Programa de Disciplina
– Textos acadêmicos x textos escolares x textos das mídias. – Textos argumentativos em contexto acadêmico: busca e seleção de informações; critérios de validação de instrumentos de busca e de seleção de informações; padrões de organização, articulação de informações, argumentos e vozes em gêneros acadêmicos; recursos digitais de suporte à escrita acadêmica. – Leitura/elaboração de gêneros acadêmicos: citação e paráfrase; síntese e resumo; contextualização; desenvolvimento do fio argumentativo. – Elaboração do gênero relatório: modelos em áreas diferentes; modelos em área específica. |
O mesmo acontece em relação à metodologia de ensino para a abordagem desses conhecimentos, em que são previstas atividades de “leitura extensiva de textos acadêmicos” e exploração de “recursos digitais de apoio à escrita acadêmica”. Entretanto, os documentos registram como objetivo geral do componente curricular “levar o aprendiz a refletir sobre e a exercitar modos de apropriação de recursos de linguagem na escrita de textos científicos”. Assim, diante de tais registros que circulam entre um e outro meio, dedicamo-nos à identificação de evidências de educação científica, tal qual a compreendemos para fins deste estudo.
Consideradas as categorias de análise, as práticas de leitura foram a principal atividade a promover integração entre letramento acadêmico e educação científica. Isso se deu por meio da leitura de gêneros textuais/discursivos que tinham como enfoque informações científicas, ou seja, que comunicavam resultados de pesquisa, teorias ou revisões de forma sistemática, clara e objetiva, seguindo os padrões e métodos aceitos pela comunidade científica. Por meio deles, os estudantes foram se familiarizando com análise de dados, estratégias e métodos de pesquisa, interpretações de resultados e outras informações e práticas próprias das ciências.
Conforme mostramos no Gráfico 1, embora se tenha oportunizado aos estudantes o contato com gêneros diversos, mais de 60% destes eram de natureza científica, no que diz respeito à estrutura, ao conteúdo e/ou à finalidade a que atenderam. Nesse grupo, inserimos artigos científicos, textos de divulgação científica, ensaios, relatos de experiências e relatórios de pesquisa7 7 Denominamos “textos de divulgação científica” aqueles cujo propósito tenha sido divulgar informações relativas a práticas e resultados de pesquisa científica (Cortina, 2020), mas com vistas a tornar o conhecimento científico acessível e relevante para um público amplo e não especialista. Para isso, tais textos empregaram uma linguagem menos técnica, didática, de modo a tornar o conteúdo atraente e compreensível. .
É possível que o quantitativo mais expressivo de textos de divulgação científica se justifique pelo perfil dos estudantes-leitores, um grupo recém-ingresso no ensino superior, que ainda está em processo de familiarização com conceitos, terminologias e práticas das áreas científicas. Dessa forma, tais textos se fazem bastante apropriados, já que, geralmente, conectam conceitos científicos com situações do mundo real, problemas contemporâneos e questões do cotidiano dos estudantes, o que ajuda a tornar o conteúdo mais relevante e significativo para estes. No caso em análise, por exemplo, foram expostos e discutidos temas como tempos de incertezas devido à pandemia da Covid-19, dieta e perda de peso, questões de gênero, aplicativos educacionais, entre outros.
Além dos textos científicos e de divulgação científica, a leitura de alguns dos demais gêneros também oportunizou o contato com informações atinentes às ciências8 8 O que não foi o caso das resenhas lidas, uma vez que estas focalizavam produtos culturais como conteúdos (literatura best seller, filme, show). Visavam, portanto, a um público geral interessado em entretenimento, alinhando-se à resenha como gênero jornalístico, não caracteristicamente de caráter acadêmico e de apoio a práticas de estudo e pesquisa. Também foi excluído o conto e a animação cinematográfica, já que tanto o conteúdo como as atividades propostas a partir deles não se caracterizaram como sendo de teor científico. . Foi o caso, por exemplo, de uma matéria jornalística cujo excerto trazemos a seguir, a respeito da realização de um evento de divulgação científica, o Congresso Interno de Iniciação Científica da Unicamp, que ocorreria entre nos dias 22 e 23 de setembro de 2010.
