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Agricultura familiar e programas de abastecimento de água no gerais do Alto-Médio rio São Francisco, Minas Gerais1 1 A pesquisa que originou este artigo foi apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Cáritas Diocesana de Januária, Minas Gerais, aos quais os autores agradecem.

Family farming and water supply programs in the upper-middle São Francisco river, Minas Gerais

Resumos

Resumo

Durante quase três séculos o “gerais” do Alto-Médio rio São Francisco foi ocupado com sistemas de produção adaptados às chapadas, veredas e brejos. As tomadas de terras comuns, desmates e drenagens estimuladas pela “modernização agrícola” dos anos 1970 reduziram drasticamente as fontes e o acesso às águas, e então as secas passaram a afetar o abastecimento doméstico e produtivo. Este artigo analisa a travessia da “grande seca” de 2011/2019 em três comunidades do gerais, investigando programas públicos, abastecimento de água e produção agrícola na perspectiva da população rural. A metodologia foi referenciada na classificação local de agroambientes, usando grupos focais, entrevistas com lideranças comunitárias e famílias amostradas segundo diferentes composições. Conclui que o desaparecimento das condições históricas de acesso aos recursos levou a população a rearranjar a agricultura e o consumo de água. Vivendo novas situações, a lembrança da abundância de terras e águas é a inspiração para reivindicar, negociar e adequar programas públicos à cultura e às necessidades das comunidades.

Palavras-chave:
semiárido; secas; programas públicos; agricultura; convívio com o clima


Abstract

For nearly three centuries, the “Gerais” of the upper-middle São Francisco River were occupied by production systems adapted to the tablelands, veredas and wetlands. Common land takeovers, deforestation, and drainage stimulated by the “agricultural modernization” of the 1970s drastically reduced water sources, and then droughts began to affect domestic and productive supplies. This article analyzes the experience of the “great drought” of 2011/2019 in three communities in the Gerais region, investigating public programs, water supply, and agricultural production from the perspective of rural people. The methodology relied on the local classification of agro-environments, using focus groups, interviews with community leaders, and sampled families according to different compositions. It concludes that the disappearance of historical conditions of access to resources led the population to reorganize agriculture and water consumption. Experiencing new situations, the memory of the abundance of land and water is the inspiration to claim, negotiate and adapt public policies to the culture and needs of communities.

Keywords:
semi-arid; droughts; public policies; agriculture; climate adaptation


1. Introdução

A população do lugar denomina como “gerais” aos campos altos e arenosos do Alto-Médio rio São Francisco. É uma paisagem de chapadas cobertas por vegetação de porte baixo, com veredas inçadas de buritis e galerias de mata seca que acompanham os rios. O termo “gerais”, que em sentido estrito se refere aos campos de cerrado, é usado para designar, entre outras áreas, essa porção ao norte de Minas Gerais, limitada a leste pelo São Francisco, ao sul pelo rio Paracatu, a oeste e norte pelo rio Carinhanha.

O gerais começou a ser colonizado no século XVIII por vaqueiros que subiram o São Francisco e, durante quase três séculos, foi fronteira agrícola aberta à mobilidade espacial da população, que adaptava sistemas produtivos à natureza e ao clima, fazendo agricultura nas vazantes e pecuária nos campos em comum, num regime denominado como “solta”. Viajantes do século XIX, como Saint-Hilaire, Teodoro Sampaio, Spix & Martius, descreveram o potencial do clima, das águas e da vegetação. No entanto, a exploração intensiva só foi tentada com a “modernização agrícola” da década de 1970, que teve, porém, fôlego curto: crise fiscal, técnicas impróprias e secamento das águas arrefeceram o ritmo da modernização já nos anos 1990. Mas, então, a fronteira agrícola se fechara, a mobilidade espacial da agricultura se acabou, e as “firmas” tomavam conta das chapadas. Nessa época, foram implantadas grandes Unidades de Conservação no gerais, com o propósito de sustentar a vazão do São Francisco a jusante e compensar a expansão da soja a montante.

Brasil (1977)Brasil, H. O. (1977). De Contendas a Brasília de Minas. Belo Horizonte: São Vicente., Braz (1977)Braz, B. (1977). São Francisco nos caminhos da história. Belo Horizonte: Lemi. e Pereira (2004)Pereira, A. E. (2004). Memorial Januária: terra, rios e gente. Belo Horizonte: Mazza Edições., memorialistas reputados do gerais, descreveram a ocorrência das estiagens, que eram, porém, abrandadas pela combinação entre dotações naturais e técnicas de produção. No entanto, desmates, concentração de terras e drenagens que acompanharam a “modernização” converteram secas em crises agrícolas e socioeconômicas, de modo que, a partir dos anos 1990, desapareceu a abundância de alimentos e os programas públicos passaram a “produzir” águas e, em novas bases, colocá-las em circulação.

Este artigo analisa a travessia da “grande seca” de 2011/2019 em três comunidades do gerais do município de Januária, situando o abastecimento, a produção agrícola e a mediação política no quadro dessas transformações ambientais, sociais e econômicas. Nesse cenário, a relação dos agricultores com águas, meio e programas públicos foi posta em novos patamares: a água saiu da companhia dos recursos triviais do cotidiano e foi alçada à categoria de elemento relevante - assim como terra, trabalho e direitos civis -, revelando a complexidade das interações entre sociedade, instituições e natureza.

2. Fundamentação teórica

A seca é um fenômeno climático distribuído de forma desigual pelo tempo, espaço e pela posição que os grupos ocupam na sociedade. Por isso, Miguel Arrojado Lisboa, pesquisador do Semiárido, dizia que “não há seca, há secas” (Campos, 2014, pCampos, J. N. B. (2014). Secas e políticas públicas no semiárido: ideias, pensadores e períodos. Estudos Avançados, 28(82), 65-88.. 77).

Importa o tempo, porque a distribuição de chuvas difere a cada ano; importa o espaço, porque a distribuição dos corpos d’água varia entre os lugares e permite que a população desenvolva técnicas de abastecimento e sistemas de produção adaptados aos agroecossistemas (Andrade, 1964Andrade, M. (1964). Terra e homem no Nordeste. São Paulo: Brasiliense.). A população enraizada em cada nicho ambiental do Semiárido utiliza conhecimentos criados sobre aquela base de recursos para explorar a agrobiodiversidade e produzir conservando água e solos (Dayrell, 2000Dayrell, C. A. (2000). Os geraizeiros descem as serras. In C. Luz & C. A. Dayrell (Eds.), Cerrado e desenvolvimento: tradição e atualidade (pp. 189-272). Montes Claros: CAA/NM.). Dotações, regime agrário e técnica material endurecem ou abrandam os efeitos do clima, individualizam cada seca, que deve ser compreendida na escala do território.

Mas também importa a posição na sociedade, porque o meio biofísico expõe os grupos sociais de acordo com as desigualdades de renda. Certamente, o primeiro autor brasileiro a relacionar pobreza e seca foi Djacyr Menezes (1937)Menezes, D. (1937). O outro nordeste. Rio de Janeiro: José Olympio.; depois, Eunice Durham (1973)Durham, E. R. (1973). A caminho da cidade: a vida rural e a migração para São Paulo. São Paulo: Perspectiva. observou que a seca era mais dura e convertia em migrantes os lavradores com menos terras, e Lygia Sigaud (1992)Sigaud, L. (1992). O caso das grandes barragens. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 18(7), 53-73. mostrou que políticas públicas disseminavam pobreza concentrando recursos. E como a noção de “escassez” - conforme Acselrad (2004)Acselrad, H. (2004). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará. - fortalece o poder político hegemonizando alternativas científicas, termina por naturalizar “obras contra a seca” (Silva, 2006Silva, R. M. A. (2006). Entre o combate à seca e a convivência com o Semiárido: transições paradigmáticas e sustentabilidade do desenvolvimento (Tese de Doutorado). Centro de Desenvolvimento Sustentável/Universidade de Brasília, Brasília, DF.), mandonismo (Andrade, 1964Andrade, M. (1964). Terra e homem no Nordeste. São Paulo: Brasiliense.) e clientelismo (Galizoni et al., 2020Galizoni, F. M., Ribeiro, E. M., Lima, V. M. P., Gomes, N. P., & Silva, E. P. F. (2020). “Vozes da seca”: lavradores, mediadores e poder público frente à estiagem no semiárido do Jequitinhonha mineiro. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 55, 54-74.; Sabourin, 2020Sabourin, E. (2020). Clientelismo e participação nas políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 58(4), e217798. http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2020.217798
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) no Semiárido.

A escassez de água é uma narrativa política consolidada para o Semiárido desde 1902, com a publicação da obra de Euclides da Cunha. Mas, também é um fato climático e, sobretudo, cotidiano para a população rural, que levou os governos brasileiros, desde fins do século XIX, a criar políticas de “enfrentamento” - como açudes, canais e irrigação - e, a partir de fins do século XX, a estimular programas de “convivência” com o clima (Silva, 2006Silva, R. M. A. (2006). Entre o combate à seca e a convivência com o Semiárido: transições paradigmáticas e sustentabilidade do desenvolvimento (Tese de Doutorado). Centro de Desenvolvimento Sustentável/Universidade de Brasília, Brasília, DF.).

