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Migrações internacionais e trabalho: venezuelanos em áreas do agronegócio no Rio Grande do Sul1 1 O artigo deriva dos investimentos de pesquisa realizados para a construção da dissertação de mestrado da primeira autora (Siso, 2023) junto ao Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

International migrations and work: Venezuelans in agribusiness areas in Rio Grande do Sul

Resumos

Resumo

A participação dos migrantes internacionais no mercado de trabalho formal brasileiro mudou a partir do ano 2010, com uma expressiva atuação do setor do agronegócio na inserção deles como força de trabalho. O objetivo desse artigo é analisar a inserção de imigrantes venezuelanos como trabalhadores em áreas do agronegócio no Rio Grande do Sul e as condições de trabalho à qual são submetidos; especificamente na agricultura, pecuária e frigoríficos nos municípios Júlio de Castilhos e Venâncio Aires. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que fez uso de fontes primarias mediante entrevistas semiestruturadas, fontes secundárias e revisão bibliográfica. Concluiu-se que as condições de trabalho correspondem às tipicamente retratadas no agronegócio: muito esforço físico, longas jornadas, contratações sazonais, baixos salários, risco à saúde ou à segurança e ações mediadoras sindicais e governamentais enfraquecidas, provocando sofrimento e frustrações. Ademais existe uma desconexão entre a formação ou experiência trazidas e a baixa qualificação necessária para exercer as atividades que absorvem os imigrantes no agro; contudo, eles conseguem aproveitar seu capital cultural para ressignificar sua presença. Por isso, estudos que visem mudar a visão de problema dos Estados são necessários, para destacar as contribuições das migrações à economia, à cultura e à sociedade.

Palavras-chave:
empregados rurais; imigrantes venezuelanos; agropecuária; agroindústria


Abstract

The participation of international migrants in the formal Brazilian labor market has changed since 2010, with a significant role for the agribusiness sector in inserting them into the workforce. The objective of this article is to analyze the insertion of Venezuelan immigrants as workers in agribusiness areas in Rio Grande do Sul and the working conditions to which they are subjected; specifically in agriculture, livestock farming and meatpacking plants in the municipalities of Júlio de Castilhos and Venâncio Aires. This is a qualitative study that used primary sources through semi-structured interviews, secondary sources and a bibliographic review. It was concluded that the working conditions correspond to those typically portrayed in agribusiness: high physical effort, long hours, seasonal hiring, low wages, health or safety risks and weakened union and government mediation actions, causing suffering and frustration. Furthermore, there is a disconnect between the education or experience brought and the low qualifications required to perform the activities that absorb immigrants in agriculture; however, they are able to use their cultural capital to give new meaning to their presence. Therefore, studies that aim to change the way States view the problem are necessary, to highlight the contributions of migration to the economy, culture and society.

Keywords:
rural workers; venezuelan immigrants; agriculture; agroindustry


1. Introdução

As pesquisas sobre a inserção de migrantes no mundo do trabalho frequentemente mencionam sua atuação na agricultura e em nichos de mercado rejeitados pelos cidadãos da sociedade de acolhida, onde as condições de trabalho nas quais frequentemente são inseridos, vêm sendo descritas como precárias (Tedesco, 2022Tedesco, J. C. (2022). Imigração no Sul do Brasil: transnacionalismos, sociabilidades e desenvolvimento econômico. Passo Fundo: Acervus. E-book.; Tedesco & Ambrosini, 2012Tedesco, J. C., & Ambrosini, M. (2012). Brasileiros na agricultura do Norte e Nordeste da Itália: irregularidade e otimização. REDES: Revista do Desenvolvimento Regional, 17(3), 50-73. Recuperado em 20 de setembro de 2023, de https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6547725
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; Avallone, 2014Avallone, G. (2014). Migraciones y agricultura en Europa del Sur: emergencia de un nuevo proletariado internacional. Migraciones Internacionales, 7(4), 137-169.). De acordo com a Organização Mundial das Migrações (OIM), nas últimas três décadas, as pessoas estão migrando principalmente para o Sul Global, e, ainda mais, dentro da própria região de origem, gerando uma regionalização da mobilidade (McAuliffe & Triandafyllidou, 2022McAuliffe, M., & Triandafyllidou, A. (2022). Informe sobre las Migraciones en el Mundo 2022. Genebra: Organización Internacional para las Migraciones (OIM). Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://publications.iom.int/books/informe-sobre-las-migraciones-en-el-mundo-2022
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). Para Phelps (2014)Phelps, E. D. (2014, february 6). South-south migration: why it’s bigger than we think, and why we should care. The Migrationits, a Collaborative International Migration. Recuperado em 19 de setembro de 2023, de https://themigrationist.wordpress.com/2014/02/06/south-south-migration-why-its-bigger-than-we-think-and-why-we-should-care/
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, as migrações do fluxo Sul-Sul reúnem os grupos sociais mais empobrecidos, que acabam sendo utilizados como mão de obra barata e flexível, sob condições precárias.

No Brasil, nas últimas décadas do século XX, após ações de integração das cadeias produtivas e tecnificação da produção do agronegócio brasileiro, houve um aumento nas relações de trabalho assalariado. Tal relação passa pela atuação de camponeses brasileiros, obrigados a vender a sua força de trabalho a se deslocar até os novos polos produtivos, até populações pobres das periferias urbanas (Marin & Drebes, 2020Marin, J. O. B., & Drebes, L. M. (2020). Migrações internacionais de jovens rurais: limites da reprodução social de agricultores familiares e construções da autonomia pessoal. Revista Brasileira de Sociologia, 8(19), 6. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=8735344
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; Marin et al., 2019Marin, J. O. B., Drebes, L. M., & Oliveira, F. S. (2019). Migrações internacionais de mulheres rurais. Cadernos CERU, 30(1), 168-200. http://doi.org/10.11606/issn.2595-2536.v30i1p168-200
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). Mais recentemente, a partir de 2010, migrantes internacionais vêm se inserindo nessa faixa de trabalhadores, tanto no setor primário (agropecuária), quanto na agroindústria, principalmente em frigoríficos região sul do país (Cavalcanti et al., 2021Cavalcanti, L., Oliveira, T., & Silva, B. G. (2021). 2011-2020: uma década de desafios para a imigração e o refúgio no Brasil: relatório anual 2021 (Série Migrações). Brasília: Observatório das Migrações Internacionais, Conselho Nacional de Imigração, Coordenação Geral de Imigração Laboral, Ministério da Justiça e Segurança Pública. Recuperado em 19 de setembro de 2023, de https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/Obmigra_2020/Relat%C3%B3rio_Anual/Relato%CC%81rio_Anual_-_Completo.pdf
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; Demétrio & Baeninger, 2023Demétrio, N., & Baeninger, R. (2023). Trabalho nos frigoríficos do Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, 6, 1-37. Recuperado em 21 de dezembro de 2023, de https://www.revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/view/159/153
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; Tedesco, 2022Tedesco, J. C. (2022). Imigração no Sul do Brasil: transnacionalismos, sociabilidades e desenvolvimento econômico. Passo Fundo: Acervus. E-book.). Dados oficiais revelam que, atualmente, a origem da maioria dos migrantes no Brasil está no próprio continente sul-americano. A comunidade mais populosa é proveniente da Venezuela, com forte presença nos postos de trabalho formal (Cavalcanti et al., 2021Cavalcanti, L., Oliveira, T., & Silva, B. G. (2021). 2011-2020: uma década de desafios para a imigração e o refúgio no Brasil: relatório anual 2021 (Série Migrações). Brasília: Observatório das Migrações Internacionais, Conselho Nacional de Imigração, Coordenação Geral de Imigração Laboral, Ministério da Justiça e Segurança Pública. Recuperado em 19 de setembro de 2023, de https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/Obmigra_2020/Relat%C3%B3rio_Anual/Relato%CC%81rio_Anual_-_Completo.pdf
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), que, segundo dados do Sistema de Registro Nacional Migratório (Sismigra), estão concentrados principalmente nas regiões Norte e Sul do país.

Nesse cenário, o artigo tem por objetivo analisar a inserção de imigrantes venezuelanos como trabalhadores em áreas do agronegócio no Rio Grande do Sul e as condições de trabalho a qual são submetidos, especificamente na agricultura, na pecuária e em frigoríficos nos municípios de Júlio de Castilhos e Venâncio Aires. O artigo está organizado em quatro partes, além dessa introdução. O segundo item trata da fundamentação teórica, da revisão de literatura sobre o tema e de alguns apontamentos importantes sobre a inserção dos imigrantes nos trabalhos do agronegócio, em diferentes países da América e da Europa. O item três trata da metodologia utilizada para construir este trabalho. O item quarto apresenta os resultados e faz a discussão sobre os casos da inserção de imigrantes venezuelanos em áreas do agronegócio no Rio Grande do Sul. E, por fim, são feitas considerações finais.

Sendo as migrações internacionais um desafio para o Estado brasileiro, o recorte da inserção dos migrantes como força de trabalho do agronegócio pode auxiliar a visibilidade e a compreensão da predominância e da interdependência entre fatores individuais e estruturais sobre o patamar em que se encontra o Brasil perante o fenômeno migratório, além de mostrar possíveis caminhos norteadores às ações do Estado e da sociedade.

2. Fundamentação Teórica

2.1 Os imigrantes como força de trabalho na agricultura

Há uma década, os estudos de Phelps (2014)Phelps, E. D. (2014, february 6). South-south migration: why it’s bigger than we think, and why we should care. The Migrationits, a Collaborative International Migration. Recuperado em 19 de setembro de 2023, de https://themigrationist.wordpress.com/2014/02/06/south-south-migration-why-its-bigger-than-we-think-and-why-we-should-care/
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chamam a atenção para esses cenários de migrações do fluxo Sul-Sul, produto de pesquisas na Ásia e na Europa, descrevendo como migrantes vêm sendo utilizados como fonte de mão de obra barata, sendo submetidos a trabalhos instáveis e a postos de pouca qualificação, ainda que eles tivessem alguma no seu país de origem. A migração laboral para os Estados Unidos e o Canadá é bastante expressiva e conhecida no continente americano. Mediante acordos bilaterais assinados entre os governos desses países, migrantes são encaminhados aos postos de trabalho agrícolas, demandados por grandes firmas produtoras de frutas, hortaliças, cana, leguminosas e outras culturas (Avallone, 2018Avallone, G. (2018). Trabajo y migraciones postcoloniales en la agricultura capitalista global. Revista Theomai, (38), 5-7. Recuperado em 20 de setembro de 2023, de https://www.redalyc.org/journal/124/12455418001/movil/
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; Hernández-León & Sandoval Hernández, 2017Hernández-León, R., & Sandoval Hernández, E. (2017). El reclutamiento de trabajadores temporales mexicanos para Estados Unidos: infraestructura burocrática, industria de la migración y economía del engaño en el programa de visas H-2. eScholarship. Recuperado em 19 de setembro de 2023, de https://escholarship.org/uc/item/0z98x5h4
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). No contexto europeu, onde parte dos cidadãos têm livre circulação no continente, a mobilidade é favorecida. Dados de 2014 apontam que os migrantes internos ocupavam quase a metade dos postos de trabalhos gerados pela produção agrícola de países como Espanha, Itália, Grécia e Portugal. Mais recentemente, a chegada de americanos e africanos contribuiu para a mudança da composição étnico-racial em tais postos de trabalho (Avallone, 2014Avallone, G. (2014). Migraciones y agricultura en Europa del Sur: emergencia de un nuevo proletariado internacional. Migraciones Internacionales, 7(4), 137-169., 2017Avallone, G. (2017). Migraciones y relaciones de poder en la agricultura global contemporánea: entre actualidad y ruptura de la herencia colonial. Relaciones Internacionales, (36), 73. http://doi.org/10.15366/relacionesinternacionales2017.36.004
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, 2018Avallone, G. (2018). Trabajo y migraciones postcoloniales en la agricultura capitalista global. Revista Theomai, (38), 5-7. Recuperado em 20 de setembro de 2023, de https://www.redalyc.org/journal/124/12455418001/movil/
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; Silva, 2016Silva, M. A. D. M. (2016). Trabalho rural: as marcas da raça. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 99, 139-167. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://www.scielo.br/j/ln/a/dkGcXmPQvvXQhmtTSkYzvwy/?format=html⟨=pt
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).

