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Demanda por ovos produzidos em sistemas livres de gaiolas: motivação, estratégias e estruturas de governança

Demand for eggs produced in cage-free systems: motivation, strategies and governance structures

Resumos

Resumo

Objetivou-se investigar os fatores que geram demanda de empresas alimentícias por ovos produzidos com nível mais elevado de bem-estar animal e como essa transição interfere na configuração das estruturas de governança do sistema agroindustrial de ovos. Os dados foram obtidos de uma empresa multinacional do ramo de massas, molhos e biscoitos por meio de um estudo de caso, em que foi aplicado questionário eletrônico, tendo, posteriormente, sido analisados e interpretados. A motivação da empresa para exigir ovos produzidos com mais grau de bem-estar animal foi mantê-la competitiva no mercado. Desta forma, esperam-se mudanças na especificidade dos ativos e nas incertezas, mantendo-se a frequência das transações. Os pressupostos comportamentais continuarão presentes e o ambiente institucional tende a se caracterizar por mais valorização pela sociedade da ética e do bem-estar na produção animal.

Palavras-chave:
bem-estar; custos; mercado; nova economia institucional; postura


Abstract

This research aimed to investigate the factors that generate demand from food companies for eggs produced with a better level of animal welfare, and how this transition interferes in shaping the governance structures of the industry. The data were obtained in a case study with a multinational company in the business of pasta, sauces, and biscuits, using a questionnaire. Later they were analyzed and interpreted. The company's motivation to demand eggs produced with a higher degree of animal welfare was to remain competitive in the market. It is expected that there will be changes in the specificity of assets and in uncertainties, keeping the frequency of transactions. The behavioral assumptions will continue to be present and the institutional environment tends to be characterized by a greater appreciation by the society of ethics and welfare in animal production.

Keywords:
welfare; transaction costs; market; new institutional economy; layer poultry


1. Introdução

Nos últimos anos, o consumo de ovos vem aumentando no Brasil, tendo chegado a 230 ovos/habitante/ano em 2019, de acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal (2020)Associação Brasileira de Proteína Animal – ABPA. (2020). Relatório anual da ABPA 2020. São Paulo: ABPA.. A produção de ovos brasileira é destinada quase exclusivamente ao mercado interno, com 99,6% dos ovos sendo comercializados dentro do Brasil, tendo essa produção sido um total de 49 bilhões de ovos em 2019 (Associação Brasileira de Proteína Animal, 2020Associação Brasileira de Proteína Animal – ABPA. (2020). Relatório anual da ABPA 2020. São Paulo: ABPA.).

Nos sistemas de produção de ovos brasileiros são basicamente utilizadas gaiolas para alojamento das aves, nas quais se utiliza um elevado número de galinhas por gaiola, sendo o espaço médio adotado no país para cada ave de 550 cm2 (Mazzuco, 2006Mazzuco, H. (2006). Bem-estar na avicultura de postura comercial: sob a ótica científica. Avicultura industrial, 1, 18-25.). Esse tipo de sistema vem recebendo ao longo do tempo muitas críticas, em relação ao bem-estar das aves alojadas, em razão, principalmente, da restrição de seu comportamento natural (Alves, 2006Alves, S. P. (2006). Uso da zootecnia de precisão na avaliação do bem-estar bioclimático de aves poedeiras em diferentes sistemas de criação (Tese de doutorado). Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo.).

As mudanças produtivas necessárias para a oferta desse produto originado de tecnologia diferenciada podem impactar a atual configuração das estruturas de governança do setor de ovos. Isto é plausível, por exemplo, por incorrer em aumento de especificidade dos ativos e por demonstrar mudanças no ambiente institucional, com transformações na cultura dos consumidores que passam a demandar tratamento ético das aves e pela iminência de alterações na legislação, para garantir melhor qualidade de vida aos animais, como já ocorre para outras espécies e em diversos países.

Segundo a Teoria dos Custos de Transação, as formas de governança entre os agentes produtores são condicionadas pelas características das transações (incerteza, especificidade de ativos, frequência), pelos pressupostos comportamentais (racionalidade limitada e oportunismo) e pelo ambiente institucional (cultura, leis, tradições), buscando minimizar os custos de transação. Assim, mudanças no ambiente institucional e nos custos de transação podem motivar modificações nos modelos de organização das instituições e nas formas de governança, para minimizar os custos nas novas condições. Na última década, tem-se observado uma mudança nos critérios adotados pelos consumidores para a escolha e a aquisição de ovos, com crescente importância do bem-estar das aves como critério de compra (Mazzuco, 2008Mazzuco, H. (2008). Ações sustentáveis na produção de ovos. Revista Brasileira de Zootecnia, 37(spe), 230-238.).

Diante desse cenário, este trabalho se propôs a responder às seguintes perguntas: o que leva uma empresa de produtos alimentícios a exigir ovos produzidos em sistemas livres de gaiolas em vez de ovos comuns? Porventura, alterações nessas características das transações e do ambiente institucional decorrentes da transição de ovos comuns para aqueles produzidos com nível mais elevado de bem-estar animal podem causar mudanças significativas na estrutura de governança do sistema agroindustrial de ovos?

2. Fundamentação teórica

2.1 Sistemas de produção de ovos e bem-estar animal

A avicultura de postura brasileira é baseada quase totalmente no confinamento em gaiolas de aves selecionadas para a produção de ovos em ambientes controlados. Segundo Hunton (1995)Hunton, P. (1995). Egg production, processing and marketing. In Poultry science (pp. 457-480). Amsterdam: Elsevier., o alojamento em gaiolas permitiu mais controle sobre a produção, o manejo e a sanidade das aves, facilitando a distribuição de ração e diminuindo gastos com mão de obra. O adensamento da produção é extensamente utilizado para elevar o número de aves alojadas em um mesmo espaço e, com isso, obter aumento na produtividade e diminuição de custos (Augusto, 2007Augusto, K. V. Z. (2007). Caracterização quantitativa e qualitativa dos resíduos em sistemas de produção de ovos: compostagem e biodigestão anaeróbia (Dissertação de mestrado). Faculdade de Ciências Agrárias, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita”, Jaboticabal.).

