Resumo
O presente artigo visa avaliar os fatores que estão associados ao consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio, considerando tal consumo como interligado ao consumo de outros bens e serviços culturais. A metodologia empregada engloba a aplicação de um modelo probit bivariado. Para tanto, são utilizados os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017-2018. No geral, os resultados obtidos para o modelo indicam que o consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio e o consumo de outros bens e serviços culturais são positivamente correlacionados, destacando a questão da desigualdade no consumo cultural devido a certas barreiras sociais (educação, renda, acesso a crédito, entre outros).
Palavras-chave:
consumo cultural; amenidades culturais; modelo probit bivariado
Abstract
This article aims to evaluate the factors that are associated with the consumption of direct cultural goods and services outside the home, considering such consumption as linked to the consumption of other cultural goods and services. The methodology used encompasses the application of a bivariate probit model. To this end, data from the 2017-2018 Family Budget Survey (POF) is used. In general, the results obtained for the model indicate that the consumption of direct cultural goods and services outside the home and the consumption of other cultural goods and services are positively correlated, highlighting the issue of inequality in cultural consumption due to certain social barriers (education, income, access to credit, among others).
Keywords:
cultural consumption; cultural amenities; bivariate probit model
1 Introdução
A economia criativa é formada por setores que utilizam a cultura no processo produtivo (Gorgulho et al., 2009GORGULHO, L. F.; GOLDENSTEIN, M.; ALEXANDRE, P. V, M.; MELLO, G. A. T. DE. A economia da cultura o BNDES e o desenvolvimento sustentável. BNDES Setorial, n. 30, p. 299-355, 2009.). Desse modo, as atividades relacionadas a cultura e criatividade têm um potencial gerador de empregos, renda e desenvolvimento para a sociedade. Segundo dados obtidos por meio do Sistema de Informações e Indicadores Culturais (SIIC) do Cadastro Central de Empresas (CEMPRE)1 1 Constitui um acervo que disponibiliza dados cadastrais e econômicos, referente a todas as empresas e organizações e ao local onde elas estão em funcionamento no Brasil (IBGE, 2018a). , no ano de 2017, a classe criativa atuou com 325,4 mil empresas e outras organizações formalmente estabelecidas no setor cultural, gerando emprego para 1,9 milhão de pessoas.2 2 Empresas culturais que apresentam contrato social, registro na junta comercial, alvará de localização e funcionamento, inscrição estadual, entre outras documentações oficiais que caracterizam uma empresa formal. Essas empresas correspondem a 6,5% do total que constituía o universo do CEMPRE, e 3,7% do total de ocupados da classe trabalhadora do Brasil em 2017. No geral, essa mão de obra registrada no setor se estabelece em locais onde estão instaladas empresas que promovem eventos culturais, pois residir em locais com presença de equipamentos culturais - a citar, casas de shows, cinemas, teatros e bibliotecas - aumenta as chances de estar empregado de maneira formal nesse setor (Markusen; Gadwa, 2010MARKUSEN, A. GADWA, A. Arts and Culture in Urban or Regional Planning: A Review and Research Agenda. Journal of Planning Education and Research, v. 29, n. 3, p. 379-391, 2010.; Vivant, 2012VIVANT, E. O que é uma cidade criativa? São Paulo: Editora Senac, 2012.; Brito; Lombardi Filho, 2019BRITO, D. J. M. DE; LOMBARDI FILHO, S. C. Fatores determinantes da participação no mercado de trabalho cultural brasileiro. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 49, n. 2, p. 33-64, 2019.).
Dada a capacidade de geração de emprego e renda do referido setor, identificar como estão distribuídos os equipamentos culturais entre as regiões é fundamental para compreender as disparidades inter-regionais do setor criativo e cultural e os fatores que impedem o seu desenvolvimento. Para Florida (2003FLORIDA, R. The Rise of the Creative Class: And How It's Transforming Work, Leisure, Community and Everyday Life. Journals University of Toronto Press, v. 29. n. 3, p. 378-379, 2003.), as distribuições geográficas de capital humano e de indivíduos ocupados em atividades relacionadas ao setor criativo se apresentam como fator fundamental para o desenvolvimento regional.
As disparidades na distribuição regional de equipamentos culturais e capital cultural, conforme abordado por Almeida et al. (2019aALMEIDA, C. C. R. DE; LIMA, J. P. R.; GATTO, M. F. F. Expenditure on Cultural Events: Preferences or Opportunities? An Analysis of Brazilian Consumer Data. Journal of Cultural Economics, v. 44, n. 3, p. 451-480, 2019a.), podem ser explicadas pelo fato de que determinados serviços culturais se desenvolvem mais fortemente em localidades com maior aglomeração de pessoas. Desse modo, os centros urbanos oferecem mais oportunidades de oferta de equipamentos culturais em razão de apresentarem maior aglomeração de indivíduos.
O consumo de cultura realizado dentro dos domicílios ocorre mediante as mudanças tecnológicas, que afetaram o setor cultural em diferentes momentos da história e que proporcionam tal consumo com baixo custo e comodidade, e ainda dispõem de uma gama variada de produtos culturais, que se inovam com rapidez (Peukert, 2019PEUKERT, C. The Next Wave of Digital Technological Change and the Cultural Industries. Journal of Cultural Economics, v. 43, n. 2, p. 189-210, 2019.). O consumo cultural fora dos domicílios, por sua vez, é um subproduto das aglomerações e tem o potencial de gerar maiores efeitos de transbordamento de capital humano e cultural, comparativamente ao consumo domiciliar, devido às interações sociais. Dessa forma, a localização dos equipamentos culturais é fundamental para compreender as decisões de consumo dentro ou fora do domicílio (Diniz; Machado, 2011DINIZ, S. C.; MACHADO, A. F. Analysis of the Consumption of Artistic-Cultural Goods and Services in Brazil. Journal of Cultural Economics, v. 35, n. 1, p. 1-18, 2011.; Souza et al., 2019SOUZA, G.; MACHADO, A. F.; DOMINGUES, E. P. Economic Impacts of the Vale-Cultura (Culture Voucher): A Computable General Equilibrium Model. Theoretical Economics Letters, v. 9, n. 5, p. 1.411-1.433, 2019.).
O consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio (núcleo artístico criativo) refere-se aos gastos com visita ao cinema, teatro, museu, exposição, circo, show, ópera e dança clássica (Almeida et al., 2019aALMEIDA, C. C. R. DE; LIMA, J. P. R.; GATTO, M. F. F. Expenditure on Cultural Events: Preferences or Opportunities? An Analysis of Brazilian Consumer Data. Journal of Cultural Economics, v. 44, n. 3, p. 451-480, 2019a.). Já o consumo de outros bens e serviços culturais refere-se aos gastos com cursos de artes, instrumentos e acessórios musicais, informática, artigos de vídeo, fotografia, fonografia, artesanato, artes plásticas, livros não didáticos, visita a discotecas, danceterias, boates, bares e zoológicos (Machado et al. 2017MACHADO, A, F; MICHEL, R. C.; Economia criativa e economia colaborativa sob a égide da digitalização. Economia criativa: inovação e desenvolvimento. In: MENDONÇA, R. M. L. O; MORAES, M. F. V. de; MONTEIRO, M. T. F. (org.). Belo Horizonte: EDUEMG, p. 46-61, 2017.; Almeida et al., 2019a; Almeida et al., 2019b). De acordo com a literatura, existe forte associação entre as características sociodemográficas e a demanda pelos bens culturais diretos, sendo a renda e o grau de escolaridade os principais fatores que impõem restrições ao consumo dos referidos bens (Sintas; Álvarez, 2002SINTAS, J. L.; ÁLVAREZ, E. G. The Consumption of Cultural Products: An Analysis of the Spanish Social Space. Journal of Cultural Economics, v. 26, n. 2, p. 115-138, 2002.; Ateca-Amestoy, 2008; Ringstad; Loyland, 2006RINGSTAD, V.; LØYLAND, K. The Demand for Books Estimated by Means of Consumer Survey Data. Journal of Cultural Economics, v. 30, n. 2, p. 141-155, 2006.; Barbosa et al., 2010BARBOSA, F.; ARAÚJO, H. E.; CODES, A. SIPS Cultura: Percepções e Cultura. Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS). Brasília: IPEA, 2010. p. 17.; Almeida et al., 2019a; Ribeiro et al., 2020RIBEIRO, L. C. DE S.; LOPES, T. H. C. R.; FERREIRA NETO, A. B.; SANTOS, F. R. DOS. Cultural Employment Growth in Brazilian Municipalities. Journal of Economics. v. 44, p. 605-624, 2020.). Evidentemente tais restrições se refletem no gasto desigual das famílias com bens e serviços culturais.