Nas secas, a política pública opera em duas dimensões. Na escala nacional, atuam instituições públicas que entendem o Semiárido como espaço homogêneo, que deve ser dotado com programas e técnicas de abastecimento também homogêneas. Na escala local, atuam prefeituras, comunidades e famílias rurais, compreendendo a seca na dimensão do território, ponderando a distribuição de fontes de água, características dos agroecossistemas, acordos costumeiros e, às vezes, regime agrário e estilos de consumo. As duas escalas operam em conjunto: o território recebe iniciativas criadas por agências estatais e da sociedade civil, mas a adequação do abastecimento dependerá da complementaridade entre os programas (Araújo et al., 2010Araújo, V. M., Ribeiro, E. M., & Reis, R. P. (2010). Águas no rural do semiárido mineiro: uma análise das iniciativas para regularizar o abastecimento em Januária. Organizações Rurais & Agroindustriais, 12(2), 219-233.; Aquino & Nascimento, 2020Aquino, J. R., & Nascimento, C. A. (2020). A grande seca e as fontes de ocupação e renda das famílias rurais no Nordeste do Brasil. Rev. Econ. Ne, 51(2), 81-97.; Mattos & May, 2020Mattos, L. C., & May, P. (2020). Duas secas climaticamente análogas no semiárido nordestino com impactos sociais distintos. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 55, 28-53.) e da qualidade da organização de base, decisiva para adaptar programas nacionais às demandas, aos costumes e aos recursos locais (Galizoni et al., 2020Galizoni, F. M., Ribeiro, E. M., Lima, V. M. P., Gomes, N. P., & Silva, E. P. F. (2020). “Vozes da seca”: lavradores, mediadores e poder público frente à estiagem no semiárido do Jequitinhonha mineiro. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 55, 54-74.; Cruz et al., 2020Cruz, G., Ribeiro, E. M., Araújo, V. M., & Assis, T. R. P. (2020). A seca no cotidiano: agricultura familiar e estiagem em comunidades rurais do gerais de Januária. Estudos Sociedade e Agricultura, 28(3), 700-720.). Portanto, as condições para a travessia das secas dependem de peculiaridades sociais, culturais e ambientais dos territórios.

No mundo rural, a água é um recurso plural e heterogêneo: os agricultores respondem pelo próprio abastecimento, classificam as fontes segundo critérios de qualidade que fundamentam normas de uso e hierarquia de consumo (Hamlin, 2000Hamlin, C. (2000). Waters or Water? - master narratives in water history and their implications for contemporary water policy. Water Policy, 2(4), 313-325.; Galizoni, 2013Galizoni, F. M. (2013). Lavradores, águas e lavouras. Belo Horizonte: Editora UFMG.). A gestão familiar, comunitária e tradicional serve de base para a “ética” ou “economia moral” que alicerça as normas costumeiras que orientam o acesso, o consumo e a partilha que vigoram nas áreas rurais (Shiva, 2006Shiva, V. (2006). Guerras por água: privatização, poluição e lucro. São Paulo: Radical.; Diegues, 2007Diegues, A. C. (2007). Água e cultura nas populações tradicionais brasileiras. In I Encontro Internacional: Governança da Água. São Paulo: NUPAUB/USP. ; Jepson et al., 2017Jepson, W., Budds, J., Eichelberger, L., Harris, L., Norman, E., O’Reilly, K., Pearson, A., Shah, S., Shinn, J., Staddon, C., Stoler, J., Wutich, A., & Young, S. (2017). Advancing human capabilities for water security: a relational approach. Water Security, 1, 46-52. http://dx.doi.org/10.1016/j.wasec.2017.07.001
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; Brewis et al., 2019Brewis, A., Rosinger, A., Wutich, A., Adams, E., Cronk, L., Pearson, A., Workman, C., & Yong, S. (2019). Water sharing, reciprocity, and need: a comparative study of interhousehold water transfers in sub‐Saharan Africa. Economic Anthropology, 6(2), 208-221. http://dx.doi.org/10.1002/sea2.12143
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). Normas locais de uso de águas, da mesma maneira que os direitos tradicionais sobre terras, não dialogam com a legislação nacional (Galizoni, 2013Galizoni, F. M. (2013). Lavradores, águas e lavouras. Belo Horizonte: Editora UFMG.). Como os problemas de concepção da legislação e da política pública se manifestam na escala do território, acabam por dar origem a conflitos, a acordos às vezes muito peculiares, e, sobretudo, às iniciativas de descentralização, participação comunitária e gestão social do abastecimento de água (Assis, 2012Assis, T. R. P. (2012). Sociedade civil e a construção de políticas públicas na região semiárida brasileira: o caso do Programa Um Milhão de Cisternas Rurais. Revista de Políticas Públicas, 16(1), 179-189.; Yates et al., 2017Yates, J. S., Harris, L. M., & Wilson, N. J. (2017). Multiple ontologies of water: politics, conflict and implications for governance. Environment and Planning. D, Society & Space, 35(5), 1012-1034. http://dx.doi.org/10.1177/0263775817700395
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; Brewis et al., 2019Brewis, A., Rosinger, A., Wutich, A., Adams, E., Cronk, L., Pearson, A., Workman, C., & Yong, S. (2019). Water sharing, reciprocity, and need: a comparative study of interhousehold water transfers in sub‐Saharan Africa. Economic Anthropology, 6(2), 208-221. http://dx.doi.org/10.1002/sea2.12143
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).

Assim, o abastecimento nas secas não depende apenas de quantidades. Também compreende ontologias, práticas e arranjos costumeiros de uso da água. Normas locais fundamentam iniciativas familiares e comunitárias, fornecem bases para reciprocidades, orientam reivindicações levadas ao poder público e estabelecem parâmetros mínimos de segurança hídrica que guiam a distribuição da água. A seca combina técnicas a costumes, normas e mediações, diversas e contraditórias, que se sobrepõem, conflitam, barganham e, por fim, conformam a diversidade dos sistemas de abastecimento.

À medida que se organiza a distribuição, novos programas redesenham as práticas costumeiras de acesso à água por meio de investimentos, ciência e equipamentos. No entanto, poço artesiano, caminhão-pipa ou cisternas modificam as sistemáticas de acesso, reciprocidades, critérios de qualidade, estilos de consumo e modos de gestão. Por isso, não se trata apenas de introduzir um artefato: sempre haverá um ruído, que estimula respostas próprias em cada localidade rural, que sustentará disputas pelas águas; é uma “interação dialética”, conforme Boelens (2013)Boelens, R. (2013). Cultural politics and the hydrosocial cycle: water, power and identity in the Andean highlands. Geoforum, 57, 234-247. http://dx.doi.org/10.1016/j.geoforum.2013.02.008
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e Linton & Budds (2013)Linton, J., & Budds, J. (2013). The hydrosocial cycle: defining and mobilizing a relational-dialectical approach to water. Geoforum, 57, 170-180., pois são refeitos arranjos e normas que existiam no local para regular mediações, qualidade e quantidade, e a água é submetida a novos critérios e interesses políticos. A água, conforme apontaram esses autores, vai circular entre canais que o poder instituiu ao escolher as técnicas e definir as normas que organizam os fluxos. A distribuição será pautada por mediações (Silva et al., 2020Silva, J. L., Ribeiro, E. M., Lima, V. M. P., & Heller, L. (2020). As secas no Jequitinhonha: demandas, técnicas e custos do abastecimento no semiárido de Minas Gerais. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 22, http://dx.doi.org/10.22296/2317-1529.rbeur.202013
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), combinações de fontes (Cruz et al., 2020Cruz, G., Ribeiro, E. M., Araújo, V. M., & Assis, T. R. P. (2020). A seca no cotidiano: agricultura familiar e estiagem em comunidades rurais do gerais de Januária. Estudos Sociedade e Agricultura, 28(3), 700-720.) e desigualdades (Aleixo et al., 2016Aleixo, B., Rezende, S., Pena, J. L., Zapata, G., & Heller, L. (2016). Direito humano em perspectiva: desigualdades no acesso à água em uma comunidade rural do nordeste brasileiro. Ambiente & Sociedade, 19(1), 63-82.) que redesenham a relação da comunidade com a água.

A legislação concebe água como um bem econômico dotado de características materiais próprias, como baixo valor agregado, peso e mobilidade elevados. Mas, por ser um bem vital, as populações rurais consideram a água um recurso com forte carga simbólica e sentido moral. O abastecimento nas secas - mediado por instituições, culturas e equipamentos - expõe a generalidade da lei, a especificidade do costume e os aspectos éticos e materiais da sociedade. O próprio circuito de distribuição carrega essas contradições: o dispositivo que oferta água é submetido aos costumes e à economia moral, as normas que o regulam divergem dos parâmetros comunitários de partilha, de modo que ontologias e políticas públicas convivem em tensão permanente. Programas carregam a desigualdade nos equipamentos, no mando e no poder, mas incorporam solidariedade e reciprocidade porque as instituições comunitárias estão no centro da concepção de mundo desses agricultores. Nesse ponto, é preciso lembrar, como fez Lygia Sigaud (1992)Sigaud, L. (1992). O caso das grandes barragens. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 18(7), 53-73., da necessidade de compreender no longo prazo os arranjos relacionados à água. Afinal, normas, técnicas e condições de acesso se explicam nos quadros de uma determinada sociedade, e as características sociais e simbólicas que conformam as águas ficam expostas nas situações críticas, quando relações de poder se explicitam e a mediação revela a natureza social das águas. Direitos costumeiros regulam o acesso às águas coletadas em fluxo; mas na seca surgem novos direitos, normas e instâncias mediando família e águas: contratos, mecânicos, energias, vereadores, deputados, ONGs, associações, entre outras. Analisadas em pequena escala, as secas são fatos sociais que revelam características fundamentais da sociedade em que acontecem.

