Resumo
O objetivo deste artigo é discutir os efeitos da experiência vivenciada pelos docentes do Ensino Superior nos programas Obeduc e Pibid, implementados pela Ufop e pelo IFMG-campus Ouro Preto, em seu desenvolvimento profissional. Para a coleta dos dados foi utilizada a entrevista semiestruturada. Dentre os resultados, destaca-se que os programas não visam o desenvolvimento profissional dos professores do Ensino Superior. Mas constituem-se em espaços de formação para estes profissionais, pois trazem elementos para a reflexão sobre teoria e prática, a proposição temas de pesquisa, e a aproximação entre escola e universidade, o que colabora para a constituição de sua identidade docente.
Desenvolvimento Profissional; Ensino Superior; Formação de Professores; Políticas Educacionais
Abstract
The purpose of this article is to discuss the effects of the experience lived by Higher Education teachers in the Obeduc and Pibid programs on their professional development. These programs were implemented by the Federal University of Ouro Preto and the Federal Institute of Minas Gerais-campus Ouro Preto, For data collection, a semi-structured interview was used. Among the results, it is highlighted that even though the programs do not aim at the professional development of Higher Education teachers, they constitute training spaces for these professionals, as they bring elements for reflection on theory and practice, the proposition of research topics, and the approximation between school and university. This also contributes to the constitution of their teaching identity.
Professional Development; Higher Education; Teacher Training; Educational Policies
Resumen
El objetivo de este artículo es discutir los efectos de la experiencia vivida por los docentes de Enseñanza Superior en los programas Obeduc y Pibid, implementados por la Ufop y por el IFMG-campus Ouro Preto, en su desarrollo profesional. Para la recolección de los datos se utilizó la entrevista semiestructurada. Entre los resultados, se destaca que los programas no apuntan al desarrollo profesional de los profesores de Enseñanza Superior. Pero se constituyen en espacios de formación para estos profesionales, pues traen elementos para la reflexión sobre teoría y práctica, la proposición temas de investigación, y el acercamiento entre escuela y universidad, lo que colabora para la constitución de su identidad docente.
Desarrollo Profesional; Enseñanza Superior; Formación de Profesores; Políticas Educativas
1 Introdução
A política de formação de professores para a Educação Básica, organizada na primeira metade dos anos 2000, ainda que mantivesse o viés regulador do trabalho docente (Freitas, 2002FREITAS, H. C. L. Formação de professores no Brasil: 10 anos de embate entre projetos de formação. Educação e Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, p. 136-167, set. 2002. https://doi.org/10.1590/S0101-73302002008000009
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), trouxe à cena um projeto formativo que se aproximava, em certa medida, da concepção crítica, reflexiva e de emancipação dos sujeitos. O Decreto nº 6755/2009, que tratava da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, contemplava a formação de professores, a partir da colaboração entre União, estados e municípios na promoção da formação de professores articulada ao Ensino Superior (Brasil, 2009BRASIL. Decreto nº 6.755 de 19 de janeiro de 2009. Institui a Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério da Educação Básica, disciplina a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES no fomento a programas de formação inicial e continuada, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 20 jan. 2009.).
Esse decreto continha vários direcionamentos para a área de formação inicial e continuada, os quais propiciaram o desenvolvimento de programas relacionados à formação tais como o Programa Consolidação das Licenciaturas (Prodocência), Observatório da Educação (Obeduc) e o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) no âmbito das Instituições de Ensino Superior (IES) e nas escolas da Educação Básica. Para que houvesse maior integração entre estas, a Capes também passou a desenvolver e acompanhar a política educacional de valorização do Magistério e da Educação Básica, atuando de forma estratégica na promoção dos programas de formação docente.
O presente texto aborda aspectos do desenvolvimento profissional e da aprendizagem da docência, a partir do entendimento destes como um processo que ocorre ao longo da vida, e dos professores como adultos que aprendem durante as situações de ensino e vivências na profissão. Em vista disso, compreende-se que, a partir da sua atuação nestes programas, os docentes da Educação Básica e do Ensino Superior também se desenvolvem profissionalmente, ampliando seus conhecimentos sobre a docência e sua prática. O objetivo deste texto é discutir os efeitos da experiência vivenciada pelos docentes do Ensino Superior, integrantes/egressos dos programas Obeduc e Pibid, implementados pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e pelo Instituto Federal de Minas Gerais – campus Ouro Preto (IFMG-OP) em seu desenvolvimento profissional. Neste artigo serão apresentadas as percepções dos professores formadores destas IES que atuaram nestes programas como coordenadores institucionais ou de área, a respeito das suas concepções sobre a profissão; conhecimento profissional e prática docente.
A discussão apresentada integra o corpus das pesquisas1 1 Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e registrada na Plataforma Brasil sob o nº CAAE: 42786321.8.0000.5150. (doutorado2 2 O trabalho com as temáticas de formação de professores, desenvolvimento profissional e programas de formação docente são desenvolvidos no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Grupo de pesquisa Formação e Profissão Docente (Foprofi-Ufop/CNPQ) e da pesquisa - modalidade Produtividade em Pesquisa – PQ 2019, processo 307512/2019-3 do orientador, segundo autor do texto (José Rubens Lima Jardilino), financiada pelo CNPq (2019-2021). Pesquisas financiadas pela Fapemig e CNPq. e PQ), cujo objetivo é analisar os efeitos dos programas Obeduc e Pibid, desenvolvidos pela Ufop e pelo IFMG-campus Ouro Preto na formação de professores e escolas participantes, considerando sua trajetória de implementação. Os programas foram selecionados para estudo por terem sido desenvolvidos pelas IES públicas formadoras de professores na Região dos Inconfidentes3 3 A designação de uma “microrregião dos Inconfidentes-MG” refere-se a uma localização histórica, mais do que a uma divisão geopolítica de Minas Gerais. No mapa político do IBGE, ela é designada como a microrregião de Ouro Preto pertencente à mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte. O FoprofiI/Ufop vem utilizando o termo “Inconfidentes” em suas pesquisas como referência espaço-temporal, histórica e política para demarcar territorialmente o campo, como sendo Minas Gerais o lócus de nossa atuação. em Minas Gerais.