Nesse contexto, a Tabela 1 exibe o percentual de domicílios brasileiros que consomem algum tipo de bem ou serviço cultural, evidenciando que 16,72% dos domicílios não realizaram nenhum tipo de gasto com bens e serviços culturais. Por outro lado, verifica-se que 25,24% dos domicílios realizaram gastos com consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio, simultaneamente com outros bens do setor, no Brasil metropolitano em 2018. O consumo exclusivo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio ocorre em apenas 1,52% dos domicílios, sugerindo que as famílias preferem uma cesta de consumo cultural variada, e não apenas se limitar aos que são ofertados fora do domicílio. O percentual de domicílios que consome apenas outros bens e serviços culturais se mostra como o mais elevado. Por se tratar de um grupo de bens heterogêneos, capaz de atender a diferentes gostos, apresenta maior participação dos domicílios, mais de 50%, realizando esse tipo de gasto.
Analisar o consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio, concomitantemente ao consumo de outros bens e serviços culturais, mostra-se como uma questão de pesquisa relevante, pois possibilita compreensão mais profunda dos diferentes aspectos que influenciam o consumo cultural das famílias. A partir dessas informações, é possível avaliar a situação domiciliar no que se refere à restrição ao acesso cultural, o que pode subsidiar políticas públicas que busquem minimizar as diferenças no consumo dos diferentes tipos de bens e serviços culturais.
Na literatura internacional, alguns autores se dedicam a realizar a análise conjunta entre o consumo no setor cultural e a participação em atividades esportivas, devido à interligação que esses dois setores apresentam e às questões de transbordamento de conhecimento, socialização e qualidade de vida que ambos proporcionam à sociedade (Muñiz et al., 2011MUÑIZ, C.; RODRIGUEZ, P.; SUAREZ, M. The Allocation of Time to Sports and Cultural Activities: An Analysis of Individual Decisions. International Journal of sport finance, v. 6, n. 3, p. 245-264, 2011.; Muñiz et al., 2014; Hallmann et al., 2017HALLMANN, K.; MUÑIZ, C.; BREUER, C.; DALLMAYER, S.; METZ, M. Leisure participation: Modelling the Decision to Engage in Sports and Culture. Journal of Cultural Economics, v. 41, n. 4, p. 467-487, 2017.; Fernandez, 2019FERNANDEZ, C. G. Determinants for Cultural and Sports Attendance and Practice in the USA. Dissertação (Mestrado em Economia) - Universidad del País do Vasco, Bilbao, 2019.). Porém, nenhum estudo realiza essa análise conjunta para o setor cultural em específico, isto é, a análise conjunta entre consumo no setor cultural direto fora do domicílio e consumo de outros bens e serviços culturais.
Nesse sentido, apesar de haver uma vasta literatura nacional que examina o consumo familiar de bens culturais, nota-se carência de investigações que abordem o consumo familiar de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio como uma decisão conjunta ao consumo de outros bens culturais (Diniz; Machado, 2011DINIZ, S. C.; MACHADO, A. F. Analysis of the Consumption of Artistic-Cultural Goods and Services in Brazil. Journal of Cultural Economics, v. 35, n. 1, p. 1-18, 2011.; Paglioto; Machado, 2012PAGLIOTO, B. F.; MACHADO, A. F. Perfil dos frequentadores de atividades culturais: o caso nas metrópoles brasileiras. Estudos Econômicos, v. 42, n. 4, p. 701-730, 2012.; Machado et al., 2017; Almeida et al., 2019aALMEIDA, C. C. R. DE; LIMA, J. P. R.; GATTO, M. F. F. Expenditure on Cultural Events: Preferences or Opportunities? An Analysis of Brazilian Consumer Data. Journal of Cultural Economics, v. 44, n. 3, p. 451-480, 2019a.). Assim, o objetivo desta pesquisa consiste em analisar os fatores que estão associados à probabilidade das famílias consumirem bens e serviços culturais diretos fora do domicílio, ponderando a decisão conjunta de consumo cultural direto fora do domicílio e de consumo de outros tipos de bens e serviços culturais, com enfoque na discussão das diferenças regionais brasileiras. Para tanto, a metodologia empregada consiste na estimação de um modelo probit bivariado.
Modelar a probabilidade de consumo como uma decisão conjunta é relevante, uma vez que é possível que esses dois tipos de consumo cultural estejam associados em certa medida. Ademais, alguns estudos verificaram que o consumo de bens culturais é mais complementar do que substitutos, por exemplo, famílias que frequentam mais cinemas também tendem a ser as que frequentam mais teatros (Muñiz et al., 2011MUÑIZ, C.; RODRIGUEZ, P.; SUAREZ, M. The Allocation of Time to Sports and Cultural Activities: An Analysis of Individual Decisions. International Journal of sport finance, v. 6, n. 3, p. 245-264, 2011.; Paglioto; Machado, 2012PAGLIOTO, B. F.; MACHADO, A. F. Perfil dos frequentadores de atividades culturais: o caso nas metrópoles brasileiras. Estudos Econômicos, v. 42, n. 4, p. 701-730, 2012.; Muñiz et al., 2014; Hallmann et al., 2017HALLMANN, K.; MUÑIZ, C.; BREUER, C.; DALLMAYER, S.; METZ, M. Leisure participation: Modelling the Decision to Engage in Sports and Culture. Journal of Cultural Economics, v. 41, n. 4, p. 467-487, 2017.; Fernandez, 2019FERNANDEZ, C. G. Determinants for Cultural and Sports Attendance and Practice in the USA. Dissertação (Mestrado em Economia) - Universidad del País do Vasco, Bilbao, 2019.). A análise dos resultados do modelo probit bivariado torna possível observar como o consumo cultural está associado à oferta de equipamentos culturais nas regiões metropolitanas brasileiras, identificando questões de disparidades regionais na concentração de equipamentos culturais. A base de dados utilizada é proveniente dos microdados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), referente aos anos de 2017-2018, disponibilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Identificar as preferências dos consumidores, por meio dos gastos (médios mensais) das famílias brasileiras no setor cultural, e as dificuldades enfrentadas pela população no acesso a bens e serviços culturais, é importante para direcionar as políticas públicas de forma eficiente para que essas possam dar o apoio devido ao setor. Dessa forma, tais políticas podem contribuir no enfrentamento das questões de desigualdade de acesso aos bens culturais e na promoção do desenvolvimento regional.
Esta pesquisa está estruturada em seis seções. Na seção dois é apresentada a revisão da literatura sobre o consumo e fruição de bens e serviços culturais. Na sequência, na seção três são desenvolvidas a metodologia e a base de dados. Na seção seguinte, os resultados são discutidos, e, por fim, a última seção apresenta as considerações finais.
