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Aids e prevenção do HIV entre adolescentes e jovens em seis municípios brasileiros1 1 A pesquisa “Jovens da era digital: sexualidade, reprodução, redes sociais e prevenção às IST/HIV/Aids” foi coordenada por Cristiane S. Cabral, coordenadora-geral, (São Paulo - Universidade de São Paulo (USP)), Ana Paula dos Reis (Salvador - Universidade Federal da Bahia (UFBA)); Daniela Riva Knauth (Porto Alegre - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)); Elaine Reis Brandão (Rio de Janeiro - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)), Flávia Bulegon Pilecco (Conceição do Mato Dentro - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)); José Miguel Nieto Olivar (São Gabriel da Cachoeira - USP). Este estudo contou com apoio financeiro do CNPq (Processo 442878/2019-2; Processo 431393/2018-4). Agradecimentos especiais às/aos coordenadoras/es e equipes de trabalho de campo de cada localidade, bem como às/aos jovens que compartilharam parte de suas experiências de vida conosco

Resumo

A ausência de um debate mais amplo sobre prevenção do HIV e o recrudescimento do conservadorismo, nos últimos anos, podem ter impactado nas concepções e nas práticas dos jovens em relação ao HIV/aids. Entrevistas semiestruturadas conduzidas com 194 jovens, de 16 a 24 anos, em quatro capitais e duas cidades do interior do Brasil, revelaram que, para eles, a aids é percebida como uma “doença que não tem cara”, sendo impossível identificar quem tem HIV. As concepções sobre o HIV oscilam entre o medo e a percepção de que é tratável. O risco foi percebido como algo abstrato, que não é central nas preocupações cotidianas, cujo foco é evitar uma gravidez. O uso do preservativo é visto como uma estratégia temporária de prevenção, rapidamente substituído pela confiança na parceria sexual. As tecnologias de informação disponíveis parecem não ter sido capazes de fazer frente ao aumento do conservadorismo e à carência de políticas de prevenção do HIV entre os jovens. Essas políticas devem passar pela melhora na provisão de informações de qualidade, adaptadas aos interesses dos jovens, pela ampliação da oferta dos diferentes insumos de prevenção, e também devem trazer as IST e o HIV de volta para a arena de discussões.

Palavras-chave:
Adulto Jovem; Adolescente; HIV; Aids; Preservativo

Abstract

The lack of a broader debate on HIV prevention and the resurgence of conservatism in recent years may have influenced the perceptions and practices of young people regarding HIV/AIDS. Semi-structured interviews conducted with 194 young individuals, aged 16 to 24, in four state capitals and two small municipalities in Brazil, revealed that they perceive AIDS as a “faceless disease,” making it impossible to identify who has HIV. Conceptions about HIV oscillate between fear and the perception that it is treatable. The risk was perceived as abstract, something that is not central to daily concerns, with the primary focus being in preventing pregnancy. Condom use is seen as a temporary prevention strategy, quickly replaced by trust in the sexual partnership. Available information technology appears unable to address the rise in conservatism and the lack of HIV prevention policies among young people. These policies should improve the provision of quality information tailored to the interest of young people, expand the availability of various prevention resources, and bring STIs and HIV back into the discussion arena.

Keywords:
Young Adult; Adolescent; HIV; AIDS; Condom

Introdução

A aids e a prevenção do HIV são temas que não tem sido pauta frequente dos meios de comunicação de massa nos últimos anos. Esses temas são lembrados em raras ocasiões, como no dia 1° de dezembro (Dia Mundial de Luta Contra a Aids) e no período do Carnaval (quando há expectativa social de um maior número de relações sexuais com parceiros eventuais). Nessas datas, peças publicitárias sobre prevenção são lançadas pelas instituições governamentais, no nível municipal, estadual e federal, e dados epidemiológicos são divulgados. No ano de 2023, por exemplo, o slogan da campanha do Ministério da Saúde foi “Voltou o carnaval e com camisinha a alegria é geral”. Contudo, fora dessas datas, o tema é esquecido até o ano seguinte.

O silenciamento sobre a aids e sua prevenção insere-se num contexto mais amplo de crise da resposta brasileira ao HIV/aids. A experiência acumulada na esfera da prevenção, que historicamente contou com a estreita colaboração das Organizações Não Governamentais (ONG) e o diálogo com o movimento social, com ações pautadas em metodologias de educação entre pares, promoção dos direitos humanos, combate ao estigma e à discriminação (Ayres, 2002AYRES, J. R. C. M. Práticas educativas e prevenção de HIV/Aids: lições aprendidas e desafios atuais. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 6, n. 11, p. 11-24, 2002. DOI: 10.1590/S1414-32832002000200002
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; Grangeiro; Silva; Teixeira, 2009GRANGEIRO, A.; SILVA, L. L. D.; TEIXEIRA, P. R. Resposta à aids no Brasil: contribuições dos movimentos sociais e da reforma sanitária. Revista Panamericana de Salud Pública, Washington, DC, v. 26, n. 1, p. 87-94, 2009.; Paiva, 2002PAIVA, V. Sem mágicas soluções: a prevenção e o cuidado em HIV/ AIDS e o processo de emancipação psicossocial. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 6, n. 11, p. 25-38, 2002. DOI: 10.1590/S1414-32832002000200003
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), sucumbiu ao crescimento e recrudescimento do conservadorismo moral. Movimentos conservadores, com força política especialmente a partir do golpe político de 2016 e da eleição presidencial de 2018, passam a questionar as categorias de gênero, sexualidade, diversidade sexual, entre outras presentes nas políticas públicas, afetando de forma particular a política de aids (Agostini et al., 2019AGOSTINI, R. et al. A resposta brasileira à epidemia de HIV/AIDS em tempos de crise. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 24, n. 12, p. 4599-4604, 2019. DOI: 10.1590/1413-812320182412.25542019
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).