No entanto, dependendo de costumes, barganhas e organização local, os poderes instituídos sobre as águas não criam apenas vítimas do clientelismo, porque as comunidades humanas se insurgem, corrigem trocas desiguais e fortalecem suas instituições. Vem, desse ponto, as novidades na gestão, a revalorização de costumes e instituições comunitárias. Shiva (2006)Shiva, V. (2006). Guerras por água: privatização, poluição e lucro. São Paulo: Radical., Galizoni & Ribeiro (2011)Galizoni, F. M., & Ribeiro, E. M. (2011). Bem comum e normas costumeiras: a ética das águas em comunidades rurais de Minas Gerais. Ambiente & Sociedade, 14(1), 77-94. e Boelens et al. (2016)Boelens, R., Hoogesteger, J., Vos, J., & Wester, P. (2016). Hydrosocial territories: a political ecology perspective. Water International, 41(1), 1-14. http://dx.doi.org/10.1080/02508060.2016.1134898
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, por exemplo, mostraram que a memória das águas partilhadas abasteceu insurgências que redesenharam a distribuição, a mediação e as instituições. Por esse motivo, a importância de compreender arranjos locais, dotações, normas, compartilhamentos e histórias comunitárias para relativizar a análise da grande escala e entender que a seca é um fenômeno essencialmente local: plural para o Semiárido, mas específico na microeconomia das comunidades rurais. Afinal, como já dizia Arrojado Lisboa, são muitas as secas.

3. Metodologia

A água faz parte da labuta diária das famílias rurais do Semiárido. O abastecimento varia de acordo com o ano, as estações e as circunstâncias locais (dotação, topografia) e sociais (renda, organização da comunidade). Para analisar a travessia das secas no gerais e compreender costumes e arranjos, foi necessário focar tanto nas águas - protagonista de toda essa história - quanto nas relações sociais. A pesquisa foi situada na socioagrobiodiversidade do extenso município de Januária, que resume o gerais sanfranciscano: grande área territorial dotada de vazantes, mata seca, rios, veredas e as vastas chapadas de cerrado (Ribeiro, 2010Ribeiro, E. M. (2010). As histórias dos gerais. In E. M. Ribeiro (Ed.), Histórias dos gerais. Belo Horizonte: Editora UFMG.). A população rural rarefeita, distribuída em centenas de comunidades rurais, manteve relações próximas com águas vivas até os anos 2000, quando passou a ser abastecida por águas “produzidas” - como definem aquelas obtidas por meio de programas, técnicas e gestão pública - mediadas por agências que regulam também Unidades de Conservação, “firmas”, irrigantes e pecuaristas (Cruz et al., 2020Cruz, G., Ribeiro, E. M., Araújo, V. M., & Assis, T. R. P. (2020). A seca no cotidiano: agricultura familiar e estiagem em comunidades rurais do gerais de Januária. Estudos Sociedade e Agricultura, 28(3), 700-720.).

Para compreender a diversidade de situações em 2018/2019, a pesquisa que originou o artigo analisou três comunidades: (i) com pouca água natural e poucos programas públicos, (ii) pouca água natural e muitos programas públicos, e (iii) muita água natural e muitos programas públicos. Essas condições foram distribuídas entre mata e gerais - agroambientes com características consideradas diferentes pelos geralistas.

No Periperi, “gerais”, uma comunidade de 26 famílias, o plantio de eucalipto secou a barragem e o riacho, que só corria por três meses na “quadra das chuvas”; durante metade do ano, eram abastecidas por poço artesiano, e na outra metade, por cisternas de placa e caminhão-pipa. O gado bebia num minador cedido por fazenda vizinha.

Na Sambaíba, uma comunidade em “terra mista” de “mata” e “gerais” habitada por 55 famílias, o riacho desapareceu soterrado pelos sedimentos de um desmate para plantio de eucalipto, transportados por um aguaceiro no final dos anos 1990. Em 2019, a comunidade era abastecida por poço artesiano e cisternas de placa; nascentes difusas abasteciam 5 famílias, mas existiam cisternas produtivas, iniciativas de conservação, barraginhas e, nas crises, caminhão-pipa.

Por fim, Barra do Tamboril, com 22 famílias, na “mata”, era abastecida com água do rio Pardo, 20 famílias dispunham de cisternas de placas domésticas e produtivas, 8 delas contavam com minadores temporários, “poços-baianos” e barreiros-trincheira. Havia ainda poço artesiano e barragem subterrânea que não eram usados, além de barraginhas e, em raras ocasiões, caminhão-pipa.

O estudo compreendeu a “quadra da seca” de 2018 e “das águas” de 2019, pois existem diferenças consideráveis em cada estação. Foram usados grupos focais para compreender a dimensão coletiva do abastecimento, os costumes, os discursos e os silêncios (Bauer & Gaskell, 2002Bauer, M. W., & Gaskell, G. (2002). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Petrópolis: Vozes.; Brandão, 2007Brandão, C. R. (2007). Reflexões sobre como fazer trabalho de campo. Society and Culture, 10(1), 11-27.). Em seguida, para investigar as estratégias singulares de abastecimento, foram entrevistadas famílias de diferentes composições, faixas etárias, sistemas produtivos, posições espaciais e fontes de água. Depois, foram entrevistadas lideranças comunitárias, especialistas locais, que qualificaram os dados particulares, o ambiente e a história comunitária (Brandão, 1986Brandão, C. R. (1986). O ardil da ordem. Campinas: Papirus.). Por fim, foram consultados documentos e entrevistados membros de agências estatais, organizações religiosas e da sociedade civil, que tanto quanto agricultores e lideranças comunitárias, têm narrativas próprias que se somam e, principalmente, se contrapõem para criar a polifonia que emerge das demandas e intrigas que acompanham uma seca (Galizoni et al., 2020Galizoni, F. M., Ribeiro, E. M., Lima, V. M. P., Gomes, N. P., & Silva, E. P. F. (2020). “Vozes da seca”: lavradores, mediadores e poder público frente à estiagem no semiárido do Jequitinhonha mineiro. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 55, 54-74.). As entrevistas buscaram aspectos mensuráveis (abastecimento, consumo e custos), objetivos (gestão, partilha, poder público) e subjetivos (costumes, inovações, avanços).

É preciso esclarecer ainda que as comunidades rurais do gerais incorporam aos discursos e às reivindicações a memória das águas perdidas. É a abundância passada que orienta a avaliação de soluções técnicas, de qualidade e de quantidade de água. A memória é um recurso de análise e elemento fundante da resistência que solidifica a ação conjunta, que se manifesta nos usos rotineiros e coloca entre as obrigações do cotidiano a luta política pelas águas livres e partilhadas. É por isso que cada comunidade tem sua própria história, cria estratégias, enfrenta conflitos e busca soluções, que se diferenciam por gêneros e gerações para mostrar, na diversidade revelada pela seca, o sólido laço político entre a população e as águas (Sigaud, 1992Sigaud, L. (1992). O caso das grandes barragens. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 18(7), 53-73.; Linton & Budds, 2013Linton, J., & Budds, J. (2013). The hydrosocial cycle: defining and mobilizing a relational-dialectical approach to water. Geoforum, 57, 170-180.; Boelens, 2013Boelens, R. (2013). Cultural politics and the hydrosocial cycle: water, power and identity in the Andean highlands. Geoforum, 57, 234-247. http://dx.doi.org/10.1016/j.geoforum.2013.02.008
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).

4. Resultados e discussão

Desde o século XVIII, o povoamento colonizador do gerais se orientou pela extensa rede de águas: brejos abasteciam as “grotas” que formavam os “galhos” que originavam veredas, que sustentavam os “riachos”, que por usa vez compunham os rios que, finalmente, desaguavam no São Francisco. Corpos d’água davam a base da lavoura, criação de animais e pesca, além de funcionarem como balizas no espaço, nominando e unindo assentamentos humanos. Variando em tamanho, qualidade e uso de acordo com a estação, esses corpos d’água também eram referências temporais: cheias de verão, solta nas chuvas, lavouras de seca ou “santana”, colheitas na vazante, pesca nos sangradouros. Secas meteorológicas pouco afetavam essas águas. Áreas férteis de brejos, vazantes e “culturas” abrigavam a morada, a lavoura - “botar brejos” assegurava as melhores colheitas do gerais -, e a fonte próxima que garantia a bebida nas “águas pequenas”, circulantes, sadias e privativas (Sigaud, 1992Sigaud, L. (1992). O caso das grandes barragens. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 18(7), 53-73.; Galizoni, 2005Galizoni, F. M. (2005). Águas da vida: população rural, cultura e água em Minas Gerais (Tese de doutorado). Unicamp, Campinas.; Ribeiro, 2010Ribeiro, E. M. (2010). As histórias dos gerais. In E. M. Ribeiro (Ed.), Histórias dos gerais. Belo Horizonte: Editora UFMG.; Medeiros, 2011Medeiros, C. P. (2011). No rastro de quem anda: comparações entre o tempo do Parque e o hoje em um assentamento no noroeste mineiro. (Tese de doutorado). Museu Nacional/UFRJ, Rio de Janeiro.).