2 Consumo e fruição de bens e serviços culturais
Para Dieckmann (1996DIECKMANN, O. Cultural Determinants of Economic Growth: Theory and Evidence. Journal of Cultural Economics, v. 20, p. 297-320, 1996.) as características culturais de uma nação estão associadas às taxas de crescimento econômico do país. Nesse mesmo sentido, Throsby (1999THROSBY, D. Cultural capital. Journal of Cultural Economics, v. 23, n. 1-2, p. 3-12, 1999.; 2001) destaca a contribuição do capital cultural para o crescimento econômico. O autor define cultura por meio de uma abordagem funcional, tal que os indivíduos envolvem criatividade no processo produtivo e geram um produto que está relacionado aos aspectos intelectuais, morais e artísticos da vida humana. De acordo com o autor, esse conceito de cultura está atrelado à noção de valor cultural, entendido nos mesmos termos de valor econômico. Com a instalação de equipamentos culturais em determinadas localidades, outras empresas surgem e se agrupam a essa atividade, produzindo bens e serviços geradores de emprego e renda. Ademais, o setor torna-se importante na criação de políticas públicas. Para Tolila (2007TOLILA, P. Cultura e economia. São Paulo: Iluminuras, 2007.), Markusen e Gadwa (2010MARKUSEN, A. GADWA, A. Arts and Culture in Urban or Regional Planning: A Review and Research Agenda. Journal of Planning Education and Research, v. 29, n. 3, p. 379-391, 2010.) e Vivant (2012VIVANT, E. O que é uma cidade criativa? São Paulo: Editora Senac, 2012.), o planejamento da arte e cultura pode ser usado como ferramenta de desenvolvimento econômico.
Para Stigler e Becker (1977STIGLER, G. J.; BECKER, G. S. De gustibus non est disputandum. Pharmaceutisch Weekblad, v. 156, n. 9, p. 27, 1977.), o consumo dos indivíduos se dá a partir de preferências estáveis, no sentido de apresentarem gostos estáveis. As mudanças que ocorrem nas decisões do que consumir estão ligadas às mudanças nos preços dos bens e na renda das famílias. Na literatura internacional, os fatores que afetam o consumo e fruição de bens e serviços culturais estão associados às diferentes características sociais, econômicas e geográficas - como classe social, idade, tempo disponível, renda disponível para lazer, preço do bem e de seus substitutos (Sintas, Álvarez, 2002SINTAS, J. L.; ÁLVAREZ, E. G. The Consumption of Cultural Products: An Analysis of the Spanish Social Space. Journal of Cultural Economics, v. 26, n. 2, p. 115-138, 2002.; Ateca-Amestoy, 2008; Ringstad; Loyland, 2006RINGSTAD, V.; LØYLAND, K. The Demand for Books Estimated by Means of Consumer Survey Data. Journal of Cultural Economics, v. 30, n. 2, p. 141-155, 2006.; Zieba, 2009ZIEBA, M. Full-Income and Price Elasticities of Demand for German Public Theatre. Journal of Cultural Economics, v. 33, n. 2, p. 85-108, 2009.; Berlin et al., 2015BERLIN, N.; BERNARD, A.; FÜRST, G. Time Spent on New Songs: Word-of-Mouth and Price Effects on Teenager Consumption. Journal of Cultural Economics, v. 39, n. 2, p. 205-218, 2015.).
Sintas e Álvarez (2002SINTAS, J. L.; ÁLVAREZ, E. G. The Consumption of Cultural Products: An Analysis of the Spanish Social Space. Journal of Cultural Economics, v. 26, n. 2, p. 115-138, 2002.) investigam o comportamento do consumidor de produtos culturais na Espanha. Eles destacam que os consumidores de classes sociais mais baixas consomem produtos culturais mais populares3 3 Produtos culturais populares: rock, touradas e flamenco. . Já os consumidores de classe social mais elevada consomem produtos da alta cultura4 4 Produtos de alta cultura: ópera, teatro, ballet e música clássica. . Para os autores, a idade também se apresenta como outro diferencial entre o consumo de determinados tipos de produtos culturais, indivíduos com idade mais avançada tendem a consumir cultura mais tradicional5 5 Produtos culturais tradicionais: touradas, danças regionais, danças folclóricas, shows de variedades e circo. , que remete a memória afetiva, e indivíduos mais jovens tendem a consumir cultura mais moderna6 6 Produtos culturais modernos: filmes, rock, jazz e música pop. . De acordo com Sintas e Álvarez (2002), conhecendo os gostos dos consumidores, torna-se possível que as políticas públicas e o marketing cultural sejam direcionados à oferta de produtos culturais de acordo com os gostos apresentados pela sociedade.
Ringstad e Loyland (2006RINGSTAD, V.; LØYLAND, K. The Demand for Books Estimated by Means of Consumer Survey Data. Journal of Cultural Economics, v. 30, n. 2, p. 141-155, 2006.) investigam o funcionamento do mercado de livros da Noruega. Considerando as diversas características domiciliares, os diferentes níveis de preços dos livros e a disponibilidade de tempo, os autores buscam compreender as chances de compra de livros. Os resultados evidenciam que a renda, a presença de bibliotecas e ser mulher apresentam efeito positivo na compra de tais bens. A idade mostra uma relação negativa, pois quanto maior a idade, menor a disponibilidade de tempo para consumo desse bem. Esses resultados podem ser associados aos obtidos por Ateca-Amestoy (2008), que analisa como o estoque de capital humano de cada indivíduo afeta a probabilidade de frequentar diferentes atividades culturais nos Estados Unidos. Ateca-Amestoy (2008) aponta que o capital cultural (incluindo o capital humano) aumenta as chances de participar de atividades culturais, e tem efeito maior do que o nível de renda.
O funcionamento do mercado de livros no Brasil apresentou, a partir de 2009, crescimento no acesso aos livros através das plataformas digitais. O consumo digital facilita e barateia o bem (Earp; Kornis, 2005EARP, F. S.; KORNIS, G. A economia da cadeia produtiva do livro. BNDES, Rio de Janeiro, 2005.; Reimão, 2011REIMÃO, S. Tendência do mercado de livros no Brasil: um panorama e os best-sellers de ficção nacional (2000-2009). Matrizes, n. 1, p. 194-210, 2011.). De acordo com a literatura nacional, o custo mais acessível se torna uma porta de entrada para maior gama de consumidores do mercado de livros. Ademais, as vendas de livros físicos pela internet representam maior facilidade na distribuição e na entrega do material (Reimão, 2011).
Alguns autores, na literatura nacional, também se dedicam a compreender os aspectos que afetam o consumo de bens e serviços culturais pelas famílias brasileiras. Há evidências confirmativas de que questões de infraestrutura, mobilidade, educação e renda são determinantes para o consumo de equipamentos/atividades culturais e de que a oferta desses equipamentos se concentra em áreas que abrangem a população com renda mais elevada (Diniz; Machado, 2011DINIZ, S. C.; MACHADO, A. F. Analysis of the Consumption of Artistic-Cultural Goods and Services in Brazil. Journal of Cultural Economics, v. 35, n. 1, p. 1-18, 2011.; Paglioto; Machado, 2012PAGLIOTO, B. F.; MACHADO, A. F. Perfil dos frequentadores de atividades culturais: o caso nas metrópoles brasileiras. Estudos Econômicos, v. 42, n. 4, p. 701-730, 2012.; Machado et al., 2017; Almeida et al., 2019aALMEIDA, C. C. R. DE; LIMA, J. P. R.; GATTO, M. F. F. Expenditure on Cultural Events: Preferences or Opportunities? An Analysis of Brazilian Consumer Data. Journal of Cultural Economics, v. 44, n. 3, p. 451-480, 2019a.).