Quando se trata de população jovem, o tema da aids e da prevenção do HIV é ainda menos presente, pois, em geral, não faz parte dos assuntos discutidos nas redes e mídias sociais que eles seguem ou acessam. O assunto deixou de ser tratado também de forma sistemática nas escolas, com o enfraquecimento do Programa Saúde na Escola (PSE) em grande parte dos municípios e o crescimento do movimento Escola sem Partido e o combate ao que tem sido denominado como “Ideologia de Gênero” (Miskolci; Campana, 2017MISKOLCI, R.; CAMPANA, M. “Ideologia de gênero”: notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo. Sociedade e Estado, Brasília, DF, v. 32, n. 3, p. 725-747, 2017. DOI: 10.1590/s0102-69922017.3203008
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). Os estudos sobre o conhecimento a respeito do HIV/aids têm demonstrado que aqueles jovens cuja fonte principal de informação sobre sexualidade são os pais, profissionais da saúde ou professores apresentam níveis mais elevados de conhecimento (Fontes et al., 2017FONTES, M. B. et al. Fatores determinantes de conhecimentos, atitudes e práticas em DST/Aids e hepatites virais, entre jovens de 18 a 29 anos, no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 4, p. 1343-1352, 2017. DOI: 10.1590/1413-81232017224.12852015
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). Assim, frente ao atual contexto de aprendizagem, podemos presumir que os jovens de hoje possuem menos informações sobre o tema.

Os efeitos desta ausência da temática da aids e prevenção do HIV nas concepções e práticas dos jovens têm sido pouco investigados, até por se tratar de um fenômeno relativamente recente. Por outro lado, já é possível vislumbrar o aumento dessa falta de informação, bem como a diminuição no uso do preservativo, tendência que já estava sendo identificada nos últimos anos (Brasil, 2016BRASIL. Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas na População Brasileira - PCAP 2013. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2016.; Vieira et al., 2021VIEIRA, G. N. et al. O HIV/AIDS entre os jovens no Brasil: revisão integrativa da literatura: HIV/AIDS among young people in Brazil: integrative literature review. Health and Biosciences, São Mateus, v. 2, n. 1, p. 16-30, 2021. DOI: 10.47456/hb.v2i1.32460
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). Dessa forma, dados recentes (2023) sobre a infecção pelo HIV no país mostram que 23,4% dos novos casos ocorreram em jovens entre 15 e 24 anos. A evolução do HIV para a aids também é preocupante nesta faixa etária, sendo que, nos últimos 10 anos (2012-2022), 52.415 jovens com HIV evoluíram para aids (Brasil, 2023BRASIL. Boletim Epidemiológico HIV e Aids 2023. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2023. Disponível em: <Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/boletins-epidemiologicos/2023/hiv-aids/boletim-epidemiologico-hiv-e-aids-2023.pdf/view >. Acesso em: 11 mar. 2024.
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).

Diante deste contexto, este artigo tem por objetivo analisar as concepções sobre a aids e o risco de infecção pelo HIV, bem como as estratégias de prevenção adotadas por adolescentes e jovens.

Métodos

Os dados analisados são provenientes da pesquisa “Jovens da era digital: sexualidade, reprodução, redes sociais e prevenção às IST/Aids”, realizada em seis municípios brasileiros com jovens de 16 e 24 anos. A pesquisa adotou uma abordagem socioantropológica, ou seja, buscou levar em consideração, ao mesmo tempo, os contextos sociais e estruturais que se impõem aos indivíduos, mas também a sua capacidade de intervenção nestes, por meio de práticas e criação de significados (Olivier de Sardan, 2008OLIVIER DE SARDAN, J.-P. La rigueur du qualitatif: les contraintes empiriques de l’interprétation socio-anthropologique. Louvain-la-Neuve: Academia-Bruylant, 2008.; Victora; Knauth; Hassen, 2000VICTORA, C. G.; KNAUTH, D. R.; HASSEN, M. N. A. Pesquisa qualitativa em saúde. [S.l.]: APGIQ, 2000.). Esta abordagem foi adotada por permitir apreender determinantes sociais importantes, como gênero, raça e classe social, mas também possibilitar compreender as trajetórias biográficas dos jovens entrevistados. Como técnica para a produção dos dados, foi utilizada a entrevista semiestruturada, conduzida a partir de um roteiro que abordou o contexto familiar e de residência, as questões de estudo e trabalho e as trajetórias afetivo-sexuais dos jovens, com ênfase nos principais eventos sexuais e reprodutivos, como iniciação sexual, gravidez/aborto, parceiro atual, bem como as concepções e práticas sobre HIV/aids e outras infecções sexualmente transmissíveis (IST).

Os participantes foram acessados a partir das redes de relações pessoais e profissionais dos pesquisadores e de textos veiculados em grupos de WhatsApp e em redes sociais. Foram entrevistados 194 jovens residentes de quatro capitais - 37 em Porto Alegre (RS), 40 no Rio de Janeiro (RJ), 41 em Salvador (BA) e 43 em São Paulo (SP) - e duas cidades do interior - 17 jovens de Conceição do Mato Dentro (MG) e 16 de São Gabriel da Cachoeira (AM). Buscou-se contemplar diferenças de gênero, perfis socioeconômicos, raça/etnia, experiências reprodutivas e orientação sexual. Assim, o universo foi composto por 100 mulheres cisgênero e três mulheres transexuais; 87 homens cisgênero e um homem trans; uma pessoa que se definiu como gênero fluido; e duas que se identificaram como não-binárias. Em termos de faixa etária, foram entrevistados 42 jovens de 16 a 17 anos, 51 na faixa dos 18 aos 19 anos, 45 entre 20 e 21 anos e 56 na faixa dos 22 aos 24 anos. No que concerne à raça/cor, 120 dos entrevistados se autodeclaram negros, 55 brancos, 18 indígenas e um amarelo. Em relação à orientação sexual, 136 entrevistados se declararam heterossexuais e 58 se inserem em uma das categorias LGBTQIAP+.

As entrevistas foram realizadas no local indicado pelo entrevistado, exceto algumas que, por demanda dos próprios participantes, foram feitas de forma remota2 2 Para uma descrição completa do trabalho de campo, características dos entrevistadores, formas de contato com os entrevistados ver o artigo “Juventudes, sexualidade e saúde: reflexões teóricas e metodológicas a partir de uma pesquisa multisituada sobre trajetórias afetivo-sexuais juvenis” do presente Dossiê. . Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra. Os dados foram categorizados a partir do referencial teórico e dos objetivos da pesquisa e sistematizados no software NVivo.