Seguindo as águas, o povoamento originou a paisagem agrária formada pelo “sítio” familiar de “frente” estreita, suficiente apenas para alcançar uma “fonte”, e “fundos” alongados, que terminavam no domínio comum das soltas e campos de coleta nas chapadas. O conjunto de sítios de aparentados e vizinhos formou a comunidade rural, referência de morada, pertencimento e partilha de recursos. A água cimentou relações, circulando entre sítios, direitos e dons, e, tanto quanto a terra, estreitou laços entre pessoas e famílias.

Em 2018/2019, nas localidades de Periperi, Sambaíba e Barra do Tamboril, as famílias dispunham, em média, de 50 hectares e viviam em casas de alvenaria com pisos ladrilhados cobertas por telhas de cerâmica, com geladeira, telefone, tanquinho, fogão a gás e televisão. Dois terços delas tinham carro ou moto, 90% contavam com água encanada, e 85% dispunham de banheiro dentro de casa, com uma média de 3,5 moradores por domicílio, 20% deles trabalhando na cidade. Em metade dos domicílios, a aposentadoria contribuía na renda e, portanto, no alimento, no custeio do sítio e no apoio à família ampliada. Além disso, as famílias completavam as receitas com produção de autoconsumo, que variava com as chuvas e a água recebida, mas sempre compreendia horta, um “fuxiquinho” - pouca coisa - de lavoura, mais gado, galinhas e, às vezes, porcos.2 2 As características socioeconômicas dessas famílias guardam muitas semelhanças com as populações descritas nos estudos de Aquino & Lacerda (2014) e Balbino et al. (2023), ambos sobre o Semiárido.

A estabilidade econômica dos geralistas se devia a criação e lavoura, programas públicos, à terra partilhada e à prosperidade que sobrevivera ao “milagrinho” dos anos 2006/2010. Havia um movimento firme de retorno de aposentados urbanos e ocupação pendular de jovens. A emigração era fato raro: alguns jovens migravam para Brasília ou Belo Horizonte e pais de família passavam temporadas na construção civil de Brasília, mas isso não tinha qualquer relação com a seca.3 3 Sobre universalização de aposentadorias ver Delgado (2008); sobre “milagrinho” ver Carvalho (2018); sobre a “grande seca” consultar Aquino & Nascimento (2020) e Mattos & May (2020).

A seca se manifesta pela redução ou concentração da precipitação. Por vezes, essas duas situações combinadas criam a “quadra das águas”, caracterizada por pouca chuva e mal distribuída. Entre 2011 e 2019, foi assim, com redução nas precipitações e variações que ficaram acima de 50% entre os anos, e até três anos seguidos de chuvas inferiores à média histórica de 900 mm (Cruz et al., 2020Cruz, G., Ribeiro, E. M., Araújo, V. M., & Assis, T. R. P. (2020). A seca no cotidiano: agricultura familiar e estiagem em comunidades rurais do gerais de Januária. Estudos Sociedade e Agricultura, 28(3), 700-720.). Em todas as estações chuvosas (novembro a março) do período ocorreram “veranicos”, que são intervalos secos na estação de chuvas, durando pelo menos um mês e comprometendo cultivos de sequeiro. No entanto, como dizem os agricultores, a “grande seca” foi uma “seca gorda”: faltou chuva, mas ninguém passou sede, fome ou precisou migrar.

A microeconomia da “seca gorda” no gerais tem três novidades. Primeira, a produção de autoconsumo persistiu, apesar de fragilizada pelo clima. Segunda, às inovações nos programas públicos (descentralização, diversificação e multiplicação de focos) se uniram por soluções tradicionais (solidariedade vicinal, gestão de comuns e técnicas costumeiras): água posta em casa liberou as mulheres para o trabalho, o rebanho (que representa poupança e liquidez) foi ampliado com o crédito rural e pastava em áreas comuns, e o agroextrativismo abriu possibilidades de ocupação e renda. Terceira, as fontes de rendas se expandiram, pois os programas públicos nas áreas de saúde, educação e previdência custearam demandas de idosos e crianças e ocuparam adultos na rede de serviços da própria comunidade, absorvendo diaristas, motoristas, professoras, mecânicos, animadores, pedreiros e cuidadores.4 4 De acordo com Mattos & May (2020), na seca da segunda década do século XXI agricultores contavam com técnicas de convivência, armazenamento, descentralização de oferta de água, diversificação econômica, seguridade social, valorização de gênero, agregação de valor, novos mercados, organização local e redes de apoio. Alves et al. (2015) analisaram combinações de inovações com métodos costumeiros de uso de recursos.

Os desmates, drenagens e monocultivos secaram as águas do gerais a partir dos anos 1990. A água minguada nos riachos e brejos secos, terras esgotadas, voçorocas, veredas e chapadas privatizadas são os sinais mais visíveis na paisagem no século XXI e a mais crua narrativa da modernização agrária (Correia, 2010Correia, A. I. (2010). Januária. In E. M. Ribeiro (Ed.), Histórias dos gerais. Belo Horizonte: Editora UFMG.; Santos et al., 2010Santos, A. J., Souza, J. B., Matos, G. R., Pacheco, J. M. S., & Viana, A. L. (2010). Terra, lavouras e criações no rio dos Cochos. In E. M. Ribeiro (Ed.), Histórias dos gerais. (pp. 157-188). Belo Horizonte: Editora UFMG.). O secamento de fontes estimulou iniciativas individuais e comunitárias, como partilhar nascente, abrir cacimba no leito seco, cavar poços para armazenar enxurradas. Depois, buscaram programas públicos: barragens de perenização, poços artesianos comunitários, redes de adução com bombas elétricas e, no limite, caminhões-pipa. Nos anos 2000, vieram os programas de captação de água de chuva da Articulação do Semiárido (ASA), com cisternas domésticas de 16 mil litros e cisternas produtivas de 52 mil litros.

Também no começo dos anos 2000, experimentaram técnicas de conservação, como o cercamento de nascentes, sistemas agroflorestais, revegetação de áreas degradadas, barraginhas e trincheirão para retenção de enxurradas, substituição de bovinos por pequenos animais. A experimentação foi grande, porém teve efeitos modestos: apenas cresceu o reuso, e águas servidas abasteceram fruteiras, plantas ornamentais e “criações de terreiro” - cachorros, galinhas e porcos - que reciclavam águas da casa. Geralistas consideravam modesta a serventia da conservação na lida diária, aplicável apenas às águas vivas. Depois de 2016, mudanças na política contribuíram para liquidar de vez as iniciativas ambientalistas.

Foi partindo do riacho e, no limite, chegando ao caminhão-pipa, que elegeram o conjunto restrito de técnicas que cria a acomodação instável na substituição das águas “naturais” pelas águas “produzidas”. O uso das mesmas técnicas espelha a noção de homogeneidade do semiárido que domina a opinião pública, a pesquisa científica e, sobretudo, a política. E, para evitar que o benfeitor seja esquecido, as agências deixam os aparatos visíveis e adotam equipamentos que exigem acionamento diário, como o poço artesiano e a bomba no rio, ou, por segurança, mantêm a dependência por meio do caminhão-pipa - de custo alto, porém muito confiável em termos de ganho político. As técnicas são poucas, mas sua importância varia dependendo de organização comunitária, dos recursos públicos e de dotações naturais de solo e água, de modo que o abastecimento se torna um mosaico de soluções comunitárias, com graus diversos de demandas, desigualdades e conflitos. Diante das incertezas vindas da chuva, turbidez, falhas mecânicas e agenda do pipa, em 2019 cada família dispunha de, pelo menos, duas fontes de abastecimento.5 5 Sobre técnicas e custos do abastecimento no gerais ver Galizoni (2005), Araújo et al. (2010) e Cruz et al. (2020); ver também Vasconcelos (2014) e Gualdani & Sales (2016); sobre clientelismo: Mattos & May (2020) e Sabourin (2020); sobre desigualdades ver De Vos et al. (2006) e Aleixo et al. (2016).

O aparato mais disseminado e melhor avaliado era a cisterna de placas, que aproveitava as chuvas mesmo em anos secos, permitia à família escapar da “indústria da seca” ao descentralizar a gestão e, principalmente, admitia usos múltiplos. Cumpria sua função de (i) fonte de abastecimento na seca, mas, além disso, (ii) assegurava água na emergência, (iii) armazenava água de qualidade superior, era a (iv) última reserva quando a família não apreciava água de chuva, mas a função mais generalizada era a de (v) reservatório dinâmico, abastecido por rio, poço artesiano ou caminhão-pipa quando a água da chuva se acabava.