Exemplo 2: ProFis 2011 – Leitura para atividade diagnóstica
Do total de 1.257 trabalhos expostos no 18° Congresso Interno de Iniciação Científica, 350 são da área de Tecnológicas, 326 de Ciências Biológicas, 281 de Ciências Humanas, 211 de Ciências Exatas e 70 de Artes, havendo ainda 19 painéis de participantes do PICJr. Em 2010, a Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) recebeu 1.371 inscrições junto ao Programa Integrado de Bolsas de Iniciação Científica – englobando o Pibic/CNPq, Pibic/Ações Afirmativas e as bolsas pesquisa do Serviço de Apoio ao Estudante (SAE). Em Biológicas, o visitante poderá ver trabalhos como de Juliana Karasawa Vieira de Souza, orientada da professora Carmen Veríssima Ferreira, do Instituto de Biologia, que analisou formulações para liberação intracelular eficiente do RNA de interferência. A utilização do iRNA surge como estratégia terapêutica promissora de tumores resistentes a quimioterápicos. SUGIMOTO, L. Congresso de Iniciação Científica tem recorde de trabalhos inscritos. Jornal da Unicamp, 20 a 26 de setembro de 2010, ano XXIV, n. 475. Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp_hoje/ju/setembro2010/ju_475pdf.php . Acesso em: 18 set. 2023. |
Dessa passagem, por exemplo, importa à educação científica o conhecimento de que: existem diferentes áreas de conhecimento e de estudo; os egressos de escolas públicas, então graduandos do ProFis, podem se envolver com pesquisa científica ao longo de sua formação, sob a orientação de professores pesquisadores; existe uma preocupação com problemas que afligem a sociedade; existem agências e programas de apoio financeiro à pesquisa científica; os resultados de pesquisas são divulgados em eventos apropriados para esse fim. O conhecimento dessas e de outras informações pode contribuir para preparar os estudantes a se envolverem com pesquisas científicas assim que lhes for oportuno; e pode ainda encorajá-los a isso. São referências que, a depender de como forem retomadas e tratadas no curso da disciplina, contribuem com uma formação científica mais sólida, de modo que a teia de aprendizagens e produtos decorrentes disso é infinita.
Também, como texto motivador para produção textual, uma das avaliações aplicadas em 2011 apresentou como material de leitura um artigo informativo de interesse geral, publicado na revista Superinteressante, em que se discorreu sobre casos revelados de espionagem, fraudes, fabricação de dados e disputa por dinheiro entre cientistas da Europa e dos EUA, além de questões relativas a preconceito no campo da ciência. A avaliação requeria que os estudantes pensassem criticamente e se posicionassem quanto a motivações para a pesquisa científica, questões morais e éticas a ela relacionadas, registrando suas perspectivas em um texto.
Exemplo 3: ProFis 2011 / Prova 1
Cientistas sempre renderam boas notícias para jornais e revistas em todo o mundo. Ultimamente, nem sempre nos cadernos de ciência. Uma série de escândalos escabrosos envolvendo pesquisadores de diversos centros de pesquisa nos Estados Unidos e na Europa vêm destronando a velha imagem do cientista como uma espécie de semideus, protegido da mesquinharia dos mortais. Sob os tradicionais jalecos brancos, foi revelado um submundo de espionagem, fraudes, fabricação de dados e disputa por dinheiro – muito dinheiro. Um enredo mais próximo do velho seriado de TV Dallas do que dos documentários da Discovery Channel. “O dinheiro é hoje a principal motivação para fazer ciência”, diz o jornalista americano Daniel S. Greenberg, autor do livro Science, Money, and Politics (Ciência, dinheiro e política, inédito no Brasil). CAVALCANTE, R.; SOUZA, M. Cientistas, sujeira no jaleco. Superinteressante, n. 178, julho de 2002. Disponível em: https://super.abril.com.br/ciencia/cientistas-sujeira-no-jaleco. Acesso em: 31 out. 2023. |
Além dos temas mencionados, a leitura crítica do primeiro parágrafo do texto motivador já chama à discussão perspectivas consolidadas de cientista e de ciência, e até mesmo sobre a supervalorização ou o endeusamento de cientistas vinculados às ciências legitimadas – quase sempre as naturais ou as engenharias/exatas –, atuantes em países desenvolvidos. O texto pode proporcionar esclarecimentos e debates que também interessam à educação científica.
Enquanto tópico de igual interesse para a educação científica, como exemplificamos a seguir, todos os artigos científicos lidos no contexto das atividades propostas apresentaram informações relativas à submissão de pesquisa ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), órgão responsável por preservar interesses, integridade e dignidade dos participantes de pesquisas envolvendo seres humanos.