Esse sistema é amplamente criticado principalmente pela alta densidade de alojamento das aves. A ausência de condições semelhantes ao ambiente natural, como ninho, cama, poleiro e espaço, para que a ave se movimente normalmente e possa expressar comportamentos naturais, compromete o bem-estar e causa problemas de patas, excesso de crescimento de unhas e fragilidade na ossatura (Tauson, 2005Tauson, R. (2005). Management and housing systems for layers-effects on welfare and production. World’s Poultry Science Journal, 61(3), 477-490. http://dx.doi.org/10.1079/WPS200569
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). Existem alternativas para a produção de ovos que não utilizam gaiolas, como a criação em piso com cama e a criação orgânica (Alves, 2006Alves, S. P. (2006). Uso da zootecnia de precisão na avaliação do bem-estar bioclimático de aves poedeiras em diferentes sistemas de criação (Tese de doutorado). Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo.). Molento (2005)Molento, C. F. M. (2005). Bem-estar e produção animal: aspectos econômicos. Revisão. Archives of Veterinary Science, 10(1), 1-11. http://dx.doi.org/10.5380/avs.v10i1.4078
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ressalta que a conversão da produção animal brasileira para os mais altos padrões de bem-estar animal é um processo inevitável, mesmo com indefinições acerca da forma e do ritmo com que essas transformações se desenvolvem. A pressão de um número crescente de organizações não governamentais sensibilizou a opinião pública em muitos países para esse aspecto, o que originou progressos legislativos consideráveis (Alves, 2006Alves, S. P. (2006). Uso da zootecnia de precisão na avaliação do bem-estar bioclimático de aves poedeiras em diferentes sistemas de criação (Tese de doutorado). Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo.).

Segundo Silva & Miranda (2009)Silva, I. J. O., & Miranda, K. O. S. (2009). Impactos do bem-estar na produção de ovos. São Paulo., essa pressão obteve mais impacto na União Europeia, onde existe a diretiva 1999/74/CE (European Union, 1999European Union. Comission of the European Communities. (1999). Council Directive 99/74/EC: laying down minimum standarts for the protections of laying hens, OJ L 203:53. Official Journal of the European Communities.) que estabelece regras mínimas para a proteção de aves poedeiras em sistemas de produção. De acordo com essa diretiva, a criação de poedeiras em gaiolas seria permitida até 2012. No Brasil, não existe ainda uma legislação específica contra o uso de gaiolas de bateria na avicultura.

O processo de modificar os sistemas de produção em prol do melhor bem-estar animal gera aumento dos custos para os produtores, estimados em cerca de 10% (Schwartz, 2014Schwartz, F. F. (2014). Bem-estar de poedeiras: caminhos a serem percorridos (Boletim Apamvet). Recuperado em 4 de julho de 2018, de http://www.apamvet.com/boletim13.pdf
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). Acredita-se que esses custos podem ser recuperados, em partes, graças à importância dada pelos consumidores ao assunto e, portanto, pela agregação de valor ao produto (Alves, 2006Alves, S. P. (2006). Uso da zootecnia de precisão na avaliação do bem-estar bioclimático de aves poedeiras em diferentes sistemas de criação (Tese de doutorado). Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo.; Schwartz & Gameiro, 2017Schwartz, F. F., & Gameiro, A. H. (2017). Análise de custo-benefício de sistema de produção de ovos em gaiolas (em bateria) e sem gaiolas (caipira) nos estados de São Paulo e Paraná. Empreendedorismo. Gestão e Negócios, 6(6), 132-147.).

2.2 Estruturas de governança e seus condicionantes

A Nova Economia Institucional (NEI) é um ramo da Economia que busca combinar contribuições de diferentes disciplinas para explicar a natureza, o funcionamento e a evolução das instituições. Uma das principais contribuições dessa escola é a Teoria dos Custos de Transação (TCT), cujo objetivo essencial é entender os custos de transação como geradores dos modelos de organização do sistema produtivo, inserido em uma estrutura analítica institucional. Entende-se por transação a operação de negociação do direito de propriedade (Zylbersztajn, 1995Zylbersztajn, D. (1995). Estruturas de governança e coordenação do agribusiness: uma aplicação da nova economia das instituições (Tese de livre docente).).

Segundo Williamson (1993)Williamson, O. (1993). Transaction cost economics and organizational theory. Journal of Industrial and Corporate Change, 2(2), 107-156., uma das hipóteses fundamentais da TCT é que as transações e os custos a ela associados definem diferentes modos institucionais de organização das atividades econômicas. O ponto chave da organização da economia, segundo essa teoria, é diminuir os custos de produção e transação, sendo estes inerentes à utilização do sistema econômico (Arrow, 1969Arrow, K. J. (1969). The organization of economic activity: issues pertinent to the choice of market versus nonmarket allocation. In The analysis and evaluation of public expenditure: the PPB system (pp. 59-73).). Assim, é necessário esclarecer como se dá a transação e qual é o comportamento dos agentes que transacionam, para minimizar os custos da transação e promover o equilíbrio econômico (Thielmann, 2013Thielmann, R. (2013). A teoria dos custos de transação e as estruturas de governança: Uma análise do caso do setor de suinocultura no Vale do Rio Piranga - MG. In X Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia.).

Os custos de transação são determinados pelas três características das transações: i) incertezas relacionadas ao processo de transacionar; ii) grau de especificidade dos ativos; iii) frequência das operações realizadas. A incerteza é entendida como a incapacidade de identificar a totalidade de aspectos relevantes que podem ocorrer e vir a afetar uma transação. O grau de especificidade dos ativos compreende os custos relativos à impossibilidade de utilizar um certo tipo de ativo em outras transações. Quanto maior a especificidade do ativo, mais elevados serão os custos de transação via mercado. A frequência define se as transações são rotineiras ou isoladas, sem serem repetidas.

Há, ainda, dois pressupostos comportamentais básicos relacionados aos custos de transação, que são a racionalidade limitada e a existência do oportunismo. Entende-se por racionalidade limitada a falta de capacidade do comportamento humano de entender todos os aspectos que existem em uma transação (Thielmann, 2013Thielmann, R. (2013). A teoria dos custos de transação e as estruturas de governança: Uma análise do caso do setor de suinocultura no Vale do Rio Piranga - MG. In X Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia.). O oportunismo reconhece que os agentes não buscam apenas interesses pessoais, mas também burlam por meio da manutenção de informações privilegiadas e rompem contratos com a intenção de se apropriar das rendas inerentes àquela transação, quebrando códigos de ética (Zylbersztajn, 2000Zylbersztajn, D. (2000). Conceitos gerais, evolução e apresentação do sistema agroindustrial. In Economia e gestão dos negócios agroalimentares: indústria de alimentos, indústria de insumos, produção agropecuária, distribuição.).