O poço artesiano era o equipamento mais apreciado devido à sua gestão fácil e por fornecer água de qualidade considerada superior; seu custo baixo e longo prazo de operação explicavam também a preferência dos órgãos públicos, apesar de depender da existência de água no subsolo e seu esgotamento ameaçar constantemente a comunidade. Por outro lado, o caminhão-pipa era a técnica menos apreciada pelos geralistas, porque dependia de pedido, espera, logística, vazão do poço de captação e, às vezes, de bom concerto com a Prefeitura. Mesmo quando era serviço regular, a água sempre insuficiente do pipa só confirmava o ditado popular: -“Ninguém dá conta de água buscada.” Apesar disso, nenhuma comunidade rural o dispensava, porque fornecia, entre todas, a água mais importante: aquela que chega nas emergências.

Entre derrapadas e mediações, certo era que os programas públicos atendiam aos geralistas. Às vezes, até, com relativo conforto. Galizoni et al. (2010)Galizoni, F. M., Ribeiro, E. M., Noronha, A. B., Silvestre, L. H., & Reis, R. P. (2010). Água dos gerais. In E. M. Ribeiro (Ed.), Histórias dos gerais. (pp. 235-260). Belo Horizonte: Editora UFMG., analisando a situação de seca e a transição de sistemas de abastecimento, estimaram em 2007 a oferta de água em 47 litros diários per capita no gerais de Januária. Na mesma época e no mesmo gerais, Araújo et al. (2010)Araújo, V. M., Ribeiro, E. M., & Reis, R. P. (2010). Águas no rural do semiárido mineiro: uma análise das iniciativas para regularizar o abastecimento em Januária. Organizações Rurais & Agroindustriais, 12(2), 219-233. registraram diversas iniciativas de abastecimento que combinavam soluções duradouras, emergenciais e conservacionistas que, depois, foram reduzidas àquele conjunto restrito de técnicas preferidas em razão de custo, autonomia, gestão, dependência, dotação natural e organização comunitária. Adução se consolidou onde havia fontes vivas; poços artesianos se generalizaram, do mesmo modo que cisternas de placas; caminhões-pipa se tornaram pivôs do abastecimento. As opções foram restringidas, combinadas e ofereceram maior quantidade, considerando os níveis de oferta de 2007.6 6 Sobre programas públicos para agricultores familiares ver Grisa & Schneider (2014) e Ribeiro et al. (2014).

Durante a grande seca, a oferta média diária nas três comunidades montava em 108,82 litros/pessoa, próxima à oferta de Januária (118,40 litros/pessoa), cidade de 40 mil habitantes às margens do São Francisco, abastecida por empresa especializada (Cruz et al., 2020Cruz, G., Ribeiro, E. M., Araújo, V. M., & Assis, T. R. P. (2020). A seca no cotidiano: agricultura familiar e estiagem em comunidades rurais do gerais de Januária. Estudos Sociedade e Agricultura, 28(3), 700-720.). No entanto, havia diferenças importantes entre as comunidades: 174,32 litros/pessoa/dia na Barra do Tamboril, que era abastecida por um rio vivo; 110,00 litros na Sambaíba, que era abastecida principalmente por poço; enquanto o abastecimento incerto e racionado do pipa assegurava 48,04 litros per capita em Periperi; nesta, como noutras comunidades de veredas mortas, o consumo regrado fazia com que as famílias sempre soubessem quanto consumiam em banho, cozinha, limpeza, bebida e animais: uma pessoa bebia 2 litros/dia, porco em engorda 3 litros, 5 galinhas 1 litro/dia...7 7 Cruz et al. (2020) estimaram em 83,33 litros/dia per capita no rural de Januária; Silva et al. (2020) estimaram 50 litros no Jequitinhonha; Aleixo et al. (2016) encontraram 75 litros no rural do Ceará.

A oferta de água, porém, era sazonal. No “tempo das águas” aumentava o número de fontes, mesmo com pouca chuva: o riacho revivido garantia limpeza doméstica, lavagem de roupas e agroindústria; poços cheios e frutos nativos dessedentavam animais. Na Barra do Tamboril, o consumo diário médio de água aduzida variava, por unidade familiar, de 2.500 litros/dia na “seca” a 800 litros/dia nas “águas” - a turbidez da água do rio explicava a redução do uso doméstico; uso agrícola e animal caíam por conta da cheia de riachos, poços e trincheirões, mas a diferença também era creditada à maior sede dos animais na seca, quando são reduzidas as fontes.

E havia muita desigualdade entre as famílias das comunidades, devido a renda, acesso a equipamentos e programas, proximidade de fontes vivas e distância do centro de abastecimento, que penalizava moradores da “ponta da linha” de distribuição. Renda era o fator que mais acentuava desigualdades, pois as soluções individuais se multiplicavam, com investimentos em tanques, poços artesianos, captação de águas de chuvas e das últimas nascentes. Em alguns casos - é certo: raros - as diferenças ficavam entre 500 e 25.000 litros/água/dia por família, devido aos investimentos privados em poço artesiano, poços de retenção de água de chuva, ou, o que era mais frequente, em armazenamento de águas vindas de chuvas, rios ou poços artesianos comunitários. Esses investimentos revelavam a pior faceta da desigualdade: irrigação de pastagens, displicência com equipamentos coletivos e vazamentos em redes contrastavam com o uso regrado, obrigatório para a maioria das famílias.

Mas a oferta de água sempre variava: de acordo com as estações (chuva, turbidez, empoçamento), com o ambiente (esgotamento do poço artesiano ou da nascente), a técnica (quebra de bomba, falha do caminhão pipa), a topografia (recepção) e a renda (solução individual, armazenamento). A incerteza torna cotidiana a mediação e obrigatória a participação.

Por gerir fontes e associar o consumo diretamente à saúde, as populações rurais sempre zelam pela qualidade das águas que consomem. Essa economia moral é baseada em dois critérios: um, quanto menor, mais zelada, restrita e circulante, melhor é a água; dois: por ser dom, a água deve ser partilhada. Tais critérios orientam o consumo e a ética, e geralistas que usavam águas de várias fontes em diferentes estações, mesmo no auge da seca selecionavam, qualificavam e hierarquizavam de acordo com origem, circulação, domínio, gosto e densidade. A diversidade de fontes era uma defesa contra a intermitência, mas era simultaneamente uma ação cultural que definia o destino de cada água - desde a nobre para bebida humana até o refugo para rega de plantas.8 8 Sobre qualificação de águas no rural ver Ribeiro & Galizoni (2003), Diegues (2007) e Galizoni (2013); sobre a historicidade das classificações das águas ver Hamlin (2000).

A desaparição de fontes transformou os critérios de avaliação. Enquanto foi fluida, água era sujeita a normas, regras e direitos coletivos bem definidos; com a perda de fluidez surgiram novas ordens de domínio, compartilhamento, mediação e autoridade. O secamento das fontes das melhores águas - de nascentes e veredas, que eram exclusivas, móveis e “pequenas” - levou às concessões nos critérios de qualidade. Passou a ser melhor a água da cisterna de placa, imóvel mas exclusiva, zelada pelo cuidado da família; substituía a água turva do rio no tempo das chuvas, remediava a família nas falhas mecânicas do bombeamento. Para consumo humano, água captada da chuva só era considerada inferior à água de nascente, quando havia. A seguir, a preferida era do poço artesiano: móvel, porém não exclusiva, mediada e, no limite, incerta.

O caráter de dádiva permanece associado às águas, e se manifesta principalmente no compartilhamento. A partilha comunitária é motivada por parentesco e compadrio, mas também pela sujeição à mesma situação de incerteza, à infraestrutura comum, à mesma dependência de fontes principais. A partilha, enfim, fundamenta o discurso costumeiro sobre água-dom, legitima a norma local de solidariedade e produz, na escala comunitária, o equivalente à norma planetária de direito humano à água. A norma cultural local que assegura a partilha é um escudo ético usado para fundamentar a demanda por água que chega ao programa público ou à prefeitura. Porém, como notaram Wutich et al. (2018), oWutich, A., Budds, J., Jepson, W., Harris, L. M., Adams, E., Brewis, A., Cronk, L., DeMyers, C., Maes, K., Marley, T., Miller, J., Pearson, A., Rosinger, A. Y., Schuster, R. C., Stoler, J., Staddon, C., Wiessner, P., Workman, C., & Young, S. (2018). Water sharing across cultures: gifts, exchanges, and other transfers between households. WIREs. Water, 5(6), e1309. http://dx.doi.org/10.1002/wat2.1309
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compartilhamento sempre indica que existe desigualdade na distribuição.

Foi necessário muito investimento público para assegurar abastecimento nessas comunidades. No entanto, o abastecimento depende de fontes que às vezes não se sustentam sequer em médio prazo: poços artesianos, principalmente, também caminhões-pipa abastecidos por poços e adução de corpos d’água ameaçados.