Cabe destacar que, por se tratar de uma primeira análise dos resultados do estudo, este artigo tem um caráter mais descritivo e prioriza os aspectos recorrentes entre as diferentes cidades e características dos jovens, destacando apenas os fatores que apresentaram diferenças importantes, como é o caso do gênero e, em alguns contextos, da classe social.

A pesquisa teve a aprovação da CONEP e dos Comitês de Ética em Pesquisa das instituições participantes. No caso dos jovens menores de 18 anos, foi autorizada a dispensa da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelo responsável, utilizando somente a assinatura do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (Tale) pelo próprio jovem. Os maiores de 18 anos consentiram a participação através da assinatura do TCLE.

Resultados e discussão

Concepções sobre aids

As cinco décadas da epidemia de aids e todos os avanços obtidos para o tratamento, muito mais do que apenas na esfera da prevenção, impactaram nas concepções dos jovens sobre a doença. Se na década de 90 a concepção que prevalecia era a da aids como uma doença distante, do “outro”, e que tinha uma “cara” - caracterizada pela homossexualidade e o emagrecimento -, entre os jovens entrevistados prevalece a ideia de que a “doença não tem cara”, isto é, não é possível identificar “a olho nu” quem tem o HIV. A pesquisa de Comportamento, Atitudes e Práticas na População Brasileira (PCAP) realizada em 2013, que entrevistou 12 mil pessoas entre 15 e 64 anos, já indicava que cerca de 90% dos entrevistados sabem que uma pessoa aparentemente saudável pode estar vivendo com HIV e quase 80% reconhecem que a aids é uma doença crônica que pode ser controlada (Brasil, 2016BRASIL. Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas na População Brasileira - PCAP 2013. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2016.). Ou seja, a redução significativa da mortalidade, que fez com que os jovens não tenham tido a experiência de ver seus ídolos e amigos morrerem de aids, produziu mudanças na forma como a doença é percebida pela nova geração.

As concepções da aids oscilam entre um certo medo da doença e a visão de que ela é tratável. Embora todos os jovens entrevistados afirmem “não querer pegar” e acreditem que ficariam muito impactados se isso acontecesse, a possibilidade de tratamento da doença, a partir do uso dos antirretrovirais, produz a relativização do medo. A aids já não é mais percebida como uma sentença de morte e os jovens manifestam ter pouco conhecimento sobre ela.

É que antes... tinha muito, é, teve muito cantor, gente, gente famosa que morreu disso [Aids] e tal. Aí eu ficava bem assim. Mas, agora, como tem, as pessoas tão vivendo normalmente, vamos dizer assim, acho que não é tão mais assim. (São Gabriel da Cachoeira, mulher, 17 anos, classe média)

Olha, eu considero que não, mas não é hoje um problema se acontecer, porque eu sei dos métodos de tratamento, assim. Eu evito. [...] Mas se contraísse também não seria um problema porque eu sei dos tratamentos que existem hoje. Não quero contrair. (São Paulo, homem, 22 anos, classe popular)

Consistente com esta concepção de que a aids é uma doença tratável, a possibilidade de infecção pelo HIV é, frequentemente, comparada à possibilidade de uma gravidez. Filhos e aids são duas coisas que os jovens não desejam “pegar”, mas admitem haver possibilidade, a partir do momento que têm uma vida sexualmente ativa.

É, é claro que existe o medo e o risco pra todo mundo, a partir do momento que pega, você se desespera, né? Assim, eu acho que o medo de pegar é igual, não tem tanto medo assim, antes de pegar. [...] Nossa senhora, eu ia ficar doido! Até pior do que o filho, né? [...] Um filho, uma gravidez, não é uma doença. Então, eu acho que assim, não é uma coisa... Igual a morte, é igual a morte assim, a gente nunca está com medo da morte, “Ah não, eu tô com medo da morte”, e vai morrer. (São Gabriel da Cachoeira, homem, 19 anos, classe média)

Mas a gente tendo relação, a gente tá... é, como é que eu falo? A gente tá aberto a qualquer coisa, entendeu? Tanto doença quanto gravidez. (Rio de Janeiro, mulher, 23 anos, classe popular)

É interessante notar que ter uma vida sexualmente ativa significa, para os jovens, “estar aberto” ao risco, tanto de uma gravidez, quanto da infecção pelo HIV ou outra IST. Essa equiparação de riscos pode ser resultante da percepção de que, em ambos os casos, é possível lidar com as consequências. No caso do HIV, há uma compreensão de que existe a possibilidade de controle por meio do tratamento medicamentoso, mesmo que sem o dimensionamento das complexidades que viver em tratamento para uma doença crônica implica. No caso de uma gestação não prevista, o acolhimento dado pela família, em especial após o nascimento de um filho, pode mitigar o “susto” (Joyce; Kaestner; Korenman, 2000JOYCE, T.; KAESTNER, R.; KORENMAN, S. The stability of pregnancy intentions and pregnancy-related maternal behaviors. Maternal and Child Health Journal, New York, v. 4, n. 3, p. 171-178, 2000. DOI: 10.1023/a:1009571313297
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; Bankole; Westoff, 1998BANKOLE, A.; WESTOFF, C. F. The consistency and validity of reproductive attitudes: evidence from Morocco. Journal of Biosocial Science, Cambridge, v. 30, n. 4, p. 439-455, 1998. DOI: 10.1017/s0021932098004398
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; Sedgh; Singh; Hussain, 2014SEDGH, G.; SINGH, S.; HUSSAIN, R. Intended and unintended pregnancies worldwide in 2012 and recent trends. Studies in Family Planning, Malden, v. 45, n. 3, p. 301-314, 2014. DOI: 10.1111/j.1728-4465.2014.00393.x
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). Em alguns casos, também o aborto provocado, mesmo que ilegal, pode se abrir como uma possibilidade de solução desta questão. Assim, ao invés de gerir os riscos de forma preventiva, muitas vezes os jovens optam por estratégias de redução de danos (Bastos; Ventura; Brandão, 2018BASTOS, L. L.; VENTURA, M.; BRANDÃO, E. R. Entre a biomedicina, a saúde pública e os direitos: um estudo sobre os argumentos do Consórcio Internacional sobre Contracepção de Emergência para promover o acesso aos contraceptivos de emergência em “países em desenvolvimento”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 53, p. e185309, 2018. DOI: 10.1590/18094449201800530009
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; Brandão, 2017BRANDÃO, E. R. O atendimento farmacêutico às consumidoras da contracepção de emergência. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 26, n. 4, p. 1122-1135, 2017. DOI: 10.1590/S0104-12902017000003
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; Cabral, 2017CABRAL, C. D. S. Articulações entre contracepção, sexualidade e relações de gênero. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 26, n. 4, p. 1093-1104, 2017. DOI: 10.1590/S0104-12902017000001
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). Nesse sentido, a própria gravidez não prevista pode servir de alerta para o risco de uma IST, como exemplificado na fala abaixo, de uma jovem que, após a gestação, passou a utilizar preservativo.