Segundo Zylbersztajn (1995)Zylbersztajn, D. (1995). Estruturas de governança e coordenação do agribusiness: uma aplicação da nova economia das instituições (Tese de livre docente)., características básicas das transações (especificidade, risco e frequência), pressupostos comportamentais (oportunismo e racionalidade limitada) e o ambiente institucional (leis, tradições, cultura, entre outros) são os condicionantes que definem as formas de governança mais adequadas a cada situação para minimizar os custos de transação.

A estrutura de governança é a forma de organização do sistema produtivo, entendida como o universo onde a integridade contratual e comercial é mantida. Três modelos básicos de estruturas de governança são encontrados, os quais variam em sua forma e existem por diversos motivos: mercados, hierarquias e estruturas híbridas. Diferenciam-se por quatro aspectos, sendo a intensidade de estímulos, os controles administrativos, a adaptação e o direito de contratos (Williamson, 1993Williamson, O. (1993). Transaction cost economics and organizational theory. Journal of Industrial and Corporate Change, 2(2), 107-156.).

Segundo Zylbersztajn (1995)Zylbersztajn, D. (1995). Estruturas de governança e coordenação do agribusiness: uma aplicação da nova economia das instituições (Tese de livre docente)., o mercado é tipicamente definido por alto grau de incentivo aos agentes envolvidos na transação, mas, quando em ambiente adverso, sua adaptabilidade pode ser menos eficiente. Estruturas híbridas têm por objetivo manter a autonomia, garantindo os incentivos. São um tipo de governança especializada em atender à dependência bilateral sem promover integração (Thielmann, 2013Thielmann, R. (2013). A teoria dos custos de transação e as estruturas de governança: Uma análise do caso do setor de suinocultura no Vale do Rio Piranga - MG. In X Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia.). A verticalização ou a hierarquia perde o incentivo, arcando com todos os controles da operação. Tem vantagem quando em ambientes altamente mutáveis, com mais flexibilidade para realizar adaptações (Zylbersztajn, 1995Zylbersztajn, D. (1995). Estruturas de governança e coordenação do agribusiness: uma aplicação da nova economia das instituições (Tese de livre docente).).

Aumento no grau de especificidade do produto e elevada frequência levam a uma dependência bilateral entre compradores e vendedores, o que acarreta a utilização de formas de integração com arranjos contratuais de longo prazo (Thielmann, 2013Thielmann, R. (2013). A teoria dos custos de transação e as estruturas de governança: Uma análise do caso do setor de suinocultura no Vale do Rio Piranga - MG. In X Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia.). Apesar da sólida base teórica sobre a NEI e a TCT, a literatura é escassa na aplicação desses conceitos aos impactos das novas demandas por bem-estar animal nas estruturas de governança. Trabalhos como os de Caleman et al. (2008)Caleman, S. M. D. Q., Sproesser, R. L., & Zylbersztajn, D. (2008). Custos de mensuração e governança no agronegócio: um estudo de casos múltiplos no Sistema Agroindustrial da carne bovina. Organizações Rurais e Agroindustriais, 10, 359-375. http://dx.doi.org/10.22004/ag.econ.61712
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e Thielmann (2013)Thielmann, R. (2013). A teoria dos custos de transação e as estruturas de governança: Uma análise do caso do setor de suinocultura no Vale do Rio Piranga - MG. In X Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia. tratam das estruturas de governança e fatores que as influenciam no agronegócio brasileiro de carnes bovina e suína, mas não se referem especificamente à questão da demanda por bem-estar animal. Fiuza Sobrinho (2010)Fiuza Sobrinho, R. (2010). Competitividade na cadeia de valor da avicultura de corte (Dissertação de mestrado). Universidade Estadual do Oeste do Parana, Toledo. analisaram questões relativas às estruturas de governança na avicultura de corte brasileira, também sem se ater ao bem-estar. Já Sugano (1999)Sugano, J. Y. (1999). Estrutura de governança, coordenação e aprendizado tecnológico na cadeia agroindustrial do ovo de Bastos-SP (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Lavras. e Mizumoto (2004)Mizumoto, F. M. (2004). Estratégias nos canais de distribuição de ovos: análise dos arranjos institucionais simultâneos (Dissertação de mestrado). Universidade de São Paulo. estudaram transações, contratos e estruturas de governança da cadeia do ovo, porém sem considerar essa exigência emergente.

A literatura é escassa a respeito de trabalhos que investiguem a influência da diferenciação de produtos agropecuários em relação ao bem-estar animal sobre os condicionantes das estruturas de governança. Em Gameiro & Raineri (2014)Gameiro, A. H., & Raineri, C. (2014). O bem-estar animal e uma integração teórica para sua compreensão no contexto dos sistemas agroindustriais. Empreendedorismo. Gestão e Negócios, 3(3), 49-66., é apresentada a hipótese de que o aumento da especificidade dos ativos relacionados a produtos diferenciados em bem-estar animal pode elevar os custos de transação, fazendo a governança via mercado falhar enquanto alocadora ótima de recursos.

Diante disto, este trabalho se propõe a responder às seguintes perguntas: i) o que leva as empresas de alimentos humanos no Brasil a passar a exigir ovos produzidos em sistemas livres de gaiolas em vez de ovos comuns?; ii) Esta nova demanda altera as características das transações, o ambiente institucional e os pressupostos comportamentais, que condicionam a estrutura de governança do mercado de ovos?; iii) Tais alterações, se ocorrerem, são suficientes para causar mudanças nas estruturas de governança do sistema agroindustrial de ovos?

3. Materiais e métodos

Este trabalho realizou um estudo de caso com o objetivo de investigar fatores que levam ao surgimento da demanda de uma indústria de alimentação humana por ovos produzidos com melhor nível de bem-estar animal e de que forma essa transição pode interferir na configuração das estruturas de governança do setor. A escolha da indústria foi pela atuação num cenário onde há pressão pela adoção de medidas de bem-estar animal.

O trabalho foi executado em quatro etapas. A primeira consistiu no levantamento de empresas de alimentos humanos no Brasil que estão em transição no sentido de passar a exigir ovos produzidos livres de gaiolas de seus fornecedores. No segundo passo, essas organizações foram contatadas e convidadas para participar da pesquisa, tendo ocorrido a seleção da empresa participante. A terceira etapa incluiu a elaboração de questionários e sua aplicação a essas empresas, e, por fim, no quarto passo, foram realizadas a análise e a interpretação qualitativa dos dados obtidos. O formato do questionário é apresentado no Anexo 1.