Diniz e Machado (2011DINIZ, S. C.; MACHADO, A. F. Analysis of the Consumption of Artistic-Cultural Goods and Services in Brazil. Journal of Cultural Economics, v. 35, n. 1, p. 1-18, 2011.) examinam os fatores determinantes do consumo no setor cultural para o Brasil urbano, com o objetivo de identificar as restrições sociais e geográficas que afetam o consumo dos equipamentos culturais. As autoras notam que o consumo cultural é determinado principalmente pela renda, nível de escolaridade e pela localização geográfica de residência. As autoras ainda destacam que a distância da localização da oferta dos equipamentos culturais também se mostra como uma importante restrição ao consumo.
Paglioto e Machado (2012PAGLIOTO, B. F.; MACHADO, A. F. Perfil dos frequentadores de atividades culturais: o caso nas metrópoles brasileiras. Estudos Econômicos, v. 42, n. 4, p. 701-730, 2012.) analisam os fatores que estão associados ao consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio - o consumo que ocorre via pagamento de ingressos em cinema, peças de teatro, concertos musicais, shows e exposições artísticas - e o consumo de cultura domiciliar - que ocorre por meio de CDs, DVDs e internet. Os autores observam que há custos em consumir tais bens e serviços fora dos domicílios, como custos de transporte, de alimentação e custos de oportunidade, que se sobrepõem aos custos do consumo cultural domiciliar. Os resultados encontrados evidenciam que o consumo cultural depende de fatores econômicos e sociodemográficos, além da relação direta com fatores de estoque de capital cultural acumulado. Para os autores, a renda e o nível de escolaridade apresentam relação direta com o acesso à cultura fora do domicílio. Nesse contexto, o estudo aborda a necessidade de estímulo à democratização do acesso aos equipamentos culturais.
Cada vez mais as tecnologias proporcionam facilidade de acesso à cultura pelos diferentes grupos de consumidores. Machado e Michel (2017MACHADO, A, F; MICHEL, R. C.; Economia criativa e economia colaborativa sob a égide da digitalização. Economia criativa: inovação e desenvolvimento. In: MENDONÇA, R. M. L. O; MORAES, M. F. V. de; MONTEIRO, M. T. F. (org.). Belo Horizonte: EDUEMG, p. 46-61, 2017.) discutem a economia criativa e colaborativa sob a perspectiva da digitalização. O surgimento das novas tecnologias provoca ruptura no modo de produzir, distribuir e consumir os novos produtos da indústria cultural. A ênfase está nas inovações tecnológicas de informação e comunicação (TICs), que provocam quebras estruturais no sistema econômico e no modo de socialização entre os indivíduos. A economia criativa trata de criatividade e inovações que são necessárias na corrida pela diferenciação no mercado. A economia colaborativa, por sua vez, trata do compartilhamento de instalações de bens tangíveis e de plataformas digitais. Logo, a digitalização possibilita a associação dos dois conceitos.
Nesse contexto, Melo (2017MELO, G. B. V. DE. O som do Spotify BR: dimensões do consumo de música digital no Brasil. Dissertação (Mestrado em Economia) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.), via dados disponibilizados pela plataforma de streaming do Spotify, analisa o consumo musical, que está inserido dentro do setor cultural. O autor mostra que as inovações tecnológicas, que normalmente estão ligadas ao desenvolvimento econômico, geram impactos significativos nas práticas sociais e no comportamento das pessoas. Assim, as práticas culturais se inserem no setor das novas tecnologias e mudam a forma como os indivíduos consomem cultura. De acordo com o autor, a indústria musical está entre as que são mais fáceis de se adaptar a novas situações e de passarem por inovações.
Machado et al. (2017MACHADO, A, F; MICHEL, R. C.; Economia criativa e economia colaborativa sob a égide da digitalização. Economia criativa: inovação e desenvolvimento. In: MENDONÇA, R. M. L. O; MORAES, M. F. V. de; MONTEIRO, M. T. F. (org.). Belo Horizonte: EDUEMG, p. 46-61, 2017.) se dedicam a analisar os gastos das famílias com bens e serviços culturais. Os autores aplicam a modelagem multinível, a fim de investigar quais os principais determinantes dos gastos com cultura associados ao tempo alocado para o consumo dessas atividades. Dado que o consumo cultural é intensivo em tempo, os resultados obtidos mostram uma associação positiva entre a disponibilidade de tempo e o consumo cultural.
Almeida et al. (2019bALMEIDA, C. C. R. DE; LIMA, J. P. R.; GATTO, M. F. F. Inserção digital e desigualdades na demanda por cultura no Brasil. Nova Economia, v. 29, n. especial, p. 1.221-1.247, 2019b.) analisam as mudanças que ocorreram no padrão de consumo de bens culturais na primeira década dos anos 2000, logo após o surgimento das TICs, focando na persistência das desigualdades sociais nas regiões metropolitanas brasileiras. Com as evoluções tecnológicas e maiores facilidades de consumo cultural sem sair de casa, os autores verificam que as mudanças no padrão de consumo de bens e serviços culturais se deram em virtude das transformações tecnológicas, que redirecionaram para novas decisões de consumo cultural, intensificando o consumo cultural domiciliar por parte dos indivíduos. Ademais, eles identificam que os gastos com cultura fora dos domicílios continuam altamente concentrados em diferentes grupos de renda e escolaridade e, por fim, identificam um maior consumo cultural domiciliar proporcionado pelas TICs.
Em virtude desse novo formato, que engloba as plataformas digitais, é possível que o consumo cultural seja feito de forma domiciliar com menor custo e maior rapidez para os consumidores (Machado et al., 2018MACHADO, A. F.; PAGLIOTO, B. F.; BRUZZI DE CARVALHO, T. Creative Industries in Brazil: Analysis of Specifics Cases for a Country in Development. Theoretical Economics Letters, v. 8, n. 7, p. 1.348-1.367, 2018.; Michel; Machado; Sátyro, 2019MICHEL, R. C.; MACHADO, A. F.; SÁTYRO, N. G. D. Música, redes e tecnologia na periferia: impactos tecnológicos na produção de rap na zona sul de São Paulo. Nova Economia, v. 29, n. spe, p. 1.277-1.303, 2019.; Peukert, 2019PEUKERT, C. The Next Wave of Digital Technological Change and the Cultural Industries. Journal of Cultural Economics, v. 43, n. 2, p. 189-210, 2019.; Melo et al., 2020MELO, G. B. V. DE; MACHADO, A. F.; CARVALHO, L. R. DE. Music Consumption in Brazil: an Analysis of Streaming Reproductions. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura, v. 10, n. 19, p. 141-169, 2020.). As tecnologias digitais proporcionam grandes avanços no que tange à produção, reprodução e consumo de cultura e criatividade (Michel et al., 2019). Essa maior facilidade de acesso cultural, sem sair de casa, se intensificou com a pandemia de Covid-19, acelerando o desenvolvimento de novas TICs.
Os referidos estudos analisam, separadamente, os determinantes do consumo de bens e serviços culturais diretos fora dos domicílios e os determinantes do consumo de outros bens e serviços culturais no Brasil. Assim, o principal avanço desta pesquisa consiste em combinar o consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio e o consumo de outros bens e serviços culturais, com o objetivo de analisar os fatores que estão associados à probabilidade de as famílias consumirem os dois tipos de bens e serviços culturais conjuntamente, com enfoque nas diferenças regionais brasileiras. Outra contribuição relevante é a análise do consumo cultural para a POF de 2017-2018, tendo em vista que na literatura nacional o trabalho mais atual é o de Almeida et al. (2019aALMEIDA, C. C. R. DE; LIMA, J. P. R.; GATTO, M. F. F. Expenditure on Cultural Events: Preferences or Opportunities? An Analysis of Brazilian Consumer Data. Journal of Cultural Economics, v. 44, n. 3, p. 451-480, 2019a.), que engloba as POFs de 2002-2003 e 2008-2009. Nesse intervalo, entre 2009 e 2018, houve significativo avanço no uso das TICs, que podem ter afetado os hábitos de consumo.