[Foi uma gravidez] mas poderia ter sido uma doença, né. (São Paulo, mulher, 23 anos, classe média)

Percepção de risco para HIV/IST

Para a maioria dos jovens entrevistados, o risco, em geral, é percebido como algo bastante abstrato, ou seja, existe, mas não faz parte de suas preocupações cotidianas. E, apesar de compararem o risco de contrair o HIV ao de uma gravidez não planejada, nessa hierarquia, a sua preocupação mais premente é com a gravidez, o que de acordo com eles é reforçado pela escola.

E o pior é que esse é um dos maiores problemas [Aids], que a escola ensinou tão mal que eu não tinha praticamente nenhum problema. Sabe, eu ouvia falar bastante, só que eu sentia que isso não ia chegar em mim, vamos dizer. Então, tipo, eu quase nunca tinha problemas, eu nunca quase pensava nisso. Acho que meu maior problema era mais engravidar [...] hoje em dia eu penso bastante sobre isso, muito. (Salvador, mulher, 21 anos, classe popular)

O risco é generalizado, incluindo, além das relações sexuais, o beijo na boca e até a possibilidade de alguém, intencionalmente, injetar o vírus, como expressa uma entrevistada:

Até já vi caso de cara com a seringa botar coisa no ônibus, no BRT, na mulher. Você sabe o que que é? Graças a Deus eu acho que não aconteceu nada com ela, mas poderia ali querer transmitir alguma doença a ela. Enfim, então desde o momento que você se relaciona [tem risco], a não ser que você não tenha relação nenhuma. Aí talvez não. E ainda assim ter esse risco dos maníacos, malucos, mas acho que sim. Qualquer pessoa tá propícia a contrair, até no beijo, né?! Dependendo da coisa, se for herpes, se tiver machucado, também pode. (Rio de Janeiro, mulher, 22 anos, classe popular)

A não hierarquização dos riscos, colocando as diferentes práticas sexuais e situações no mesmo nível, pode ser atribuída à falta de informação mais qualificada por parte dos jovens, que tem sido pouco discutida na escola e outros espaços de sociabilidade frequentados por eles. Por outro lado, não podemos ignorar que as próprias campanhas e o discurso médico hegemônico tendem a considerar a sexualidade juvenil apenas sob a perspectiva do risco.

Gilbert (2003GILBERT, C. La fabrique des risques. Cahiers Internationaux de Sociologie, Paris, v. 1, n. 114, p. 55-72, 2003.), analisando o que denomina como “fábrica do risco”, salienta que, na perspectiva do modelo do risco gerido pelos especialistas e autoridades públicas, a característica de irracionalidade do público aparece justamente como a incapacidade do em hierarquizar corretamente os riscos, supervalorizando alguns pouco prováveis em detrimento de outros com maior probabilidade de ocorrer (Gilbert, 2003GILBERT, C. La fabrique des risques. Cahiers Internationaux de Sociologie, Paris, v. 1, n. 114, p. 55-72, 2003.). Já no início da epidemia da aids, autores como Perlongher destacavam o quanto o discurso médico ignorava a dimensão do prazer, tratando a sexualidade apenas sob o viés do risco (Perlongher, 1987PERLONGHER, N. O que é aids. São Paulo: Brasiliense, 1987.; Valle, 2023VALLE, C. G. Entre o sexo como transgressão e a gestão dos riscos: Néstor Perlongher e o dispositivo da aids. Cadernos Pagu, Campinas, n. 66, e226604, 2023. DOI: 10.1590/18094449202200660004
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). A ausência dessa hierarquia acaba tendo por efeito uma espécie de paralização, pois não há riscos a serem priorizados ou se adota sempre, em todas as situações, medidas de proteção ou, ao contrário, se relega o risco ao acaso.

A ideia é de que sempre há algum risco, mas esse é minimizado pelas medidas de proteção adotadas. Essa percepção apresenta variação de acordo com o gênero do entrevistado. Para as mulheres, o risco é atribuído, mais frequentemente, à possibilidade de o preservativo “estourar” e à possibilidade de traição por parte do parceiro.

Eu acho que ninguém é livre assim, de não pegar, porque fazendo sexo oral, pode pegar, com a camisinha também, ela pode estar estourada e o parceiro não falar, daí, tu fazer sexo oral ali e acabar se contaminando com a doença. Ou tu tá com um parceiro assim, há muito tempo e ele te trai com uma pessoa que tem essa doença, que nem aconteceu com um amigo meu. (Porto Alegre, mulher, 19 anos, classe popular)

Teria risco se meu namorado tivesse me traindo. Porque eu já transei sem camisinha com ele e não contraí nada. Então se ele me trair por algum motivo, eu transar sem camisinha ou estourar eu posso pegar. (Rio de Janeiro, mulher, 17 anos, classe popular)

Já para os homens, o risco aparece relacionado ao não uso do preservativo em situações consideradas como arriscadas. A falta de uso do preservativo é tida como um ato inconsequente, mas justificado pelas emoções do momento, como o tesão.