Inicialmente, foram realizados pesquisas de mercados, contatos com organizações não governamentais, associações de produtores e profissionais envolvidos com o agronegócio do ovo. Assim, foram identificadas 46 empresas de produtos alimentícios em processo de transição de utilização de ovos convencionais para ovos produzidos em sistemas livres de gaiolas.

Após essas empresas serem identificadas, a participante da pesquisa foi definida pelo método de amostragem não probabilística por julgamento, na qual o pesquisador seleciona os membros da população que acredita serem boas fontes de informação precisa (Oliveira et al., 2010Oliveira, B., Rocha Junior, C. M. J., & Bertechini, A. G. (2010). Práticas adotadas para reduzir o número de ovos de cama. Revista Nutritime, 7(5), 1332-1345.), considerando o interesse das empresas em participar da pesquisa.

Foi elaborado e aplicado por via eletrônica um questionário semiestruturado com perguntas predominantemente fechadas, abordando a caracterização da empresa respondente e seu segmento de atuação, bem como um roteiro para compreender as características das transações com fornecedores de ovos, do ambiente institucional e da estrutura de governança predominante no mercado de ovos antes e depois da mudança de perfil dos ovos adquiridos.

Os dados foram analisados de maneira interpretativa e comparativa (Merlo & Ceribeli, 2009Merlo, E. M., & Ceribeli, H. B. (2009). Um estudo multicasos do crescimento de duas empresas familiares de pequeno porte: pontos de alavancagem, limitantes e obstáculos. Integração, (15), 313-119.), para possibilitar o cruzamento das informações entre os diferentes segmentos dos sistemas agroindustriais em relação à caracterização da cadeia produtiva e do ambiente organizacional.

4. Resultados e discussão

Foram analisadas informações obtidas de um questionário respondido por uma indústria de alimentos que atua no ramo de massas, molhos e biscoitos. Possui atuação global, concentrando as atividades, principalmente, na Europa, sendo 45% de sua produção destinada à Itália. Os outros 55% da produção da indústria são divididos entre União Europeia (31%), Américas do Norte, Central e do Sul e o restante, nas demais regiões do globo terrestre.

Atualmente, a empresa adquire 277 toneladas de ovos por ano no Brasil e pretende substituir totalmente a utilização de ovos vindos de sistemas de produção convencionais por ovos produzidos com alto grau de bem-estar, ou seja, produzidos em sistemas livres de gaiolas, até 2020.

A compra de ovos é feita diretamente dos produtores e também de indústrias processadoras de ovos, localizados, em sua maioria, na região oeste do estado de São Paulo, na cidade de Bastos. Há fornecedores também nas regiões próximas da capital do estado de São Paulo e da cidade de Campinas. Mesmo com a mudança das características dos ovos comprados, a empresa não pretende alterar a região de compra. Atualmente, a aquisição de ovos é realizada mensalmente pela empresa, que não pretende alterar essa frequência de transações com a mudança por aves produzidas em sistemas cage free.

A empresa não espera que os fornecedores atuais sejam capazes de suprir a demanda de ovos produzidos em sistemas livres de gaiolas após a transição total da empresa, porém há a expectativa de que esses fornecedores também mudem seus sistemas para se adequar à nova demanda. Por outro lado, Lagatta & Gameiro (2017)Lagatta, L., & Gameiro, A. H. (2017). Costs of biosecurity measures in Brazilian laying hens farms in response to policies against Avian Influenza, Newcastle Disease and Salmonellosis. Revista Brasileira de Saúde e Produção Animal, 18(2), 231-238. http://dx.doi.org/10.1590/s1519-99402017000200002
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entrevistaram 28 estabelecimentos produtores de ovos do interior do estado de São Paulo e todos os proprietários afirmaram que não adequariam suas instalações às normas de bem-estar estabelecidas na Diretiva no 74, de 1999, da União Europeia, a menos que se estabelecesse algum tipo de bônus sobre a venda do produto.

A empresa estudada adotará a certificação dos sistemas de origem dos ovos provenientes de sistemas livres de gaiolas mediante contratação do serviço da certificadora Certified Humane. Assim, buscará garantir a compra de produtos advindos de fornecedores que sigam as exigências de bem-estar desejadas. Essa certificação será essencial para a escolha dos fornecedores da empresa na nova etapa.

Segundo Gameiro & Raineri (2014)Gameiro, A. H., & Raineri, C. (2014). O bem-estar animal e uma integração teórica para sua compreensão no contexto dos sistemas agroindustriais. Empreendedorismo. Gestão e Negócios, 3(3), 49-66., a organização dos sistemas produtivos via certificação, por exemplo, é fundamental para garantir ao consumidor final acesso às informações relacionadas ao produto que são relevantes no momento da decisão de compra ou não de tal produto, principalmente quando características de qualidade não são levadas em conta para a escolha. Os mesmos autores afirmam que com a incorporação da certificação de qualidade em um sistema produtivo, ocorre diferenciação dos produtos, portanto aumenta a especificidade de ativos, e a utilização da estrutura de governança via mercado pode passar a não ser a mais indicada para a gestão desse sistema.

Na Tabela 1 estão relacionados aspectos sobre a motivação que levou a empresa a substituir os ovos utilizados na elaboração de seus produtos por aqueles produzidos em sistemas livres de gaiola, com mais grau de bem-estar animal. Nela constam também os níveis de importância atribuídos pelo pastifício a cada aspecto.

Tabela 1
Motivações da empresa para optar pela transição da utilização de ovos produzidos em sistemas convencionais para livres de gaiolas

A empresa entrevistada vê a possibilidade de desfrutar da utilização de ovos produzidos em sistemas com melhor bem-estar para fins de marketing como sendo de grande importância. Ao mesmo tempo, afirma que a decisão de se fazer tal transição sofreu pouca influência de demanda neste sentido por seus clientes atuais e alega que também a oportunidade de acessar novos mercados foi de reduzida importância para passar a optar por aves produzidas em sistemas cage free.

Segundo Faucitano (2000)Faucitano, L. (2000). Efeitos do manuseio pré-abate sobre o bem-estar e sua influência sobre a qualidade da carne. In Conferência Virtual Internacional sobre Qualidade da Carne Suína (Vol. 1, pp. 55-75)., diversos supermercados e frigoríficos passaram a utilizar estratégias de marketing relacionadas à importância da cadeia de produção de carne com o bem-estar. Essa atitude se configura na comercialização de produtos com apelo de mais saudáveis, seguros e de animais criados com bem-estar, criando o rótulo verde. Isto implica também a imposição de regras de bem-estar aos fornecedores como parte de suas relações contratuais. Assim como nas cadeias de carnes, essa estratégia tem sido utilizada para outros produtos alimentícios.