Na pesquisa de doutorado, de abordagem qualitativa, tipo estudo de caso, a produção dos dados ocorreu por meio do exame dos documentos oficiais e dos relatórios produzidos pelas IES implementadoras e pelo governo federal sobre os programas. Também foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 22 docentes da Educação Básica e do Ensino Superior integrantes/egressos dos programas Obeduc e Pibid. O critério usado para a seleção dos participantes foi a atuação nos programas como coordenador institucional no Pibid ou no Obeduc; coordenador de área no Pibid; professor supervisor no Pibid; e professor pesquisador no Obeduc, sendo a participação voluntária na pesquisa.
O suporte teórico e metodológico da pesquisa está embasado no ciclo de políticas, nas teorias sobre implementação de políticas, política educacional, formação de professores e na análise crítica do discurso. Na análise dos dados foi utilizada a abordagem do ciclo de políticas, por meio dos contextos de influência, produção de textos, prática e efeitos. Os efeitos são abordados sob a perspectiva do ciclo de políticas (Bowe; Ball; Gold, 1992), em que atuação dos atores sociais sobre a política produz efeitos ou resultados, muitas vezes, não previstos em sua formulação.
No âmbito do programa Obeduc, a Ufop desenvolveu a pesquisa em rede: “Desenvolvimento Profissional Docente e inovação Pedagógica: um estudo exploratório sobre as contribuições do Pibid”, em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e a Universidade Estadual do Ceará (Uece), no período compreendido entre 2014 e 2017. O seu objetivo foi discutir o desenvolvimento profissional dos professores supervisores do Pibid. Os docentes da Educação Básica, alunos das licenciaturas e da pós-graduação atuaram como pesquisadores neste projeto.
Nesta pesquisa em rede, o núcleo Ouro Preto realizou 30 entrevistas semiestruturadas com os professores supervisores do Pibid. A análise dos dados teve como categorias centrais o desenvolvimento profissional docente e a inovação pedagógica. Durante a elaboração dos instrumentos de produção de dados e no processo de coleta e análises desse material foram discutidos também os temas de formação para o trabalho de pesquisa, política educacional e formação de professores. Assim, a formação no Obeduc ocorreu para/pela pesquisa, de forma que os professores pesquisadores da Educação Básica pudessem participar de todas as etapas que envolvem o trabalho de pesquisa.
O Pibid tem por objetivo a formação inicial de professores, por meio da aproximação entre teoria e prática em parceria entre universidade e escola. Ele colabora para que os alunos das licenciaturas possam vivenciar o ambiente escolar desde os primeiros períodos do curso, como também a promoção de práticas pedagógicas contextualizadas, e o auxílio no processo de ensino e aprendizagem dos alunos da Educação Básica. O programa é desenvolvido pela Ufop, desde o ano de 2009, e pelo IFMG-campus Ouro Preto, desde 2011, contemplando alunos das licenciaturas das duas instituições e escolas da Região dos Inconfidentes. As licenciaturas no âmbito destas instituições tinham pouca expressividade, se comparadas aos bacharelados e cursos técnicos, assim, a implementação destes programas contribuiu para o seu crescimento e fortalecimento institucionalmente. Este aspecto foi também comprovado por Pryjma; Bridi (2020)PRYJMA, M. F.; BRIDI, J. C. A. Uma análise sobre os programas de formação de professores para a Educação Básica. Revista FAEEBA-Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 29, n. 57, p. 125-143, jan./mar. 2020. https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2020.v29.n57.p125-143
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em estudo sobre os programas de formação na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
Este artigo é composto por mais três seções: a segunda seção aborda os aspectos teóricos do desenvolvimento profissional e aprendizagem da docência nos programas Obeduc e Pibid. A terceira aborda as percepções dos professores formadores do Ensino Superior a respeito da experiência vivenciada nestes programas e sua contribuição para o seu desenvolvimento profissional. E a última seção apresenta algumas considerações sobre os dados analisados.
2 Desenvolvimento profissional e aprendizagem da docência: algumas reflexões
Os professores são produtores de saberes que vão constituindo a sua identidade profissional, a sua compreensão das questões políticas e sociais, a sua prática e concepção de docência ao longo da carreira. Eles não são passivos em seu processo formativo e no desenvolvimento do seu trabalho, pois constroem e reconstroem suas práticas pedagógicas e seus saberes, a partir das experiências e da sua atuação sobre as políticas educacionais.
Para García (1999)GARCÍA, C. M. Formação de professores para uma mudança educativa. Porto: Porto Editora, 1999., os professores se desenvolvem profissionalmente desde a formação inicial e se estende ao longo da carreira, e abrange os aspectos pessoal, profissional e organizacional da instituição de ensino. E deve ser orientado para a mudança na própria compreensão da docência, dos aspectos teóricos, pedagógicos, práticos no contexto da instituição de ensino em diálogo com os pares. De acordo com Jardilino, Sampaio e Oliveri (2021), o desenvolvimento profissional docente, a longo prazo, colabora para o avanço de sua atuação profissional em um processo contínuo de aprendizagem.