Eu me arrependo muito depois [exposição], que termina o ato em si, sabe. Eu vejo que, tipo, no auge da excitação, do tesão, a gente nem pensa, sabe, às vezes. E depois eu me arrependo muito. [...] Ah, eu tento não pensar tanto, porque senão eu entro em surto, assim. Óbvio, né, fazer exames depois, enfim. Mas eu tento não pensar muito assim porque, enfim, já passou, sabe. (Porto Alegre, homem, 21 anos, classe popular)

Contudo, se por um lado o fato de se expor pode gerar “medo”, por outro, ele é uma prova da atividade sexual de quem se expôs. Assim, há uma certa ambiguidade na percepção de risco entre alguns homens entrevistados. É interessante notar que, mesmo identificando uma situação de exposição, os homens tendem aguardar e não buscar imediatamente uma confirmação pela testagem. Já as mulheres referiram mais buscar teste quando percebem que tiveram uma exposição.

Eu tenho muito medo, eu já cheguei quando eu estava com esse menino que eu fiquei pouco tempo, teve uma vez que a gente chegou a transar sem camisinha e eu depois fiquei, tipo, numa paranoia. Eu fiquei tipo: “eu não sei se ele tá só comigo, eu não sei o que pode acontecer”. E aí tanto que no outro dia, no dia do Enem ainda, eu fui direto no posto pra fazer aqueles testes de HIV e saber tudo e tomar remédio, eu fiquei com medo... (Porto Alegre, mulher, 20 anos, classe popular)

É, quando eu cresci, outras vezes, tipo, quando já tinha, quando tava solteiro, assim, era de camisinha, tal. É, então, sempre me senti muito seguro, muito tranquilo. Só que teve uma época que um amigo meu começou a falar: “caraca, tenho certeza que você tá infectado” [...] E aí, eu comecei a ficar com medo. Só que aí, eu... eu precisava fazer o teste. Só que aí, nisso, eu acabei, tipo, veio a pandemia e tal. Aí, eu comecei a me relacionar com a Valentina. Aí, a Valentina fez um teste e deu negativo também, aí, isso me deu uma tranquilizada. É... mas eu acho que eu tenho que fazer, né? (Rio de Janeiro, homem, 18 anos, classe média)

A principal estratégia de proteção acionada pelos jovens é a “confiança” na parceria sexual. Para as jovens mulheres, esta confiança vem a partir do tipo de vínculo com o parceiro, ao passo que, para os homens, o fato de já “conhecer” a parceira gera um sentimento de segurança a ponto de abandonarem o uso do preservativo.

Sim, porque eu tenho relação com meu esposo. Mas eu confio nele. Que eu sei que ele não seria capaz de fazer isso, entendeu? Ficar com outras pessoas na rua, se relacionar e levar pra dentro de casa doença. [...] Confio nele. Confio. E eu falo pra ele: eu confio em você, se você fizer isso, eu te mato. (Rio de Janeiro, mulher, 23 anos, classe popular)

Eu acho que todo mundo, né, tem risco assim se, se não se prevenir. A gente tem que manter o... manter sempre protegido e tal. Mas eu acho difícil, eu pegar hoje em dia praticando, mesmo praticando sexo, eu acho difícil, por conta que eu procuro me relacionar com pessoas que eu já conheço, converso antes, tem todo assunto, é... pergunto se a pessoa faz exame, tem DST, entendeu? (Rio de Janeiro, homem, 19 anos, classe popular)

A confiança é dada pelo “conhecer” a pessoa e pelo tempo de relacionamento. O tempo também é relativo, pois se há, em geral, uso do preservativo na primeira relação sexual com um novo(a) parceiro(a), este logo é deixado de lado, pois o(a) parceiro(a) já se torna conhecido(a) e confiável.

Ah, só depois [deixa de usar preservativo], tipo, nossa, um tempão assim, não tem mais nada, daí, sim, daí, eu não uso [preservativo]. Não, no caso, eu estou falando não ter mais nada, vou me expor, mas tipo, depois de uma segunda, terceira, daí não uso [preservativo]. Ou segunda, segunda vez assim, já não uso [preservativo] (Porto Alegre, homem, 18 anos, camadas médias)

Assim, a gente... eu me cuidava, mas eu não sei se o meu companheiro se cuidava. Aí ele usava camisinha, no começo a gente usou camisinha. Mas a gente foi se conhecendo através de palavras, não fomos no médico pra fazer um exame pra ver se realmente não tem... entendeu? E a gente fazia sem camisinha mesmo. (Rio de Janeiro, mulher, 20 anos, classe popular)

Os encontros sexuais que ocorrem via aplicativos são considerados, também, de maior risco, pelo fato de se trataram, em geral, de um relacionamento com uma pessoa desconhecida.

Porque eu não conheço a pessoa... Se é literalmente uma pessoa desconhecida que você se atraiu fisicamente pela pessoa, só um papo, tipo, mas a questão do aplicativo é mais fisicamente pra pessoa do que um papo. Também depende do que você procura. Eu procuro mais uma coisa física do que um papo, essas coisas. Não gosto muito de conversar, então...em relação à internet, né? Mas, eu desconheço a pessoa, eu não sei com quem ela transa. É... Às vezes, a pessoa quer transar comigo sem camisinha. Se ela quer transar comigo sem camisinha, ela transa com outras pessoas sem camisinha. Essas pessoas eu não sei se elas transam com outras pessoas sem camisinha, entendeu? (São Paulo, homem, 20 anos, classe média)