De acordo com Alencar Nääs (2008)Alencar Nääs, I. (2008). Princípios de bem-estar animal e sua aplicação na cadeia avícola. O Biológico, 70(2), 105-106. Recuperado em 3 de julho de 2018, de https://www.researchgate.net/profile/Raquel_Silva46/publication/312167929_PALESTRA_PRINCIPIOS_DE_BEMESTAR_ANIMAL_E_SUA_APLICACAO_NA_CADEIA_AVICOLA/links/5874230d08ae329d621d39ab.pdf
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, a visão da sociedade em torno do bem-estar animal está se alterando e houve aumento da preocupação com valores éticos que estão relacionados aos animais de produção de carne, leite e ovos. O fato de a empresa indicar reduzida importância de seus atuais consumidores pode estar relacionado ao tipo de nicho de mercado em que atua, já que estudos como o de Mesías et al. (2011)Mesías, F. J., Martínez‐Carrasco, F., Martínez, J. M., & Gaspar, P. (2011). Functional and organic eggs as an alternative to conventional production: a conjoint analysis of consumers’ preferences. Journal of the Science of Food and Agriculture, 91(3), 532-538. http://dx.doi.org/10.1002/jsfa.4217
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evidenciaram que os consumidores preferem ovos provenientes de criatórios que utilizam sistemas alternativos de produção, pois isso satisfaz suas crenças em torno do bem-estar animal ou porque tem em mente que esses ovos possuem menos teor de colesterol e gordura total. Um estudo realizado por Schwartz (2014)Schwartz, F. F. (2014). Bem-estar de poedeiras: caminhos a serem percorridos (Boletim Apamvet). Recuperado em 4 de julho de 2018, de http://www.apamvet.com/boletim13.pdf
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demonstrou que houve crescimento no volume de ovos comercializados e aumento nas vendas de ovos caipiras e orgânicos, comparando o primeiro semestre de 2013 e o mesmo período de 2012, em uma rede de supermercados brasileira. O crescimento em volume de ovos comercializados foi de 22% para ovos caipiras e 48% para ovos orgânicos, em contrapartida com queda de 8% para ovos comuns.

Assim, é possível que tal mudança na matéria-prima utilizada seja uma estratégia voltada não para expandir a cartela de clientes, mas para preparar a companhia para um futuro em que mais empresas adotem ovos produzidos em sistemas livres de gaiolas e, desta forma, não perca mercado. De acordo com Warriss (2000)Warriss, P. D. (2000). Meat science: an introductory text. New York: CABI Pub. Inc., os consumidores pretendem se alimentar de carnes com “qualidade ética”, ou seja, carne de animais que tenham sido alimentados, manejados e abatidos em sistemas preocupados com o bem-estar, sustentáveis e ambientalmente corretos. Os exemplos mais evidentes disso são a eliminação gradual em vários países das gaiolas de gestação na produção de suínos e das gaiolas de bateria na avicultura de postura.

Também o fato de desenvolver novas linhas de produtos não ter tido um papel importante para a decisão de adotar exclusivamente ovos cage free demonstra que a intenção não é diferenciar produtos para apenas nichos determinados, mas para todo o portfólio da empresa.

A preocupação ética da fabricante de massas com o bem-estar animal pode estar ligada ao colocado por Moraes & Benedicto (2003)Moraes, M., & Benedicto, G. C. (2003). Uma abordagem da importância da ética nas organizações. Cadernos da FACECA, 12(2), 5-11. em sua pesquisa. Segundo os autores, a ética tende a ser um diferencial no mercado profissional e empresarial, ligando a empresa à imagem de seus profissionais. A ética se baseia em normas de conduta dependentes das situações vividas atualmente. Com isso, envolve questões culturais à medida que vão se expandindo para novos mercados e localidades, deparando-se com costumes, pessoas, crenças e posturas morais e éticas diferentes. Com base nesse pensamento, entende-se que essa preocupação ética com o bem-estar poderá agregar valor não monetário à empresa graças ao seu diferencial, que é a não utilização de ovos produzidos em gaiolas.

De acordo com Schwartz & Gameiro (2017)Schwartz, F. F., & Gameiro, A. H. (2017). Análise de custo-benefício de sistema de produção de ovos em gaiolas (em bateria) e sem gaiolas (caipira) nos estados de São Paulo e Paraná. Empreendedorismo. Gestão e Negócios, 6(6), 132-147., o custo de produção dos ovos vermelhos produzidos em gaiolas foi 44% menor em relação aos ovos de mesma coloração produzidos em sistemas ditos caipiras, tendo encontrado valores de R$ 0,18 para unidade de ovos de gaiola e R$ 0,26 para ovos caipiras, em média. Em geral, produtores admitem que, em sistemas de produção que implementem mais graus de bem-estar para os animais, os custos de produção se apresentam mais elevados (Gameiro & Raineri, 2014Gameiro, A. H., & Raineri, C. (2014). O bem-estar animal e uma integração teórica para sua compreensão no contexto dos sistemas agroindustriais. Empreendedorismo. Gestão e Negócios, 3(3), 49-66.). Essas adequações na criação reduzem a intensificação da produção, direcionando-se para um nível inferior da relação entre intensificação e bem-estar. Nas diferentes espécies, ajustes necessários vão da redução da densidade populacional, maiores períodos de descanso entre partos, melhoras no bem-estar dos animais com menores tempos de transporte, tratamento e controle de doenças, eliminação de manejos como castração e desmame precoce. Causam efeitos financeiros no custo variável da produção pecuária, em que algumas entradas são diminuídas, como custo de alimentação, e outras são aumentadas, como custo com veterinário e mão de obra. Outro efeito é a redução da receita, pois o nível de produção adotará métodos menos intensivos (McInerney, 2004McInerney, J. (2004). Animal welfare, economics and policy: report on a study undertaken for the Farm & Animal Health Economics Division of Defra. (68 p.). London: Department for Environment Food & Rural Affairs.).