Pimenta (2012PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2012. p. 20-62., p. 30) afirma que no processo de formação de professores, é importante a reflexão teórica em uma perspectiva crítica que evidencie “[...] o significado político da atividade docente [...]”, com vistas a emancipação dos sujeitos e a diminuição das desigualdades (Pimenta, 2012PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2012. p. 20-62.). Assim, a construção do conhecimento deve ocorrer a partir da análise crítica da prática, por meio dos estudos teóricos. Para esta pesquisadora a formação docente deve tratar de temas como o currículo; projeto pedagógico da escola; trabalho coletivo; autonomia; identidade e saberes docentes; condições de trabalho; carreira, salário; profissionalização; processos de formação e desenvolvimento profissional.
De acordo com Pimenta;Anastasiou (2002, p. 185) o conhecimento do professor
é composto da sensibilidade da experiência e da indagação teórica. Emerge da prática (refletida) e se legitima em projetos de experimentação reflexiva e democrática no próprio processo de construção e reconstrução das práticas institucionais.
O processo de reflexão deve contemplar o estudo das teorias pedagógicas, dos saberes produzidos pelos professores e da pesquisa, acompanhados da compreensão da realidade política e social. A teoria é importante na formação porque oferece ao professor diferentes lentes para a compreensão do contexto em que vive e para a ressignificação de suas práticas. O trabalho de pesquisa colabora para a construção e ressignificação dos saberes, pois os professores podem relacionar os conhecimentos teóricos e práticos, a partir da investigação de sua realidade de trabalho.
O entendimento dos aspectos políticos e sociais auxilia o docente na compreensão da influência destes nas políticas educacionais, nos currículos, no projeto político e pedagógico da escola. O professor pode contribuir para a mudança da realidade e para a formação de cidadãos atuantes no enfrentamento de situações de exclusão social e auxiliar na busca pela justiça social. Contudo, são necessárias condições para que os docentes possam se desenvolver profissionalmente. Por isso, é importante a formulação de políticas educacionais que visem a melhoria das condições de trabalho, salários, valorização da profissão, atratividade e planos de carreira, e a criação de cursos de formação em período integral com bolsas de estudo, como observado por Bauer; Cassettari; Oliveira (2017).
O Ensino se constitui em uma ação dinâmica e responsiva por parte do professor em interação com os alunos em um contexto institucional (Mizukami et al., 2010). Para Mizukami et al. (2010) a aprendizagem da docência não ocorre de forma mecânica com a transposição de conhecimentos e sua aplicação nas situações em sala de aula, mas em um contexto de desenvolvimento e revisão dos conceitos do processo educacional, instrucional e da própria prática, com tempo e recursos adequados à ressignificação desta.
Os docentes como adultos aprendentes organizam seu conhecimento e seus saberes no exercício de suas atividades, no diálogo com os pares e no contexto do ensino e da pesquisa, o que auxilia em seu desenvolvimento profissional e pessoal. Em vista disso, é importante que os professores formadores do Ensino Superior acompanhem o trabalho desenvolvido na Educação Básica, para compreendê-lo e propor ações de formação que colaborem para a superação dos desafios na formação na universidade e na escola.
A formação pela pesquisa, tratada por André (2012)ANDRÉ, M. Pesquisa, formação e prática docente. In: ANDRÉ, M. (org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 12. ed. Campinas: Papirus, 2012. p. 55-69. e Lüdke (2001)LÜDKE, M. (coord). O professor e a pesquisa. Campinas, São Paulo: Papirus, 2001., constitui-se em um elemento importante na formação e no desenvolvimento profissional, por meio da inserção de temas e projetos de pesquisa nos currículos de formação, articulando teoria e prática e aproximando escola e universidade. Lüdke; Ivenick (2022) destacam a pesquisa como um meio de aproximação entre estas duas instâncias de formação, entretanto, há a necessidade de investimentos na formação docente e a promoção de condições para o seu desenvolvimento na escola.
Outras questões apontadas por Jardilino; Sampaio (2020)JARDILINO, J. R. L.; SAMPAIO, A. M. M. O desenvolvimento profissional docente e a expansão e estratificação do sistema educacional brasileiro. Educação, Santa Maria, v. 45, n. 1, p. e85, 2020. https://doi.org/10.5902/1984644438443
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estão implícitas ao tema do desenvolvimento profissional e da formação de professores. Trata-se de sua ressonância social que perpassa, não apenas, por reformas curriculares, mas impõem a construção de políticas públicas que desprendam uma atenção maior ao processo de desenvolvimento profissional dos docentes. No sentido de que alcancem uma formação que lhes permitam compreender a dualidade da escola pública brasileira na atualidade, que vem se caracterizando como “escola do conhecimento para os ricos e como uma escola do acolhimento social para os pobres” (Libâneo, 2012LIBÂNEO, J. C. O dualismo perverso na escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social para os pobres. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p.13-28, 2012. https://doi.org/10.1590/S1517-97022011005000001
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, p. 13). A escola oferecida aos pobres4
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Uma vez que a oferta de matrícula universalizada está garantida pela Rede Pública de Educação. Segundo o Censo Escolar de 2022, “a distribuição das matrículas por dependência administrativa, percebe-se maior dominância da rede municipal, que detém 49,0% das matrículas na educação básica, 0,6 ponto percentual (p.p.) a menos do que em 2021. A rede estadual, responsável por 31,2% das matrículas da educação básica em 2022, é a segunda maior. A rede privada conta com 19,0% e a federal tem uma participação inferior a 1% do total de matrículas. A rede privada apresentou um crescimento de 1,6 p.p. em 2022” (INEP, 2022. RESUMO TÉCNICO, p. 15).