Usando águas “produzidas”, geralistas rearranjaram costumes, rotinas, produtos. Do mesmo modo que eucaliptais, grandes barragens, novos mercados e “parques”, águas produzidas socialmente remodelam as relações culturais, fundiárias e produtivas, transformam estilos de consumo e sistemas de produção, mudam o cotidiano feminino, generalizam a negociação política, redefinem a organização espacial, instituem relações solidárias. No gerais, perderam importância os fluxos das veredas, e o emprego de caixas, bombas, caminhões e tubos proporcionou a oferta em domicílio, a desigualdade e, contraditoriamente, a força da cultura comunitária para reivindicar técnicas e águas de qualidade. Assim, não foi criado somente um conjunto de iniciativas no Semiárido; instituindo novas regras, políticas são constantemente questionadas por lutas comunitárias. A situação presente e a memória das águas fartas em fluxo se transformam em pressão sobre agências públicas, em conflitos que envolvem a “indústria da seca”, em demandas por direitos à segurança no abastecimento, em exigência de acesso aos mananciais restantes, em estabelecimento de cotas de rateio mínimo. Reunindo práticas e lembranças, as comunidades sustentam uma luta política duradoura e cotidiana que, no limite, reúnem águas aos recursos e terras da antiga comunidade de soltas do gerais. São, enfim, disputas por fontes, normas, gestão, discursos e projetos de futuro, que se transformam em conflitos na comunidade, entre comunidades e principalmente com agências públicas. E é assim que os programas se adaptam ao lugar, à população, aos sistemas de conhecimento.9 9 Efeitos de grandes projetos sobre agricultores foram analisados por Sigaud (1992), Galizoni (2005) e Linton & Budds (2013); Shiva (2006) e Zwarteveen & Boelens (2011) analisam disputas envolvendo populações e águas.

Comparativamente à geração anterior, em 2019 geralistas dispunham de água com menos trabalho. Ao longo da história do gerais, a água de veredas era usada em fluxo, “sem conta”. No entanto, havia limitação no transporte, e parte do consumo - banho, lavagem de roupa, abastecimento de animais - acontecia na própria fonte. Para a casa, iam águas de beber, cozinhar, uso doméstico e rega das plantas. Acesso ilimitado, consumo limitado.

Ofertando água em casa, o programa público mudou o estilo de consumo, pois a oferta da água na torneira libera e estimula novos usos. Consumos domiciliares e pessoais cresceram porque mudaram a natureza da oferta, os volumes consumidos, a regulação comunitária e, por fim, a demanda comunitária universalizou o pressuposto de que o acesso doméstico é um direito de todos. Água em fluxo nas veredas admitia usos múltiplos e simultâneos, sem dispêndio de energia ou técnica para alterar os regimes de uso. O consumo em casa exige gestão diferente, mas também representa uma possibilidade diferente do consumo familiar, que se orientaria pelos critérios do consumo urbano se não intervisse uma variável fundamental: a incerteza originada da fragilidade dos sistemas.

A incerteza induz ao armazenamento, certamente o aspecto mais notável no abastecimento de água no gerais depois dos anos 2000. Adquirir reservatório foi a principal estratégia usada durante a grande seca, é prática disseminada em todas as comunidades: compreende o reaparelhamento de equipamentos adquiridos por programas públicos (cisternas de placas e de plástico), ou investimento privado em tanques e caixas plásticas de 500 litros. Mas o armazenamento se disseminou principalmente nas comunidades rurais que têm poço artesiano e rio corrente, porque aí a oferta é grande, e entremeada por falhas mecânicas de equipamentos, problemas na rede e sobreconsumo de vizinhos.10 10 Sobre armazenamento e reprodução de agricultores familiares do Semiárido consultar Teixeira & Pires (2017).

A sistemática de armazenamento foi inspirada na lógica do P1MC: captar água, armazenar com zelo, usar com regra. Mas os geralistas adaptaram essas normas, adotando o uso dinâmico da capacidade de armazenamento, que, combinada à pressão comunitária sobre agências públicas, assegura abastecimento regular. A capacidade bruta média de armazenamento nas três comunidades montava em 22,85 mil litros, computando água para fins produtivos; a capacidade média de armazenamento para consumo humano orçava em 17,6 mil litros, 10% acima da capacidade estática da cisterna doméstica do P1MC. Esse volume assegurava, durante 46 dias, 108,82 litros/dia para a média de 3,5 pessoas que viviam nos domicílios; 1,5 mês era tempo suficiente para consertar o equipamento do poço ou da bomba - ou para receber a visita do caminhão-pipa.

O prazo seria esse apenas se esse nível de consumo fosse mantido e o abastecimento novamente regularizado. Isso nem sempre acontecia porque ocorriam imprevistos, e o procedimento padrão era, primeiro: reduzir drasticamente o consumo quando os problemas se manifestavam; segundo: recorrer à solidariedade familiar e comunitária. Procuravam a família extensa, a comunidade de parentesco que já repartia tantos outros recursos, e a partilha ocorria mesmo que todos tivessem que reduzir seu próprio consumo. A grande seca tornou a solidariedade comunitária obrigatória, principalmente nas comunidades como Periperi, com escassez constante e ameaça de falta permanente.

No entanto, regular o consumo de água não era muito fácil, porque no gerais aconteceram mudanças no estilo de consumo de bens que acentuaram o uso de água na residência, inclusive pelo conforto de dispor do encanamento: na limpeza da casa e do corpo, no “tanquinho” de lavar roupa, na lavagem de carro e motocicleta, na manutenção das criações e no renitente cultivo de autoconsumo - que dá origem a tantas desavenças, conflitos e malquerenças nas comunidades. Desse modo, a demanda por água foi crescente durante a grande seca e se expandiu principalmente pelas necessidades da produção, que definitivamente exibem os limites do novo sistema de abastecimento.

Pomar e horta, que consomem pouca água, sofrem restrições. Nas comunidades com abastecimento regular pelo poço ou rio existem normas formais ou tácitas para regrar esses gastos. Na Barra do Tamboril, a produção era restrita a quatro canteiros, na Sambaíba, o limite eram dois canteiros, e nada no Periperi. No entanto, em todas as comunidades, o reuso de água para horta e pomar era generalizado, do mesmo modo que os canteiros suspensos, que moderam o gasto de água. Sempre, porém, havia reclamações sobre incertezas, sobre começar uma horta e abandoná-la em meio à estação seca por conta da falta de água.

A lavoura de mantimentos passou a ser plantada no sequeiro, mesmo sabendo do risco da insuficiência de chuvas e, principalmente, do estrago que seria feito pelo veranico em janeiro. Nas lavouras de milho, sorgo, abóbora, mandioca, cana e feijões de corda, andu e catador, colheram tanto alimentos quanto insucessos, mas continuaram plantando todos os anos, junto com a hortinha, esta enquanto tinham água. Introduziram novidades para adaptar o plantio aos caprichos da natureza. Passaram a usar novas variedades, substituindo cultivares exigentes por outros resistentes; por exemplo: o feijão comercial - “feijão-de-arranca”, como dizem - foi substituído por feijão-catador ou feijão caupi. E o milho, que dava bons resultados em terras de mata seca, era plantado ao ritmo da oferta de sementes por programas estatais. A semente gratuita permitia arriscar plantar muitas vezes para salvar alguma coisa; se acostumaram a fazer até três replantas, perder sempre parte do cultivo e colher uma safra “salteada”, isso é, com maturação, granação e produtividade diferentes, dependendo de acertar ou não com mais ou menos precipitação. Boa parte das famílias passou a plantar sorgo, menos exigente em água, porém de uso restrito ao trato dos animais.

Mesmo minguadas, as águas que restaram em veredas costumavam ser usadas na agricultura, às vezes para irrigar pomar e horta, somente. Alguns produtores com recursos para abrir poços artesianos próprios irrigavam áreas e conseguiam sucesso no cultivo, embora acendendo conflitos tenebrosos sobre o direito privado às águas subterrâneas e, principalmente, sobre a desigualdade da distribuição entre os 110 litros per capita/dia de cada morador e os 25.000 litros/dia gastos na irrigação de um hectare de verduras.

O beneficiamento doméstico - farinha de mandioca, “puba”, polvilho ou “goma”, conservas - era ainda mais dificultado por exigir muita água: 2.000 litros para fazer 60 quilos de farinha. Beneficiamento se tornou tão difícil que, no Periperi, o processamento da mandioca - que sempre foi feito na estação da seca, quando o tubérculo perde água, ou “enxuga” - passou a ser feito em fevereiro e março, “quadra das águas”, para aproveitar o final do fluxo do riacho que se tornara intermitente.

Mas os principais efeitos eram sobre a criação, principalmente de gado bovino.

O gado foi a base da fartura do gerais. Criado nas soltas, se multiplicava num sistema de produtividade baixa, mas de custo também muito reduzido: algum sal na lua nova, forragens nativas, costeio muito eventual. Base da poupança, gado se convertia em dinheiro e bens de valor, representando ao mesmo tempo previdência e patrimônio (Macedo, 1952Macedo, J. N. (1952). As fazendas de gado do Vale do São Francisco. Rio de Janeiro: Serviço de Informações Agrícolas.; Santos, 2010Santos, M. G. (2010). Manoel Gonzaga dos Santos. In E. M. Ribeiro (Ed.), Histórias dos gerais. (pp. 113-139). Belo Horizonte: Editora UFMG.). Secamento de fontes e perdas de lavouras deram mais importância ao rebanho, que se tornou, muitas vezes, única fonte de renda da produção.