Nesse cenário, as condições de trabalho nas quais frequentemente são inseridos os imigrantes internacionais ao redor do mundo vêm sendo descritas por vários pesquisadores como 3d jobs (dirty, dangerous, demanding ou difficult). O acrônimo tem origem no Japão e, traduzido e adotado na língua inglesa, espalhou-se na literatura sobre migração e trabalho (Connell, 1993Connell, J. (1993). Kitanai, kitsui and kiken: the rise of labour migration to Japan. Sydney: Economic & Regional Restructuring Research Unit, University of Sydney. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://books.google.com.br/books/about/Kitanai_Kitsui_and_Kiken.html?id=pgyUAAAACAAJ&redir_esc=y
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; Kamaruddin; Abdullah & Ayob 2018Kamaruddin, R., Abdullah, N., & Ayob, M. A. (2018). Determinants of job satisfaction among Malaysian youth working in the oil palm plantation sector. Journal of Agribusiness in Developing and Emerging Economies, 8(4), 678-692. http://doi.org/10.1108/JADEE-06-2017-0063
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; Pajnik, 2016Pajnik, M. (2016). ‘Wasted precariat’: Migrant work in European societies. Progress in Development Studies, 16(2), 159-172. http://doi.org/10.1177/1464993415623130
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; Davies, 2019Davies, J. (2019). From severe to routine labour exploitation: the case of migrant workers in the UK food industry. Criminology & Criminal Justice, 19(3), 294-310. http://doi.org/10.1177/1748895818762264
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; Bragg & Hyndman, 2022Bragg, B., & Hyndman, J. (2022). Family matters: Navigating the intentional precarity of racialized migrant and refugee workers in Canadian meatpacking. Canadian Ethnic Studies, 54(3), 9-31. http://doi.org/10.1353/ces.2022.0023
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). Em português, vem sendo traduzido como sujo, perigoso e difícil/exigente/penoso (Cavalcanti et al., 2020Cavalcanti, L., Oliveira, T., & Macedo, M. (2020). Relatório anual 2020: imigração e refúgio no Brasil (Série Migrações). Brasília: Observatório das Migrações Internacionais, Conselho Nacional de Imigração, Coordenação Geral de Imigração Laboral, Ministério da Justiça e Segurança Pública. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/dados/relatorio-anual/2020/OBMigra_RELAT%C3%93RIO_ANUAL_2020.pdf
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; Tonhati & Macedo, 2020Tonhati, T. & Macedo, M. (2020). Imigração de mulheres no Brasil: movimentações, registros e inserção no mercado de trabalho formal (2010-2019). Périplos: Revista de Pesquisa sobre Migrações, 4(2), 125-155. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://periodicos.unb.br/index.php/obmigra_periplos/article/view/35905
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; Beltrão & Sugahara, 2006Beltrão, K. I., & Sugahara, S. (2006). Permanentemente temporário: dekasseguis brasileiros no Japão. Revista Brasileira de Estudos de Populacao, 23(1), 61-85. http://doi.org/10.1590/S0102-30982006000100005
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); ou como precário, perigoso e pesado (Tedesco, 2022Tedesco, J. C. (2022). Imigração no Sul do Brasil: transnacionalismos, sociabilidades e desenvolvimento econômico. Passo Fundo: Acervus. E-book.; Tedesco; Ambrosini, 2012Tedesco, J. C., & Ambrosini, M. (2012). Brasileiros na agricultura do Norte e Nordeste da Itália: irregularidade e otimização. REDES: Revista do Desenvolvimento Regional, 17(3), 50-73. Recuperado em 20 de setembro de 2023, de https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6547725
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). De acordo com os autores, os relatos do trabalho migrante no mundo acabam sendo descritos a partir dessas características, independentemente das leis e das instituições formais e informais que estejam operando, ainda mais, quando o trabalho tem lugar na agricultura.

Na América do Sul, até a primeira década do século XXI, destacavam-se principalmente as migrações internas. Por exemplo, a produção de mirtilos para exportação no Uruguai que atrai principalmente mulheres durante a colheita; a produção de uva e outras frutas para exportação no Chile inserem populações indígenas autóctones, principalmente mulheres (Silva, 2016Silva, M. A. D. M. (2016). Trabalho rural: as marcas da raça. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 99, 139-167. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://www.scielo.br/j/ln/a/dkGcXmPQvvXQhmtTSkYzvwy/?format=html⟨=pt
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). No Brasil, após a tecnificação da produção agrícola, ocorrida entre as décadas de 1950 e1970, ocorreu a integração das cadeias produtivas e o aumento das relações de trabalho assalariado. Nesse contexto, migrações internas de populações rurais representavam a principal força de trabalho em diferentes regiões do país (Moraes; 2016; Scott & Santos, 2014Scott, P., & Santos, D. A. (2014). Flexibilidade, liberdade e direitos: políticas e práticas de trabalho de mulheres migrantes no polo de fruticultura do Rio São Francisco–PE. Revista de Antropologia Vivência, (43), 29-46. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://periodicos.ufrn.br/vivencia/article/view/6801
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).

O Relatório da OIM de 2022 revela que aproximadamente 15 milhões de migrantes internacionais estavam transitando no Sul do continente americano e cujo país de origem fica na própria região, sendo Haiti, Colômbia, Venezuela, entre os principais; aparecendo novas categorias de migrantes e levando a criação de novas categorias de permanência (McAuliffe & Triandafyllidou, 2022McAuliffe, M., & Triandafyllidou, A. (2022). Informe sobre las Migraciones en el Mundo 2022. Genebra: Organización Internacional para las Migraciones (OIM). Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://publications.iom.int/books/informe-sobre-las-migraciones-en-el-mundo-2022
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). No Brasil, a partir do ano 2010, migrantes internacionais vêm se inserindo no mercado de trabalho formal, aumentando significativamente sua participação em diferentes setores, chamando a atenção seu recrutamento no setor primário (agropecuária), na agroindústria, e, principalmente, nos frigoríficos no sul do país (Cavalcanti et al., 2021Cavalcanti, L., Oliveira, T., & Silva, B. G. (2021). 2011-2020: uma década de desafios para a imigração e o refúgio no Brasil: relatório anual 2021 (Série Migrações). Brasília: Observatório das Migrações Internacionais, Conselho Nacional de Imigração, Coordenação Geral de Imigração Laboral, Ministério da Justiça e Segurança Pública. Recuperado em 19 de setembro de 2023, de https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/Obmigra_2020/Relat%C3%B3rio_Anual/Relato%CC%81rio_Anual_-_Completo.pdf
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; Demétrio & Baeninger, 2023Demétrio, N., & Baeninger, R. (2023). Trabalho nos frigoríficos do Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, 6, 1-37. Recuperado em 21 de dezembro de 2023, de https://www.revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/view/159/153
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; Tedesco, 2022Tedesco, J. C. (2022). Imigração no Sul do Brasil: transnacionalismos, sociabilidades e desenvolvimento econômico. Passo Fundo: Acervus. E-book.). Na sequência do artigo, vai ser analisada a participação de migrantes internacionais no mercado de trabalho brasileiro.

2.2 Imigrantes internacionais no mercado de trabalho formal brasileiro: latino-americanos e africanos ganham espaço

Dados históricos do Informe Anual OBMigra 2021 (Cavalcanti et al., 2021Cavalcanti, L., Oliveira, T., & Silva, B. G. (2021). 2011-2020: uma década de desafios para a imigração e o refúgio no Brasil: relatório anual 2021 (Série Migrações). Brasília: Observatório das Migrações Internacionais, Conselho Nacional de Imigração, Coordenação Geral de Imigração Laboral, Ministério da Justiça e Segurança Pública. Recuperado em 19 de setembro de 2023, de https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/Obmigra_2020/Relat%C3%B3rio_Anual/Relato%CC%81rio_Anual_-_Completo.pdf
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), revelam que em 2020 havia mais de 180 mil migrantes internacionais trabalhando no Brasil, um aumento significativo de quase 300% comparado com o ano 2011, quando tinha pouco mais de 62 mil (Tabela 1). Além disso, houve uma mudança no continente de origem: em 2011, o emprego formal era dominado pelos migrantes europeus, asiáticos e norte-americanos; em 2020, mais de 80% são migrantes sul-americanos e africanos. As mudanças na quantidade e na participação dos migrantes de origens africana e latino-americana (angolanos, senegaleses, cubanos, haitianos) são muito expressivas, como exposto na Tabela 1, cuja inserção no emprego formal apresentou um crescimento exponencial no período estudado. (Cavalcanti et al., 2022Cavalcanti, L., Oliveira, T., & Silva, B. G. (2022). 2 relatório anual OBMigra 2022 (Série Migrações). Brasília: Observatório das Migrações Internacionais, Conselho Nacional de Imigração, Coordenação Geral de Imigração Laboral, Ministério da Justiça e Segurança Pública. Recuperado em 19 de setembro de 2023, de https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/Obmigra_2020/OBMigra_2022/RELAT%C3%93RIO_ANUAL/Relat%C3%B3rio_Anual_2022_-_Vers%C3%A3o_completa_01.pdf
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).

Tabela 1
– Evolução da quantidade de imigrantes internacionais inseridos no mercado de trabalho formal brasileiro por continente de origem, 2011-2020

Em uma análise mais detalhada da década - pelos grupos ocupacionais - 85% do incremento no período foi gerado somente por três dos nove grupos ocupacionais: 1) O nicho dos trabalhadores agropecuários cresceu quase oito vezes, passando de 446 para 3.554 no fim do período, e a maioria deles é composta por migrantes sul-americanos (2.434 eram venezuelanos); 2) O grupo de serviços, comércio e lojas cresceu 426%; 3) a produção de bens e serviços industriais, que se divide em dois grupos, no seu conjunto cresceu mais de 2000%; neste grupo 3 está a agroindústria, indústrias de alimentos (que inclui os frigoríficos) e do fumo. No caso do recrutamento de migrantes pelos frigoríficos, é importante destacar que 80% dos vínculos empregatícios gerados entre 2019 e 2020 no subgrupo das indústrias de alimentos ocuparam postos de trabalho em abates avícolas ou suínos, o que é equivalente a aproximadamente 9 mil novos postos de trabalho migrante somente em um ano (Cavalcanti et al., 2021Cavalcanti, L., Oliveira, T., & Silva, B. G. (2021). 2011-2020: uma década de desafios para a imigração e o refúgio no Brasil: relatório anual 2021 (Série Migrações). Brasília: Observatório das Migrações Internacionais, Conselho Nacional de Imigração, Coordenação Geral de Imigração Laboral, Ministério da Justiça e Segurança Pública. Recuperado em 19 de setembro de 2023, de https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/Obmigra_2020/Relat%C3%B3rio_Anual/Relato%CC%81rio_Anual_-_Completo.pdf
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).

Na sequência, segundo dados do Relatório Anual da OBMigra de 2022 (Cavalcanti et al., 2022Cavalcanti, L., Oliveira, T., & Silva, B. G. (2022). 2 relatório anual OBMigra 2022 (Série Migrações). Brasília: Observatório das Migrações Internacionais, Conselho Nacional de Imigração, Coordenação Geral de Imigração Laboral, Ministério da Justiça e Segurança Pública. Recuperado em 19 de setembro de 2023, de https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/Obmigra_2020/OBMigra_2022/RELAT%C3%93RIO_ANUAL/Relat%C3%B3rio_Anual_2022_-_Vers%C3%A3o_completa_01.pdf
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), aponta que a agropecuária e os frigoríficos contrataram cerca de 11 mil trabalhadores imigrantes somente em 2021. Esse aumento acontece no começo da pandemia da Covid-19, quando os frigoríficos, enquadrados como atividade essencial, não pararam nem diminuíram a produção, tendo registrado aumento tanto na produção quanto na exportação (Speranza, 2023Speranza, C. G. (2023). Pandemia, trabalho em frigoríficos e cultura de direitos. Revista Mundos do Trabalho, 15, 1-16. http://doi.org/10.5007/1984-9222.2023.e91254
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). Esses resultados são relevantes e evidenciam a importância das pesquisas nesses segmentos. Na Figura 1 pode ser visualizada a composição dos migrantes inseridos no mercado de trabalho formal no ano de 2021.

Figura 1
– Painel da composição da população de imigrantes internacionais no Brasil inseridos no mercado de trabalho formal, agrupados por diferentes categorias, 2021. Fonte: Elaboração própria, com dados do Relatório Anual da OBMigra 2022 (Cavalcanti et al., 2022Cavalcanti, L., Oliveira, T., & Silva, B. G. (2022). 2 relatório anual OBMigra 2022 (Série Migrações). Brasília: Observatório das Migrações Internacionais, Conselho Nacional de Imigração, Coordenação Geral de Imigração Laboral, Ministério da Justiça e Segurança Pública. Recuperado em 19 de setembro de 2023, de https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/Obmigra_2020/OBMigra_2022/RELAT%C3%93RIO_ANUAL/Relat%C3%B3rio_Anual_2022_-_Vers%C3%A3o_completa_01.pdf
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).

No que se refere ao perfil dos imigrantes, à sua escolaridade e ao trabalho que realizam no Brasil, se percebe que mais de dois terços (69%) têm ensino médio ou superior completos, a maioria atingindo a faixa salarial de 1 até 2 salários-mínimos. A indústria, o setor varejista e a agropecuária recrutam migrantes em postos de baixa qualificação (o que explica os baixos salários), exercidos quase na sua totalidade por migrantes das Américas do Sul e Central e do Caribe.

A região Sul concentra quase a metade dos migrantes, fato decorrente da atração dos sujeitos para o setor do agronegócio, tanto no trabalho no campo quanto na indústria do abate (frigoríficos), com maior predominância de haitianos. Essa distribuição é consequência do processo de interiorização da Operação Acolhida2 2 No ano 2018, a Operação Acolhida foi instituída numa Medida Provisória, transformada em Lei nº 13.684/18, a qual deliberou para a efetivação do “Comitê Federal de Assistência Emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária”, especificamente, a migração dos venezuelanos. Financiada pelo governo brasileiro e executada pelas forças armadas, atua com apoio de agências da Organização das Nações Unidas – ONU, além de organizações da sociedade civil e privadas. Na prática, dá suporte para os imigrantes serem inseridos em postos de trabalho no país. , que tem reforçado o fluxo de migrantes para as regiões. Segundo Demétrio (2020), oDemétrio, N. B. (2020). Espaços regionais da agricultura globalizada e as novas migrações do agronegócio no Brasil (Textos NEPO, No. 89). Campinas: Unicamp. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://www.nepo.unicamp.br/publicacao/nepo-89/
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cenário das migrações configura-se em fator relevante no mercado de trabalho do agronegócio pela inserção de migrantes como força de trabalho, enquanto no Sul brasileiro vive-se um processo de envelhecimento populacional, intensificado pelo êxodo de jovens do meio rural e a diminuição da fecundidade.