, para este autor, adotou um caráter equivocado de flexibilização e de inclusão escolar, fazendo com que os objetivos desta fossem distorcidos. Ou seja, a função da socialização passa a ter apenas sentido de convivência, de compartilhamento cultural, de práticas e valores sociais, em detrimento do acesso à cultura e à ciência acumulados pela humanidade.
Partindo deste ponto, a formação do professor toma uma configuração de maior peso no processo educacional, uma vez que o ensino deve exercer sua função, para além da promoção dos saberes escolares, as funções assistenciais, de acolhimento e inclusão social, vistas dentro das escolas atuais. Para esta realidade, a formação passa a ser o “calcanhar de Aquiles” do processo educacional que indica um contexto em que a autoridade pedagógica precisa ser desafiada, pois o conhecimento que os alunos trazem apresenta um ponto de partida.
Ao professor exigir-se-á habilidades, além daquelas advindas de sua formação inicial, a fim de encarar as diversas realidades apresentadas por seu público estudantil, e conduzir um processo de trabalho pedagógico dinâmico, relevante e democrático. Diante deste quadro e contexto, o desenvolvimento profissional docente têm sido um elemento fulcral na formação inicial e continuada dos docentes.
Tendo em vista estas implicações, a formação acima ensaiada exige espaços e contextos em que os docentes do Ensino Superior e da Educação Básica possam compartilhar saberes e experiências. Os programas Obeduc e Pibid fazem uma ponte entre professores formadores da universidade e professores da escola, por meio do trabalho coletivo em que aqueles se aproximam dos desafios da formação e possam problematizar a relação entre teoria e prática.
A proposição dos projetos, seja de pesquisa ou de práticas pedagógicas, possibilita aos professores formadores o estudo e reflexão sobre a teoria e proposição de novos caminhos para o trabalho de formação dos futuros professores e daqueles que se encontram no exercício da profissão. Isto colabora para que os docentes do Ensino Superior possam revisitar suas bases teóricas, temas de pesquisa e sua prática na proposição de temas de estudo articulados à realidade escolar, e formas de construção de conhecimento pelos futuros professores.
3 Os professores formadores do Ensino Superior: percepções sobre a profissão, conhecimento profissional e prática docente
O modo como os professores formadores atuam sobre as políticas educacionais e organizam os projetos nas IES influenciam sua percepção sobre a profissão, conhecimento profissional e prática docente. E revela o seu grau de adesão às políticas, o qual está ligado à sua compreensão da docência, ao seu percurso formativo, e às possibilidades de desenvolvimento de seu trabalho.
As propostas de formação constantes nos editais dos programas Obeduc e Pibid colaboravam para que as IES tivessem autonomia na proposição dos projetos institucionais, contemplando suas necessidades formativas e as diferentes realidades. Além de estimular a parceria entre escola e universidade no trabalho de formação de professores, por meio da pesquisa, no caso da pesquisa em rede do Obeduc, e do trabalho com práticas pedagógicas no Pibid.
Os docentes da Ufop e do IFMG/campus Ouro Preto interpretaram a política sob a ótica de construção de um projeto amparado no trabalho colaborativo. Há a concepção sobre a profissão e formação de professores centrada nos saberes docentes, na cooperação, na formação crítica e no diálogo em posição de igualdade entre professores formadores da universidade e professores da escola, na proposição de práticas dirigidas às necessidades da escola e da universidade, conforme percebemos na reflexão do coordenador institucional CI 8-Pibid/Ufop5 5 Para a preservação do anonimato dos entrevistados, foi utilizada a seguinte nomenclatura: a) CI para coordenador institucional, CA para coordenador de área; b) nº 1 a 22 criados na entrevista semiestruturada; c) Sigla dos programas Pibid, Obeduc e das IES implementadoras. As entrevistas seguiram os princípios éticos que envolvem as pesquisas com seres humanos. :
Uma das coisas que eu falo sobre a formação de professores: é que quanto mais ignorante eu me reconheço, no sentido de que eu ignoro o que acontece nas escolas, e que estou indo às escolas, não para ensinar, mas para aprender, eu me torno um formador melhor. E uma das coisas que eu aprendi muito nesse trabalho com os supervisores é essa ideia do trabalho cooperativo, compartilhado. Quer dizer só posso pensar em uma ação na escola, se eu penso essa ação de forma dialogada com esse grupo que está atuando na escola.
O relato do coordenador institucional CI8-Pibid/Ufop nos remete à desmistificação do discurso de sobreposição dos saberes produzidos na academia ante os saberes dos docentes da escola. Há o reconhecimento dos saberes advindos dos professores da escola, “valorizando a experiência e a reflexão na experiência (Pimenta, 2012PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2012. p. 20-62., p. 23)”. Esta ação contribui para que os professores da universidade se aproximem da escola com um olhar de compreensão sobre a realidade escolar e o trabalho realizado pelos docentes da Educação Básica, tornando o diálogo profícuo entre os docentes destas duas instâncias de formação.
Já a coordenadora institucional CI.1-Obeduc/Ufop nos relata que a aproximação com os professores pesquisadores da Educação Básica no projeto do Obeduc é importante para entender as diferentes perspectivas que envolvem a prática e a profissão:
[...] a gente está muito acostumada a trabalhar com o aluno bolsista da iniciação científica que já é aluno nosso e que de alguma forma já é aluno da casa, tem toda dinâmica desse espaço universitário. Aí você traz o professor da Educação Básica e alguns que fizeram a graduação há 15, 20, 30 anos atrás. E ele de novo se insere neste contexto universitário, esse também foi um aprendizado muito gratificante, dialogar com esses professores. Estar em um grupo diverso, não é só diverso porque ali tem pessoas de estados diferentes, mas ele é diverso também no caso do núcleo da Ufop, é um diálogo com diferentes perspectivas quem está no chão da escola, quem está se formando para ser professor, quem já é professor experiente há mais tempo.