3 Metodologia
3.1 Dados
Para realizar a análise dos fatores associados ao consumo de bens e serviços culturais diretos fora dos domicílios nas regiões metropolitanas brasileiras, ponderando a decisão de consumo de outros bens e serviços culturais, são utilizados os microdados de dispêndios das famílias com cultura, coletados na Pesquisa de Orçamentos Familiares. Os dados mais recentes são disponibilizados para os anos de 2017-2018. A POF avalia as estruturas de consumo, rendimentos, gastos e parte da variação patrimonial das famílias. Além da estrutura orçamentária familiar, características dos domicílios também são pesquisadas.
Os bens e serviços culturais abordados neste estudo são divididos em duas categorias de consumo. A primeira categoria é formada pelos bens e serviços culturais diretos consumidos fora do domicílio, a citar: visita a cinema, teatro, museu, exposição, circo, show, ópera e dança clássica (Almeida et al., 2019aALMEIDA, C. C. R. DE; LIMA, J. P. R.; GATTO, M. F. F. Expenditure on Cultural Events: Preferences or Opportunities? An Analysis of Brazilian Consumer Data. Journal of Cultural Economics, v. 44, n. 3, p. 451-480, 2019a.). A segunda categoria de consumo, seguindo Machado et al. (2017MACHADO, A, F; MICHEL, R. C.; Economia criativa e economia colaborativa sob a égide da digitalização. Economia criativa: inovação e desenvolvimento. In: MENDONÇA, R. M. L. O; MORAES, M. F. V. de; MONTEIRO, M. T. F. (org.). Belo Horizonte: EDUEMG, p. 46-61, 2017.) e Almeida et al. (2019a, 2019b), é composta pelos demais bens e serviços culturais e inclui: (i) bens e serviços culturais diretos consumidos dentro do domicílio, tais como vídeo (artigos e assinatura de TV), fonografia, fotografia, leitura (não didático impresso ou digital) e artesanato, decoração ou artes plásticas; (ii) bens e serviços culturais indiretos consumidos dentro do domicílio, tais como cursos de artes, instrumentos e acessórios musicais, informática (artigos e assinatura de internet); e (iii) bens e serviços culturais indiretos consumidos fora do domicílio, tais como visitas a discotecas, danceteria, boates (ingresso), outras festas e saídas (boates, parques, zoológicos, entre outros).
A principal limitação da POF consiste no fato de a pesquisa não mensurar o consumo gratuito das famílias. O consumo gratuito pode existir tanto fora de casa, em teatros, centros culturais e ao ar livre, bem como dentro de casa, com o acesso gratuito a conteúdo pela internet, como filmes, músicas, podcasts, exposições artísticas on-line, entre outros. Porém, essa limitação não invalida a pesquisa, tendo em vista que a POF é a única base disponível no Brasil que evidencia os gastos com consumo cultural pelas famílias.
A delimitação espacial utilizada nesta pesquisa, seguindo Machado e Diniz (2011DINIZ, S. C.; MACHADO, A. F. Analysis of the Consumption of Artistic-Cultural Goods and Services in Brazil. Journal of Cultural Economics, v. 35, n. 1, p. 1-18, 2011.) e Machado et al. (2017), considera as dez principais regiões metropolitanas brasileiras - a citar, São Paulo (39 municípios), Belo Horizonte (50 municípios - dos quais, 34 fazem parte da RM e 16 fazem parte do colar metropolitano), Porto Alegre (34 municípios), Curitiba (29 municípios), Rio de Janeiro (22 municípios), Fortaleza (19 municípios), Recife (14 municípios), Salvador (13 municípios), Belém (7 municípios) e o Distrito Federal (o próprio Distrito Federal). A seleção amostral consiste em domicílios com principal responsável de idade entre 18 e 64 anos, residentes em área urbana. Seguindo Paglioto e Machado (2012PAGLIOTO, B. F.; MACHADO, A. F. Perfil dos frequentadores de atividades culturais: o caso nas metrópoles brasileiras. Estudos Econômicos, v. 42, n. 4, p. 701-730, 2012.) e Jager (2014JAGER, G. F. B. Economia criativa e seus indicadores: uma proposta de índice para as cidades brasileiras. Dissertação (Mestrado em Economia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.), os domicílios com principais responsáveis que se declararam indígenas são excluídos da amostra com o intuito de analisar um grupo minimamente homogêneo em características observáveis.
A seleção das variáveis explicativas é consistente com outros estudos na literatura que abordam consumo cultural (Sintas; Álvarez, 2002SINTAS, J. L.; ÁLVAREZ, E. G. The Consumption of Cultural Products: An Analysis of the Spanish Social Space. Journal of Cultural Economics, v. 26, n. 2, p. 115-138, 2002.; Diniz; Machado, 2011DINIZ, S. C.; MACHADO, A. F. Analysis of the Consumption of Artistic-Cultural Goods and Services in Brazil. Journal of Cultural Economics, v. 35, n. 1, p. 1-18, 2011.; Paglioto; Machado, 2012PAGLIOTO, B. F.; MACHADO, A. F. Perfil dos frequentadores de atividades culturais: o caso nas metrópoles brasileiras. Estudos Econômicos, v. 42, n. 4, p. 701-730, 2012.; Machado et al., 2017; Almeida et al., 2019aALMEIDA, C. C. R. DE; LIMA, J. P. R.; GATTO, M. F. F. Expenditure on Cultural Events: Preferences or Opportunities? An Analysis of Brazilian Consumer Data. Journal of Cultural Economics, v. 44, n. 3, p. 451-480, 2019a.). O Quadro 2 apresenta a descrição detalhada das variáveis utilizadas. Cada domicílio na amostra está associado a um peso amostral de modo que se torna um domicílio representativo. Portanto, todas as análises consideram o fator de expansão da amostra.
3.2 Estratégia empírica
O objetivo deste estudo é avaliar a influência dos fatores que estão associados à probabilidade das famílias consumirem bens e serviços culturais diretos fora do domicílio, ponderando a decisão conjunta de consumo cultural direto fora do domicílio e de consumo de outros bens e serviços culturais. As unidades de investigação são as famílias residentes das regiões metropolitanas brasileiras. Para atender a tal objetivo é utilizado o modelo probit bivariado aparentemente não relacionado ou, simplesmente, probit bivariado. Esse modelo representa uma generalização do modelo probit clássico, o qual considera duas variáveis dependentes em duas equações diferentes correlacionadas pelos erros. Como o modelo envolve duas equações do tipo probit, é chamado de probit bivariado aparentemente não relacionado, porque os regressores não incluem variáveis endógenas, e o erro pode ser correlacionado (Figueiredo; Marta; Guimarães; 2010FIGUEIREDO, A. M. R.; MARTA, J. M. C.; GUIMARÃES, P. W. Determinantes da ocupação do núcleo familiar composto na área rural do Brasil. Revista Economia e Desenvolvimento, n. 22, 2010.). Utiliza-se esse modelo, pois características não observáveis que afetam o consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio também podem influenciar as chances de consumo de outros bens e serviços culturais. A vantagem do modelo empírico é o tratamento em termos da correlação entre as variáveis dependentes binárias (Fillipini et al., 2018; Carlos et al., 2019CARLOS, S. de M.; CUNHA, D. A. da; PIRES, M. V. Conhecimento sobre mudanças climáticas implica adaptação? Análise de agricultores do Nordeste brasileiro. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 57, n. 3, p. 455-471, 2019.).