2.3 O agronegócio brasileiro: o debate sobre a sua abrangência e a representatividade por trás do sucesso produtivo e geração de emprego

O agronegócio é compreendido como um termo globalizante equivalente ao “agribusiness” norte-americano. O Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo, descreve o agronegócio como como um setor da economia brasileira que envolve a produção primária, a agroindústria de processamento das matérias primas produzidas e, também, os produtores e provedores de insumos, de transporte e de outros serviços necessários para que os produtos agropecuários e agroindustriais cheguem ao consumidor final, no mercado nacional e internacional. Dito de outra forma, representa o setor produtivo rural e agroexportador brasileiro e suas atividades agroquímicas, industriais e comerciais que integram as cadeias produtivas relacionadas (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, 2023Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada – CEPEA. (2023). Boletim mercado de trabalho do agronegócio brasileiro. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://cepea.esalq.usp.br/br/publicacao.aspx
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).

A utilização do termo, porém, e a representatividade que o envolve são alvos de constantes debates sociais, políticos e ambientais. Nesse sentido, para Neves (2019), oNeves, D. P. (2019). Questão agrária: configurações de disputas de modelos de agricultura. In E. Castro (Ed.), Pensamento crítico latino-americano (317 p.). São Paulo: Annablume. Recuperado em 2 de outubro de 2023, de https://www.amerindiaenlared.org/uploads/adjuntos/202104/1618006744_qY1B4Bfs.pdf#page=318
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agronegócio não é mais do que o setor agroexportador, promotor de sistemas de produção intensiva, de monoculturas, de relações de trabalho assalariado e de acumulação de capital, para os quais a terra é mercadoria. Para Pompeia (2020)Pompeia, C. (2020). “Agro é tudo”: simulações no aparato de legitimação do agronegócio. Horizontes Antropológicos, 26, 195-224. Recuperado em 2 de outubro de 2023, de https://www.scielo.br/j/ha/a/xjhwQdTB5jVzgPqjnSCfGvQ/
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, esse sentido totalizante é uma estratégia dos líderes do setor para maximizar a importância econômica nacional e sua representatividade perante a sociedade e o Estado, baseado na intersetorialidade, em campanhas publicitárias, em interesses consensuados nos bastidores e canais de comunicação com líderes políticos, conseguindo influenciar o Estado para o controle da terra e dos meios de produção, além de um leque de benefícios e isenções financeiras. Nesse cenário, surgem debates em torno da sustentabilidade dos sistemas de produção do agronegócio, do abastecimento do mercado nacional, das condições e relações de trabalho, do acesso à terra, do acesso a crédito e das isenções tributárias.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) destaca o saldo positivo gerado pelo setor agroexportador quando analisa o banco de Dados Estatísticos Corporativos da Food and Agriculture Organization (Faostat) para o ano de 2020, destacando que o Brasil se posicionou entre os países com a maior produção e exportação de grãos no mundo (soja, milho, arroz e trigo), ocupando o 4° e 2° lugar, respectivamente. O país forneceu metade de toda a soja do mercado mundial; foi o terceiro maior exportador de frutas e detém o maior rebanho bovino do mundo, pelo qual, junto com outras carnes, fornece 13% da demanda mundial, sendo o 2° maior exportador de carnes (Picolotto, 2024Picolotto, E. L. (2024). Gigante com pés de barro: o trabalho rural como elo frágil do agronegócio em tempos de reformas trabalhistas. Dados, 67(3), e20210247. http://doi.org/10.1590/dados.2024.67.3.326
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).

O Boletim do Mercado de Trabalho do Agronegócio, elaborado pelo Cepea, da Universidade de São Paulo, também dá ênfase ao desempenho do setor, com foco na geração de empregos. No 3° trimestre de 2023, totalizou 28,5 milhões de pessoas ocupadas (PO) no setor, uma participação de 26,8% no total do país, o maior da série histórica iniciada em 2012. Desse total, 45% das PO, ou seja, quase a metade, estão trabalhando na agricultura, pecuária e agroindústrias; 35% estão no setor de agrosserviços e 19% em autoconsumo. A abrangência desses segmentos se evidencia nesta pesquisa, no fato de que os imigrantes entrevistados se encontram inseridos na criação de gado leiteiro, na horticultura e na indústria de abates.

Entretanto, esse cenário de sucesso econômico contrasta com a precariedade das condições de trabalho no espaço rural e na cadeia do agronegócio brasileiro. Tal situação encaixa-se na lógica capitalista de maximização dos lucros, sob um sistema de produção intensivo, de concentração fundiária, fortemente tecnificado e industrializado, sob controle dos meios de produção, mediante complexos agroindustriais; cujo objetivo é manter preços de venda competitivos no mercado interno e, sobretudo, no mercado internacional. Esse sistema acaba reduzindo o poder de decisão e autonomia dos trabalhadores e produtores do campo (Neves, 2019Neves, D. P. (2019). Questão agrária: configurações de disputas de modelos de agricultura. In E. Castro (Ed.), Pensamento crítico latino-americano (317 p.). São Paulo: Annablume. Recuperado em 2 de outubro de 2023, de https://www.amerindiaenlared.org/uploads/adjuntos/202104/1618006744_qY1B4Bfs.pdf#page=318
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; Tedesco 2022Tedesco, J. C. (2022). Imigração no Sul do Brasil: transnacionalismos, sociabilidades e desenvolvimento econômico. Passo Fundo: Acervus. E-book., 2023Tedesco, J. C. (2023). Imigração venezuelana no Brasil: fronteiras políticas e inserção social. Passo Fundo: Acervus. E-book.; Silva, 2016Silva, M. A. D. M. (2016). Trabalho rural: as marcas da raça. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 99, 139-167. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://www.scielo.br/j/ln/a/dkGcXmPQvvXQhmtTSkYzvwy/?format=html⟨=pt
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; Demétrio, 2020Demétrio, N. B. (2020). Espaços regionais da agricultura globalizada e as novas migrações do agronegócio no Brasil (Textos NEPO, No. 89). Campinas: Unicamp. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://www.nepo.unicamp.br/publicacao/nepo-89/
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; Demétrio & Baeninger, 2023Demétrio, N., & Baeninger, R. (2023). Trabalho nos frigoríficos do Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, 6, 1-37. Recuperado em 21 de dezembro de 2023, de https://www.revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/view/159/153
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).

Nos grupos de atividades dos segmentos primário e agroindústria, como exposto na Tabela 2, no setor primário mais da metade (54%) estão ocupadas somente em seis atividades; a pecuária bovina concentra quase um quarto da PO; as 5 principais lavouras no conjunto atraem outros 30%. Por sua vez, no segmento da agroindústria, as atividades derivadas da pecuária (abates, laticínios, couros e calçados) totalizam 25% das pessoas ocupadas.

Tabela 2
– Pessoas Ocupadas (PO) nos principais grupos de atividades por segmento do agronegócio brasileiro no 3° trimestre do ano 2023

De forma similar, no Rio Grande do Sul, com resultados divulgados no Painel de Agronegócio do estado até dezembro de 2021, a geração de empregos demonstra uma maior ocupação nas lavouras (51 mil postos) frente à pecuária (25 mil postos). Mas a agroindústria dos frigoríficos (abate e fabricação de produtos de carne) ligado à produção pecuária é o setor do agronegócio gaúcho que gera mais empregos, aproximadamente 86 mil postos de trabalho, muito além do que gera a produção primária no seu conjunto. Destacam-se, igualmente, as indústrias panificadora, beneficiadora de arroz e de produção de alimentos para animais na geração de empregos (Feix et al., 2022Feix, R. D., Leusin Júnior, S., Borges, B. K., & Pessoa, M. L. (2022). Painel do agronegócio do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do Governo do estado Rio Grande do Sul. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://dee.rs.gov.br/painel-agro
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). De fato, uma pesquisa mais recente demonstra como os migrantes internacionais estão sendo fortemente atraídos e recrutados para ocupar postos de trabalho nos frigoríficos e na agricultura e pecuária no Brasil, e como isso revela necessidade de atenção de aspectos além do econômico, como descrevem Demétrio e Baeninger (p. 19, 2023):

A concentração de imigrantes nos frigoríficos revela, portanto, a formação de um nicho de trabalho com forte apoio do Estado e das migrações dirigidas, na qual a combinação de solidariedades orgânicas e organizacionais, de atores estatais e parestatais, colocam novas questões para o entendimento das condições de vida e de trabalho dessa população (Demétrio & Baeninger, 2023, pDemétrio, N., & Baeninger, R. (2023). Trabalho nos frigoríficos do Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, 6, 1-37. Recuperado em 21 de dezembro de 2023, de https://www.revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/view/159/153
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. 19)

O sucesso retratado pela produtividade, a participação no PIB e a geração de emprego também são alvos de controvérsias. No caso dos índices econômicos, o setor é extremamente abrangente, superestimando resultados; o avanço da produção mecanizada emprega pouca mão de obra; e outros setores terceirizam a força de trabalho (Pompeia, 2020Pompeia, C. (2020). “Agro é tudo”: simulações no aparato de legitimação do agronegócio. Horizontes Antropológicos, 26, 195-224. Recuperado em 2 de outubro de 2023, de https://www.scielo.br/j/ha/a/xjhwQdTB5jVzgPqjnSCfGvQ/
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). Como visto, mais da metade das pessoas ocupadas estão no setor de agrosserviços (transporte, armazenagem, comércio e outros) e no autoconsumo (na agropecuária, exploração de minerais, artesanato e construção civil). Se por um lado são ocupações indiretas do setor e em boa parte terceirizados, por outro, os que trabalham para autoconsumo não têm remuneração nem carteira assinada, e, consequentemente, carecem dos benefícios trabalhistas. Assim, o restante é majoritariamente inserido na indústria alimentar, na agropecuária e como safrista (trabalho temporário). Sob condições precárias, longas e extenuantes jornadas, uma alta porcentagem de trabalhadores encontra-se na informalidade e há também casos frequentes de resgates de pessoas em trabalho análogo à escravidão no setor agropecuário (Picolotto & Lazzaretti, 2023Picolotto, E. L., & Lazzaretti, M. (2023). O sindicalismo da agricultura familiar no Sul do Brasil no cenário recente. Ejes de Economía y Sociedad, 7(12), 40-57. http://doi.org/10.33255/25914669/702
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; Picolotto, 2024Picolotto, E. L. (2024). Gigante com pés de barro: o trabalho rural como elo frágil do agronegócio em tempos de reformas trabalhistas. Dados, 67(3), e20210247. http://doi.org/10.1590/dados.2024.67.3.326
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; Pompeia, 2020Pompeia, C. (2020). “Agro é tudo”: simulações no aparato de legitimação do agronegócio. Horizontes Antropológicos, 26, 195-224. Recuperado em 2 de outubro de 2023, de https://www.scielo.br/j/ha/a/xjhwQdTB5jVzgPqjnSCfGvQ/
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; Marra et al., 2019Marra, G. C., Cohen, S. C., & Oliveira Cardoso, T. A. (2019). Reflexões sobre o trabalho em frigoríficos e seus impactos sobre a saúde dos trabalhadores. Trabalho & Educação, 28(2), 231-243. Recuperado em 9 de janeiro 2024, de https://periodicos.ufmg.br/index.php/trabedu/article/view/13534
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).

2.4 Trabalho intensivo e proteção enfraquecida: o drama das condições de trabalho na agricultura e nos frigoríficos

Os direitos do trabalhador rural no Brasil estão respaldados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pela Lei 5.889/1973, complementados pela Constituição de 1988, onde são declarados como igualitários aos de um trabalhador urbano, além de várias Instruções Normativas ministeriais. Além disso, os trabalhadores rurais estão organizados em mais de quatro mil sindicatos, federações e confederações (Picolotto & Lazzaretti, 2023Picolotto, E. L., & Lazzaretti, M. (2023). O sindicalismo da agricultura familiar no Sul do Brasil no cenário recente. Ejes de Economía y Sociedad, 7(12), 40-57. http://doi.org/10.33255/25914669/702
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; Picolotto, 2018Picolotto, E. L. (2018). Pluralidade sindical no campo? Agricultores familiares e assalariados rurais em um cenário de disputas. Lua Nova, (104), 201-238. http://doi.org/10.1590/0102-201238/104
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). O trabalhador dos frigoríficos brasileiros, assim como o trabalhador rural, é amparado pela CLT, além de Normas Regulamentadoras (NR), como a NR17 sobre conforto, segurança, saúde e desempenho eficiente no trabalho; e, a NR36, que estipula os parâmetros relativos à segurança e saúde no trabalho em empresas de abate e processamento de carnes e derivados. Também se estabelecem órgãos e instituições do Estado que operam juntamente com um arcabouço legal composto de leis, manuais e decretos (Guedes et al., 2022, pGuedes, I. N., Couto, L. A., Coqueiro, J. S., Gonçalves, N. C. M., & Meira, N. S. (2022). Agroindústria frigorífica: legislação correlatada, destinação de resíduos e aspectos ambientais: uma revisão bibliográfica. Meio Ambiente, 4(3), 11-25.. 5). Ainda, estes trabalhadores também estão vinculados à rede sindical dos trabalhadores da área da alimentação. O migrante internacional recebe o mesmo tratamento e direitos de um trabalhador nacional, respaldado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e pela Lei de Migração 13.445/2017 (Brasil, 1988Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 2 de maio de 2024, de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
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, 2017Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. (2017). Lei de Migração nº 13.445 de maio de 2017. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 2 de maio de 2024, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13445.htm
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).