A coordenadora institucional CI 1-Obeduc/Ufop percebe esta integração como momento de formação para licenciandos, docentes da universidade e professores da escola que têm a oportunidade de construir diferentes saberes advindos de suas experiências e no compartilhamento destes com o grupo. A aproximação entre os docentes do Ensino Superior e Educação Básica se dá em duas frentes no processo de formação pela pesquisa: a primeira ocorre na discussão sobre as questões teóricas e políticas que envolvem a profissão. E a segunda no trabalho de formação para o desenvolvimento da pesquisa como a coleta, análise e discussão dos dados, a partir dos estudos teóricos e da política educacional. Isso ultrapassa o desenvolvimento da pesquisa, pois promove a compreensão de si enquanto profissional e do trabalho realizado na escola. A reflexão sobre os aspectos teórico e político que envolvem a profissão contribui para que os professores tenham autonomia para intervir sobre a realidade que os cerca (Freire, 1996FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.).
A coordenadora de área CA9-Pibid/IFMG-OP observa que os momentos de formação que incluem estudos, cursos, reuniões com os coordenadores, aulas ministradas nas licenciaturas e a vivência da escola auxiliam em seu desenvolvimento profissional:
[...] a preparação para coordenar o projeto, as capacitações que a gente levava que não eram só para os alunos, eram para a gente também. O envolvimento com esses outros coordenadores do IFMG de uma forma geral de todas as áreas, essa discussão constante sobre a formação docente. E principalmente por eu dar aula para os alunos de licenciatura, eu conhecer um pouco mais a realidade do que eles vão encontrar [...]. Essa convivência com as escolas, conhecendo a realidade das escolas e já lidando com os problemas que os alunos podem encontrar, eu penso que auxilia demais na minha formação como docente de futuros professores.
A ação dos docentes é atravessada por questões de várias ordens como pedagógica, social, cultural, econômica, experiência de vida e de formação, dentre outras que influenciam no processo de ensino e aprendizagem. O trabalho realizado nos programas Obeduc e Pibid abre espaço para que docentes da universidade e da escola possam revisitar a teoria e sua prática, incrementando as discussões em sala de aula. Isto contribui para sua formação e para a ampliação das temáticas de pesquisa. Lüdke; Ivenicki (2022)LÜDKE, M.; IVENICKI, A. Teoria e prática na formação de professores: Brasil, Escócia e Inglaterra. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 30, n. 116, p. 579-597, jul. 2022. https://doi.org/10.1590/S0104-40362022003003648
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afirmam que a pesquisa se constitui em um aspecto importante da formação docente, porque colabora para a construção da base de conhecimentos dos docentes experientes e iniciantes na profissão.
O desenvolvimento profissional dos docentes da escola e da universidade ocorre de forma integrada na pesquisa, na reflexão teórica e no compartilhamento dos saberes e experiências. Um trabalho que passa o tempo todo pela aproximação, observação, investigação e revisitação desta prática com olhar crítico. E no reconhecimento dos professores da escola como “[...] agentes sociais capazes de planejar e gerir o ensino e aprendizagem, além de intervir nos complexos sistemas que constituem a estrutura social e profissional” (Imbernón,2011IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2011., p. 48).
A compreensão dos coordenadores de área sobre o funcionamento da escola, da sua dinâmica de trabalho e das relações estabelecidas neste espaço, contribuiu para a reflexão sobre a sua prática no processo de formação dos futuros professores nas IES. O coordenador institucional CI 7-Pibid/Ufop observa que:
A relação teoria e prática também foi bem afetada porque os alunos e professores começavam a perceber que suas experiências precisavam ter o pé na sala de aula. Interferia nas relações entre o que eu ensino na graduação e como aquele conteúdo deve ser ensinado na Educação Básica. Isso eu acho que deve ter sido o maior ganho naquele momento. Os coordenadores de área entenderem que há uma diferença e uma distância entre essas coisas.
Os coordenadores de área e bolsistas perceberam a importância do processo formativo articulado à realidade escolar. O coordenador institucional CI 7-Pibid/Ufop retrata pontos importantes da formação que são a discussão do que se ensina nas licenciaturas e o modo como ensinar os conteúdos na Educação Básica. Era preciso discutir com os futuros professores estratégias de ensino e práticas que se aproximassem da realidade dos alunos da escola. Ou seja, a promoção da formação dialogada entre teoria e prática em contraponto à concepção técnica de formação. Gatti (2020GATTI, B. Perspectivas da formação de professores para o magistério na Educação Básica: a relação teoria e prática e o lugar das práticas. Revista FAEEBA-Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 29, n. 57, p. 15-28, jan./mar. 2020 https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2020.v29.n57.p15-28
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, p. 17) afirma que
Pensar as práticas educacionais em contexto e em sua dinamicidade demanda a superação de uma concepção meramente simplista e técnica sobre o ensino, avançando para uma compreensão da unidade teoria-ação-relação-percepção-sensibilidade situacional-processo de escolha-comunicações-mudanças/cristalizações.