Assim, o “conhecer” o(a) parceiro(a) é a principal estratégia para a identificação do risco e uso de proteção, seja no início de um relacionamento, seja com alguém eventualmente contatado via aplicativos. O uso do preservativo é, desta forma, quase que exclusivamente reservado ao momento inicial do relacionamento ou a relações com parceiros desconhecidos. Interessante notar que, apesar das novas tecnologias de prevenção disponíveis, os jovens seguem acionando o sentimento de confiança no(a) parceiro(a) como principal forma de gestão do risco. Isso nos leva a refletir sobre a lógica dos relacionamentos afetivo-sexuais, em que é priorizado o vínculo com o(a) parceiro(a) à racionalidade pretendida pelos discursos preventivistas. Béjin e Pollak (1977BÉJIN, A.; POLLAK, M. La rationalisation de la sexualité. Cahiers Internationaux de Sociologie, Paris, v. 62, p. 105-125, 1977.) já alertavam que a racionalização da sexualidade, possibilitada pela autonomização do interesse sexual, criação de um corpo de especialistas e pela emergência do prazer sexual, cria mecanismos mais sutis de controle da sexualidade (Béjin; Pollak, 1977BÉJIN, A.; POLLAK, M. La rationalisation de la sexualité. Cahiers Internationaux de Sociologie, Paris, v. 62, p. 105-125, 1977.). A recusa por parte dos jovens de racionalização pode significar também a recusa em relação às formas de controle impostas sobre a sexualidade juvenil.

Uso de preservativo

De forma geral, não existe um diálogo entre os parceiros, nem uma negociação sobre o uso de preservativos. Entre aqueles que optam por usar o insumo, deixam sua adoção subentendida e a responsabilidade de trazê-lo recai sobre o homem (Heilborn et al., 2006HEILBORN M. L. et al. (Org.). O aprendizado da sexualidade: reprodução e trajetórias sociais de jovens brasileiros. Rio de Janeiro: Editora Garamond: Editora Fiocruz; 2006. 536p.).

Adolescente nunca troca assunto sobre isso, assim. Só fala mesmo do que interessa. Não fala sobre IST, não fala sobre gravidez indesejada, adolescente não fala dessas coisas. (São Paulo, mulher, 19 anos, classe popular)

Tipo assim, não tinha nem que falar “traga camisinha”, sabe? Ele já vinha com um monte e tal. (Salvador, mulher, 24 anos, classe média)

As principais fontes de informação sobre HIV/IST e formas de proteção contra a doença são: a escola, quase sempre presente no discurso dos jovens, mas identificada como não fornecendo informação suficiente; e a internet, seja por meio de mecanismos de busca, redes sociais ou de vídeos pornográficos, descritos por eles como estigmatizantes. Para os jovens de camadas médias, a família, em especial a mãe, também atua como fonte de conhecimento, embora de forma menos frequente.

A aquisição do preservativo ocorre, principalmente, por meio da compra em farmácias ou supermercados. Poucos jovens relataram sentirem-se confortáveis para fazer a retirada do insumo em serviços de saúde. O embaraço em adquiri-lo e o medo do julgamento moral, especialmente em contextos de familiaridade (Cunha-Oliveira et al., 2009CUNHA-OLIVEIRA, A. et al. A aquisição do preservativo e o seu (não) uso pelos estudantes universitarios. Referência: revista de enfermagem, Coimbra, v. 2, n. 11, p. 7-21, 2009.), como em comunidades ou cidades do interior, fica evidente na fala de alguns entrevistados(as).

Então a gente tinha que fazer isso tudo esquematizado pra ninguém ficar sabendo e aí por isso que a gente tinha que ir pra longe pra comprar camisinha, pílula, tudo tinha que ser escondido (Salvador, mulher, 21 anos, classe popular)

Eu tava sem camisinha, tive que descer, ir na farmácia, comprar, voltar e eu tive muita vergonha de comprar camisinha na farmácia na época. (Salvador, homem, 20 anos, classe média)

Por outro lado, a compra da camisinha pode servir, especialmente para os homens, como forma de reafirmação de sua virilidade e de atestação de sua atividade sexual.

Chegar um dia e comprar um pacote, chegar no outro dia lá de novo (risos). (Conceição do Mato Dentro, homem, 19 anos, classe média)

Na trajetória sexual dos jovens, o preservativo é usado enquanto um método de prevenção para IST e HIV, em um contexto de relações eventuais ou no início de uma relação, enquanto ainda não há um vínculo de confiança entre parceiros, como já referido. Como no caso analisado por Perrusi e Franch (2012PERRUSI, A.; FRANCH, M. Carne com carne gestão do risco e HIV/Aids em casais sorodiscordantes no Estado da Paraíba. Revista de Ciências Sociais - Política & Trabalho, n. 37, p. 179-200, 2012.) em relação aos relacionamentos entre casais sorodiscordantes para o HIV, os jovens percebem o preservativo também como um método provisório, que rapidamente pode - e mesmo deve, nos casos dos relacionamentos que almejam ser estáveis -, ser abandonado. Como destacam os autores, a camisinha funciona como um “demarcador moral da relação” (Perrusi; Franch, 2012PERRUSI, A.; FRANCH, M. Carne com carne gestão do risco e HIV/Aids em casais sorodiscordantes no Estado da Paraíba. Revista de Ciências Sociais - Política & Trabalho, n. 37, p. 179-200, 2012.) que, no contexto da vida afetivo-sexual dos jovens pode ser prioritário em relação à evitação do HIV e ISTs.

De forma geral, os jovens relataram usar preservativo de forma consistente com parcerias eventuais. Alguns, porém, relatam a impulsividade e a falta de programação como razões para não utilizar o insumo (Cunha-Oliveira et al., 2009CUNHA-OLIVEIRA, A. et al. A aquisição do preservativo e o seu (não) uso pelos estudantes universitarios. Referência: revista de enfermagem, Coimbra, v. 2, n. 11, p. 7-21, 2009.; Griep; Araújo; Batista, 2005GRIEP, R. H.; ARAÚJO, C. L. F.; BATISTA, S. M. Comportamento de risco para a infecção pelo HIV entre adolescentes atendidos em um Centro de Testagem e Aconselhamento em DST/aids no Município do Rio de Janeiro, Brasil. Epidemiologia & Serviços de Saúde, Brasília, DF, v. 14, n. 2, p. 119-126, 2005. DOI: 10.5123/S1679-49742005000200008
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).