Contudo, as condições de trabalho na agricultura, na pecuária e na indústria de alimentos, especificamente aquelas que processam produtos pecuários, como os frigoríficos, são retratadas como, mal remuneradas e frequentemente são denunciadas as condições de trabalho degradantes. Desde a Reforma Trabalhista e a Lei de Terceirizações, de 2017, as condições de trabalho e de remuneração podem ser flexibilizadas; o acordado se sobrepõe a Lei; foi reduzida a capacidade de fiscalização dos órgãos públicos; e os sindicatos perderam recursos e força para garantir os direitos dos trabalhadores assalariados (Picolotto, 2024Picolotto, E. L. (2024). Gigante com pés de barro: o trabalho rural como elo frágil do agronegócio em tempos de reformas trabalhistas. Dados, 67(3), e20210247. http://doi.org/10.1590/dados.2024.67.3.326
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; Picolotto & Lazzaretti, 2023Picolotto, E. L., & Lazzaretti, M. (2023). O sindicalismo da agricultura familiar no Sul do Brasil no cenário recente. Ejes de Economía y Sociedad, 7(12), 40-57. http://doi.org/10.33255/25914669/702
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).

Narrar como é a vida e a rotina de um trabalhador rural é uma tarefa dramática nas pesquisas do tema no Brasil e em outros países do mundo. As tentativas dos Estados em melhorar as condições de trabalho não são suficientes, quer pela falta de funcionários na assistência e fiscalização, quer pela falta de investimentos em serviços e infraestrutura, quer pelas lacunas jurídicas que ainda falta preencher, entre outras (Avallone, 2014Avallone, G. (2014). Migraciones y agricultura en Europa del Sur: emergencia de un nuevo proletariado internacional. Migraciones Internacionales, 7(4), 137-169.; Tedesco 2022Tedesco, J. C. (2022). Imigração no Sul do Brasil: transnacionalismos, sociabilidades e desenvolvimento econômico. Passo Fundo: Acervus. E-book., 2023Tedesco, J. C. (2023). Imigração venezuelana no Brasil: fronteiras políticas e inserção social. Passo Fundo: Acervus. E-book.; Tedesco & Ambrosini, 2012Tedesco, J. C., & Ambrosini, M. (2012). Brasileiros na agricultura do Norte e Nordeste da Itália: irregularidade e otimização. REDES: Revista do Desenvolvimento Regional, 17(3), 50-73. Recuperado em 20 de setembro de 2023, de https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6547725
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; Silva, 2016Silva, M. A. D. M. (2016). Trabalho rural: as marcas da raça. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 99, 139-167. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://www.scielo.br/j/ln/a/dkGcXmPQvvXQhmtTSkYzvwy/?format=html⟨=pt
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; Demétrio, 2020Demétrio, N. B. (2020). Espaços regionais da agricultura globalizada e as novas migrações do agronegócio no Brasil (Textos NEPO, No. 89). Campinas: Unicamp. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://www.nepo.unicamp.br/publicacao/nepo-89/
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). Salários baixos, trabalho informal, contratações sazonais (part-time, temporárias), somados à terceirização, longas jornadas e tarefas de grande esforço físico, que por vezes envolvem algum tipo de risco para a segurança pessoal e a saúde, são caraterísticas predominantes no setor.

Por sua vez, as tarefas realizadas nas linhas de produção dos frigoríficos se caracterizam pela divisão e especialização de cada função, sendo realizadas de forma repetitiva e simultânea, tornando as jornadas de trabalho intensas e cansativas, física e mentalmente, impossibilitando, inclusive, a socialização dos colegas de trabalho. Essas características são típicas dos sistemas de produção taylorista e fordistas, o que faz com que muitos dos trabalhadores acabem lesionados ou adoecidos física e/ou mentalmente (Marra et al., 2019Marra, G. C., Cohen, S. C., & Oliveira Cardoso, T. A. (2019). Reflexões sobre o trabalho em frigoríficos e seus impactos sobre a saúde dos trabalhadores. Trabalho & Educação, 28(2), 231-243. Recuperado em 9 de janeiro 2024, de https://periodicos.ufmg.br/index.php/trabedu/article/view/13534
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).

Outro aspecto está relacionado com a localização dos abates e as unidades de produção agropecuária, que, em geral, ficam isolados e distantes dos centros urbanos, com uma infraestrutura de serviços básicos fraca. A solidão e a ausência de atividades de lazer também são comuns, o que limita as possibilidades de tecer e manter laços afetivos, de amizade e redes de apoio, tornando esses trabalhadores mais vulneráveis física e juridicamente, o que pode ocasionar um limbo identitário. No caso dos imigrantes internacionais, somam-se as barreiras do idioma. Consequentemente, eles se expõem a maiores riscos de saúde - física e mental - e de segurança pessoal (Giongo et al., 2017Giongo, C. R., Monteiro, J. K., & Sobrosa, G. M. R. (2017). Suinocultor: vivências de prazer e sofrimento no trabalho precário. Psicologia e Sociedade, 29, 1-11. http://doi.org/10.1590/1807-0310/2017v29147648
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; Barros, 2018Barros, I. F. (2018). Trabalho assalariado no campo e novas formas de exploração da força de trabalho camponesa. Anais do XVI Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social, 1(1), 1-17. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://periodicos.ufes.br/abepss/article/view/22882
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; Jarochinski-Silva; Baeninger, 2021Jarochinski-Silva, J. C., & Baeninger, R. (2021). O êxodo venezuelano como fenômeno da migração Sul-Sul. Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, 29(63), 123-139. http://doi.org/10.1590/1980-85852503880006308
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).

A progressiva inserção de migrantes internacionais como força de trabalho nos frigoríficos e na agropecuária é um fato que vem acontecendo na última década, e, nos apontamentos de Demétrio & Baeninger (2023, pDemétrio, N., & Baeninger, R. (2023). Trabalho nos frigoríficos do Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, 6, 1-37. Recuperado em 21 de dezembro de 2023, de https://www.revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/view/159/153
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. 31), resultam em um sistema particular de recrutamento que “vincula humanitarismo à precarização do trabalho”; que oferece um vínculo de emprego formal, ou seja, todos com carteira assinada e acesso a direitos trabalhistas; mas, que, na verdade, são muito explorados, mascarando um intermediário (particular) que oferece “cuidado, controle e tutela”, despolitizando a pessoa migrante mediante sentimentos de fortuna e gratidão. Cabe salientar que essa complexa teia, responde também à influência da dinâmica das migrações Sul-Sul, que tem lugar pela forte atuação de redes de apoio formais e informais, constituídas pelos órgãos do Estado, organizações humanitárias internacionais, sociedade civil e redes de familiares e amizades; resultando numa combinação de “migração dirigida” e de redes sociais migratórias.

2.5 Fazer e sentir: trabalho, sentimentos e estratégias para construir uma nova vida

Pinzani (2019, pPinzani, A. (2019). Migration and social suffering. In J. Velasco & M. La Barbera (Eds.), Challenging the borders of justice in the age of migrations (Studies in Global Justice, No. 18, pp. 139-156). Cham: Springer. Recuperado em 21 de maio de 2024, de https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-030-05590-5_8
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. 150) afirma que “a desigualdade estrutural global é a principal força motriz por trás da pobreza e da migração”. Dados de 2021 revelam que o Norte Global é detentor de 46% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e agrupa somente 17,5% da população, ou seja, o Sul, com mais de 6 bilhões de habitantes, se disputa a outra metade do PIB. O Sul, por sua vez, é um território muito desigual, dividido em pequenas porções muito ricas e extensas áreas muito pobres, uma das consequências dessa situação é a migração dos pobres dentro da região (Tedesco, 2023Tedesco, J. C. (2023). Imigração venezuelana no Brasil: fronteiras políticas e inserção social. Passo Fundo: Acervus. E-book.).

Nesse contexto, alguns autores vêm analisando a questão do sofrimento social nas populações migrantes vinculada às diferentes esferas da vida (relações, saúde, trabalho, o psíquico e o comportamental) e às mudanças que acontecem na qualidade de vida individual e coletiva (Werlang & Mendes, 2013Werlang, R., & Mendes, J. M. R. (2013). Sofrimento social. Serviço Social & Sociedade, 3(116), 743-768. http://doi.org/10.1590/S0101-66282013000400009
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; Pussetti & Brazzabeni, 2011Pussetti, C., & Brazzabeni, M. (2011). Sofrimento social: idiomas da exclusão e políticas do assistencialismo. Etnográfica, 15(3), 467-478. http://doi.org/10.4000/etnografica.1036
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). O sofrimento é social porque surge como consequência das relações de poder desiguais na estrutura social, na limitação da capacidade de ação dos sujeitos, e, inclusive, pela adjetivação dos migrantes como simples dados estatísticos que oscilam entre representações políticas e sociais opostas: vulneráveis/autônomos, vítimas/criminosos, necessários/tolerados, entre outras (Pistório et al., 2021Pistório, B. V., Leão, L. H. D. C., & Pignatti, M. G. (2021). Sofrimento Social de Trabalhadores Rurais Assentados na Contracorrente do Agronegócio, na Bacia do Juruena-MT. Psicologia, 41(spe2), e190898. http://doi.org/10.1590/1982-3703003190898
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; Pussetti & Brazzabeni, 2011Pussetti, C., & Brazzabeni, M. (2011). Sofrimento social: idiomas da exclusão e políticas do assistencialismo. Etnográfica, 15(3), 467-478. http://doi.org/10.4000/etnografica.1036
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; Pinzani, 2019Pinzani, A. (2019). Migration and social suffering. In J. Velasco & M. La Barbera (Eds.), Challenging the borders of justice in the age of migrations (Studies in Global Justice, No. 18, pp. 139-156). Cham: Springer. Recuperado em 21 de maio de 2024, de https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-030-05590-5_8
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). Então, a condição de migrante, além de um instrumento legal, equivale a uma “nova dimensão ontológica e existencial na qual a antiga personalidade muda e possivelmente se dissolve” (Pinzani, 2019, pPinzani, A. (2019). Migration and social suffering. In J. Velasco & M. La Barbera (Eds.), Challenging the borders of justice in the age of migrations (Studies in Global Justice, No. 18, pp. 139-156). Cham: Springer. Recuperado em 21 de maio de 2024, de https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-030-05590-5_8
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. 142). Essa situação desafiadora coloca os migrantes como alvos fáceis de assédio, humilhação, exclusão, exploração, desemprego ou emprego precário. Um recente estudo de Aron Said et al. (2022)Aron Said, V., Feline Freier, L., & Corpi Arnaud, S. (2022). “Migrar es como morir para renacer en otro lugar”: la experiencia de venezolanos en Perú. Migraciones Internacionales, 13, 22. http://doi.org/10.33679/rmi.v1i1.2548
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sobre o sofrimento de venezuelanos no Peru revela esses sentimentos em cada uma das etapas da migração e o desafio diário na luta pela inclusão econômica, social e cultural.

Nas análises de Werlang & Mendes (2013, pWerlang, R., & Mendes, J. M. R. (2013). Sofrimento social. Serviço Social & Sociedade, 3(116), 743-768. http://doi.org/10.1590/S0101-66282013000400009
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. 766), o sofrimento acontece quando “os espaços de vida vêm se tornando espaços da precariedade”, sendo a precariedade no local de trabalho um desencadeante de medos, insatisfação, desconforto ou angústia. Quando os sujeitos são submetidos a tarefas de risco, cansativas, exploratórias, salários baixos e responsabilidades muito competitivas é gerada uma pesada carga mental e física. Nesse contexto, os sentimentos têm consequências na psique, que se manifesta em dificuldades de autorreconhecimento, de sentido de pertença e de afiliação, que podem levar à autoexclusão ou alienação.

Neste ponto, é importante voltar às análises feitas do processo migratório de argelinos como força de trabalho na França na obra de Sayad (1998)Sayad, A. (1998). A imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo. Recuperado em 2 de outubro de 2023, de https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=E1tPJOKBo9cC&oi=fnd&pg=PA13&dq=A+imigra%C3%A7%C3%A3o+ou+os+Paradoxos+da+Alteridade&ots=yr02Zqq6cs&sig=D0QND2Qj65Z0knkjg_kTMnKGYYE
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. O autor rebate os princípios de justiça e moral do Estado e da sociedade, concluindo que a migração é mais uma forma de sujeição num regime diferente de governo, como ocorreu com as pessoas escravizadas em outra época da história. A exclusão política do imigrante é um fato principalmente naturalizado, uma presença apenas tolerada como transitória e por razões de trabalho. Nesse cenário, Sayad se preocupa pelo estudo simultâneo da emigração/imigração, nas suas dimensões coletiva/individual, espacial e temporal; entendendo que perpassa as diferentes disciplinas das ciências sociais (história, geografia, demografia, economia, direito, sociologia, psicologia), ciências cognitivas (antropologia, linguística, sociolinguística) e ciências políticas (Sayad, 1998Sayad, A. (1998). A imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo. Recuperado em 2 de outubro de 2023, de https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=E1tPJOKBo9cC&oi=fnd&pg=PA13&dq=A+imigra%C3%A7%C3%A3o+ou+os+Paradoxos+da+Alteridade&ots=yr02Zqq6cs&sig=D0QND2Qj65Z0knkjg_kTMnKGYYE
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, 2008Sayad, A. (2008). Estado, nación e inmigración: el orden nacional ante el desafío de la inmigración. Apuntes CECYP, (13), 101-116. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://publicaciones.sociales.uba.ar/index.php/apuntescecyp/article/view/4015
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). Sayad (1998)Sayad, A. (1998). A imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo. Recuperado em 2 de outubro de 2023, de https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=E1tPJOKBo9cC&oi=fnd&pg=PA13&dq=A+imigra%C3%A7%C3%A3o+ou+os+Paradoxos+da+Alteridade&ots=yr02Zqq6cs&sig=D0QND2Qj65Z0knkjg_kTMnKGYYE
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e Bourdieu (2007)Bourdieu, P. (2007). A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp. colocam no tapete a discussão dos padrões de dominação herdados do período colonial. Nessa linha, os conceitos de habitus e capitais são fundamentais para a compreensão do comportamento e as escolhas do ser humano:

[...] nem sempre todas as propriedades incorporadas (disposições) ou objetivadas (bens econômicos ou culturais), associadas aos agentes, são eficientes simultaneamente; [...] dependem, antes do que mais nada, do capital específico que eles podem mobilizar, seja qual for sua riqueza em outra espécie de capital [...] (Bourdieu, 2007, pBourdieu, P. (2007). A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp.. 107).