Todo esse processo envolve uma relação dialogada, da interpretação, subjetividade e sensibilidade dos sujeitos envolvidos no processo formativo. Isto permite alargar a base de conhecimentos para o ensino (MIZUKAMI, 2004MIZUKAMI, M. G. N. Aprendizagem da docência: algumas contribuições de L. S. Shulman. Educação, Santa Maria, v. 29, n. 2, p. 33-49, 2004. https://doi.org/10.5902/198464443838
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), pois os professores formadores do Ensino Superior também necessitam organizar os conteúdos de modo que os licenciandos venham compreendê-los e relacioná-los no contexto da prática. Neste sentido, a atuação dos professores da Educação Básica torna-se fundamental na articulação entre teoria e prática para a construção destes conhecimentos, de acordo com Lüdke; Ivenicki (2022)LÜDKE, M.; IVENICKI, A. Teoria e prática na formação de professores: Brasil, Escócia e Inglaterra. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 30, n. 116, p. 579-597, jul. 2022. https://doi.org/10.1590/S0104-40362022003003648
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.
Tardif (2012)TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. observa que os saberes construídos pelos professores constituem sua prática e compreensão da docência. Mizukami (2004)MIZUKAMI, M. G. N. Aprendizagem da docência: algumas contribuições de L. S. Shulman. Educação, Santa Maria, v. 29, n. 2, p. 33-49, 2004. https://doi.org/10.5902/198464443838
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, partindo dos estudos de Shulman sobre aprendizagem da docência, defende a importância da “sistematização de um corpo de conhecimento de ensino”. Os saberes para estes pesquisadores tornam-se em conhecimentos para o ensino, os quais são imprescindíveis aos docentes experientes e iniciantes na profissão.
A organização dos projetos e subprojetos do Pibid requer dos coordenadores de área um constante diálogo entre a formação de professores, práticas pedagógicas, atitude investigativa e o ensino das disciplinas e outros temas contemplados na Educação Básica. A coordenadora de área CA 9-Pibid/IFMG-OP afirma que:
No início foi um desafio muito grande. Eu sou licenciada em Física, mas a minha formação não é na área de Educação. Eu sou da área de Física de Materiais, isso já é um desafio a mais. Tanto que as minhas disciplinas específicas eram mais voltadas para as práticas de laboratório ou de Física mesmo. Então isso foi um desafio inicial porque eu teria realmente que articular essa parte de formação de professor.
A coordenadora de área percebe a necessidade de integração entre os conhecimentos teóricos e as práticas pedagógicas, de forma que resultem na expansão dos conhecimentos e saberes por parte dos integrantes do projeto. Além de compreender a importância da articulação entre o conhecimento das práticas de laboratório e o contexto da prática na Educação Básica. Isto nos remete a reflexão sobre sua prática e a necessidade de um redirecionamento desta.
O relato da coordenadora de área CA 9-Pibid/IFMG-OP nos reporta à construção da sua identidade docente como professora formadora dos alunos dos cursos de licenciatura. Esta identidade é constituída no trabalho desenvolvido no Pibid, articulando o conhecimento de sua área de atuação e o conhecimento pedagógico. Isso colabora para a construção do conhecimento do conteúdo e para a aproximação das realidades do professor, aluno e escola.
O conhecimento do conteúdo é tratado por Shulman (1987)SHULMAN, L. S. Knowledge and teaching: foundations of the new reform. Harvard Educational Review,Cambridge, v. 57, n. 1, p. 1-22, 1987. como um aspecto importante do conhecimento para o ensino, porque o professor deve ter o domínio do conhecimento dos conteúdos no processo de ensino e aprendizagem. E, ao mesmo tempo, auxiliar o aluno na acomodação daquilo que foi aprendido e facilitar novas aprendizagens. Suas atitudes e valores no processo de ensino e aprendizagem influenciam na formação e no interesse dos alunos.
A coordenadora de área CA 12-Pibid/Ufop aborda o enriquecimento da formação na convivência e análise do trabalho desenvolvido pelo grupo:
[...] Foram choques, as ideias de ver, de analisar, a postura ética de estar em sala de aula, olhar profissional. Como você faz uma análise da prática do colega, uma análise da prática professoral do professor que está ali na regência.
A coordenadora de área CA 12-Pibid/Ufop afirma que a reflexão sobre as ações desenvolvidas no programa colaborou para a formação de todo o grupo. E isso extrapola o Pibid porque pode ser compartilhada em outras disciplinas ministradas pelos coordenadores, contribuindo também para que eles reorganizem seus saberes e conhecimentos. A avaliação do trabalho realizado sob diferentes perspectivas denota a importância deste olhar crítico em busca do aperfeiçoamento da prática dos futuros professores e dos docentes formadores na análise do seu trabalho e dos conhecimentos acionados nesta atividade.
As experiências práticas fomentadas no Pibid também são discutidas no âmbito de outras disciplinas como o estágio, o que amplia as possibilidades de tratamento de diversos temas na sala de aula. E enriquece as aulas dos docentes do Ensino Superior e a formação dos licenciandos que não tiveram a oportunidade de estar no programa. O coordenador institucional CI 8-Pibid/Ufop afirma que
[...] enquanto formador, o Pibid me ofereceu a oportunidade de estar mais próximo das escolas de Ouro Preto, mais próximo dos professores, de conhecê-los, ter parceria [...]. Como professor de estágio, eu percebo que o Pibid me oferece a oportunidade de trazer para as discussões relacionadas à prática como situações, exemplos, vivências que esses alunos bolsistas do Pibid vão compartilhando na construção da nossa história dentro da disciplina.
A participação no programa contribuiu para a ampliação do conhecimento dos coordenadores a respeito dos diversos temas que constituem a docência e na proposição de práticas contextualizadas. Os docentes das IES têm a oportunidade de agregar os conhecimentos teórico e prático nas discussões em sala de aula. O coordenador institucional CI 8-Pibid/Ufop chama a atenção para a partilha das experiências dos bolsistas com os colegas de outras disciplinas cursadas, o que também enriquece a formação de alunos e professores. O exercício da profissão docente estimula a construção do conhecimento da área específica. Este conhecimento ganha novos contornos a partir de outros conhecimentos como “[...] do aluno, do currículo, de conteúdos relacionados a outras áreas, do conteúdo pedagógico” (Mizukami et al., 2010, p. 68).