Por isso, todo geralista tinha alguma “sementinha de gado”. E como muitos deles recebem e guardam parte da aposentadoria - generalizada nas comunidades pesquisadas -, gado era a forma mais segura de poupança. Adquiriam animais, davam trato e costeio, e também alimentavam o conflito pela água da comunidade, porque a mediação de programas públicos fundamenta a ideia de igualdade de direitos no acesso à água. Mas como os tamanhos dos rebanhos são desiguais, o desentendimento surge quando o gado sobrepuja direitos de humanos.

Na Sambaíba, um “pantame” denominado por “Veneza”, remanescente úmido do riacho, era aberto a parte do gado dos moradores; mas a maioria bebia água do poço artesiano, de maneira que os donos de rebanhos maiores estavam sempre no centro das discórdias da comunidade. No Periperi, restava viva uma fonte na terra de um fazendeiro vizinho, que a cedia para o gado da comunidade desde que os criadores levassem o gado em marchas diárias de até 6 quilômetros, que duravam quase todo o ano. Já as condições peculiares da mata da Barra do Tamboril permitiam outros arranjos, porque o solo argiloso admite a escavação de “poços-baianos” para acumular água de chuvas, que permanecia retida geralmente até setembro, e aliviava o trato do rebanho. E como os solos férteis de mata permitem formar bons pastos de capins andropogon ou braquiarão, resistentes e muito produtivos, os rebanhos tinham mais conforto na estação seca.

As dificuldades para produzir estimularam iniciativas de beneficiamento de produtos do agroextrativismo. Algumas organizações comunitárias ampliaram muito sua capacidade de produzir, ressignificando a cata costumeira e abundante de frutos nativos. Construíram unidades de processamento, principalmente do pequi transformado em conserva, mas também aproveitando umbu e coquinho azedo, buriti, cajui, maracujá do mato e baru. Matéria-prima, organização, estímulos de programas públicos e, principalmente, a demanda feminina por renda própria, alimentaram as experiências, que foram bem-sucedidas até o domínio do processamento.

Existem, porém, entraves culturais e econômicos na reconversão produtiva. Dificilmente agricultores acreditavam no extrativismo como atividade produtiva regular, pois catar fruto do mato sempre foi recurso de complemento alimentar, e apenas quem vivia em grande dificuldade vendia esses produtos. Pelo lado econômico, existia o problema da escala de produção insuficiente para sustentar uma família, e da complexidade das vendas, que ocorriam apenas em feiras eventuais e compras incertas de organizações de apoio.

Problemas com abastecimento de águas, terras e comercialização, junto com a disseminação de programas, levaram comunidades rurais a valorizar Associações. Depois da família e antes da vizinhança, Associação é a instância para lidar com água por sua grande capacidade de atuar como “intérprete” (Alves et al., 2015Alves, M. O., Bursztyn, M., & Chacon, S. S. (2015). Ação coletiva e delegação de poder no Semiárido Nordestino: papel de lideranças locais e assessores externos numa comunidade rural. Revista de Economia e Sociologia Rural, 53(3), 409-432.). Falam para dentro: centralizam informações, organizam a distribuição e, principalmente, negociam os conflitos por excessos de consumo. E falam para fora: reivindicam, buscam projetos, criam relações com agências, e “capturam” os programas novos que sempre aparecem. Como técnicas de abastecimento têm vantagens e problemas, lideranças associativas precisam ampliar constantemente o número e a qualidade dos programas, por isso a Associação fica em estado permanente de negociação.

As agências públicas raramente conseguem fornecer água na medida das demandas da população rural. Principalmente, essas agências nunca dialogam entre si; cada qual prioriza seu escopo, sua técnica e sua clientela. Por isso, famílias e comunidades se esforçam para juntar programas que se ignoram e costumam ser adversários entre si. Até, muito oportunamente, se aproveitam das diferenças entre programas para realizar “capturas” e estabelecer complementaridades entre técnicas. E, assim, cabe às famílias e comunidades integrar, pela base, programas e técnicas, com uma singular divisão de trabalho: a comunidade, via Associação, se especializa em capturar fluxos de água, enquanto a família, por meio de sistemas de armazenamento, se especializa em gerir estoques. A arte da família é converter fluxos em estoques que sustentem a travessia da “quadra de seca”, e faz isso mesmo sabendo que estoques produzem águas de qualidade cultural inferior, e que qualquer água em fluxo tem qualidade superior. Vem daí o papel central das Associações, que estimulam as soluções comunitárias, costumeiras e informais, e dessa maneira também transforma programas, que acabam por validar procedimentos costumeiros, baseados no saber-fazer da localidade.

Mas as Associações se fortalecem também porque há tendência da população a se agrupar. No gerais, a “povoadização” se expande, com aglomeração de moradores em arruados. É preciso esclarecer que a tendência se acentuou ao longo do tempo, porque a população de gerais se assentou sempre perto das águas. Secamento de fontes e a ação de programas públicos contribuíram para acentuar esse movimento, que também foi reforçado por serviços associados: educação, saúde, comércio e cuidados pessoais rotineiros, que podem ser facilitados num aglomerado rural. Nestes, quando próximos de cidade, como é o caso da Sambaíba, são muitas as famílias multilocalizadas e pluriativas, com membros que se deslocam para trabalhar em serviços na proximidade.

A aglomeração acentua a capacidade de negociação dos geralistas: mais famílias, maior capacidade para reivindicar serviços públicos e, evidentemente, água. Ganhos com aglomeração, entretanto, também favorecem às agências públicas na prestação de serviços, pois a escala maior do atendimento reduz custos, facilita negociações e pode estimular a descentralização da gestão de equipamentos. Seguindo a tendência que foi inaugurada pelos serviços de educação rural com a “nucleação” das escolas - reunião de escolas rurais em povoados, reduzindo as despesas com ensino descentralizado desde os anos 1990 -, a água obedeceu à mesma lógica para organizar a prestação do serviço à população menos dispersa.11 11 Ojima (2013) ponderou que a concentração espacial da população conduz à melhoria no abastecimento de água no Semiárido, pois gera uma “simbiose urbano-rural saudável”, superando as dicotomias agricultura-indústria e urbano-rural, criando redes integradas de serviços e uma urbanização diferente daquela do Sudeste.

Esse estilo de distribuição, no entanto, precisa ser compreendido à luz da cultura de produção de alimentos, que é fundamental para essa população. E aqui existem dois aspectos paradigmáticos que precisam ser ponderados. O primeiro, quando a aglomeração de população otimiza o abastecimento de água, mas cerceia a agricultura. Nesse caso, não há qualquer vantagem, pois a facilidade do abastecimento é contraposta à dificuldade para produzir o alimento. O segundo, naquelas situações em que a aglomeração se associa à continuidade da agricultura, e assim acentua focos de tensão entre a distribuição da água e a expansão do consumo privado para a agropecuária. Essa tensão marca as comunidades do gerais, é o nó dos programas públicos.

5. Conclusões

Na medida limitada em que a comparação é possível, o abastecimento doméstico no gerais melhorou, e muito, em termos de redução da penosidade, da regularidade e da quantidade de água, embora não tenha necessariamente melhorado na qualidade culturalmente desejada. A melhoria foi baseada (i) num conjunto restrito de técnicas eficientes (ii) sustentado por financiamento crescente do setor público e pela (iii) adaptação do consumidor, que desenvolveu o aprendizado social de convivência com as condições de oferta e uso de água.

Analisando a seca na escala da família e da comunidade rural, aparecem sujeitos que usam com sabedoria a força da organização que construíram, fazem combinações produtivas sofisticadas para se reproduzir na terra, negociam no campo da política e rearranjam costumes e estilos de vida para atravessar a “quadra” difícil. A microeconomia da seca revela família e comunidade mobilizando recursos para minimizar perdas e tornar a estiagem um tranquilo fato cotidiano que, às vezes, é até confortável. Água, enfim, ganhou novo estatuto social, passou a ser reivindicada como direito de cidadãos e obrigação do setor público.

Diante da grande importância dos programas públicos e do Estado para provimento de água, surge a interrogação sobre oferta de água no futuro, pois o sistema depende majoritariamente de fontes pouco sustentáveis: poço artesiano, adução, caminhão-pipa. Em algum momento as tensões que acompanham o agravamento da escassez de água atingirão a política pública, inclusive porque a operacionalização do abastecimento acontece na escala do município, que compromete parte crescente do orçamento em programas geralmente elaborados para o curto horizonte de dois mandatos na prefeitura. Mas grande parte dos recursos mobilizados para o abastecimento vem dos governos federal e estadual, e aqui há uma consideração importante, uma vez que essa despesa é uma continuidade histórica daquilo que foi doado às “firmas” que acabaram com as águas: água se tornou um custo público, na persistente sistemática de privatização de benefícios e socialização de prejuízos.