As escolhas dos sujeitos giram em torno de um projeto migratório que avalia as vantagens do trajeto, do destino e das oportunidades. Tudo ganha sentido pela confiança e pelo respaldo herdado, construído e transmitido, no lugar de origem e de destino. Juntamente com o habitus, ou reação em cadeia que vai propagando a migração e a construção e manutenção de redes de apoio. Os imigrantes também têm capitais econômicos (bens ou dinheiro), sociais (contatos que provém informação valiosa de rotas, legislação, empregos) e culturais (estudos realizados, diplomas, vontade de estudar ou se profissionalizar), trazidos e acumulados que encaminham sua inserção na sociedade destino (Oliveira & Kulaitis, 2017Oliveira, M. D., & Kulaitis, F. (2017). Habitus imigrante e capital de mobilidade: a teoria de Pierre Bourdieu aplicada aos estudos migratórios. Mediações: Revista de Ciências Sociais, 22(1), 15-47. http://doi.org/10.5433/2176-6665.2017v22n1p15
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; Oliveira & Cavalcanti, 2023Oliveira, M. D., & Cavalcanti, L. (2023). Habitus e capitais migratórios de haitianos no Paraná. Trajetória educacional e inserção profissional em contextos de mobilidades. REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, 31, 115-133. Recuperado em 19 de setembro de 2023, de https://www.scielo.br/j/remhu/a/ShXM9cHMnGJ3WXcwbgkdwxp/?lang=pt
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).

É preciso salientar, entretanto, que os migrantes conseguem aproveitar melhor esses capitais à medida em que as instituições do Estado no país de destino propiciam condições legais, assistenciais e de integração para que encaminhem seus primeiros passos. Baseados nas análises de índices econômicos como PIB, arrecadação de impostos, envio/recebimento de remessas, participação no mercado de trabalho e no empreendedorismo, entre outros, há uma corrente de pesquisadores que reconhecem a migração internacional como motor de desenvolvimento dos países, e reforçam o importante papel dos Estados para que isso aconteça.

Goldin (2016)Goldin, I. (2016, January 21). Cómo la inmigración ha cambiado y mejorado el mundo. The World Economic Forum. Recuperado em 2 de maio de 2024, de https://es.weforum.org/agenda/2016/01/como-la-inmigracion-ha-cambiado-y-mejorado-el-mundo/
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assinala categoricamente que os migrantes internacionais oferecem benefícios econômicos significativos para os países de acolhida, destacando que mais de um terço da mão de obra qualificada nos Estados Unidos corresponde a migrantes. Além disso, os migrantes também são parte importante da mão de obra não qualificada na construção, na agricultura e no setor de serviços (um cenário parecido ao do Brasil), sendo a contribuição na arrecadação de impostos maior que as despesas geradas pelos serviços e benefícios que acessam. Outra pesquisa, na Europa, revelou que economias desenvolvidas não são impactadas negativamente pelo aumento de migrantes internacionais, colocando o caso de Alemanha, que entre os anos de 2013 e 2016 aumentou significativamente o ingresso de migrantes, e contrário do que se pensava, sua economia se manteve estável, com aumento no superávit. Os autores concluem que as despesas geradas pela integração e pelo atendimento dessa população são compensadas no médio prazo pelo emprego e consumo que geram (D’Albis et al., 2018D’Albis, H., Boubtane, E., & Coulibaly, D. (2018). Macroeconomic evidence suggests that asylum seekers are not a “burden” for Western European countries. Science Advances, 4(6), eaaq0883. http://doi.org/10.1126/sciadv.aaq0883
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apud Brito, 2018Brito, S. (2018, junho). Imigrantes fazem bem à economia, conclui estudo. Veja. Recuperado em 2 de maio de 2024, de https://veja.abril.com.br/ciencia/imigrantes-fazem-bem-a-economia-conclui-estudo
https://veja.abril.com.br/ciencia/imigra...
). De forma similar, o Relatório de abril de 2020 do Fundo Monetário Internacional (IMF) defende que os benefícios da migração são mais previsíveis em países com economias avançadas, onde podem aumentar a produção e a produtividade até 1% após cinco anos (International Monetary Fund, 2020International Monetary Fund – IMF. (2020). World economic outlook: the great lockdown. Washington, D.C. Recuperado em 2 de maio de 2024, de https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2020/04/14/weo-april-2020#Chapter%204
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; Engler et al., 2020Engler, F., MacDonald, M., Piazza, R., & Sher, G. (2020, junho 18). A migração para economias avançadas pode acelerar o crescimento. IMF Blog. Recuperado em 2 de maio de 2024, de https://www.imf.org/pt/Blogs/Articles/2020/06/19/blog-weo-chapter4-migration-to-advanced-economies-can-raise-growth
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). Economias em desenvolvimento também são beneficiadas, porém mais paulatinamente, devido às barreiras que ainda precisam ser superadas com a regulamentação dos migrantes, que pode ser pensada e revista pelos Estados.

As pesquisas em geral são similares ao compreender que os Estados podem lidar melhor o fenômeno migratório e obterem benefícios se mudarem a visão de problema e desenvolverem políticas de integração, ensino de idiomas, facilitação da validação de diplomas, dinamização do mercado de trabalho e qualificação, tanto de migrantes quanto nacionais, para minimizar a sensação de perda de espaços. Dessa forma, a contribuição das migrações internacionais pode ir além da sua participação no mercado de trabalho e consumo, contribuindo com enriquecimento da cultura, promoção do turismo e melhorias nas projeções demográficas, como a fecundidade e o envelhecimento populacional.

3. Metodologia

Trata-se de uma pesquisa predominantemente qualitativa com base em revisão bibliográfica e documental, entrevistas semiestruturadas e conversas informais. Como apontam Poupart et al. (2008, pPoupart, J., Deslauriers, J. P., Groulx, L. H., Laperrière, A., Mayer, R., & Pires, A. P. (2008). A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos, 2. Petrópolis: Vozes. Recuperado em 2 de outubro de 2023, de https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1895937/mod_resource/content/1/04_OB-JACCOUD_MAYER.pdf
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. 147), a pesquisa qualitativa trata centralmente de captar: “(a) experiência, as representações, as definições da situação, as opiniões, as palavras, o sentido da ação e dos fenômenos [...]”. A força da pesquisa qualitativa está no detalhamento das práticas e do pensamento das pessoas, oferecendo respostas ao “como” ou “que” fizeram em determinadas situações, por isso valoriza mais a riqueza descritiva das percepções e das experiências analisadas do que sua quantidade. Nessa perspectiva, em pesquisa qualitativa, a qualidade das informações obtidas é mais relevante do que a quantidade de informantes.

A técnica de coleta de dados utilizada se baseia em fontes primárias e fontes secundárias. A fonte primária consistiu na aplicação de uma entrevista semiestruturada, além de conversas informais. A população de migrantes venezuelanos residente no Brasil representa o universo de estudo. Assim, para delimitar uma amostragem, optou-se por fazer um estudo de casos múltiplos, considerando as limitações de mobilidade, dispersão e acessibilidade, com escolha intencional de um grupo mais ou menos homogêneo localizado no Rio Grande do Sul. No total, foram entrevistados oito migrantes que trabalharam em atividades do agronegócio, uma servidora da “Casa do Migrante”, serviço de acolhimento e atendimentos para imigrantes, apátridas e refugiados do Município de Venâncio Aires, uma liderança de movimento social e de apoio aos imigrantes de Julho de Castilhos. O contato com os entrevistados foi facilitado por um assentado da reforma agrária de Júlio de Castilhos e uma servidora do município de Venâncio Aires, indicados por uma pesquisadora do Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão Direitos Humanos e Mobilidade Humana Internacional (Migraidh) da UFSM. Esses facilitadores, que atuam há anos com os migrantes, reconheceram a importância e a relevância da pesquisa, e transmitiram essa percepção aos entrevistados, possibilitando o acesso até eles e a possibilidade de realizar um franco e seguro contato para as atividades de pesquisa (Poupart et al., 2008, pPoupart, J., Deslauriers, J. P., Groulx, L. H., Laperrière, A., Mayer, R., & Pires, A. P. (2008). A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos, 2. Petrópolis: Vozes. Recuperado em 2 de outubro de 2023, de https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1895937/mod_resource/content/1/04_OB-JACCOUD_MAYER.pdf
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. 201).

As entrevistas foram realizadas entre os meses de junho de 2022 e fevereiro de 2023. Foram necessárias duas saídas a campo, uma até Júlio de Castilhos, e outra até Venâncio Aires, onde foram entrevistados pessoalmente quatro dos imigrantes e a servidora da “Casa do Migrante”. Na cidade de Santa Maria, estava morando outro que foi entrevistado em dois contatos: um pessoalmente e outro vía e-mail. Os outros três foram entrevistados mediante uma conversa telefônica.

As fontes secundárias utilizadas constituem-se de relatórios oficiais e dados estatísticos contidos em anais, informes, cartilhas, entre outros, gerados por órgãos nacionais e organizações internacionais, além da revisão de fontes bibliográficas, com diferentes autores, clássicos e contemporâneos, que abordam as categorias estudadas.

A diversidade de fontes permite abranger com maior amplitude o fenômeno, tendo como centro os achados nas entrevistas, a comparação dos relatos, outras experiências que eles acrescentaram e a observação das emoções (Lima, 2016, pLima, M. (2016). O uso da entrevista na pesquisa empírica. Métodos de pesquisa em ciências sociais: bloco qualitativo. In R. D. Almeida & A. Abdal (Eds.), Métodos de pesquisa em Ciências Sociais: bloco qualitativo (pp. 24-41). Serviço Social do Comércio (Sesc) e o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Recuperado em 1 de outubro de 2023, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1983-82202013000200003&script=sci_arttext
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. 24). A categorização, hierarquização e triangulação dos dados foi o caminho para conformar o quadro mais completo possível do fenômeno migratório, nas suas dimensões espacial e temporal, ou como colocam Sá-Silva et al. (2009, pSá-Silva, J. R., Almeida, C. D., & Guindani, J. F. (2009). Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, 1(1), 1-15. Recuperado em 2 de outubro de 2023, de https://www.academia.edu/download/38143476/Analise_Documental.pdf
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. 10), “novas formas de compreender os fenômenos”. Portanto, também é importante uma abordagem mais integrativa, no uso de dados qualitativos e quantitativos, dito que não existe um continuum entre abordagens quantitativas e qualitativas (Souza Minayo et al., 2009, pSouza Minayo, M. C., Deslandes, S. F., & Gomes, R. (2009). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes.. 21), ou seja, são complementares (Falsarella, 2015Falsarella, A. M. (2015). O lugar da pesquisa qualitativa na avaliação de políticas e programas sociais. Avaliação, 20(3), 703-715. http://doi.org/10.1590/S1414-40772015000300009
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).

Tentou-se abranger a maior quantidade de informações de órgãos oficiais nacionais e internacionais e, no caso das bibliografias, autores antigos e mais contemporâneos, de maneira de garantir a maior qualidade do resultado (Sousa et al., 2021Sousa, A. S., Oliveira, G. S., & Alves, L. H. (2021). A pesquisa bibliográfica: princípios e fundamentos. Cadernos da FUCAMP, 20(43), 64-83. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://revistas.fucamp.edu.br/index.php/cadernos/article/view/2336
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), para oferecer, além de respostas, a melhor visão do fenômeno, numa leitura ordenada, coerente e abrangente (Gil, 2008Gil, A. C. (2008). Como elaborar projetos de pesquisa (4ª ed.). São Paulo: Atlas. Recuperado em 1 de outubro de 2023, de https://www.academia.edu/download/31031805/9482_lista_de_revisao_1%C3%83%E2%80%9Ao_bimestre_com_respostas_direito.pdf
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).

4. Resultados e Discussão

4.1 Rio Grande do Sul acolhe venezuelanos: redes de apoio e oportunidades de emprego

Há quase dez anos, por volta do ano 2015, a constante chegada de venezuelanos ao Brasil foi matéria nas mídias e na agenda do Governo Federal e dos governos estaduais e municipais. Segundo os dados do Sistema de Registro Nacional Migratório (Sismigra), entre janeiro de 2010 e dezembro de 2022, mais de 350 mil venezuelanos receberam algum tipo de visto para morar no Brasil (Cavalcanti et al., 2022Cavalcanti, L., Oliveira, T., & Silva, B. G. (2022). 2 relatório anual OBMigra 2022 (Série Migrações). Brasília: Observatório das Migrações Internacionais, Conselho Nacional de Imigração, Coordenação Geral de Imigração Laboral, Ministério da Justiça e Segurança Pública. Recuperado em 19 de setembro de 2023, de https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/Obmigra_2020/OBMigra_2022/RELAT%C3%93RIO_ANUAL/Relat%C3%B3rio_Anual_2022_-_Vers%C3%A3o_completa_01.pdf
https://portaldeimigracao.mj.gov.br/imag...
). Informações da plataforma R4V3 3 Em 2018, sob diretrizes da ONU, foi criada a Plataforma Regional de Coordenação Interagencial R4V (Response for Venezuelans), para o registro e seguimento à migração venezuelana, abrangendo 17 países. No Brasil conta com a parceria de 55 organizações. Também pode-se pesquisar os dados da interiorização da Operação Acolhida (Plataforma R4V, 2023). apontam que, até novembro de 2023, residiam no Brasil 429 mil venezuelanos, incluindo todas as possibilidades de vistos, sendo mais de 100 mil refugiados.