Exemplo 4: ProFis 2021 / Atividade
Fizeram parte deste estudo somente indivíduos adultos e idosos que concordaram em participar e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Esse estudo foi aprovado ao Comitê de Ética em Pesquisa de Seres Humano da Universidade Federal de São Carlos (nº do parecer: 2.848.109). CARVALHO, L. P. N. Efeitos da meditação associada a educação em neurociências da dor em adultos com fibromialgia: ensaio clínico controlado e randomizado. SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog., v. 16, n. 3, p. 3-13, maio /jun. 2020. doi: https://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2020.167602. Acesso em: 31 out. 2023. |
Assim, a escolha e definição de gêneros cujos temas fossem concernentes à ciência pode ter contribuído com a educação científica dos aprendizes, colocando-os em contato com uma série de informações ou práticas relacionadas ao fazer científico, as quais pudemos divisar no corpo dos textos lidos (Figura 2).
Tópicos relacionados à educação científica contemplados nos textos lidos para atendimento das atividades propostas Fonte: Elaborada pelos autores.
Os textos remetiam a diferentes temáticas e áreas de estudo. Essa visão geral e diversa é bastante válida no contexto em análise, considerando-se a proposta de formação superior de caráter geral, voltada a um público cujos interesses de estudo e profissionalização ainda estarão se firmando. Além disso, pode chamar a atenção dos estudantes para particularidades atinentes à ciência nas respectivas áreas; por exemplo, no que se refere a objetivos de pesquisa, metodologia, fontes de dados, tamanhos de amostra, ética e consentimento, recursos financeiros necessários, entre outros aspectos.
No que diz respeito às áreas de conhecimento manifestadas nos textos e, por isso, também difundidas, todas elas tiveram alguma representação ao longo do período de análise, por meio das leituras realizadas para as atividades propostas (Gráfico 2); certamente, também, mediante outras atividades não disponíveis no ProCorp. Assim, sendo as áreas diversas, também o foram os tipos de pesquisa relatados, as escolhas e possibilidades metodológicas. Houve registros de pesquisas básicas e aplicadas, de abordagem qualitativa e quantitativa, e, quanto aos procedimentos, pesquisas de campo, experimental, documental, estudo de caso e survey.
Ainda com relação às áreas do conhecimento contempladas, percebemos que, embora se tenha registrado uma representatividade significativa de assuntos e abordagens concernentes a Letras, Linguística e Artes (22% dos textos), isso não deu à área visibilidade como campo científico. Dos textos a ela relacionados contemplados nas atividades, apenas 30% eram científicos ou relacionavam-se, de alguma forma, às ciências. Em contrapartida, os textos associados a outras áreas do conhecimento — algumas das quais tradicionalmente reconhecidas e valorizadas socialmente como campos das ciências — acabaram conferindo a elas certo destaque como tais, já que praticamente todos eles eram gêneros científicos ou de divulgação científica.
A respeito da função social das ciências — tópico de suma importância quando se trata de contribuir para o letramento científico dos estudantes —, alguns dos temas abordados contribuíram mais diretamente para o reconhecimento da relação entre pesquisa científica, preocupação e formação social e política. Houve textos, por exemplo, que tematizaram a limitação do papel social da mulher na sociedade moderna, representações sociais de minorias étnicas, padrões sociais de beleza, a violência doméstica e seus impactos no rendimento escolar.
O excerto a seguir é de um dos textos de divulgação científica, o qual relatou os resultados de uma pesquisa de doutorado desenvolvida na Faculdade de Educação Física da Unicamp. A pesquisa em questão dedicou-se a unir filhos com deficiência e respectivas mães na prática da dança.
Exemplo 5: ProFis 2020 / Atividade diagnóstica
A maternidade, mesmo com todo seu esplendor, pode ser, também, um momento crítico na vida de muitas mulheres. Seja no próprio corpo, ou na estrutura da vida cotidiana, as modificações causadas pela chegada dos filhos são profundas. No caso de mães de crianças com deficiência, os cuidados e os acompanhamentos em terapias, consultas médicas e atividades específicas revelam um quadro ainda mais exigente. A frequência dos relatos de mães que passaram a dedicar-se inteiramente aos filhos e a escassez de atividades voltadas ao autocuidado e lazer dessas mulheres, levaram Keyla Ferrari a destinar a elas seu doutorado. [...] O impacto do trabalho na autoestima das mães, bem como na compreensão familiar do significado social da deficiência, foram surpreendentes de acordo com a pesquisadora. [...] De acordo com Keyla, a prática teve efeito também sobre as concepções negativas e limitantes da deficiência, ao mostrar possibilidades estéticas dentro desse universo. (VILLEN, Gabriela. Mães e filhos com deficiência se reencontram na dança. Jornal Unicamp, 5 jun. 2019. Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2019/06/05/maes-e-filhos-com-deficiencia-se-reencontram-na-danca. Acesso em: 27 out. 2023.) |
No excerto, vemos que a preocupação com a saúde e o bem-estar das mães de filhos com deficiência foi um motivador para a pesquisadora, cujo trabalho teve evidentes contribuições pessoais para os envolvidos. Entretanto, para além desse âmbito do emocional privado, o tema e sua abordagem sob o viés científico perpassam por questões de inclusão social, melhoria de qualidade de vida, sensibilização e empoderamento. Tais perspectivas podem embasar a tomada de decisões fundamentadas em dados e evidências, bem como o desenvolvimento do pensamento crítico, por exemplo; ou seja, habilidades e atitudes que permitem aos indivíduos participar da sociedade de maneira informada e responsável, o que é concordante com práticas de letramento científico.