Nesse contexto, é proposto um modelo de determinação conjunta das decisões de consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio e consumo de outros bens e serviços culturais, que é expresso conforme o sistema de equações a seguir:
Onde e são variáveis latentes não observadas que mensuram a utilidade familiar no consumo dos bens e serviços culturais diretos fora do domicílio e consumo de outros bens e serviços culturais, respectivamente. O vetor inclui variáveis exógenas domiciliares que representam características socioeconômicas (gênero, vive com cônjuge/companheiro, cor da pele, idade, idade ao quadrado, escolaridade, presença de pelo menos uma criança, presença de pelo menos um jovem, cartão de crédito, renda e ocupação no setor criativo) e regionais (residir em capitais e dummies de região metropolitana); é um vetor de variáveis explicativas que engloba as variáveis de , com exceção da variável que representa o emprego no setor cultural (direto fora do domicílio) de pelo menos um morador do domicílio; e são vetores de parâmetros e e são os termos de erros aleatórios correlacionados e que seguem distribuição normal com média zero e variância um (Monfardini; Radice, 2018).
Considere e variáveis binárias que representam as realizações de e , respectivamente. Ademais, assume o valor de 1 se no domicílio pelo menos um indivíduo declara que consome bens e serviços culturais diretos fora do domicílio e caso contrário (), enquanto assume o valor 1 se no domicílio pelo menos um indivíduo declara que consome outros bens e serviços culturais ( e caso contrário . indica qualquer influência não sistêmica que não foi capturada em . O coeficiente de correlação assume valor entre e .
Por definição, os termos de erro de um modelo probit bivariado têm distribuição normal. Como os resultados são estimados conjuntamente, os coeficientes para todas as variáveis explicativas podem ser calculados, e o coeficiente de correlação entre os termos de erro pode ser estimado (Cameron; Trivedi, 2010CAMERON, A.; TRIVEDI, P. Microeconometrics Using Stata. The Stata News. v. 23, n. 4, p. 6. 2010.). Além disso, as probabilidades conjuntas da ocorrência de todos os eventos possíveis são previstas usando efeitos marginais condicionais. Dessa forma, esse modelo pode ser estimado a partir da maximização da seguinte função de log-verossimilhança (Radice et al., 2013RADICE, R.; MARRA, G.; WOJTYS, M. Copula Regression Spline Models for Binary Outcomes with Application in Health Care Utilization. London’s Global University, 2013.):
Na equação anterior, indexa cada observação, isto é, cada domicílio na amostra. Assim, o processo de estimação busca identificar os fatores associados ao consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio, ponderando a decisão familiar por tal consumo como uma decisão conjunta ao consumo de outros bens e serviços culturais. No entanto, esse vínculo não excludente entre as duas escolhas, que se busca investigar, não permite estabelecer nenhuma relação causal (Figueiredo; Marta; Guimarães; 2010FIGUEIREDO, A. M. R.; MARTA, J. M. C.; GUIMARÃES, P. W. Determinantes da ocupação do núcleo familiar composto na área rural do Brasil. Revista Economia e Desenvolvimento, n. 22, 2010.).
4 Resultados
Localidades que apresentam maior quantidade de equipamentos culturais facilitam o consumo por parte das famílias, e essa interação social promove efeitos de transbordamento de capital humano e cultural, causado principalmente pelos efeitos de aglomerações. Identificar essa distribuição de equipamentos culturais é importante para compreensão mais ampla das diferenças regionais existentes, no que se refere ao consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio. Desse modo, utiliza-se um modelo probit bivariado para investigar os fatores que estão associados ao consumo familiar de bens e serviços culturais, relacionando o resultado com a distribuição da oferta de equipamentos culturais nas regiões metropolitanas brasileiras.
A Tabela 2 mostra os resultados estimados dos efeitos marginais para: i) o modelo probit univariado, que mensura os fatores que afetam a probabilidade de consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio (coluna 1) e a probabilidade de consumo de outros bens e serviços culturais (coluna 2), sem considerar uma possível interdependência entre tais decisões e; ii) o modelo probit bivariado, que permite obter as estimativas dos parâmetros quando há correlação em termos não observáveis (colunas 3 e 4).7 7 Os resultados para os coeficientes estimados podem ser observados na Tabela A.1, em Apêndice.
O teste de Wald para o coeficiente de correlação entre os termos de erro das equações (1) e (2) sugere a rejeição da hipótese nula de independência dos termos de erros aleatórios a 1% de significância estatística. Assim, há indícios de que o modelo probit bivariado é superior ao modelo probit univariado. Além disso, o sinal positivo do coeficiente indica que o consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio e o consumo de outros bens e serviços culturais são positivamente correlacionados em fatores não observados.
Os resultados do modelo bivariado indicam que o fato de pelo menos um morador do domicílio ser empregado no setor criativo afeta positivamente a probabilidade de consumo familiar de bens culturais diretos fora do domicílio. Esse resultado condiz com o esperado, pois o fato de o indivíduo trabalhar diretamente no setor criativo pode estar associado a maior nível de capital cultural, assim como a maior conhecimento sobre a oferta dos bens e serviços culturais. Esse resultado corrobora os achados de Ateca-Amestoy (2008) e Almeida et al., (2019aALMEIDA, C. C. R. DE; LIMA, J. P. R.; GATTO, M. F. F. Expenditure on Cultural Events: Preferences or Opportunities? An Analysis of Brazilian Consumer Data. Journal of Cultural Economics, v. 44, n. 3, p. 451-480, 2019a.).
Também ficam evidentes algumas correlações observadas, em termos de atributos familiares, entre as decisões de consumo cultural diretos fora do domicílio e consumo de outros bens culturais. Nota-se que a presença de cônjuge no domicílio aumenta a probabilidade de consumo de outros bens culturais em 5,94 p.p. (pontos percentuais), comparada à ausência de cônjuge (categoria omitida). Por outro lado, a presença de cônjuge parece não afetar o consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio. A cor da pele, do principal responsável pela família, parece ser relevante para o consumo de outros bens culturais. Os resultados sugerem que, em relação às famílias de indivíduos de referência de cor preta ou parda (categoria omitida), aqueles domicílios com principal responsável de cor da pela branca ou amarela têm maior chance de consumo de outros bens culturais (3,05 p.p.).
No tocante à escolaridade, é possível observar que quanto maior o nível de escolaridade do responsável pelo domicílio, maior a probabilidade de consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio e de outros bens e serviços culturais. Estima-se que domicílios com principal responsável com nível superior completo tenham maior probabilidade de consumir bens e serviços culturais diretos fora do domicílio (21,48 p.p.) e outros bens culturais (22,76 p.p.), comparativamente às chances dos domicílios com responsável que não possui nenhum grau de escolaridade (categoria omitida). Tal resultado também condiz com os achados na literatura (Ateca-Amestoy, 2008; Diniz; Machado, 2011DINIZ, S. C.; MACHADO, A. F. Analysis of the Consumption of Artistic-Cultural Goods and Services in Brazil. Journal of Cultural Economics, v. 35, n. 1, p. 1-18, 2011.; Paglioto; Machado, 2012PAGLIOTO, B. F.; MACHADO, A. F. Perfil dos frequentadores de atividades culturais: o caso nas metrópoles brasileiras. Estudos Econômicos, v. 42, n. 4, p. 701-730, 2012.; Almeida et al., 2019aALMEIDA, C. C. R. DE; LIMA, J. P. R.; GATTO, M. F. F. Expenditure on Cultural Events: Preferences or Opportunities? An Analysis of Brazilian Consumer Data. Journal of Cultural Economics, v. 44, n. 3, p. 451-480, 2019a.; Fernandez, 2019FERNANDEZ, C. G. Determinants for Cultural and Sports Attendance and Practice in the USA. Dissertação (Mestrado em Economia) - Universidad del País do Vasco, Bilbao, 2019.). A educação possibilita a formação do capital cultural individual, que é fundamental para formação de um capital cultural familiar.