Uma revisão mais detalhada dos dados do Sismigra revela que a maioria dos imigrantes venezuelanos se concentra nos estados fronteiriços de Roraima e Amazonas, com 64% do total, e os três estados da região Sul concentram aproximadamente 20% dos venezuelanos. O estado do Rio Grande do Sul atraiu um total de 15.746 venezuelanos no período de 2010 a 2022, alguns beneficiados pela Operação Acolhida, mediante o processo de interiorização e o recrutamento de empresas do agronegócio: frigoríficos e unidades de produção agropecuária (Tedesco, 2023Tedesco, J. C. (2023). Imigração venezuelana no Brasil: fronteiras políticas e inserção social. Passo Fundo: Acervus. E-book.; Demétrio & Baeninger, 2023Demétrio, N., & Baeninger, R. (2023). Trabalho nos frigoríficos do Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, 6, 1-37. Recuperado em 21 de dezembro de 2023, de https://www.revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/view/159/153
https://www.revistatdh.org/index.php/Rev...
). A maioria, porém, interioriza-se por conta própria, com ajuda de uma rede social de contatos que inclui família, amigos e sociedade civil, o que também acontece com outros grupos de migrantes, como os haitianos (Oliveira & Cavalcanti, 2023Oliveira, M. D., & Cavalcanti, L. (2023). Habitus e capitais migratórios de haitianos no Paraná. Trajetória educacional e inserção profissional em contextos de mobilidades. REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, 31, 115-133. Recuperado em 19 de setembro de 2023, de https://www.scielo.br/j/remhu/a/ShXM9cHMnGJ3WXcwbgkdwxp/?lang=pt
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). Já no Rio Grande do Sul (Figura 2), pode-se observar que os municípios das áreas metropolitanas - Porto Alegre, Caxias do Sul e Canoas - concentram a maioria. No interior do estado, há vários municípios com comunidades de mais de 300 venezuelanos.

Figura 2
– Densidade populacional venezuelana no estado do Rio Grande do Sul até dezembro de 2022, identificando os munícipios da pesquisa. Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Sistema de Registro Nacional Migratório (Sismigra), até dezembro de 2022.

Na pesquisa realizada, foram entrevistados oito imigrantes de origem venezuelana, residentes no estado do Rio Grande do Sul e que atuavam como trabalhadores no agronegócio, com o objetivo de evidenciar as condições de trabalho na qual se envolvem, o acesso a serviços de proteção legal e assistenciais, as conexões ou desconexões entre suas experiências e formação (capital cultural) e as tarefas que desempenham nos diferentes postos de trabalho, localizados nos municípios Júlio de Castilhos e Venâncio Aires.

O município Júlio de Castilhos está localizado na Mesorregião do Centro Ocidental Rio-Grandense, na Microrregião de Santiago. De acordo com o Censo Demográfico do IBGE de 2022, possui uma população de 18.226 habitantes. A atividade econômica agrícola historicamente é a pecuária, destacando entre os maiores produtores de leite no estado; mas, nas décadas recentes a produção de trigo e soja vem ganhando espaço, e fica como o terceiro maior produtor de soja do RS (Feix et al., 2022Feix, R. D., Leusin Júnior, S., Borges, B. K., & Pessoa, M. L. (2022). Painel do agronegócio do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do Governo do estado Rio Grande do Sul. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://dee.rs.gov.br/painel-agro
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). São frequentes os consórcios lavoura-pecuária, sendo atendidos na grande maioria por empregados sob contratações permanentes; a família tem pouco envolvimento nas lavouras, com consequente emigração dos jovens e envelhecimento da população (Cargnin, 2015Cargnin, M. (2015). Um olhar sobre as transformações no espaço rural de Júlio de Castilhos/RS. In C. De David, R. F. Wizniewsky & J. W. Cancelier (Eds.), Rio Grande do Sul: estudos de geografia agrária (p. 59). Porto Alegre: Evangraf. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://www.ufsm.br/cursos/pos-graduacao/santa-maria/ppggeo/wp-content/uploads/sites/538/2019/05/Rio-Grande-do-Sul-estudos-de-geografia-agr%C3%A1ria.pdf#page=59
https://www.ufsm.br/cursos/pos-graduacao...
). Por sua vez, o munícipio Venâncio Aires localiza-se na Mesorregião do Centro Oriental Rio-Grandense e na Microrregião de Santa Cruz do Sul, entre o Vale do Rio Pardo e o Vale do Taquari; possui uma população de 68.653 habitantes. Destaca-se pela produção de fumo, ficando entre os maiores produtores do estado; também é um polo importante na produção de erva mate e laranja (Feix et al., 2022Feix, R. D., Leusin Júnior, S., Borges, B. K., & Pessoa, M. L. (2022). Painel do agronegócio do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do Governo do estado Rio Grande do Sul. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://dee.rs.gov.br/painel-agro
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). Sua proximidade com o Vale de Taquari, onde se concentra boa parte da produção de frango do estado, faz com que se beneficie da geração de empregos nesse setor.

Algumas das principais informações dos imigrantes venezuelanos entrevistados, relacionadas à inserção no mercado de trabalho no agro, no Rio Grande do Sul, e as condições nas que se envolvem, estão sistematizadas no Quadro 1.

Quadro 1
– Inserção no mercado de trabalho no agro e condições de contratação dos migrantes entrevistados.

Uma das entrevistadas, Elimar, relata sua chegada no Brasil: “estou no Brasil há um ano, primeiro cheguei em Boa Vista, aguentei, acho que dois, três meses, mais ou menos assim, esperando a ONU (interiorização da Operação Acolhida), tenho um primo aqui e ele me pediu”. Além do primo que esperava em Venâncio Aires, tinha um filho morando em Boa Vista, no estado de Roraima, há algum tempo.

A chegada ao Rio Grande do Sul é acionada pelos contatos e pela oferta de empregos, especificamente em ocupações agrícolas e nos frigoríficos, mas também pela ajuda de brasileiros. Três dos migrantes que trabalhavam em Júlio de Castilhos/RS, pertencem ao mesmo grupo familiar: duas irmãs e o esposo de uma delas; as irmãs têm duas crianças cada. O casal chegou à cidade de Santa Maria/RS como destino de passagem para seguir até o Uruguai, onde foram convidados a se estabelecer por um amigo. Mas conheceram um brasileiro, assentado da reforma agrária, que viabilizou sua inserção no trabalho rural, cedendo moradia em uma chácara de sua propriedade. Javier, um dos entrevistados, explica:

[...] quando cheguei em Santa Maria (com a esposa e duas crianças), uma dona de lar me ajudou [...] daí outros amigos que conhecemos lá (todos brasileiros) nos ajudaram com a comida, e outro nos ajudou com um botijão e uma senhora que tinha um fogão [...] em Santa Maria foi que eu conheci ao João (amigo brasileiro assentado da Reforma Agrária), ele me ajudou a ficar aqui onde estarmos, depois disso foi que eu consegui me estabelecer, trabalhando, durante dois anos, em fazendas (empresas leiteiras). (Javier, imigrante venezuelano em Júlio de Castilhos/RS).

No momento da entrevista, Javier morava nessa chácara em Júlio de Castilhos, aonde também chegaram mais integrantes do grupo familiar, vindos da Venezuela, atraídos pela sua experiência no local. Cabe destacar que esse grupo familiar já tinha realizado migrações internas na Venezuela, entre as cidades de Carúpano e Margarita, na região oriental do país.

De forma similar ocorreu a experiência de Clemente e sua família, já que a decisão de migrar também foi acionada por familiares e amigos envolvidos em projetos migratórios no Brasil e em países da América do Norte e da Europa. Pela situação de crise generalizada na Venezuela, a emigração passou a ser idealizada para a sobrevivência das famílias, especialmente aquelas que têm crianças, como é o caso de seis dos oito entrevistados. Clemente relata:

Estou no Brasil há 3 anos. A situação econômica e a falta de serviços me obrigaram a sair da Venezuela. Viajamos por toda a Venezuela de ônibus até chegarmos a Santa Elena (cidade venezuelana) na fronteira com o Brasil, de lá caminhamos pelos arredores da Gran Sabana Amazônica até chegarmos a Pacaraima (estado de Roraima, Brasil), sendo este o primeiro país estrangeiro onde moro. (Clemente, imigrante venezuelano em Júlio de Castilhos)

Além disso, na Venezuela, a família de Clemente também teve experiências de migração interna: Clemente é professor de educação física, sua esposa comerciante de frutas, são oriundos da região andina venezuelana, mas moravam em uma cidade diferente de onde nasceram.

A escolha do Brasil como destino é marcada pela rede de contatos composta de familiares e amigos, bem como pelas facilidades para entrada documentada, moradia temporária gratuita para solicitantes de refúgio em caso de necessidade e possibilidade de acesso ao processo de interiorização oferecida gratuitamente pelo Estado até outras cidades, com garantia de inserção laboral. Assim, se revela o habitus migrante como parte da trajetória dos entrevistados (Oliveira & Kulaitis, 2017Oliveira, M. D., & Kulaitis, F. (2017). Habitus imigrante e capital de mobilidade: a teoria de Pierre Bourdieu aplicada aos estudos migratórios. Mediações: Revista de Ciências Sociais, 22(1), 15-47. http://doi.org/10.5433/2176-6665.2017v22n1p15
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), a força das redes sociais, composta de familiares, amigos antigos e novos, no lugar de destino, junto com a gestão do Estado, que constroem os caminhos e as vidas desses migrantes (Tedesco, 2023Tedesco, J. C. (2023). Imigração venezuelana no Brasil: fronteiras políticas e inserção social. Passo Fundo: Acervus. E-book.; Demétrio & Baeninger, 2023Demétrio, N., & Baeninger, R. (2023). Trabalho nos frigoríficos do Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, 6, 1-37. Recuperado em 21 de dezembro de 2023, de https://www.revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/view/159/153
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).

4.2 “Já aí era uma exploração... muito trabalho para apenas duas pessoas”: trabalho precário em áreas do agronegócio e instrumentos de proteção enfraquecidos

As condições de trabalho na agropecuária e na agroindústria onde foram inseridos, infelizmente, podem ser descritas como precário, pesado, perigoso (Cavalcanti et al., 2020Cavalcanti, L., Oliveira, T., & Macedo, M. (2020). Relatório anual 2020: imigração e refúgio no Brasil (Série Migrações). Brasília: Observatório das Migrações Internacionais, Conselho Nacional de Imigração, Coordenação Geral de Imigração Laboral, Ministério da Justiça e Segurança Pública. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/dados/relatorio-anual/2020/OBMigra_RELAT%C3%93RIO_ANUAL_2020.pdf
https://portaldeimigracao.mj.gov.br/imag...
; Tonhati & Macedo, 2020Tonhati, T. & Macedo, M. (2020). Imigração de mulheres no Brasil: movimentações, registros e inserção no mercado de trabalho formal (2010-2019). Périplos: Revista de Pesquisa sobre Migrações, 4(2), 125-155. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://periodicos.unb.br/index.php/obmigra_periplos/article/view/35905
https://periodicos.unb.br/index.php/obmi...
; Beltrão & Sugahara, 2006Beltrão, K. I., & Sugahara, S. (2006). Permanentemente temporário: dekasseguis brasileiros no Japão. Revista Brasileira de Estudos de Populacao, 23(1), 61-85. http://doi.org/10.1590/S0102-30982006000100005
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). Isso é uma situação que se repete em outros lugares do mundo, como nos continentes europeu, asiático e nos Estados Unidos, que empregam um alto contingente de imigrantes internacionais nas lavouras e na indústria alimentar sob condições de alto risco, por vezes sem nenhum amparo legal (Davies, 2019Davies, J. (2019). From severe to routine labour exploitation: the case of migrant workers in the UK food industry. Criminology & Criminal Justice, 19(3), 294-310. http://doi.org/10.1177/1748895818762264
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, Tedesco & Ambrosini, 2012Tedesco, J. C., & Ambrosini, M. (2012). Brasileiros na agricultura do Norte e Nordeste da Itália: irregularidade e otimização. REDES: Revista do Desenvolvimento Regional, 17(3), 50-73. Recuperado em 20 de setembro de 2023, de https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6547725
https://dialnet.unirioja.es/servlet/arti...
; Silva, 2016Silva, M. A. D. M. (2016). Trabalho rural: as marcas da raça. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 99, 139-167. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://www.scielo.br/j/ln/a/dkGcXmPQvvXQhmtTSkYzvwy/?format=html⟨=pt
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; Demétrio, 2020Demétrio, N. B. (2020). Espaços regionais da agricultura globalizada e as novas migrações do agronegócio no Brasil (Textos NEPO, No. 89). Campinas: Unicamp. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://www.nepo.unicamp.br/publicacao/nepo-89/
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; Demétrio & Baeninger, 2023Demétrio, N., & Baeninger, R. (2023). Trabalho nos frigoríficos do Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, 6, 1-37. Recuperado em 21 de dezembro de 2023, de https://www.revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/view/159/153
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).