Já no que diz respeito às propostas de atividades, divisamos um número bem mais expressivo de questões centradas em aspectos linguísticos, textuais e discursivos próprios dos textos acadêmicos e, em alguns casos, também relacionados às formas de comunicação da ciência. Tais questões demandaram: reconhecimento do gênero textual/discursivo lido e sua relação com o assunto tratado; distinção entre gêneros; reconhecimento da função de algumas seções do texto acadêmico e/ou científico; elaboração de resumo e indicação de palavras-chave; elaboração de resenha e fichamento; construção de referências bibliográficas; enumeração de características da escrita acadêmica; identificação de citações e de referências a pesquisadores e periódicos etc.
Entretanto, também identificamos atividades que encaminharam para a formação científica dos estudantes. No Exemplo 6, trazemos algumas das questões constantes na atividade diagnóstica aplicada em 20219 9 Integral ou parcialmente, as atividades diagnósticas seguiram a um padrão de questões, sendo aplicadas em todos os períodos contemplados pelo ProCorp, o que, na ausência de acesso ao material elaborado pelo professor e apresentado aos estudantes, foi confirmado pelo corpus de aprendizes :
Exemplo 6: ProFis 2021 / Atividade diagnóstica
1) Do que tratam as matérias que lhes foram entregues? Onde e quando foram publicadas? 2) A que atividades acadêmicas estão relacionadas (ensino, pesquisa ou extensão)? 3) Que matéria lhe chamou mais a atenção? Por quê? 4) Do que trata essa matéria? Se tivesse que reportá-la a alguém, o que reportaria? |
As questões 1, 3 e 4 exploram a compreensão de textos de divulgação científica (Zorzetto, 2020ZORZETTO, R. (2020). Tempos de incerteza: Mudanças na rotina ocasionadas pela Covid-19 podem aumentar casos de sofrimento emocional e transtornos mentais. Pesquisa Fapesp, ed. 294, p. 18-23, ago. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/tempos-de-incerteza/. Acesso em: 29 out. 2023.
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; Julião, 2021JULIÃO, A. (2021). Dieta rica em fibras pode ter papel no controle da inflamação associada à Covid-19. Jornal da Unicamp, Biológicas, 5 mar. Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2021/03/05/dieta-rica-em-fibras-pode-er-papel-no-controle-da-inflamacao-associada. Acesso em: 29 out. 2023.
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). Ao fazê-lo, convocaram os estudantes a lerem ativamente o material e a pensarem a respeito do conteúdo, a fim de identificarem os temas tratados, compreendê-los, definirem a preferência por um deles, justificarem essa escolha e resumirem o artigo. A proposta, ao requerer que os estudantes estabelecessem conexões entre as informações apresentadas nos textos e extraíssem significados deles, atendeu ao que foi exposto como objetivo na orientação para essa atividade em específico: aproximar o estudante do universo acadêmico-científico. Não se prendeu, portanto, ao conhecimento de habilidades técnicas da construção textual/discursiva.
A questão 2 também atende a esse propósito ao esperar que os estudantes, pelas informações constantes nos textos, identifiquem os temas como sendo resultado de investigações científicas. Particularmente, as matérias lidas na ocasião tratavam de questões sociocientíficas relacionadas ao momento crítico da pandemia da Covid-19: uma delas, sofrimento emocional e transtornos mentais; a outra, o impacto da dieta alimentar na inflamação causada pela doença. Logo, permitiram aos estudantes perceberem a relevância das ciências para a solução de problemas do mundo real, visando também a melhor prepará-los para a agência cidadã, para tomarem decisões fundamentadas em questões científicas.