Algumas, assim, até que a gente no calor da emoção esquece. (São Paulo, mulher, 23 anos, classe média)

Corroborando a literatura, que indica haver uma distinção de gênero na adoção de prevenção frente ao uso de álcool e outras drogas, alguns homens jovens justificaram o não uso de preservativo com parcerias eventuais em função do uso de substâncias (Bertoni et al., 2009BERTONI, N. et al. Uso de álcool e drogas e sua influência sobre as práticas sexuais de adolescentes de Minas Gerais, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 6, p. 1350-1360, 2009. DOI: 10.1590/S0102-311X2009000600017
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; Cunha-Oliveira et al., 2009CUNHA-OLIVEIRA, A. et al. A aquisição do preservativo e o seu (não) uso pelos estudantes universitarios. Referência: revista de enfermagem, Coimbra, v. 2, n. 11, p. 7-21, 2009.). A mesma informação não apareceu nos discursos das jovens entrevistadas.

Ah, é aquele momento que você já tá um pouco alterado, assim ó, dependendo de onde você tá, e só vai assim... só vai... (São Paulo, homem, 23 anos, classe popular)

A tradicional perspectiva de que “usar preservativo dá trabalho” permanece em meio a geração atual. Muitos jovens, especialmente homens de classe popular, relataram deixar de usar o preservativo porque não gostam ou consideram desconfortável (Miranda-Ribeiro et al., 2008MIRANDA-RIBEIRO, P. et al. “É igual chupar bala com papel”: a vulnerabilidade feminina ao HIV/Aids e o uso de camisinha em Belo Horizonte e Recife. Qualificando os números: estudos sobre saúde sexual e reprodutiva no Brasil. In: MIRANDA-RIBEIRO, P.; SIMÃO, A. B. (Org.) Qualificando os números: estudos sobre saúde sexual e reprodutiva no Brasil Demografia em Debate. Belo Horizonte: ABEP, 2018. v. 2. p. 391-416.).

Dá muito trabalho tirar ela do plástico, mas eu também não gosto. (São Paulo, homem, 24 anos, classe popular)

Este incômodo, algumas vezes, passa pela dimensão da perda do desejo sexual e da inexperiência com o uso do insumo. O prazer é também um dos fatores que motivam o não uso do preservativo, como destaca um dos entrevistados:

(...) eu sei que tentam conscientizar a gente que falar assim: “Não, sexo com camisinha é prazeroso sim”. Mas energeticamente, sabe, se conectar com o outro quando tem um plástico no meio atrapalha sim. Claro que tem nossa saúde que importa, né, atualmente tem muitas doenças sexualmente transmissíveis, a gente não pode ficar moscando, mas quem fala que fazer sem camisinha não é mais gostoso do que com camisinha tá mentindo porque você sente mais a pessoa sim, você sente pele com pele sim, você sente a penetração mais sim. E é isso, então eu não tomo muito cuidado com essas coisas, mas eu sempre, tipo assim, já tomei PreP, PEP, já tomei pra transar sem camisinha, faço exames constantemente pra ver e até agora papai Oxalá e os orixás tão me abençoando, me guardando, mas eles ficam bem puxando minha atenção pra eu tomar vergonha na minha cara. (São Paulo, homem, 20 anos, classe popular)

A realização dos testes para o HIV e outras IST é uma estratégia que foi referida por parte dos entrevistados. A maioria dos jovens relatou ter se testado alguma vez na vida. Assim como a literatura indica (Griep; Araújo; Batista, 2005GRIEP, R. H.; ARAÚJO, C. L. F.; BATISTA, S. M. Comportamento de risco para a infecção pelo HIV entre adolescentes atendidos em um Centro de Testagem e Aconselhamento em DST/aids no Município do Rio de Janeiro, Brasil. Epidemiologia & Serviços de Saúde, Brasília, DF, v. 14, n. 2, p. 119-126, 2005. DOI: 10.5123/S1679-49742005000200008
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), as principais estratégias de testagem variaram de acordo com o gênero. Para as mulheres, especialmente aquelas com menor número de parceiros, e alguns homens (especialmente nas capitais), a gestação foi um espaço privilegiado para testagem, visto que o teste para o HIV é previsto no rol dos exames solicitados no acompanhamento pré-natal, para prevenir a transmissão vertical do HIV (Brasil, 2013BRASIL. Manual técnico para o diagnóstico da infecção pelo HIV. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2013. Disponível em: <Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_tecnico_diagnostico_infeccao_hiv.pdf >. Acesso em: 11 mar. 2024.
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). Para uma parte importante dos homens e também para algumas mulheres, em particular aquelas com maior número de parceiros, a testagem ocorreu em função de uma possível exposição, na intenção de certificarem-se que não foram infectados por alguma IST ou pelo HIV. Um terceiro grupo que apareceu em nosso estudo foi formado por jovens, de ambos os sexos, que se testavam em exames de rotina. Este grupo, ao contrário dos anteriores, não tinha como centralidade ser homem ou mulher, mas sim a classe social (sendo formado, em sua maioria, por jovens de classe média) e a orientação sexual (com importante presença de pessoas LGBTQIAP+). Por fim, um último grupo, bem menor que os anteriores, era composto por jovens que, em início de relacionamento, buscam conhecer o status sorológico seu e do parceiro, com vistas a minimizar o risco de contrair uma IST/HIV e/ou com intenção de abandonar o uso de preservativo. Apenas um jovem relatou ter um familiar que vive com HIV, o que o motiva a se testar a cada três meses.

Assim, a recusa no uso consistente do preservativo pode estar sinalizando uma espécie de esgotamento do discurso preventivista centrado no risco e, no caso do HIV, no preservativo. As novas tecnologias (como a PreP e a PEP) e estratégias de prevenção (como o autoteste) podem ser uma opção neste cenário da sexualidade juvenil, como indica a fala acima. No entanto, há entre os jovens entrevistados um grande desconhecimento acerca dessas novas tecnologias, além de onde e como podem ser acessadas e acionadas.