Para quem é empregado na agricultura ou nos frigoríficos, o tempo de descanso e lazer é bastante reduzido, e o benefício de moradia parece ser uma certa forma de controle para os imigrantes, justificando o trabalho pesado. Nos relatos, especialmente, os entrevistados que atuaram na atividade leiteira e nas fumageiras descreveram ter realizado muito esforço físico durante longas jornadas, com horas extras trabalhadas sem pagamento, além do caráter sazonal das contratações. Clemente descreve como era a rotina de tarefas diariamente:

[...] preparar tudo para a ordenha, desinfetar os equipamentos, procurar líquidos para lavar os tetos das vacas, trazer guardanapos, luvas, procurar as vacas que estavam no galpão de descanso, conforme o temperatura que tinha, ligar o sistema de irrigação para molhar os animais a fim de controlar sua temperatura corporal, extrair leite ou ordenhar, assistir partos, queimar os chifres dos bezerros, uma vez retirado o leite dos recipientes, depois tinha que lavá-los (Clemente, imigrante venezuelano em Júlio de Castilhos)

Por outro lado, a inexperiência nas tarefas de lavoura, pecuária e frigoríficos se traduz em maior fadiga e estresse, que aumentam as probabilidades, já presentes, de adoecimentos ou acidentes, colocando em risco a segurança e a saúde dos migrantes. A localização de trabalho em regiões isoladas dos centros mais povoados traz duas situações: aumento do tempo dedicado ao trabalho devido ao transporte diário e, quando a moradia é próxima ao local de trabalho, além de se expor a maior exploração, há uma dificuldade no acesso a serviços assistenciais e atividades de lazer. Para os migrantes que trabalhavam em um frigorífico em Venâncio Aires, a jornada era intensa e até perigosa, pelas tarefas de corte e pelos horários do trabalho. Moraima relata que

[...] às 3h da manhã passa o transporte (da empresa). Eu chego até lá e aí eu começo a trabalhar e, às 4h da manhã, lá eu faço o primeiro intervalo (descanso), às 5h eu faço o outro; são 10 minutos de hora em hora, o trabalho é muito forçado (de pé, fazendo cortes de carne) (Moraima, imigrante venezuelana em Venâncio Aires).

Em geral, os entrevistados tinham somente um dia livre na semana, e relatam ter que trabalhar aproximadamente 10 horas diárias. São os casos de Betzaida e Javier, que trabalhavam na mesma empresa de laticínios:

[...] quando começamos, trabalhavam quatro pessoas por ordenha... Alguns dias (depois, quando a pandemia começou) ficou reduzido a duas pessoas por ordenha, onde são 500 vacas. E você tinha que fazer o seu trabalho, e para ter tempo, você tinha que correr (fazer rápido). Já aí era uma exploração, porque eu sou sincera, dava muito trabalho para apenas duas pessoas... (quando alguém falta ao trabalho) eles convocam você, porque você é quem mora lá, sim, (dizem) vêm trabalhar para você cobrir (ao colega que não veio). Mas aí eles não pagam esse dia e não tiram nenhum dia de trabalho de você (Betzaida, imigrante venezuelana em Júlio de Castilhos)

A faixa salarial predominante nos entrevistados é de 1 até 2 salários-mínimos, como é o padrão salarial da grande maioria dos empregados nas atividades rurais no Brasil. Paradoxalmente, a grande maioria tem elevada escolaridade (cinco deles têm nível superior de estudos), mas acabam inseridos em postos de baixa qualificação. Devido ao período trabalhado e ao cumprimento de contrato, somente dois chegaram a receber décimo terceiro salário e férias. Tal situação se repete em outros países do continente, como evidenciado em outras pesquisas sobre migrantes em Chile (Baeninger et al., 2021Baeninger, R., Demétrio, N. B., Fernandes, D. M., & Domeniconi, J. (2021). Cenário das migrações internacionais no Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, 4, 1-35. Recuperado em 20 de setembro de 2023, de http://www.revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/view/89
http://www.revistatdh.org/index.php/Revi...
; Tedesco, 2022Tedesco, J. C. (2022). Imigração no Sul do Brasil: transnacionalismos, sociabilidades e desenvolvimento econômico. Passo Fundo: Acervus. E-book.; Berríos-Riquelme, 2021Berríos-Riquelme, J. (2021). Inserção no mercado de trabalho de imigrantes profissionais venezuelanos no norte do Chile: precariedade e discriminação à luz da política migratória. REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, 29, 117-132. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://www.scielo.br/j/remhu/a/7SC5NCMH8JBMpNxSY3kCgXK/
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; Demétrio & Baeninger, 2023Demétrio, N., & Baeninger, R. (2023). Trabalho nos frigoríficos do Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, 6, 1-37. Recuperado em 21 de dezembro de 2023, de https://www.revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/view/159/153
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; Picolotto, 2024Picolotto, E. L. (2024). Gigante com pés de barro: o trabalho rural como elo frágil do agronegócio em tempos de reformas trabalhistas. Dados, 67(3), e20210247. http://doi.org/10.1590/dados.2024.67.3.326
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).

Além das condições de trabalho, a sazonalidade obriga os migrantes a mudarem de emprego e de lugar de moradia em curtos períodos. No momento da entrevista, cinco entrevistados já tinham sido demitidos ou pedido demissão. A carência de contato com sindicatos de trabalhadores ou servidores públicos de órgãos governamentais para a proteção dos trabalhadores é mais uma questão a ser observada na experiência dos entrevistados. Embora todos estivessem cientes da existência de um sindicato de trabalhadores, a maioria relatou não possuir nenhum tipo de contato com o órgão, nem no início, durante ou no momento da rescisão do contrato de trabalho. Somente uma das migrantes conversou com o sindicato sobre convênios de saúde: Rosario, que trabalhou durante a safra do setor fumageiro em Venâncio Aires: “eu sei que eles estavam, mas não tive contato sobre questões do trabalho, somente uma vez perguntei sobre um plano odontológico”. No mesmo município, mas em outra empresa de fumo, Gael relata:

Em 20 dias, eu fiz diferentes tarefas, como ajudante mecânico [...] consertamos uma turbina... fazendo limpeza [...] jogando madeira nas caldeiras... dirigindo o carro para transportar trabalhadores, mas, o chefe não estava satisfeito com meu trabalho e me sobrecarregou com mais coisas [...] a jornada começava às 7 da manhã até às 5:30 da tarde. Às vezes, trabalhava horas extras sem receber pagamento... o meu chefe falou: eu tenho esse cartão aqui que diz que sou agrônomo aqui (no Brasil), mas fora de aqui eu não sou ninguém. Ou seja, vocês estão assim agora; eu me senti humilhado e explorado. Então, fui falar diretamente com quem me contratou e pedi demissão. Não procurei o sindicato, não tenho certeza se tinha, mas acho que sim. (Gael, imigrante venezuelano em Venâncio Aires).

Os entrevistados declararam desconhecimento das leis trabalhistas, e talvez por isso não têm noção se o pagamento recebido foi o certo, por terem simplesmente aceitado. Dois entrevistados foram demitidos ainda com atestado médico por causa de Covid-19, mas não fizeram nenhuma reclamação, tampouco procuraram assessoria legal particular, do sindicato ou de servidores do Estado. Em seu relato, Betzaida conta como foi demitida, e destaca a falta de confiança para acionar o sindicato:

Chegou o momento no dia seguinte, segundo dia de Covid (estava doente), que estou trabalhando, não aguentei, estava me desmaiando, me tiraram pálida da ordenha... Aí sim, tive que ficar em casa... meu marido, que entregou atestado (médico), foi demitido... de fato, Javier e minha irmã, foram demitidos ainda tendo atestado (médico). Ou seja, eles tinham como reclamar na justiça que foram demitidos com Covid, mas eles não fizeram nada... (quando perguntada sobre o sindicato) tem sindicato sim, mas, não, nada, aí eles (os colegas) não concordam com nada disso (ou seja, não eram sindicalizados) (Betzaida, venezuelana imigrante em Júlio de Castilhos).

O relato de Betzaida evidencia como as ações sindicais mediadoras nas contratações ou demissões são fracas ou ausentes. Além disso, reforça, como já apontado em pesquisas anteriores (Picolotto, 2024Picolotto, E. L. (2024). Gigante com pés de barro: o trabalho rural como elo frágil do agronegócio em tempos de reformas trabalhistas. Dados, 67(3), e20210247. http://doi.org/10.1590/dados.2024.67.3.326
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; Picolotto & Lazzaretti, 2023Picolotto, E. L., & Lazzaretti, M. (2023). O sindicalismo da agricultura familiar no Sul do Brasil no cenário recente. Ejes de Economía y Sociedad, 7(12), 40-57. http://doi.org/10.33255/25914669/702
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), a falta de contato com órgãos de fiscalização governamental, como o Ministério do Trabalho e a Justiça do Trabalho, responsáveis pela proteção dos direitos trabalhistas.

As condições e relações de trabalho encontradas nos relatos também evidenciam o sofrimento pelo qual passam os migrantes (Werlang & Mendes, 2013Werlang, R., & Mendes, J. M. R. (2013). Sofrimento social. Serviço Social & Sociedade, 3(116), 743-768. http://doi.org/10.1590/S0101-66282013000400009
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): exploração, humilhação, isolamento, falta de amparo com doenças e insegurança, gerando sentimentos de insatisfação e angústia. Cabe destacar que essa situação não é exclusiva dos trabalhadores migrantes: nos relatos, os entrevistaram disseram que as mesmas situações eram enfrentadas pelos trabalhadores nacionais. Moraima, que trabalhava em um frigorífico, relata: “o trabalho é de muito esforço (físico) sim, e o brasileiro também trabalha do mesmo jeito”. Os relatos dos migrantes vão ao encontro de outras pesquisas, que apontam denúncias no setor dos abates relacionadas a doenças físicas e mentais provocadas pelo trabalho excessivo e de risco (Giongo, Monteiro & Sobrosa, 2017Giongo, C. R., Monteiro, J. K., & Sobrosa, G. M. R. (2017). Suinocultor: vivências de prazer e sofrimento no trabalho precário. Psicologia e Sociedade, 29, 1-11. http://doi.org/10.1590/1807-0310/2017v29147648
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).

4.3 “O Brasil foi a opção mais segura e concreta”: gratidão perante a desilusão

A desilusão é um sentimento presente nos migrantes frente a uma atuação no mercado de trabalho que é desconectada de suas experiências ou de sua escolaridade, está agravada pela dificuldade em revalidar diplomas no Brasil. Ainda assim, os migrantes são perseverantes na busca por melhores oportunidades, sentem-se gratos e valorizam as conquistas que têm. Gael, que é formado em Engenharia Metalúrgica, destaca a importância do ensino superior em sua família: “minha esposa tem bacharelado em Gestão Ambiental, [...] meu irmão mais novo é professor de matemática e mora no Chile há sete anos, e a esposa dele é médica”. Seu filho mais novo, em idade escolar, estuda atualmente e tem planos de entrar em uma universidade, talvez por isso Gael conta que se sente satisfeito. Quando foi entrevistado, Gael trabalhava numa indústria metalmecânica no município Venâncio Aires/RS em tarefas vinculadas a sua experiência, ocupando uma vaga qualificada. Ele passou, porém, por diferentes ocupações anteriormente, entre as quais o trabalho rural:

Eu cheguei ao Brasil com outras expectativas, um ex-colega de trabalho me propôs uma parceria para abrir uma padaria em Boa Vista, mas a gente não conseguiu [...] acabei morando num refúgio e trabalhando como vendedor ambulante. Cheguei até Venâncio Aires graças a interiorização (Operação Acolhida). Viemos um grupo de 60 venezuelanos, todos com trabalho garantido na fumageira... encaminhado pela Casa do Imigrante (órgão da Prefeitura). (Gael, imigrante venezuelano em Venâncio Aires).

Clemente, que é professor, relata: “O Brasil foi a opção mais segura e concreta, pois aqui tenho uma tia com seus filhos”. Ainda que tenha ensino superior, trabalha como auxiliar num supermercado, mas se sente satisfeito porque seus filhos estão estudando: “Sou professor de educação física, só tenho o título, sem o diploma no momento não fiz nada perante nenhuma organização [...] mas, aqui estão eles estudando (os filhos)”. No momento da entrevista, trabalhava como encarregado do setor de hortifruti numa rede de supermercados em Santa Maria, RS, e sua mulher atuava como faxineira; o filho mais novo vai à escola e a filha mais velha estuda na Universidade Federal de Santa Maria. É importante destacar que, no Brasil, o reconhecimento dos diplomas é difícil, quer pela burocracia, quer pelo custo e pela barreira do idioma, questão que se repete em outros países (Berríos-Riquelme, 2021Berríos-Riquelme, J. (2021). Inserção no mercado de trabalho de imigrantes profissionais venezuelanos no norte do Chile: precariedade e discriminação à luz da política migratória. REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, 29, 117-132. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://www.scielo.br/j/remhu/a/7SC5NCMH8JBMpNxSY3kCgXK/
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). Os migrantes, assim, além de enfrentarem dificuldades em seu próprio país de origem, encontram poucas opções para inserção no mercado de trabalho com empregos qualificados.

Javier conta que tinha um projeto de empreendedorismo: “tenho um projeto com piscicultura que quero desenvolver, (porque) na Margarita (Venezuela), a gente comercializava muito peixe [...] aqui com o Sr. João. Então, vamos fazer uma parceria”. Em uma conversa mais recente (ao fim de 2023), relatou que se matriculou em uma universidade particular para ensino à distância, mas não conseguiu avançar pelo fato de não ter convalidado seu diploma do ensino médio. Assim, resolveu ir até o Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos e de Cultura Popular para se matricular no sistema de ensino para prestar as provas e obter o diploma de ensino médio no Brasil. Dessa forma, pretende continuar posteriormente os estudos no ensino superior.