Apesar disso, o pastifício não tem a intenção de elevar o valor de venda de seus produtos, já que declara que esse fator não teve importância na motivação de mudança da empresa. Como discutido anteriormente, os únicos motivos que fariam os produtores converterem seus sistemas de produção para formas com melhor grau de bem-estar animal provavelmente seriam a bonificação da produção e/ou a imposição legal. Assim, é pouco provável que a empresa não planeje pagar ao produtor um valor mais elevado pelos ovos produzidos no novo sistema, sob pena de não encontrar fornecedores. Esse pensamento pode ser confirmado por Lagatta & Gameiro (2017)Lagatta, L., & Gameiro, A. H. (2017). Costs of biosecurity measures in Brazilian laying hens farms in response to policies against Avian Influenza, Newcastle Disease and Salmonellosis. Revista Brasileira de Saúde e Produção Animal, 18(2), 231-238. http://dx.doi.org/10.1590/s1519-99402017000200002
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que, entre os produtores entrevistados em um estudo feito na região da cidade de Limeira, estado de São Paulo, nenhum havia adequado as instalações para atender a tais normas nem possuíam condições para tal adequação.

Tendo em vista esse cenário, a informação sobre a manutenção dos preços dos seus produtos sugere novamente que a empresa encara a transição como uma necessidade, possivelmente para se manter competitiva no mercado futuramente.

A adequação à legislação vigente em outros países de atuação e a preparação para uma futura legislação brasileira sobre bem-estar animal foram apontadas pelo pastifício como fatores de alta importância na decisão de comprar apenas ovos produzidos em sistemas livres de gaiolas. Como tem atuação global, a empresa já enfrenta legislações de proteção aos animais em diversos países, como a Diretiva 1999/74/CE da União Europeia, que vigora em diversos países com a presença da empresa. Dado o Brasil ser um país com grande exportação de proteína animal e, mesmo assim, não possuir uma legislação específica para esse tema, esse cenário tende a mudar em razão da demanda do comércio exterior, principalmente daqueles países onde já existem leis relacionadas ao bem-estar animal (Alencar Nääs, 2008Alencar Nääs, I. (2008). Princípios de bem-estar animal e sua aplicação na cadeia avícola. O Biológico, 70(2), 105-106. Recuperado em 3 de julho de 2018, de https://www.researchgate.net/profile/Raquel_Silva46/publication/312167929_PALESTRA_PRINCIPIOS_DE_BEMESTAR_ANIMAL_E_SUA_APLICACAO_NA_CADEIA_AVICOLA/links/5874230d08ae329d621d39ab.pdf
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).

Segundo Zylbersztajn (1995)Zylbersztajn, D. (1995). Estruturas de governança e coordenação do agribusiness: uma aplicação da nova economia das instituições (Tese de livre docente)., a concorrência entre firmas que utilizam o mercado como estrutura de governança eleva o grau de diferenciação dos produtos. Com isso, espera-se que empresas que utilizem esse meio lancem mão dessa diferenciação. Porém, como relatado pela companhia, o desenvolvimento de novas linhas de produtos não tem importância para a empresa, a qual utilizou outros meios para superar essa competição no mercado.

Isso pode ser explicado com base no proposto por Gameiro & Raineri (2014)Gameiro, A. H., & Raineri, C. (2014). O bem-estar animal e uma integração teórica para sua compreensão no contexto dos sistemas agroindustriais. Empreendedorismo. Gestão e Negócios, 3(3), 49-66.: o ponto de acesso à informação em relação ao sistema de produção e o produto comercializado possui grande relevância para o funcionamento satisfatório dos mercados.

Apesar de ter tomado a decisão de utilizar exclusivamente ovos produzidos em sistemas livres de gaiolas em seus produtos, a empresa espera enfrentar desafios nesse processo de transição. Na Tabela 2 são apresentados aspectos apontados como dificuldades relacionadas à opção adotada.

Tabela 2
Dificuldades esperadas pela empresa em decorrência do processo de transição

De acordo com Schwartz (2014)Schwartz, F. F. (2014). Bem-estar de poedeiras: caminhos a serem percorridos (Boletim Apamvet). Recuperado em 4 de julho de 2018, de http://www.apamvet.com/boletim13.pdf
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, a modificação dos sistemas de produção para a melhora do bem-estar animal acarreta aumentos nos custos de produção para os produtores, estimados em torno de 10%. Seguindo esse mesmo pensamento no estudo de Lagatta & Gameiro (2017)Lagatta, L., & Gameiro, A. H. (2017). Costs of biosecurity measures in Brazilian laying hens farms in response to policies against Avian Influenza, Newcastle Disease and Salmonellosis. Revista Brasileira de Saúde e Produção Animal, 18(2), 231-238. http://dx.doi.org/10.1590/s1519-99402017000200002
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, observou-se que alguns produtores do interior do estado de São Paulo entrevistados acreditam que modificações nos sistemas de produção causarão impactos na cadeia produtora de ovos, entre eles o abandono da atividade e, especialmente, o aumento do custo de produção e do preço do ovo para o consumidor. Com isso, dá-se significância ao fato de a empresa ter extrema importância para o aumento dos custos. Ainda, seguindo essa mesma linha, Alves (2006)Alves, S. P. (2006). Uso da zootecnia de precisão na avaliação do bem-estar bioclimático de aves poedeiras em diferentes sistemas de criação (Tese de doutorado). Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo. e Schwartz & Gameiro (2017)Schwartz, F. F., & Gameiro, A. H. (2017). Análise de custo-benefício de sistema de produção de ovos em gaiolas (em bateria) e sem gaiolas (caipira) nos estados de São Paulo e Paraná. Empreendedorismo. Gestão e Negócios, 6(6), 132-147. acreditam que esses custos mais elevados podem ser diminuídos, em parte, com a relevância dada pelo mercado consumidor ao tema e, com isso, pela agregação de valor ao produto final.

Segundo Kussano & Batalha (2012)Kussano, M. R., & Batalha, M. O. (2012). Custos logísticos agroindustriais: avaliação do escoamento da soja em grão do Mato Grosso para o mercado externo. Gestão & Produção, 19(3), 619-632. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-530X2012000300013
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, o custo do transporte rodoviário depende, em sua maioria, do preço do combustível e dos pedágios, os quais representam elevada parcela do custo de frete. Com isso, na Tabela 2, observa-se relação entre a dificuldade de encontrar fornecedores e aumento do preço no frete que a empresa considera de extrema importância. Pela complicação de encontrar fornecedores, a empresa terá de buscá-los em outras regiões, aumentando a distância do frete e o consumo de combustível.