  • 1
    A pesquisa que originou este artigo foi apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Cáritas Diocesana de Januária, Minas Gerais, aos quais os autores agradecem.
  • 2
    As características socioeconômicas dessas famílias guardam muitas semelhanças com as populações descritas nos estudos de Aquino & Lacerda (2014)Aquino, J. R., & Lacerda, M. A. D. (2014). Magnitude e condições de reprodução econômica dos agricultores familiares pobres no Semiárido Brasileiro: evidências a partir do Rio Grande do Norte. Revista de Economia e Sociologia Rural, 52(1), 167-188. e Balbino et al. (2023)Balbino, T. F., Ribeiro, E. M., & Shiki, S. F. N. (2023). A dinâmica da agricultura familiar no Vale do Jequitinhonha mineiro e aspectos contemporâneos: uma análise a partir dos Censos Agropecuários de 2006 e 2017. Revista de Economia e Sociologia Rural, 61(4), e258921. http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2022.258921
    http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2022...
    , ambos sobre o Semiárido.
  • 3
    Sobre universalização de aposentadorias ver Delgado (2008)Delgado, G. (2008). Reforma tributária e suas implicações para os direitos sociais - Seguridade Social (Carta Social e do Trabalho, Tributação, Equidade e Financiamento da Política Social, No. 8). Campinas: Cesit-IE-Unicamp.; sobre “milagrinho” ver Carvalho (2018)Carvalho, L. (2018). Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia.; sobre a “grande seca” consultar Aquino & Nascimento (2020)Aquino, J. R., & Nascimento, C. A. (2020). A grande seca e as fontes de ocupação e renda das famílias rurais no Nordeste do Brasil. Rev. Econ. Ne, 51(2), 81-97. e Mattos & May (2020)Mattos, L. C., & May, P. (2020). Duas secas climaticamente análogas no semiárido nordestino com impactos sociais distintos. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 55, 28-53..
  • 4
    De acordo com Mattos & May (2020)Mattos, L. C., & May, P. (2020). Duas secas climaticamente análogas no semiárido nordestino com impactos sociais distintos. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 55, 28-53., na seca da segunda década do século XXI agricultores contavam com técnicas de convivência, armazenamento, descentralização de oferta de água, diversificação econômica, seguridade social, valorização de gênero, agregação de valor, novos mercados, organização local e redes de apoio. Alves et al. (2015)Alves, M. O., Bursztyn, M., & Chacon, S. S. (2015). Ação coletiva e delegação de poder no Semiárido Nordestino: papel de lideranças locais e assessores externos numa comunidade rural. Revista de Economia e Sociologia Rural, 53(3), 409-432. analisaram combinações de inovações com métodos costumeiros de uso de recursos.
  • 5
    Sobre técnicas e custos do abastecimento no gerais ver Galizoni (2005)Galizoni, F. M. (2005). Águas da vida: população rural, cultura e água em Minas Gerais (Tese de doutorado). Unicamp, Campinas., Araújo et al. (2010)Araújo, V. M., Ribeiro, E. M., & Reis, R. P. (2010). Águas no rural do semiárido mineiro: uma análise das iniciativas para regularizar o abastecimento em Januária. Organizações Rurais & Agroindustriais, 12(2), 219-233. e Cruz et al. (2020)Cruz, G., Ribeiro, E. M., Araújo, V. M., & Assis, T. R. P. (2020). A seca no cotidiano: agricultura familiar e estiagem em comunidades rurais do gerais de Januária. Estudos Sociedade e Agricultura, 28(3), 700-720.; ver também Vasconcelos (2014)Vasconcelos, M. B. (2014). Poços para captação de águas subterrâneas: revisão de conceitos e proposta de nomenclatura. In Anais do XVIII Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas. Belo Horizonte: Associação Brasileira de Águas Subterrâneas. e Gualdani & Sales (2016)Gualdani, C., & Sales, M. (2016). Tecnologias sociais de convivência com o Semiárido e a racionalidade camponesa. Sustentabilidade em Debate, 7, 86-99.; sobre clientelismo: Mattos & May (2020)Mattos, L. C., & May, P. (2020). Duas secas climaticamente análogas no semiárido nordestino com impactos sociais distintos. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 55, 28-53. e Sabourin (2020)Sabourin, E. (2020). Clientelismo e participação nas políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 58(4), e217798. http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2020.217798
    http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2020...
    ; sobre desigualdades ver De Vos et al. (2006)De Vos, H., Boelens, R., & Bustamente, R. (2006). Formal law and local water control in the andean region: a fiercely contested field. International Journal of Water Resources Development, 22(1), 37-48. http://dx.doi.org/10.1080/07900620500405049
    http://dx.doi.org/10.1080/07900620500405...
    e Aleixo et al. (2016)Aleixo, B., Rezende, S., Pena, J. L., Zapata, G., & Heller, L. (2016). Direito humano em perspectiva: desigualdades no acesso à água em uma comunidade rural do nordeste brasileiro. Ambiente & Sociedade, 19(1), 63-82..
  • 6
    Sobre programas públicos para agricultores familiares ver Grisa & Schneider (2014)Grisa, C., & Schneider, S. (2014). Três gerações de políticas públicas para a agricultura familiar e formas de interação entre sociedade e estado no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 52(1), 125-146. e Ribeiro et al. (2014)Ribeiro, E. M., Ayres, E. B., Galizoni, F. M., Almeida, A. F., & Pereira, V. G. (2014). Programas sociais, mudanças e condições de vida na agricultura familiar do vale do Jequitinhonha mineiro. Revista de Economia e Sociologia Rural, 52(2), 365-386..
  • 7
    Cruz et al. (2020) estimaramCruz, G., Ribeiro, E. M., Araújo, V. M., & Assis, T. R. P. (2020). A seca no cotidiano: agricultura familiar e estiagem em comunidades rurais do gerais de Januária. Estudos Sociedade e Agricultura, 28(3), 700-720. em 83,33 litros/dia per capita no rural de Januária; Silva et al. (2020)Silva, J. L., Ribeiro, E. M., Lima, V. M. P., & Heller, L. (2020). As secas no Jequitinhonha: demandas, técnicas e custos do abastecimento no semiárido de Minas Gerais. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 22, http://dx.doi.org/10.22296/2317-1529.rbeur.202013
    http://dx.doi.org/10.22296/2317-1529.rbe...
    estimaram 50 litros no Jequitinhonha; Aleixo et al. (2016)Aleixo, B., Rezende, S., Pena, J. L., Zapata, G., & Heller, L. (2016). Direito humano em perspectiva: desigualdades no acesso à água em uma comunidade rural do nordeste brasileiro. Ambiente & Sociedade, 19(1), 63-82. encontraram 75 litros no rural do Ceará.
  • 8
    Sobre qualificação de águas no rural ver Ribeiro & Galizoni (2003)Ribeiro, E. M., & Galizoni, F. M. (2003). Água, população rural e políticas de gestão: o caso do vale do Jequitinhonha, Minas Gerais. Ambiente & Sociedade, 5(2), 129-146., Diegues (2007)Diegues, A. C. (2007). Água e cultura nas populações tradicionais brasileiras. In I Encontro Internacional: Governança da Água. São Paulo: NUPAUB/USP. e Galizoni (2013)Galizoni, F. M. (2013). Lavradores, águas e lavouras. Belo Horizonte: Editora UFMG.; sobre a historicidade das classificações das águas ver Hamlin (2000)Hamlin, C. (2000). Waters or Water? - master narratives in water history and their implications for contemporary water policy. Water Policy, 2(4), 313-325..
  • 9
    Efeitos de grandes projetos sobre agricultores foram analisados por Sigaud (1992)Sigaud, L. (1992). O caso das grandes barragens. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 18(7), 53-73., Galizoni (2005)Galizoni, F. M. (2005). Águas da vida: população rural, cultura e água em Minas Gerais (Tese de doutorado). Unicamp, Campinas. e Linton & Budds (2013)Linton, J., & Budds, J. (2013). The hydrosocial cycle: defining and mobilizing a relational-dialectical approach to water. Geoforum, 57, 170-180.; Shiva (2006)Shiva, V. (2006). Guerras por água: privatização, poluição e lucro. São Paulo: Radical. e Zwarteveen & Boelens (2011)Zwarteveen, M., & Boelens, R. (2011). La investigación interdisciplinaria referente a la temática de “justicia hídrica”. In R. Boelens (Eds.), Justicia hídrica, acumulación, conflicto y acción social. Lima: Instituto de Estudios Peruanos. analisam disputas envolvendo populações e águas.
  • 10
    Sobre armazenamento e reprodução de agricultores familiares do Semiárido consultar Teixeira & Pires (2017)Teixeira, C. T. M., & Pires, M. L. L. (2017). Análise da relação entre produção agroecológica, resiliência e reprodução social da agricultura familiar no Sertão do Araripe. Revista de Economia e Sociologia Rural, 55(1), 47-64..
  • 11
    Ojima (2013)Ojima, R. (2013). Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino: o papel das cidades no processo de adaptação ambiental. Cadernos Metrópole, 15(29), 35-54. ponderou que a concentração espacial da população conduz à melhoria no abastecimento de água no Semiárido, pois gera uma “simbiose urbano-rural saudável”, superando as dicotomias agricultura-indústria e urbano-rural, criando redes integradas de serviços e uma urbanização diferente daquela do Sudeste.
  • Como citar: Ribeiro, E. M., Galizoni, F. M., Cruz, G. C., & Silva, K. A. (2024). Agricultura familiar e programas de abastecimento de água no gerais do Alto-Médio rio São Francisco, Minas Gerais. Revista de Economia e Sociologia Rural, 62(4), e274867. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2023.274867
  • JEL Classification: R11; R58; Q15

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2023
  • Aceito
    13 Jan 2024
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