Considerações finais

Várias foram as mudanças verificadas nos últimos anos no que concerne à juventude, sobretudo face à expansão da internet, das redes sociais e à difusão dos smartphones (Palenzuela Fundora, 2018PALENZUELA FUNDORA, Y. Participación social, juventudes, y redes sociales virtuales: rutas transitadas, rutas posibles. Ultima década, Santiago, v. 26, n. 48, p. 3-34, 2018. DOI: 10.4067/S0718-22362018000100003
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). A interação dos jovens por meio das redes sociais tem sido uma importante forma de mobilização política e no espaço público (Machado; Ribeiro; Meneses, 2023MACHADO, S. M.; RIBEIRO, V.; MENESES, R. A atividade das juventudes partidárias no Instagram em período eleitoral: Inovação ou normalização? Teknokultura. Revista de Cultura Digital y Movimientos Sociales, Madrid, v. 20, n. 1, p. 49-59, 2023. DOI: 10.5209/tekn.80991
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; Santos, 2022SANTOS, R. O. A relação público/privada na juventude mediada pelas plataformas de redes sociais digitais. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 24, p. 871-890, 2022. DOI: 10.1590/2236-9996.2022-5501
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; Simões; Campos, 2016SIMÕES, J. A.; CAMPOS, R. Juventude, movimentos sociais e redes digitais de protesto em época de crise. Comunicação Mídia e Consumo, São Paulo, v. 13, n. 38, p. 130-150, 2016. DOI: 10.18568/cmc.v13i38.1159
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), bem como de estabelecimento de parcerias sexuais por meio do uso de aplicativos específicos e troca de nudes (Acosta, 2019ACOSTA, T. Produções de verdade perante as vivências da sexualidade juvenil a partir da troca de fotos em aplicativos de celulares. Revista Periódicus, Salvador, v. 1, n. 12, p. 384-403, 2019. DOI: 10.9771/peri.v1i12.29169
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; Facioli; Padilha, 2018FACIOLI, L.; PADILHA, F. O Desejo da Metrópole: gênero, sexualidade e mídias digitais em espaços urbanos brasileiros. Revista Periódicus, Salvador, v. 1, n. 9, p. 377-399, 2018. DOI: 10.9771/peri.v1i9.23955
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; Maracci; Maurente; Pizzinato, 2019MARACCI, J. G.; MAURENTE, V. S.; PIZZINATO, A. Experiência e produção de si em perfis do aplicativo Grindr. Athenea Digital, Barcelona, v. 19, n. 3, p. e-2315, 2019.). Contudo, no que se refere ao nível de informação e práticas de proteção dos jovens sobre saúde sexual e reprodutiva, a disseminação da internet e redes sociais parece não ter tido o mesmo impacto. Nossos dados indicam uma falta importante de conhecimento dos jovens sobre o HIV/aids, sobre o risco distinto implicado em cada prática sexual ou situação e sobre as novas tecnologias de prevenção do HIV disponíveis.

A tecnologia de informação disponível parece não ter sido capaz de fazer frente ao cenário de aumento do conservadorismo e a carência de políticas para prevenir o HIV entre os jovens, especialmente entre os heterossexuais. O uso do preservativo como uma estratégia temporária de prevenção, rapidamente substituído pela confiança no(a) parceiro(a), sinaliza os limites do discurso preventivista centrado na responsabilidade individual e uso do preservativo direcionado à população jovem.

Políticas públicas voltadas para a prevenção do HIV neste grupo devem passar pela melhora na provisão de informações de qualidade, adaptadas aos interesses desses jovens, ampliação da oferta dos diferentes insumos de prevenção do HIV, mas também devem trazer as IST e o HIV de volta para a arena de discussões. Os jovens precisam se apropriar das informações científicas sobre o risco diferenciado implicado nas diferentes práticas sexuais, bem como sobre as tecnologias disponíveis para mitigar os riscos, para além do uso do preservativo. Ou seja, é fundamental garantir um contexto de acesso aos serviços de saúde, a informações qualificadas e aos insumos necessários, para que os jovens possam gerir seus riscos de forma mais eficaz de acordo com as situações e momentos de suas trajetórias.

Agradecimentos

A pesquisa “Jovens da era digital” foi coordenada por Cristiane S. Cabral (coord. geral e de São Paulo/USP), Ana Paula dos Reis (Salvador/UFBA); Daniela Riva Knauth (Porto Alegre/UFRGS); Elaine Reis Brandão (Rio de Janeiro/UFRJ), Flávia Bulegon Pilecco (Conceição do Mato Dentro/UFMG); José Miguel Nieto Olivar (São Gabriel da Cachoeira/USP). O estudo contou com apoio financeiro do CNPq (Processo 442878/2019-2; Processo 431393/2018-4). Agradecimentos especiais às/aos coordenadoras/es e equipes de trabalho de campo de cada localidade, bem como às/aos jovens que compartilharam parte de suas experiências de vida conosco.

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  • 1
    A pesquisa “Jovens da era digital: sexualidade, reprodução, redes sociais e prevenção às IST/HIV/Aids” foi coordenada por Cristiane S. Cabral, coordenadora-geral, (São Paulo - Universidade de São Paulo (USP)), Ana Paula dos Reis (Salvador - Universidade Federal da Bahia (UFBA)); Daniela Riva Knauth (Porto Alegre - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)); Elaine Reis Brandão (Rio de Janeiro - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)), Flávia Bulegon Pilecco (Conceição do Mato Dentro - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)); José Miguel Nieto Olivar (São Gabriel da Cachoeira - USP). Este estudo contou com apoio financeiro do CNPq (Processo 442878/2019-2; Processo 431393/2018-4). Agradecimentos especiais às/aos coordenadoras/es e equipes de trabalho de campo de cada localidade, bem como às/aos jovens que compartilharam parte de suas experiências de vida conosco
  • 2
    Para uma descrição completa do trabalho de campo, características dos entrevistadores, formas de contato com os entrevistados ver o artigo “Juventudes, sexualidade e saúde: reflexões teóricas e metodológicas a partir de uma pesquisa multisituada sobre trajetórias afetivo-sexuais juvenis” do presente Dossiê.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Jan 2024
  • Revisado
    23 Jan 2024
  • Aceito
    15 Fev 2024
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