Já a coordenadora institucional do Obeduc CI 1-Obeduc/Ufop relata os efeitos em seu desenvolvimento profissional relativos à retomada das leituras já realizadas em momento anterior, o que contribuiu para a ampliação dos conceitos e aspectos que passaram despercebidos em outras leituras:
[...] eu acho que retomar as leituras. [...]. Reler os textos para discutir com o grupo isso fez uma diferença, isso foi extremamente gratificante e enriquecedor. Aprender a trabalhar com o software, acho que essa foi uma das aprendizagens inovadoras aí nesse processo, conhecer uma ferramenta para tratamento de dados descritivos, é um aprendizado que vou carregar para o resto da vida. E trabalhar em rede para mim foi um ganho muito grande. Eu já tinha trabalhado numa pesquisa em rede, mas não nesse nível de financiamento [...].
Além da questão da revisitação e produção de novos saberes a partir da leitura dos textos teóricos, a coordenadora institucional CI1-Obeduc/Ufop reporta ao aspecto relativo à formação pela pesquisa como o manejo de um software para a tabulação de dados e o desenvolvimento da pesquisa em rede com outras duas instituições de ensino integrantes do projeto. Estas são experiências formativas que contribuem para o desenvolvimento profissional do professor formador que pode incrementar suas aulas e no desenvolvimento de estudos, a partir destas experiências de preparação para o trabalho com a pesquisa. Além de propiciar diferentes caminhos para a compreensão da dualidade da escola pública, tratada por Libâneo (2012)LIBÂNEO, J. C. O dualismo perverso na escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social para os pobres. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p.13-28, 2012. https://doi.org/10.1590/S1517-97022011005000001
https://doi.org/10.1590/S1517-9702201100...
e Jardilino e Sampaio (2020)JARDILINO, J. R. L.; SAMPAIO, A. M. M. O desenvolvimento profissional docente e a expansão e estratificação do sistema educacional brasileiro. Educação, Santa Maria, v. 45, n. 1, p. e85, 2020. https://doi.org/10.5902/1984644438443
https://doi.org/10.5902/1984644438443...
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De acordo com Santos (2012)SANTOS, L. L. C. P. Dilemas e perspectivas na relação entre ensino e pesquisa. In: ANDRÉ, M. (org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 12. ed. Campinas: Papirus, 2012. p. 11-25., a atividade de pesquisa realizada pelos docentes universitários deve contribuir para que eles possam atualizar-se com relação à produção de conhecimento da área, e isso seja refletido nos cursos ministrados. O Pibid também foi visto como um agente importante para a prática e conhecimento profissional, assim como a atividade de pesquisa, conforme nos relata o coordenador institucional CI 8-Pibid/Ufop:
Nesse sentido, principalmente acompanhando tanto o estágio, na minha construção como orientador de pesquisa na área de formação de professores, eu fui aprendendo a ter melhores questões de pesquisa, a pensar em possibilidades de desenvolvimento de pesquisa diferentes, e pensar em aulas de estágio mais ricas. Tudo isso te leva a mais estudos, a buscar referenciais que compartilham dessa visão.
Imbernón (2011IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2011., p. 49) afirma que o desenvolvimento profissional dos professores se constitui em “[...] estímulo para melhorar a prática profissional, convicções e conhecimentos profissionais, com o objetivo de aumentar a qualidade docente de pesquisa e de gestão”. Como também de potencializar a construção da identidade docente em um espaço colaborativo de reflexão e de ressignificação das experiências (Imbernón, 2009IMBERNÓN, F. Formação permanente do professorado: novas tendências. São Paulo: Cortez, 2009.). O processo de ensino e aprendizagem é enriquecido por momentos de pesquisa, reflexão e avaliação do conhecimento adquirido na experiência. As discussões promovidas por outras disciplinas sobre a docência, a troca de experiências entre docentes da universidade, da escola e alunos das licenciaturas são espaços para rememoração, aprofundamento da teoria e sua relação com a prática, a afirmação ou negação de ideias ou ações por docentes e estudantes das licenciaturas.
Os programas Obeduc e Pibid também representam espaços de aprendizagem e construção de conhecimentos para os professores formadores do Ensino Superior em um processo contínuo de desenvolvimento profissional. Os saberes da experiência, da sua área de atuação e pedagógico são construídos e reconstruídos pelos professores do Ensino Superior, a partir de sua atuação nos programas, o que contribui para a constituição de sua identidade docente.
4 Considerações finais
O presente artigo abordou aspectos do desenvolvimento profissional e da aprendizagem da docência, a partir da compreensão destes em um processo contínuo que ocorre ao longo da vida; e dos professores como adultos que aprendem durante as situações e vivências na profissão. Para isso, foi discutido os efeitos da experiência vivenciada pelos professores formadores do Ensino Superior, integrantes/egressos dos programas Obeduc e Pibid, em seu desenvolvimento profissional.
Os programas estudados não têm como premissa o desenvolvimento profissional dos professores do Ensino Superior e da Educação Básica. No entanto, eles se constituem como um elemento importante no desenvolvimento profissional destes docentes, no que se refere a promoção de temas para a discussão sobre os aspectos teóricos e práticos da profissão, o conhecimento profissional e sua atividade de pesquisa, de modo a integrá-los à formação dos futuros professores. Além do entendimento dos limites e possibilidades da escola pública na proposição de diferentes práticas.