Atividades como as do Exemplo 6 se mostram ainda mais relevantes quando consideramos a propagação irresponsável de discursos contrários a orientações científicas e inflamados por influências político-eleitoreiras. Tal propagação foi intensificada nos diferentes continentes durante a pandemia, mas destacamos a abrangência alcançada no território brasileiro, o que foi impulsionado por governantes federais em exercício na ocasião (Silva, 2021bSILVA, W. R. Letramento ou literacia: ameaças da cientificidade. In: SILVA, W. R. (org.). Contribuições sociais da Linguística Aplicada: uma homenagem a Inês Signorini. Campinas: Pontes Editores, 2021b. p. 111-162.).
Para responderem a um outro grupo de questões de uma prova aplicada em 2018, os estudantes leram um relatório de teor científico-tecnológico publicado em um periódico da área de Engenharia de Produção. O trabalho relatava a criação e a validade de um aplicativo com fins educacionais, voltado a auxiliar os estudantes de Engenharia de Produção a se prepararem para o Enade e a conseguirem boas notas no exame (Rodrigues et al., 2018RODRIGUES, A. de C. et al. (2018). Aplicativos educacionais na Engenharia de Produção: o caso do Enade Nota 10. Brazilian Journal of Production Engineering. São Mateus, v. 4, n. 1, p. 21-30. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/bjpe/article/view/v4n1_2. Acesso em: 29 out. 2023.
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). Conforme o Exemplo 7, além de se cobrarem conteúdos mais estreitamente relacionados ao letramento acadêmico (reconhecimento de gênero) e a compreensão textual, duas das questões (2 e 3) articulam conhecimentos do fazer científico, ou seja, relacionados mais à prática da ciência.
Qual o gênero do texto? Está relacionado a qual assunto geral? E a qual assunto específico? Identifique o(s) objetivo(s) apontado(s) e liste 4 informações fornecidas pelos autores para atender ao(s) objetivo(s). Como você avalia a adequação e a completude da seção “Materiais eMétodos”? Justifique sua resposta. Faça o resumo do texto segundo as exigências do gênero. Indique quatro palavras-chave. |
A segunda e a terceira questões recuperam dos estudantes a compreensão da prática científica como um processo sistemático, com rigor metodológico, em prol de um objetivo. Este influencia diretamente os métodos a serem empregados, bem como a seleção de materiais e as estratégias investigativas. Assim, a terceira questão, particularmente, cobra do estudante o entendimento da concepção e da condução do estudo, o que deve estar devidamente esclarecido nos registros da pesquisa.
Nas propostas de modo geral, houve ainda atividades que solicitaram aos estudantes a identificação de agências de fomento à pesquisa, filiação institucional dos autores e preocupações com cuidados éticos, embora não tenham problematizado os sentidos dessas referências nos textos e para as práticas científicas.
Quanto à produção textual, os estudantes desenvolveram “tópicos” de natureza argumentativa, apoiando-se em textos lidos, assim como elaboraram resumos, resenhas e fichamento. A relação dessas atividades com a educação científica estabeleceu-se na retomada dos gêneros, das temáticas e dos conteúdos dos textos lidos, conforme ilustra o Exemplo 8.
Exemplo 8: ProFis 2018 / Prova
Responda à questão abaixo, posicionando-se com base no que leu e discutiu sobre o tema na segunda unidade do curso. Para isso, apresente pelo menos três argumentos de apoio ao seu posicionamento e pelo menos um argumento contrário ao seu posicionamento. A digitalização generalizada, que se observa na contemporaneidade, tem sido um avanço ou uma ameaça para as pessoas comuns? Atenção: Em seu texto resposta, atente para: a) a articulação das ideias, opiniões e argumentos; b) para o embasamento de seus argumentos, indicando as fontes (citações e referências); c) para a utilização de pelo menos dois dos artigos lidos em sala para embasar sua discussão; d) para a completude (início, meio e fim), correção e clareza de sentidos para o leitor, além da formatação exigida, conforme modelos vistos em aula. |
Aproposta não explicita o gênero textual/discursivo a ser produzido, mas parece encaminhar para a elaboração de um ensaio acadêmico, já que se espera dos estudantes um texto que contenha a análise e a discussão crítica do tema, com apresentação de argumentos fundamentados. Quanto a competências e habilidades a serem verificadas, fica explícito o interesse por aspectos relativos à escrita acadêmica, já que a atividade requer habilidades de organizar e articular ideias de maneira estruturada, clara, coerente e lógica e de atender à formatação e às normas previstas para gêneros acadêmicos.