Fica evidente a preocupação da empresa com a insegurança quanto à sanidade envolvida no novo sistema, tendo em vista que a opção escolhida foi de extrema importância. Isso reforça o que foi apresentado por Rodenburg et al. (2005)Rodenburg, T. B., Tuyttens, F. A., Sonck, B., De Reu, K., Herman, L., & Zoons, J. (2005). Welfare, health, and hygiene of laying hens housed in furnished cages and in alternative housing systems. Journal of Applied Animal Welfare Science, 8(3), 211-226. http://dx.doi.org/10.1207/s15327604jaws0803_5
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: os sistemas alternativos apresentam desvantagens em relação aos sistemas convencionais de criação em gaiolas, pois apresentam desafios sanitários mais elevados no ambiente e mais nível de poeira, afetando a segurança alimentar, em razão do índice maior de contaminantes na casca dos ovos postos no piso. A segurança dos ovos nos sistemas alternativos de produção de ovos tenderia a ser alterada química e microbiologicamente, em consequência da postura dos ovos ser realizada sobre a cama, com contato direto com esta e também com excretas (Saccomani, 2015Saccomani, A. P. D. O. (2015). Qualidade físico-química de ovos de poedeiras criadas em sistema convencional, cage-free e free-range (Dissertação de mestrado). Universidade Estadual Paulista, Nova Odessa, São Paulo.).

A empresa adota como estrutura de governança para a compra de ovos o mercado, já que não se utilizam contratos de compra nem venda com seus fornecedores. Porém, segundo Williamson (1993)Williamson, O. (1993). Transaction cost economics and organizational theory. Journal of Industrial and Corporate Change, 2(2), 107-156. com o aumento da especificidade dos ativos relacionados ao produto, o mercado tende a falhar enquanto bom alocador de recursos, em razão do aumento dos custos de transação. Portanto, tem-se necessidade de controlar mais diretamente o sistema produtivo, adotando outras formas de organização. De acordo com Sugano (1999)Sugano, J. Y. (1999). Estrutura de governança, coordenação e aprendizado tecnológico na cadeia agroindustrial do ovo de Bastos-SP (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Lavras., difícil estocagem, alta perecibilidade e inadimplência em conjunto com variações nos preços de mercado são apontadas como o grande gargalo da economia poedeira. Nesse mesmo estudo, o autor pontua que essas incertezas se refletem no modo de governança praticado pelo SAG de ovos da cidade de Bastos, estado de São Paulo, que se aproxima mais do tipo híbrido com termos de contratos do tipo neoclássicos. Ainda que a forma contratual adotada seja a neoclássica, não é acordado nenhum tipo de contrato formal entre os envolvidos, apenas são definidos acordos verbais.

A necessidade de serem feitos contratos bilaterais pelas empresas é levada pela especificidade de ativos (Nanka-Bruce, 2004Nanka-Bruce, D. (2004). From transaction cost economics to organization theory. Barcelona: Departament d’Economia de l’Empresa.). Com o aumento do grau de bem-estar exigido na compra dos ovos, aumentarão a especificidade dos ativos e a incerteza de compra. Tais variáveis são dois determinantes dos custos de transação e condicionantes das estruturas de governança e suas modificações se encaixam na tendência de adoção de outras estruturas além do mercado, podendo se encaixar estruturas híbridas e hierarquia. Como citado anteriormente em estudo de Sugano (1999)Sugano, J. Y. (1999). Estrutura de governança, coordenação e aprendizado tecnológico na cadeia agroindustrial do ovo de Bastos-SP (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Lavras., na cadeia de produção de galinhas poedeiras há tendência de se aproximar do modo híbrido de governança. Contudo, estruturas de governança baseadas na hierarquia são amplamente utilizadas na produção de frangos de corte, em que apresentam verticalização da produção.

Segundo a TCT, as formas de governança são condicionadas pelas características das transações (incerteza, especificidade de ativos, frequência), pelos pressupostos comportamentais (racionalidade limitada e oportunismo) e pelo ambiente institucional (cultura, leis, tradições), buscando minimizar os custos de transação. Assim, mudanças no ambiente institucional e nos custos de transação podem motivar modificações nos modelos de organização das instituições e nas formas de governança, para minimizar custos nas novas condições. A Tabela 3 apresenta um resumo elaborado com base em dados levantados no pastifício participante sobre o comportamento esperado dos condicionantes das formas de governança decorrentes da modificação na demanda de ovos.

Tabela 3
Comportamento esperado dos condicionantes das formas de governança em decorrência da nova demanda por ovos produzidos em sistemas livres de gaiolas

Segundo Williamson (1993)Williamson, O. (1993). Transaction cost economics and organizational theory. Journal of Industrial and Corporate Change, 2(2), 107-156., uma das hipóteses fundamentais da TCT é que as transações e os custos a elas associados definem diferentes modos institucionais de organização das atividades econômicas. O ponto chave da organização da economia, segundo essa teoria, é a diminuição dos custos de produção e de transação, sendo estes inerentes à utilização do sistema econômico (Arrow, 1969Arrow, K. J. (1969). The organization of economic activity: issues pertinent to the choice of market versus nonmarket allocation. In The analysis and evaluation of public expenditure: the PPB system (pp. 59-73).). Assim, é necessário esclarecer como se dá a transação e qual é o comportamento dos agentes que transacionam, para minimizar custos da transação e promover o equilíbrio econômico (Thielmann, 2013Thielmann, R. (2013). A teoria dos custos de transação e as estruturas de governança: Uma análise do caso do setor de suinocultura no Vale do Rio Piranga - MG. In X Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia.). Assim, espera-se que os custos de transação via mercado aumentem com a utilização de ovos produzidos em sistemas cage free, o que estimularia novos arranjos de governança.

Há, ainda, dois pressupostos comportamentais básicos relacionados aos custos de transação, que são a racionalidade limitada e a existência do oportunismo. Entende-se por racionalidade limitada a falta de capacidade do comportamento humano de entender todos os aspectos que existem em uma transação (Thielmann, 2013Thielmann, R. (2013). A teoria dos custos de transação e as estruturas de governança: Uma análise do caso do setor de suinocultura no Vale do Rio Piranga - MG. In X Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia.). O oportunismo reconhece que os agentes não buscam apenas interesses pessoais, mas também burlam por meio da manutenção de informações privilegiadas e rompem contratos com a intenção de se apropriar das rendas inerentes àquela transação, quebrando códigos de ética (Zylbersztajn, 2000Zylbersztajn, D. (2000). Conceitos gerais, evolução e apresentação do sistema agroindustrial. In Economia e gestão dos negócios agroalimentares: indústria de alimentos, indústria de insumos, produção agropecuária, distribuição.). Neste estudo, na transição, o uso de contratos deve reduzir o oportunismo, embora este esteja sempre presente, e a racionalidade limitada não se altera, pois é um pressuposto existente.