No caso deste trabalho, percebe-se que o desenvolvimento profissional destes docentes ocorre na reflexão crítica sobre a prática, na revisitação dos estudos teóricos, na proposição dos estudos e pesquisas, no diálogo com os professores da Educação Básica e futuros professores, no desenvolvimento dos projetos e ações de formação advindos dos programas. Eles se envolvem na reflexão sobre as questões sociais e políticas que afetam a profissão, o trabalho docente e a sociedade. O desenvolvimento profissional ocorre em uma perspectiva que se aproxima do professor como intelectual crítico e reflexivo (Pimenta, 2012PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2012. p. 20-62.). A discussão sobre formação de professores e o desenvolvimento profissional docente nesta concepção deve vir interrelacionada aos temas como condições de trabalho, salário, jornada e currículo (Pimenta, 2012PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2012. p. 20-62.).
Os papéis ocupados pelos docentes formadores do Ensino Superior na atuação sobre o Obeduc e Pibid nos apontam o olhar de igualdade e respeito sobre os saberes e conhecimentos construídos pelos seus integrantes, reconhecendo-os importantes na formação dos bolsistas, alunos da escola e do seu desenvolvimento profissional. O significado dado ao desenvolvimento profissional e a identidade docente deste grupo é representada nos discursos por meio das palavras: estudo, pesquisa experimentação, reflexão, construção coletiva, protagonismo, elo entre universidade e escola, análise da prática firmada na teoria e choque de ideias.
Compreende-se que os programas de formação de professores analisados podem funcionar como espaços de desenvolvimento profissional dos docentes do Ensino Superior, desde que os projetos nestas instituições promovam ações de formação que possibilitem a reflexão e estudo sobre os aspectos teórico e político que envolvem a profissão, o desenvolvimento de pesquisas, a troca de saberes entre professores deste nível de ensino e da Educação Básica. A partir da experiência nestes programas, as IES podem propor ações de formação e programas próprios dirigidos aos docentes deste nível de ensino.
Diante disso, considerando a atuação dos atores sociais, suas experiências e os diferentes contextos em que os programas de formação são desenvolvidos, abre-se a possibilidade de estudos nesta perspectiva, de forma a compreender os efeitos no desenvolvimento profissional dos participantes. Os limites deste trabalho estão associados ao modo de atuação dos atores sociais no processo de implementação das políticas que pode resultar em efeitos distintos. Assim, ao serem realizados estudos semelhantes em outros contextos, podem ser obtidos diferentes resultados. A análise das políticas sob a perspectiva dos implementadores, no contexto micro das instituições, auxilia no seu entendimento, para além da percepção de que as políticas públicas seguem uma trajetória linear que culminará nos resultados pretendidos em sua formulação.
Referências
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1
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e registrada na Plataforma Brasil sob o nº CAAE: 42786321.8.0000.5150.
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O trabalho com as temáticas de formação de professores, desenvolvimento profissional e programas de formação docente são desenvolvidos no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Grupo de pesquisa Formação e Profissão Docente (Foprofi-Ufop/CNPQ) e da pesquisa - modalidade Produtividade em Pesquisa – PQ 2019, processo 307512/2019-3 do orientador, segundo autor do texto (José Rubens Lima Jardilino), financiada pelo CNPq (2019-2021). Pesquisas financiadas pela Fapemig e CNPq.
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3
A designação de uma “microrregião dos Inconfidentes-MG” refere-se a uma localização histórica, mais do que a uma divisão geopolítica de Minas Gerais. No mapa político do IBGE, ela é designada como a microrregião de Ouro Preto pertencente à mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte. O FoprofiI/Ufop vem utilizando o termo “Inconfidentes” em suas pesquisas como referência espaço-temporal, histórica e política para demarcar territorialmente o campo, como sendo Minas Gerais o lócus de nossa atuação.
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4
Uma vez que a oferta de matrícula universalizada está garantida pela Rede Pública de Educação. Segundo o Censo Escolar de 2022, “a distribuição das matrículas por dependência administrativa, percebe-se maior dominância da rede municipal, que detém 49,0% das matrículas na educação básica, 0,6 ponto percentual (p.p.) a menos do que em 2021. A rede estadual, responsável por 31,2% das matrículas da educação básica em 2022, é a segunda maior. A rede privada conta com 19,0% e a federal tem uma participação inferior a 1% do total de matrículas. A rede privada apresentou um crescimento de 1,6 p.p. em 2022” (INEP, 2022. RESUMO TÉCNICO, p. 15).
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Para a preservação do anonimato dos entrevistados, foi utilizada a seguinte nomenclatura: a) CI para coordenador institucional, CA para coordenador de área; b) nº 1 a 22 criados na entrevista semiestruturada; c) Sigla dos programas Pibid, Obeduc e das IES implementadoras. As entrevistas seguiram os princípios éticos que envolvem as pesquisas com seres humanos.
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Dados: Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo, e encontra-se disponível no Repositório Institucional da Universidade Federal de Ouro Preto (Riufop): http://www.repositorio.ufop.br/jspui/handle/123456789/16768.
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Financiamento: As pesquisas contaram com o apoio da Fundação de Amparo à pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Andressa Maris Rezende Oliveri foi bolsista de doutorado da Fapemig. José Rubens Lima Jardilino é bolsista produtividade do CNPq – nível 2.
Disponibilidade de dados
Dados: Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo, e encontra-se disponível no Repositório Institucional da Universidade Federal de Ouro Preto (Riufop): http://www.repositorio.ufop.br/jspui/handle/123456789/16768.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
29 Abr 2024 -
Data do Fascículo
Abr 2024
Histórico
-
Recebido
29 Ago 2023 -
Aceito
17 Jan 2024