Contudo, extrapolando o campo dessas propostas de atividades, a depender da natureza dos artigos recuperados pelos estudantes e da forma como estes desenvolvam as ideias, é possível que pensem cientificamente a respeito da temática e que, até mesmo, proponham soluções sociocientíficas, caso percebam a digitalização generalizada como um problema. Esse movimento argumentativo seria indicativo da maturidade textual-discursiva do estudante e, principalmente, da sua formação científica crítica, que lhe teria permitido escapar de falácias e basear-se em evidências, por exemplo. É uma abordagem para investigação posterior.
Diante desses fatos, todos os tópicos listados na Figura 2 — contemplados e divisados principalmente nas atividades de leitura de textos científicos e de divulgação científica — interconectam-se na pesquisa científica e na comunidade acadêmica, desempenhando papéis relevantes na produção e disseminação do conhecimento científico. Inegável, certamente, que tenham contribuído para a educação científica dos estudantes. Entretanto, nas situações analisadas, são evidências de alfabetização científica, uma vez que os textos e as atividades oportunizaram aos aprendizes (re)conhecerem informações e valores de natureza científica; referem-se, portanto, a um “saber sobre”.
ALGUMAS PROBLEMATIZAÇÕES PROPOSITIVAS
A pesquisa realizada representa um universo particular, situado, mas inegavelmente representativo de modos de produção dos discursos acadêmicos e científicos em contexto pedagógico, relativamente a disciplinas dedicadas a esse tipo de formação no campo da linguagem. O que se nos apresenta é uma pedagogização do letramento acadêmico que trabalha ainda de modo compartimentado e sequenciado em relação ao letramento científico: num primeiro momento, o enfoque mais concentrado nas estruturas linguístico-textuais e nos formatos padronizados que se esperam reproduzidos; num segundo momento, seja ao longo ou ao final do curso, a prática investigativa, registrada e estruturada nos moldes apreendidos.
Entretanto, diante da assunção de uma linguagem que não é neutra e em um momento em que têm prevalecido discursos em prol de uma formação crítica, cidadã e autoral, seriam importantes algumas reconfigurações em prol de um letramento acadêmico também comprometido com relações de poder, formação identitária e construção de sentidos. É nessa direção que ele se articula mais profundamente com o letramento científico e ajuda na promoção de uma educação científica mais irrestrita. Desse modo, a formação iria ao encontro do que propõem Lea e Street (1998)LEA, M. R.; STREET, B. (1998). Student writing in higher education: an academic literacies approach. Studies in Higher Education, v. 23, n. 2, p. 157-270, jun. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/332725675_Student_Writing_in_Higher_Education. Acesso em: 16 out. 2023.
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, conferindo-se maior significado social para a disciplina e os conteúdos aprendidos, de modo a se extrapolar a aquisição de habilidades e a socialização apenas no cenário do componente curricular.
Para tanto, é preciso se imprimir uma escrita acadêmica como prática social e autoral, no sentido mais amplo que aquele relacionado ao contexto de sala de aula e seus implicadores. Isso convoca a se pensar a que e a quem servem de fato os gêneros que, principalmente, ensinamos a construir e qual o perfil do estudante que pretendemos formar nos cursos de graduação. Para operacionalização dessa proposta, a construção de um projeto científico desde o início da abordagem da escrita acadêmica no cenário institucional dá sentido, por exemplo, a fichamentos, resumos e listas de referências. Nesse formato, estes textos seriam realmente retomados em algum momento mais autoral. Pensando-se mais amplamente o contexto do ProFis, isso implicaria a articulação dos planejamentos e dos trabalhos das disciplinas que encaminham para a iniciação científica no contexto do programa.
Considerando-se mais particularmente o contexto das disciplinas dedicadas à educação linguística — nesse caso, Leitura e Produção de Texto I e II —, o ProFis é um território bastante favorável para se apresentar a existência de ciências da linguagem, bem como para se fortalecer o seu reconhecimento como tal. As próprias atividades diagnósticas, por exemplo, podem encaminhar para a desconstrução de visões que relacionam as ciências diretamente (ou tão somente) ao campo das Ciências Naturais (Santos, 2010SANTOS, B. S. (2010). Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. (org.). Epistemologias do sul. São Paulo: Editora Cortez. p. 31-83.; Silva et al., 2018a;SANTOS, B. S. (2010). Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. (org.). Epistemologias do sul. São Paulo: Editora Cortez. p. 31-83. 2018b)SILVA, W. R; MARTINS, R. G.; REIS, A. P.; SANTANA, B. R.; SILVEIRA, R. A.; SANTOS, E. M.; SOUSA, M. S. C.; SANTOS, F. C. Compreensão de ciências por professores em formação inicial. Raído, v. 12, n. 30, p. 35-53, 2018b. Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/Wagner-R-Silva/publication/331141631_Compreensao_de_ciencia_por_professores_em_formacao_inicial/links/5c67605f4585156b57fff2d0/Compreensao-de-ciencia-por-professores-em-formacao-inicial.pdf. Acesso em: 2 nov. 2023.