Elinor, Betzaida e Javier entraram no Brasil pelo estado do Acre, vindos do Peru. O trajeto até o Rio Grande do Sul envolveu o trabalho informal no comércio, além da ajuda que receberam de pessoas, igrejas e os serviços assistenciais dos governos municipais. Para Elinor, a ajuda de um brasileiro foi decisiva: “graças à ajuda do senhor João, pela amizade com o Javier (cunhado), a gente conseguiu vir até aqui (Júlio de Castilhos) e trabalhar, ele nos ofereceu até moradia de graça (numa chácara)”. Betzaida conta que sempre tinha trabalhado com vendas, e que foi difícil aprender os afazeres em uma empresa de laticínios:

Bueno, quando cheguei eu realmente não sabia nada sobre vacas, porque nunca tinha estado, na verdade, nem perto de uma vaca, eu as via de longe. Mas, aqui, eu tinha que ter ela na minha frente. Ali, no trabalho que a gente conseguiu, eu tive que ordenhar as vacas, e tive muitas coisas que aprender... (Betzaida, imigrante venezuelana em Júlio de Castilhos).

Como descrito, cinco dos entrevistados tinham ensino superior completo e os outros três, ensino médio completo. Esse capital cultural é aproveitado por eles de três formas: 1) planos de se inserir em empregos de maior qualificação; 2) planos de realizar algum tipo de empreendimento relacionado às próprias experiências trazidas e acumuladas; 3) desejos de realizar cursos profissionalizantes e/ou garantir que os filhos continuem a estudar. Por outro lado, três dos entrevistados disseram que vão se manter como trabalhadores rurais, e estavam procurando alguma vaga disponível.

Os entrevistados mostravam sentimentos de gratidão pelas oportunidades de trabalho que já tiveram, ainda que sua inserção social e no mercado de trabalho sejam direitos existentes; expressam se sentir satisfeitos, esperançosos, com desejo de ficar no Brasil e de trazer mais membros da família para morar juntos. Assim, o projeto migratório (destino, ocupação, reunião familiar), a procura incansável de melhores oportunidades de renda e a procura de estudos, está vinculada ao habitus do grupo familiar, que vai se adaptando às novas circunstâncias. Como sugerem Oliveira & Cavalcanti (2023), oOliveira, M. D., & Cavalcanti, L. (2023). Habitus e capitais migratórios de haitianos no Paraná. Trajetória educacional e inserção profissional em contextos de mobilidades. REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, 31, 115-133. Recuperado em 19 de setembro de 2023, de https://www.scielo.br/j/remhu/a/ShXM9cHMnGJ3WXcwbgkdwxp/?lang=pt
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habitus se “reatualiza”, e também os caminhos da apropriação e acumulação de capital, tanto no lugar de origem como de destino.

É necessário destacar que a grande maioria dos imigrantes vindos ao Brasil nas últimas décadas é vítima de um deslocamento forçado do seu país de origem: foram coagidos a migrar pela situação de crise social, econômica ou por desastres ambientais nos países de origem, como os venezuelanos, haitianos, sírios e senegaleses. Ao chegarem sem planos e, às vezes, sem documentos (sejam documentos de identidade, sejam diplomas de escolaridade), a maioria acaba se encaixando em uma situação de marginalização e vulnerabilidade, aceitando empregos que a maioria da sociedade rejeita e se expondo a condições precárias. Nesse cenário, o agronegócio brasileiro, com predominância de relações de trabalho capitalista, que maximiza o uso do recurso humano, tipicamente reúne os cidadãos periféricos, os pobres e os excluídos, onde se enquadram, muitas vezes, os migrantes, internacionais e locais (Silva, 2016Silva, M. A. D. M. (2016). Trabalho rural: as marcas da raça. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 99, 139-167. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://www.scielo.br/j/ln/a/dkGcXmPQvvXQhmtTSkYzvwy/?format=html⟨=pt
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; Scott & Santos, 2014Scott, P., & Santos, D. A. (2014). Flexibilidade, liberdade e direitos: políticas e práticas de trabalho de mulheres migrantes no polo de fruticultura do Rio São Francisco–PE. Revista de Antropologia Vivência, (43), 29-46. Recuperado em 21 de setembro de 2023, de https://periodicos.ufrn.br/vivencia/article/view/6801
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; Avallone, 2014Avallone, G. (2014). Migraciones y agricultura en Europa del Sur: emergencia de un nuevo proletariado internacional. Migraciones Internacionales, 7(4), 137-169., 2018Avallone, G. (2018). Trabajo y migraciones postcoloniales en la agricultura capitalista global. Revista Theomai, (38), 5-7. Recuperado em 20 de setembro de 2023, de https://www.redalyc.org/journal/124/12455418001/movil/
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, 2017Avallone, G. (2017). Migraciones y relaciones de poder en la agricultura global contemporánea: entre actualidad y ruptura de la herencia colonial. Relaciones Internacionales, (36), 73. http://doi.org/10.15366/relacionesinternacionales2017.36.004
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).

Por outro lado, é possível observar as contribuições das migrações internacionais ao desenvolvimento econômico e cultural (Goldin, 2016Goldin, I. (2016, January 21). Cómo la inmigración ha cambiado y mejorado el mundo. The World Economic Forum. Recuperado em 2 de maio de 2024, de https://es.weforum.org/agenda/2016/01/como-la-inmigracion-ha-cambiado-y-mejorado-el-mundo/
https://es.weforum.org/agenda/2016/01/co...
; Engler et al., 2020Engler, F., MacDonald, M., Piazza, R., & Sher, G. (2020, junho 18). A migração para economias avançadas pode acelerar o crescimento. IMF Blog. Recuperado em 2 de maio de 2024, de https://www.imf.org/pt/Blogs/Articles/2020/06/19/blog-weo-chapter4-migration-to-advanced-economies-can-raise-growth
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; D’Albis et al., 2018D’Albis, H., Boubtane, E., & Coulibaly, D. (2018). Macroeconomic evidence suggests that asylum seekers are not a “burden” for Western European countries. Science Advances, 4(6), eaaq0883. http://doi.org/10.1126/sciadv.aaq0883
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apud Brito, 2018Brito, S. (2018, junho). Imigrantes fazem bem à economia, conclui estudo. Veja. Recuperado em 2 de maio de 2024, de https://veja.abril.com.br/ciencia/imigrantes-fazem-bem-a-economia-conclui-estudo
https://veja.abril.com.br/ciencia/imigra...
). No grupo entrevistado, destaca-se a questão da reunião familiar e a idade dos entrevistados: como observado, esse grupo é relativamente jovem, têm entre 26 e 55 anos, todos têm filhos e alguns até netos, mãe, sogra que vieram morar no Brasil; alguns têm planos de trazer mais membros da família, distribuídos nos estados do Rio Grande do Sul e de Roraima. Esses grupos familiares são economicamente ativos, ocupam vagas de emprego formal, alguns têm planos de empreendedorismo, e as crianças, adolescentes e alguns dos adultos estão matriculados em instituições de ensino em diferentes níveis.

É relevante a valorização que eles atribuem ao estudo, visto que todos têm escolaridade média ou alta e perseveram em ocupar vagas de maior qualificação e até continuar outros estudos profissionalizantes. Aqueles que têm filhos na escola (Gael, Elinor, Betzaida, Javier, Clemente) procuram condições para que eles continuem estudando e até atingir entrar na faculdade; por exemplo, a filha mais velha de Clemente atualmente está fazendo um curso superior numa universidade federal. Por outro lado, a Elimar e Morarima, que têm filhos adultos no Brasil, contaram como eles conseguiram reunir suas famílias, ter um trabalho formal, filhos na escola e uma vida social e financeiramente estável.

5. Conclusões

As escolhas que envolvem os projetos dos migrantes vindos ao Brasil nas últimas décadas são uma conjunção de fatores estruturais e pessoais: crises no país de origem, redes de apoio formais e informais no Brasil (nacionais e internacionais) e a prática migratória como um habitus que impulsiona os grupos de famílias e amizades. No Brasil, a inserção no mercado de trabalho formal, questão prioritária dos projetos migratórios, está fortemente influenciada pela ajuda do Estado, de organizações humanitárias internacionais e de redes de apoio dos próprios familiares que migraram primeiro, determinando boa parte das escolhas dos migrantes, numa teia de ajuda que se estende até a sociedade civil e a amigos conterrâneos e brasileiros. Por isso, ainda que com frequência esses primeiros passos na incorporação ao trabalho sejam em condições precárias, acontecem com uma capa de humanitarismo que contribui aos sentimentos de gratidão e docilidade do trabalhador migrante perante o sofrimento gerado por desilusão, insatisfação e angústia ao desenvolver tarefas desconectadas da sua formação ou experiência sob condições predominantemente precárias.

As condições de trabalho analisadas na agricultura, pecuária e frigoríficos nos municípios Júlio de Castilhos e Venâncio Aires apontam muito esforço físico, longas jornadas, contratações sazonais, salários baixos e tarefas que envolvem algum tipo de risco à saúde ou segurança. Ainda, são frequentes, também, as mudanças do lugar de emprego e moradia, por vezes isolados dos centros urbanos e com pouco acesso aos serviços assistenciais, o que se encaixa em condições típicas do sistema capitalista que caracteriza o agronegócio brasileiro, vivenciado indistintamente por trabalhadores nacionais ou migrantes internacionais. Além disso, infelizmente as ações sindicais mediadoras nas contratações ou demissões não foram observadas e não houve contato com órgãos de fiscalização governamental responsáveis pela proteção dos direitos trabalhistas. Esse enfraquecimento da ação sindical pode ser uma consequência da Reforma Trabalhista e da Lei de Terceirizações de 2017, que reduziu recursos e campo de ação dos órgãos. Paradoxalmente à ocupação de postos de trabalho de baixa qualificação, a escolaridade da maioria dos migrantes venezuelanos, como os entrevistados, é elevada, por isso procuram continuar realizando estudos profissionalizantes e poderiam desenvolver funções mais especializadas. O reconhecimento dos diplomas é difícil devido a burocracia, custo e barreira do idioma, questão que se repete também em outros países, além das dificuldades para facilitar no próprio país de origem, na Venezuela.

Os dados estatísticos analisados revelaram a relevância das mudanças na quantidade e participação dos migrantes no emprego formal brasileiro e que merecem uma análise por grupos ocupacionais e nacionalidades envolvidas, visando construir elos entre a oferta e os perfis dos migrantes e ações facilitadoras de inserção sob amparo dos seus direitos, considerando as contribuições que esses grupos populacionais podem trazer à economia brasileira, questão que vem sugerindo o Fundo Monetário Internacional (IMF). É possível ir além da sua participação no mercado de trabalho e consumo e abordar o enriquecimento da cultura, promoção do turismo até melhorar previsões demográficas como a fecundidade e o envelhecimento populacional. Pode-se afirmar então que os Estados podem gerenciar melhor o fenômeno migratório e ainda obter benefícios se mudarem a visão da migração como um problema e desenvolverem políticas públicas com foco na inclusão econômica e social, na integração e na promoção da interculturalidade.

O artigo apresentado também reflete sobre a importância das abordagens do fenômeno migratório, destacando a necessidade de estudos multidisciplinares, uma contextualização multiespacial e uma análise histórica, valorizando o método qualitativo pela riqueza dos detalhes nas experiências, mas sem descartar o diálogo com dados quantitativos que possam reforçar e encaminhar a rota da pesquisa. Como pesquisas futuras, seria interessante estudos comparativos entre as despesas que gera o atendimento dos migrantes no Brasil, comparado com a contribuição no pagamento de impostos, empreendedorismo, contribuição com a produção e produtividade em setores da economia, até diminuição da rotatividade da força de trabalho nos abates, além da participação em espaços culturais e esportivos, ensino superior, entre outros, que possam mudar a visão da migração como um problema e desenhar caminhos e políticas inclusivas para o desenvolvimento.

  • 1
    O artigo deriva dos investimentos de pesquisa realizados para a construção da dissertação de mestrado da primeira autora (Siso, 2023Siso, N. A. G. (2023). Imigrantes venezuelanos e sua inserção no trabalho do agronegócio no Rio Grande do Sul: trabalhadores qualificados, dóceis e de baixo custo? (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria.) junto ao Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
  • 2
    No ano 2018, a Operação Acolhida foi instituída numa Medida Provisória, transformada em Lei nº 13.684/18, a qual deliberou para a efetivação do “Comitê Federal de Assistência Emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária”, especificamente, a migração dos venezuelanos. Financiada pelo governo brasileiro e executada pelas forças armadas, atua com apoio de agências da Organização das Nações Unidas – ONU, além de organizações da sociedade civil e privadas. Na prática, dá suporte para os imigrantes serem inseridos em postos de trabalho no país.
  • 3
    Em 2018, sob diretrizes da ONU, foi criada a Plataforma Regional de Coordenação Interagencial R4V (Response for Venezuelans), para o registro e seguimento à migração venezuelana, abrangendo 17 países. No Brasil conta com a parceria de 55 organizações. Também pode-se pesquisar os dados da interiorização da Operação Acolhida (Plataforma R4V, 2023).
  • Como citar:

    Siso, N. A. G., & Picolotto, E. L. (2024). Migrações internacionais e trabalho: venezuelanos em áreas do agronegócio no Rio Grande do Sul. Revista de Economia e Sociologia Rural, 62(4), e282983. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2023.282983
  • JEL Classification:

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Nov 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    04 Fev 2024
  • Aceito
    17 Ago 2024
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