Assim, caso mais empresas de produtos alimentícios adotem as estratégias apresentadas pela participante da pesquisa, espera-se que ocorra uma mudança na estrutura de governança do setor de ovos brasileiro, com a adoção de estruturas híbridas em substituição à atual via mercado.

5. Conclusão

Pode-se concluir que as motivações que levaram a empresa a exigir ovos produzidos com mais grau de bem-estar animal foram manter sua competividade no mercado. No futuro, um maior número de empresas adotará as mesmas exigências em relação ao bem-estar animal, e também seguirá o valor ético adotado pela própria empresa. Com isso, a manutenção dos fornecedores atuais, a busca de novos fornecedores, o uso de ferramentas de certificação dos produtos e a utilização de contratos para compra de ovos serão estratégias adotadas pela empresa para a transição.

Em relação aos condicionantes das estruturas de governança, espera-se que ocorra aumento da especificidade dos ativos e das incertezas, mantendo-se a frequência das transações. Os pressupostos comportamentais se manterão presentes e o ambiente institucional tenderá a se caracterizar por mais valorização pela sociedade da ética e do bem-estar na produção animal. Com o aumento do número de empresas que adotarem essas exigências em relação à compra de ovos, a tendência é que as relações de governança entre compradores e fornecedores de ovos se alterarão para formas híbridas, deixando de ser apenas por via mercado.

Anexo 1. Questionário

1. Nome da empresa: ____________________________________________________________________

2. Atuação:

() Brasil () América Latina () Global

() Outro: ___________________________

3. Países ou continentes onde atua:

___________________________________________________________________________________

4. Em qual(ais) segmento(s) atua?

() Hoteleiro () Fast food () Restaurantes

() Alimentação corporativa () Indústria de alimentos

() Outro: __________________________________________________________________________

5. Qual é o volume de ovos adquirido por ano pela empresa? _____________________________________

6. A empresa pretende substituir total ou parcialmente os ovos convencionais por produzidos em sistemas livres de gaiolas?

() Totalmente () Parcialmente

Se “parcialmente”, por favor explique a proporção: _________________________________________________

I. Características das transações

7. Qual(ais) o(s) segmento(s) de atuação do(s) fornecedor(es) de ovos convencionais da empresa?

() Produtor () Processador () Distribuidor

() Indústria () Outro: __________________________________________

8. Espera-se que o(s) fornecedor(es) de ovos mude(m) após a transição para ovos produzidos em sistemas livres de gaiolas?

() Sim () Não

9. Espera-se que os fornecedores disponíveis atualmente no mercado sejam capazes de suprir a demanda por ovos produzidos em sistemas livres de gaiolas?

() Sim () Não

10. Espera-se que o segmento do(s) fornecedor(es) de ovos mude após a transição para ovos produzidos em sistemas livres de gaiolas?

() Sim () Não

Se “sim”, para qual segmento?

() Produtor () Processador () Distribuidor

() Indústria () Outro: __________________________________________

11. Qual(ais) a(s) região(ões) de origem dos atuais fornecedores de ovos convencionais? _________________________________________________________________________________

12. Espera-se que a(s) região(ões) de origem dos fornecedores de ovos produzidos livres de gaiolas seja(m) diferente(s)?

() Sim () Não

Se “sim”, onde se espera que estejam localizados os novos fornecedores?

___________________________________________________________________________________

13. Qual é a atual frequência de compra de ovos convencionais utilizada pela empresa?

() Diária () Semanal () Quinzenal

() Mensal () Outra: __________________________________________

14. Espera-se que a frequência de compras se altere com a mudança para ovos produzidos livres de gaiolas?

() Sim () Não

Se “sim”, espera-se que a frequência: () Aumente () Diminua

15. A empresa exigirá alguma certificação em relação ao novo sistema de produção dos ovos?

() Sim () Não

Se “sim”, a empresa pretende contratar certificadoras externas ou implementar uma certificação própria?

___________________________________________________________________________________

16. A empresa utiliza contratos com seus fornecedores de ovos convencionais?

() Sim () Não

Se “sim”, assinale sua(s) característica(s):

() Contratos para apenas uma aquisição, com novos contratos caso a operação se repita.

() Contratos de prazos superiores a uma operação, com possibilidade de renovação ou rompimento.

() Contratos flexíveis cujos termos de renovação costumam basear-se nos termos dos contratos anteriores.

() Contratos flexíveis cujos termos de renovação costumam ser modificados a cada renovação.

17. A meta da empresa é concluir a transição de origem dos ovos até que ano? ____________________

18. Em uma escala de “sem importância” a “extremamente importante”, quais as motivações da empresa em optar pela transição da utilização de ovos produzidos em sistemas convencionais para livres de gaiolas?

Item Sem importância Reduzida importância Grande importância Extremamente importante
Marketing
Demanda dos atuais clientes
Acesso a novos mercados
Elevação do valor de venda dos produtos da empresa
Agregação de valor não monetário à empresa
Aumento dos lucros da empresa
Preocupação ética com o bem-estar animal
Desenvolvimento de novas linhas de produtos
Adequação à legislação vigente em outros países de atuação
Preparação para uma futura legislação brasileira sobre o tema
Objetivar certificações sobre o tema
Outros motivos:

19. Em uma escala de “sem importância” a “extremamente importante”, quais são as dificuldades esperadas advindas do processo de transição?

Item Sem importância Reduzida importância Grande importância Extremamente importante
Aumento do custo de produção
Aumento do custo do frete dos ovos
Aumento de custos com certificação dos ovos
Aumento dos gastos com contratos e afins
Dificuldades para encontrar fornecedores
Dificuldades para se certificar da origem dos novos ovos
Insegurança quanto à sanidade envolvida no novo sistema de produção
Aumento de processos burocráticos
Outras dificuldades:
  • Como citar: Godinho Júnior, E. C., Alves, L. K. S., Schultz, E. B., & Raineri, C. (2022). Demanda por ovos produzidos em sistemas livres de gaiolas: motivação, estratégias e estruturas de governança. Revista de Economia e Sociologia Rural, 60(4), e240053. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2021.240053
  • JEL Classification: Q12.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2020
  • Aceito
    27 Maio 2021
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