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Diante disso, a leitura de artigos científicos ou de divulgação científica de pesquisas na área dos estudos da linguagem são um importante meio para se apresentá-la e para mobilizar interesses por ela. Além disso, é possível que se proponham e desenvolvam projetos informados pela escrita que levem a se pensar a língua cientificamente. Essa é, ainda, uma abordagem que pode contribuir com a solução de problemas sociocientíficos, já que a divulgação de fatos linguísticos ajuda a romper com desinformação e preconceito.
No que diz respeito à formação identitária dos estudantes — principalmente com a particularidade de um programa em que se pretende a compreensão da ciência e a abordagem de problemas científicos (Andrade et. al, 2012ANDRADE C. et al. (2012). Programa de Formação Interdisciplinar Superior: um novo caminho para a educação superior. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 93, n. 235, p. 698-719, set./dez. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbeped/a/Jg4hqs5Vk5SHZhXxcgsFvnh/abstract/?lang=pt#. Acesso em: 1 nov. 2023.
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) —, trabalhar a educação científica imbuída de letramento imprime-lhes a percepção de que também podem agir socialmente no mundo por meio da pesquisa e da construção de conhecimentos (Demo 2006DEMO, P. (2006). Pesquisa: princípio científico e educativo. 12. ed. São Paulo: Cortez.; 2015DEMO, P. (2015). Aprender como autor. São Paulo: Atlas.). Essa compreensão dá empoderamento; pode auxiliar os estudantes a identificarem usos e abusos das ciências para interesses de grupos diversos. Daí a importância de o conjunto de textos a serem lidos também se constituírem de relatos de pesquisas que sejam fruto do fazer científico em cursos graduação. Isso lhes reforça a ideia do pertencimento legítimo e auxilia na desconstrução de representações restritas de ciências e cientistas.
Sabemos que são desconstruções desafiadoras. Mas são necessárias diante da importância da perspectiva de um modelo de letramento acadêmico e científico pelo viés da LA.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Iniciamos este trabalho recobrando os anseios por um processo de ensino-aprendizagem mais significativo, porque mais próximo dos usos da língua como prática social para além dos espaços formais de educação. Direcionamos essas perspectivas em defesa de uma educação científica mediada por práticas de letramento acadêmico, no contexto de formação inicial no ensino superior.
Na perspectiva da LA, educação científica é um conceito que emerge das ciências naturais, composta de alfabetização e letramento científicos. Em sua integralidade, consiste em oportunizar, em contextos de instrução, o acesso a conhecimentos, princípios e valores de natureza científica, bem como também o envolvimento prático com processos de investigação, em atendimento a demandas sociocientíficas. Trata-se de uma abordagem metodológica que favorece, portanto, a instrução científica, autoral, bem como a prática de escrita acadêmica alinhada à dinâmica interativa da linguagem.
Em busca de evidências de educação científica num contexto situado de formação, a partir das abordagens de uma disciplina de natureza linguística dedicada ao letramento acadêmico de estudantes recém-ingressos na universidade, identificamos a prevalência de atividades que apontam para práticas de alfabetização científica; há, ainda, práticas de letramento acadêmico que ainda não se articulam ao letramento científico. Tal cenário pode contribuir para que se veja a escrita acadêmica como uma abstração, uma preocupação posterior ou um conhecimento alheio.
Reiteramos, assim, a relevância de uma abordagem mais funcional e significativa do letramento acadêmico, mas sem perder de vista as questões formais de estrutura e normatização. Ademais, destacamos a necessidade de uma educação científica que também contribua para dar visibilidade a áreas menos prestigiadas como campos de investigação científica, e que contribua, portanto, para aproximar dos cidadãos comuns a diversidade de atividades constitutivas do trabalho complexo realizado por cientistas, possibilitando inclusive a compreensão da responsabilidade social constitutiva das ciências.