Outro resultado interessante é com relação à presença de pelo menos uma criança no domicílio. A probabilidade de consumo familiar de outros bens culturais aumenta em 4,56 p.p., e tal variável parece não afetar o consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio. Esse resultado indica substituição do consumo fora do domicílio pelo consumo de outros bens e serviços culturais facilitados pelas TICs. Já os resultados para a presença de pelo menos um jovem no domicílio indicam que há aumento na probabilidade do consumo, tanto de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio (em 8,10 p.p.), como de outros bens e serviços culturais (em 6,39 p.p.), comparativamente aos domicílios que não possuem jovens. Na juventude o interesse reside nas interações sociais ocasionadas pelo consumo de tais bens e serviços, ofertados em ambientes com maiores possibilidades de entretenimento (Sintas; Álvarez, 2002SINTAS, J. L.; ÁLVAREZ, E. G. The Consumption of Cultural Products: An Analysis of the Spanish Social Space. Journal of Cultural Economics, v. 26, n. 2, p. 115-138, 2002.; Ringstad; Loyland, 2006RINGSTAD, V.; LØYLAND, K. The Demand for Books Estimated by Means of Consumer Survey Data. Journal of Cultural Economics, v. 30, n. 2, p. 141-155, 2006.; Ateca-Amestoy, 2008; Gondim, 2011GONDIM, L. M. P. Espaço Público, requalificação urbana e consumo cultural: o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura e seu entorno. O público e o privado, v. 17, p. 59-69, 2011.).
Em relação à renda, os resultados sugerem que os domicílios que estão na categoria média de renda apresentam maior probabilidade de consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio (9,39 p.p.) e de outros bens e serviços culturais (18,64 p.p.), em comparação às famílias categorizadas no grupo de renda baixa (categoria omitida). Relações análogas, porém com magnitudes diferentes, são constatadas para os domicílios que estão agrupados na categoria de renda alta. Há vasta literatura que identifica o papel fundamental da renda na decisão de consumo de bens e serviços culturais (Ringstad; Loyland, 2006RINGSTAD, V.; LØYLAND, K. The Demand for Books Estimated by Means of Consumer Survey Data. Journal of Cultural Economics, v. 30, n. 2, p. 141-155, 2006.; Diniz; Machado, 2011DINIZ, S. C.; MACHADO, A. F. Analysis of the Consumption of Artistic-Cultural Goods and Services in Brazil. Journal of Cultural Economics, v. 35, n. 1, p. 1-18, 2011.; Paglioto; Machado, 2012PAGLIOTO, B. F.; MACHADO, A. F. Perfil dos frequentadores de atividades culturais: o caso nas metrópoles brasileiras. Estudos Econômicos, v. 42, n. 4, p. 701-730, 2012.; Machado et al., 2017; Almeida et al., 2019aALMEIDA, C. C. R. DE; LIMA, J. P. R.; GATTO, M. F. F. Expenditure on Cultural Events: Preferences or Opportunities? An Analysis of Brazilian Consumer Data. Journal of Cultural Economics, v. 44, n. 3, p. 451-480, 2019a.).
Estima-se que as famílias que possuem principal responsável com cartão de crédito tenham probabilidade de consumir bens e serviços culturais diretos fora do domicílio maior (7,25 p.p.), tal como também maior probabilidade de consumir outros tipos de bens e serviços culturais (5,92 p.p.), comparativamente às chances daqueles domicílios em que o principal responsável não possui cartão de crédito (categoria omitida). Esse resultado pode ser explicado pelo fato de que o cartão de crédito aumenta as possibilidades de meios de pagamentos, resultado também evidenciado por Paglioto e Machado (2012PAGLIOTO, B. F.; MACHADO, A. F. Perfil dos frequentadores de atividades culturais: o caso nas metrópoles brasileiras. Estudos Econômicos, v. 42, n. 4, p. 701-730, 2012.) e Almeida et al. (2019aALMEIDA, C. C. R. DE; LIMA, J. P. R.; GATTO, M. F. F. Expenditure on Cultural Events: Preferences or Opportunities? An Analysis of Brazilian Consumer Data. Journal of Cultural Economics, v. 44, n. 3, p. 451-480, 2019a.).
Com relação às variáveis de localização geográfica, nota-se que os domicílios localizados na capital apresentam 3,75 p.p. a mais de chances de consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio do que os domicílios localizados fora das capitais. Ademais, famílias residentes nas regiões metropolitanas do Recife, Belo Horizonte e São Paulo apresentam probabilidade de consumir bens e serviços culturais diretos fora do domicílio maior comparativamente às chances dos residentes da região metropolitana de Belém (categoria omitida). Tais resultados sugerem que localidades com maior oferta de equipamentos culturais, como Recife, Belo Horizonte e São Paulo, apresentem maior probabilidade de consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio.
Um caso curioso diz respeito às regiões metropolitanas de Curitiba e Porto Alegre, por serem os únicos resultados negativos estatisticamente significativos. As referidas regiões metropolitanas apresentam probabilidade de consumo familiar de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio inferior, comparativamente à região metropolitana de Belém (categoria omitida). O que pode explicar o fato de as regiões metropolitanas de Curitiba e Porto Alegre apresentarem menores chances em consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio é essas regiões metropolitanas ofertarem maior quantidade de equipamentos culturais pela gestão pública, o que pode reduzir a probabilidade do consumo, isto é, das despesas com esses mesmos equipamentos de forma privada (que é justamente o que os dados da POF conseguem captar).
A Tabela 3 apresenta os efeitos marginais da mudança nas variáveis independentes, tudo mais constante, sobre as probabilidades conjuntas de consumo em cada um dos quatro grupos. Os quatro grupos de consumo são: consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio e também consumo de outros bens e serviços culturais; consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio e não consumo de outros bens e serviços culturais; não consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio e consumo de outros bens e serviços culturais; não consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio e também não consumo de outros bens e serviços culturais.
Com relação ao primeiro grupo, referente à probabilidade de consumo concomitante de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio e de outros bens e serviços culturais (coluna 1 da Tabela 3), estima-se que tal probabilidade seja 23,43 p.p. maior em famílias com principal responsável com nível de escolaridade superior completo, comparativamente às famílias com principal responsável sem escolaridade (variável omitida). Com relação à presença de pelo menos uma criança no domicílio, tal variável parece não afetar significativamente a probabilidade de consumo de ambos os bens e serviços culturais. Adicionalmente, nota-se probabilidade de consumo de ambos os bens e serviços culturais superior em 8,54 p.p. em domicílios que possuem pelo menos um jovem.
Outra variável significativa para a probabilidade de consumo de ambos os bens e serviços culturais é o fato de o principal responsável possuir cartão de crédito. Com relação à variável rendimento familiar, quanto maior o nível de renda, maior a probabilidade de consumo de ambos os bens e serviços culturais, comparativamente a domicílios que estão na faixa de renda baixa (variável omitida).
No que se refere à localização geográfica, estima-se que famílias que residem na capital da região metropolitana tenham probabilidade de consumir ambos os bens e serviços culturais superior (3,61 p.p.) às chances dos que não residem na capital. Esse resultado sugere que as capitais oferecem maior possibilidade de oferta e consumo de bens e serviços culturais e, talvez, mais facilidades no deslocamento para o consumo de tais bens e serviços.
Continuando nessa mesma perspectiva de localização geográfica, observa-se que as famílias que residem nas regiões metropolitanas de Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo apresentam probabilidade de consumo de ambos os bens e serviços culturais superior às chances das famílias que residem na região metropolitana de Belém (variável omitida). Para os resultados observados no segundo grupo, referente à probabilidade de consumir bens e serviços culturais diretos fora do domicílio e não consumir outros bens e serviços culturais, estima-se que quanto maior o nível educacional do responsável pelo domicílio, menores são as chances de consumo de apenas bens e serviços culturais diretos fora do domicílio. Provavelmente essas famílias preferem diversificar a sua cesta de consumo de bens e serviços culturais, dado o seu nível de capital humano e cultural.
A variável referente à presença de pelo menos uma criança no domicílio indica que as chances de consumo de apenas bens e serviços culturais diretos fora do domicílio são negativas em famílias com crianças (-0,63 p.p.). Esse resultado sinaliza a possível dificuldade de consumo de bens culturais fora do domicílio para os pais ou responsáveis com pelo menos uma criança. A elevada renda familiar também se mostra negativamente relacionada ao consumo de apenas bens e serviços culturais diretos fora do domicílio (-1,70 p.p.). Com relação à localização geográfica, estima-se que as famílias que residem na região metropolitana de Belém (categoria omitida) tenham mais chances de consumir apenas bens e serviços culturais diretos fora do domicílio, comparativamente aos residentes das demais regiões metropolitanas.
Os resultados observados para o terceiro grupo, referente à probabilidade de não consumir bens e serviços culturais diretos fora do domicílio e consumir outros bens e serviços culturais, apresentam aspectos específicos. Entre os principais achados, verifica-se que a presença de pelo menos uma criança no domicílio afeta positivamente a probabilidade de consumir apenas outros bens e serviços culturais (3,47 p.p.). Comparando esse resultado com o apresentado para o grupo anterior, é possível observar que a presença de pelo menos uma criança no domicílio afeta negativamente a probabilidade de consumir apenas bens e serviços culturais diretos fora do domicílio, afetando positivamente a probabilidade de consumir apenas outros bens e serviços culturais. Fato sugestivo de que os pais ou responsáveis prefiram consumir outro tipo de bens e serviços culturais diferentes dos que exigem descolamentos e gastos extras.
Nos domicílios em que o principal responsável trabalha no setor criativo a probabilidade de consumo de apenas outros bens e serviços culturais é 7,54 p.p. menor, comparativamente às famílias em que o responsável não trabalha no setor criativo. Esse resultado pode ser explicado pelo fato de que se alguém do domicílio trabalha no setor cultural direto é mais provável que consuma desse setor. No que se refere aos resultados referentes à localização geográfica, estima-se que as famílias que residem na região metropolitana de Belém (categoria omitida) tenham menores chances de consumir apenas outros tipos de bens e serviços culturais, comparativamente aos residentes das demais regiões metropolitanas.
Por fim, os resultados observados para o último grupo, referente à probabilidade de não consumir bens e serviços culturais diretos fora do domicílio e também não consumir outros bens e serviços culturais, indicam que famílias de principal responsável branco apresentam menores chances de não consumir nenhum dos dois tipos de bens e serviços culturais (-2,75 p.p.), comparativamente aos domicílios de principal responsável negro (preto ou pardo). Um importante resultado no grupo refere-se à escolaridade e renda. Verifica-se que famílias que possuem algum grau de escolaridade apresentam menores chances de não consumir ambos os tipos de bens e serviços culturais, comparativamente a famílias que não possuem nenhum grau de escolaridade (categoria omitida). Isso sugere que quanto maior o nível de escolaridade, maior o consumo de ambos os bens e serviços culturais definidos nesta análise. A renda também apresenta resultado análogo. Famílias de renda média e alta apresentam menores chances de não consumir ambos os tipos de bens e serviços culturais, comparativamente às famílias de renda baixa (categoria omitida). Esse resultado está de acordo com os achados com relação à renda para o primeiro grupo. Com relação à localização geográfica, estima-se que as famílias que residem na região metropolitana de Belém (categoria omitida) tenham mais chances de não consumir nenhum dos dois tipos de bens e serviços culturais, comparativamente aos residentes das demais regiões metropolitanas.
5 Considerações finais
Este estudo analisa os fatores associados à probabilidade de consumo familiar de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio, ponderando a decisão conjunta de consumo cultural direto fora do domicílio e de consumo de outros tipos de bens e serviços culturais, com enfoque nas diferenças regionais brasileiras. Essa análise conjunta se mostra relevante, pois, em certa medida, é possível que esses dois tipos de consumo cultural estejam associados.
O modelo probit bivariado é utilizado nesta pesquisa para investigar a probabilidade conjunta no consumo das duas categorias de bens e serviços culturais aqui consideradas. Os resultados sugerem a necessidade de que a probabilidade de consumo cultural fora do domicílio seja modelada conjuntamente à probabilidade de consumo de outros bens e serviços culturais. Fatores como renda e escolaridade estão positivamente relacionados à probabilidade de consumir bem e serviços culturais diretos fora do domicílio. O fato de residir na capital da região metropolitana também apresentou efeito positivo sobre o consumo. Tal resultado sugere que nas capitais das regiões metropolitanas, onde existem maiores níveis de aglomeração, as pessoas têm maiores incentivos no consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio.
Outro achado interessante se refere à presença de jovens e crianças no domicílio. Os resultados sugerem que a presença de pelo menos um jovem na família está associado a maiores chances de consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio. Tal resultado pode ser explicado pelo fato de que, especialmente na juventude, o interesse pelo consumo cultural está conectado tanto ao interesse no próprio bem cultural fora do domicílio como na interação social associada a tal consumo. Por outro lado, a presença de pelo menos uma criança no domicílio parece reduzir as chances de consumo cultural direto fora do domicílio, certamente devido às dificuldades de locomoção e aos gastos adicionais que a presença de pelo menos uma criança pode impor a algumas estruturas familiares.
Os resultados gerais do modelo destacam questões de concentração, no que se refere ao consumo cultural fora dos domicílios, entre os diferentes grupos socioeconômicos e em favor das áreas centrais. Os achados evidenciam também como as regiões metropolitanas localizadas na região Sudeste do país, que apresentam os maiores indicadores de oferta de equipamentos culturais, estão relacionadas à maior probabilidade de gastos com consumo de bens e serviços culturais diretos fora do domicílio. Diante disso, os avanços que ocorreram no sentido de democratização no acesso cultural, por meio de políticas públicas que subsidiam o consumo cultural, ainda se mostram insuficientes para reverter o cenário de desigualdade regional. As relações sociais e os transbordamentos de capital humano e cultural são efeitos importantes causados pelas interações que ocorrem no ato de consumir bens e serviços culturais, principalmente fora dos domicílios. Dessa forma, para os municípios brasileiros avançarem no quesito políticas culturais é importante que novas estratégias políticas sejam desenhadas, com enfoque na inclusão dos domicílios de classes de rendas mais baixas no acesso a bens e serviços culturais consumidos fora dos domicílios.
Agradecimentos
Esta pesquisa foi realizada com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
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Códigos JEL:
Z10, Z18, C10, C38, D10. -
JEL Codes:
Z10, Z18, C10, C38, D10
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1
Constitui um acervo que disponibiliza dados cadastrais e econômicos, referente a todas as empresas e organizações e ao local onde elas estão em funcionamento no Brasil (IBGE, 2018a).
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2
Empresas culturais que apresentam contrato social, registro na junta comercial, alvará de localização e funcionamento, inscrição estadual, entre outras documentações oficiais que caracterizam uma empresa formal.
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3
Produtos culturais populares: rock, touradas e flamenco.
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4
Produtos de alta cultura: ópera, teatro, ballet e música clássica.
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5
Produtos culturais tradicionais: touradas, danças regionais, danças folclóricas, shows de variedades e circo.
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6
Produtos culturais modernos: filmes, rock, jazz e música pop.
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7
Os resultados para os coeficientes estimados podem ser observados na Tabela A.1, em Apêndice.
APÊNDICE
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
08 Mar 2024 -
Data do Fascículo
Jan-Mar 2024
Histórico
-
Recebido
06 Abr 2023 -
Aceito
14 Nov 2023