AGRADECIMENTOS
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela Bolsa de Produtividade em Pesquisa concedida ao segundo autor e por financiar o projeto proposto sob o número processual 404390/2021-8.
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1
O estudo é parte de um projeto de abrangência nacional, intitulado “Exploração técnico-científica e pedagógica de corpora linguísticos no ensino da escrita na universidade”, registrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) sob o número 404390/2021-8 (Edital CNPq/MCTI/FNDCT nº18/2021 – Universal Faixa B – Grupos Consolidados), sob a coordenação da proponente, professora Dra. Inês Signorini, docente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), instituição em que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) em 2018 (Parecer nº 2.920.418).
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2
As ciências se configuram como um dos pilares da academia; desse modo, há inter-relações entre o que assumimos como letramento acadêmico e letramento científico. Entretanto, considerando-se o nosso enfoque neste último, há distinções que vemos como relevantes no contexto deste estudo, haja vista que ambos os tipos de letramentos podem focalizar competências específicas, conforme discutimos em seção à frente neste artigo.
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3
Conforme Silva e Mendes (2023, p. 164)SANTOS, B. S. (2010). Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. (org.). Epistemologias do sul. São Paulo: Editora Cortez. p. 31-83., os saberes comunitários “são reproduzidos na comunidade por diferentes gerações. São gerados espontaneamente por grupos organizados ou coletivos, a partir da observação atenta do próprio entorno. Esses saberes orientam as práticas locais de sobrevivência e não estão condicionados ao nível de escolarização dos membros da comunidade, diferentemente dos científicos”.
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4
Sobre o desalinhamento entre políticas de estado e orientações científicas, recomendamos a leitura do Dossiê Especial Discursos Fascistas: enfretamento, resistência e combate na/pela língua(gem), no volume 15, número 4, da Revista X. Fonte: https://revistas.ufpr.br/revistax/issue/view/3023. Acesso em: 28 nov. 2023.
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5
Conforme listado em https://www.prg.unicamp.br/curso-profis/#ancora5. Acesso em: 28 nov. 2023.
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6
Denominamos como atividades mediadoras do processo de aprendizagem aquelas aplicadas ao longo da formação no componente curricular, com vistas a promover ou facilitar a aquisição e construção de conhecimentos, bem como o desenvolvimento de habilidades por parte do estudante. Diferenciam-se, portanto, das atividades diagnosticas, projetadas para diagnosticar dificuldades, necessidades, conhecimentos, habilidades e competências dos estudantes j á no início da formação. Também se distinguem das avaliações classificatórias, cujo fim principal é atribuir nota com base no desempenho dos estudantes, considerando, para tanto, critérios predefinidos.
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7
Denominamos “textos de divulgação científica” aqueles cujo propósito tenha sido divulgar informações relativas a práticas e resultados de pesquisa científica (Cortina, 2020CORTINA, A. (2020). Textos de divulgação científica: análise de duas reportagens sobre agrotóxicos. Alfa: Revista de Linguística, São José do Rio Preto [online], v. 64. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-5794-e11949. Acesso em: 27 dez. 2023.
https://doi.org/10.1590/1981-5794-e11949... ), mas com vistas a tornar o conhecimento científico acessível e relevante para um público amplo e não especialista. Para isso, tais textos empregaram uma linguagem menos técnica, didática, de modo a tornar o conteúdo atraente e compreensível. -
8
O que não foi o caso das resenhas lidas, uma vez que estas focalizavam produtos culturais como conteúdos (literatura best seller, filme, show). Visavam, portanto, a um público geral interessado em entretenimento, alinhando-se à resenha como gênero jornalístico, não caracteristicamente de caráter acadêmico e de apoio a práticas de estudo e pesquisa. Também foi excluído o conto e a animação cinematográfica, já que tanto o conteúdo como as atividades propostas a partir deles não se caracterizaram como sendo de teor científico.
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9
Integral ou parcialmente, as atividades diagnósticas seguiram a um padrão de questões, sendo aplicadas em todos os períodos contemplados pelo ProCorp, o que, na ausência de acesso ao material elaborado pelo professor e apresentado aos estudantes, foi confirmado pelo corpus de aprendizes
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DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISAOs dados examinados estão armazenados em drive compartilhado apenas com os pesquisadores vinculados ao projeto. Havendo interesse em ter acesso a eles, contatar os autores pelos e-mails registrados.
REFERÊNCIAS
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Jul 2024 -
Data do Fascículo
May-Aug 2024
Histórico
-
Recebido
02 Jan 2024 -
Aceito
17 Maio 2024 -
Publicado
21 Maio 2024