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Judicialização baseada em evidências? O uso do conhecimento científico nas decisões do STF durante a pandemia de Covid-19

Evidence-based court decisions? The use of scientific knowledge by Brazil’s Supreme Court during the Covid-19 pandemic

¿Judicialización basada en evidencias? El uso del conocimiento científico en las decisiones del STF durante la pandemia de Covid-19

Une judiciarisation fondée sur des évidences ? L'utilisation des connaissances scientifiques dans les décisions du STF pendant la pandémie de Covid-19

Este artigo analisa como o uso de evidências científicas foi instrumentalizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento das ações sobre as políticas de combate à Covid-19. Conceitualmente, relaciona dois campos de estudos: judicialização das políticas públicas e políticas públicas baseadas em evidências. Partiu-se da coleta de ações de controle de constitucionalidade (ADIs e ADPFs) envolvendo os temas concorrentes da Covid-19 e de saúde, chegando a um universo de 46 ações, dentre as quais 25 são ADIs e 21 são ADPFs. Identificou-se que os ministros do STF, na tentativa de constranger as iniciativas levadas a cabo pelo Poder Executivo federal, passaram a utilizar o conhecimento científico como um operador argumentativo para legitimar suas decisões e se contrapor à postura entendida como negacionista do Presidente da República. Conclui-se a respeito da necessidade de mais estudos sobre como os ministros do STF fundamentam suas decisões e utilizam conhecimento científico de outras áreas, além do direito.

políticas públicas baseadas em evidências; judicialização das políticas públicas; Judiciário; Covid-19; relações Executivo-Judiciário


Abstract

The article analyzes how the use of scientific evidence was instrumentalized by the Federal Supreme Court (STF) when judging lawsuits concerning policies to combat COVID-19. Conceptually, the article relates two fields of study: judicialization of public policies and evidence-based public policies. We began by collecting lawsuits that sought constitutional review (known as ADIs and ADPFs) involving the competing themes of Covid-19 and healthcare, reaching a universe of 46 lawsuits, of which 25 are ADIs and 21 are ADPFs. We identified that the STF justices, in an attempt to limit the initiatives carried out by the federal government, began to use scientific knowledge as an argumentative operator to legitimize their decisions and counter the president's perceived negationist stance. There is a need for more studies on how STF ministers base their decisions and use scientific knowledge from fields other than law.

evidence-based public policies; judicialization of public policies; Judiciary; Covid-19; Executive-Judiciary relations

Resumen

Este artículo analiza cómo el uso de la evidencia científica ha sido instrumentalizado por el Supremo Tribunal Federal (STF) al juzgar los pleitos sobre las políticas de combate al COVID-19. Conceptualmente, el artículo relaciona dos campos de estudio: la judicialización de las políticas públicas y las políticas públicas basadas en evidencias. Partimos de la recolección de acciones de control de constitucionalidad (ADIs y ADPFs) que involucran los temas contrapuestos del COVID-19 y de la salud, alcanzando un universo de 46 acciones, de las cuales 25 son ADIs y 21 son ADPFs. Identificamos que los magistrados del STF, en el intento de restringir las iniciativas llevadas a cabo por el gobierno federal, pasaron a utilizar el conocimiento científico como operador argumentativo para legitimar sus decisiones y contrarrestar la percibida postura negacionista del presidente. Se necesitan más estudios sobre cómo los ministros del STF basan sus decisiones y utilizan los conocimientos científicos de otras áreas, además del Derecho.

políticas públicas basadas en evidencias; judicialización de políticas públicas; Poder Judicial; Covid-19; relaciones Poder Ejecutivo-Poder Judicial

Résumé

Cet article analyse la manière dont le recours aux preuves scientifiques a été instrumentalisé par le Tribunal fédéral (STF) dans le jugement des procès relatifs aux politiques de lutte contre le COVID-19. Sur le plan conceptuel, l'article met en relation deux champs d'étude : la judiciarisation des politiques publiques et les politiques publiques fondées sur des preuves. Nous avons commencé par collecter des actions de contrôle de constitutionnalité (ADIs et ADPFs) impliquant les thèmes concurrents du Covid-19 et de la santé, atteignant un univers de 46 actions, dont 25 sont des ADIs et 21 des ADPFs. Nous avons identifié que les juges du STF, dans une tentative de limiter les initiatives menées par le gouvernement fédéral, ont commencé à utiliser la connaissance scientifique comme un opérateur argumentatif pour légitimer leurs décisions et contrer la position perçue comme négationniste du président. Il est nécessaire de réaliser davantage d'études sur la manière dont les ministres du STF fondent leurs décisions et utilisent les connaissances scientifiques dans d'autres domaines, outre le droit.

politiques publiques fondées sur des données probantes; judiciarisation des politiques publiques; judiciaire; Covid-19; relations exécutif-juridictionnel

Introdução

A gestão do governo Bolsonaro durante a crise sanitária provocada pela Covid-19 foi marcada por um conjunto de conflitos institucionais, carência de coerência lógica entre objetivos e instrumentos de políticas públicas e omissão das ações de combate à crise (Abrucio et al., 2020; Casarões; Magalhães, 2021Casarões, G; Magalhães, D. “A aliança da hidroxicloroquina: como líderes de extrema direita e pregadores da ciência alternativa se reuniram para promover uma droga milagrosa”. Revista de Administração Pública, vol. 55, nº 1, p. 197-214, 2021. Disponível em: <https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/83154 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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; Lynch; Cassimiro, 2021Lynch, C.; Cassimiro, P. “O populismo reacionário no poder: uma radiografia ideológica da presidência Bolsonaro (2018-2021)”. Aisthesis Revista Chilena de Investigaciones Estéticas, vol. 70, p. 223-249, 2021. Disponível em: <https://www.scielo.cl/scielo.php?pid=S0718-71812021000200223&script=sci_arttext&tlng=pt >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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; Lui et al., 2022Lui, L., et al. “A potência do SUS no enfrentamento à Covid-19: alocação de recursos e ações nos municípios brasileiros”. Trabalho, Educação e Saúde, vol. 20, p. 1-16, 2022. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/tes/a/jf5mjpkMgWjzBkVNCp6tzMv/ >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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). Este artigo analisa uma dimensão dos conflitos institucionais decorrentes do processo indicado, qual seja: como o uso de evidências científicas foi instrumentalizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento das ações sobre as políticas voltadas à Covid-19. Argumenta-se que as relações entre os poderes Executivo e Judiciário já estavam em processo de mudança antes da crise sanitária. Contudo, os efeitos dessa conjutura intensificaram esse processo, quando a necessidade de um papel coordenador por parte do governo federal se tornou mais evidente. Diante da omissão deste último, o STF foi instigado a tomar decisões relacionadas à condução das políticas públicas voltadas à pandemia.

Nesse ambiente conflituoso entre Judiciário e Executivo se destaca que o STF, ao julgar conflitos de competência entre União e governos subnacionais, privilegiou os últimos (Glezer, 2021Glezer, R. “As razões e condições dos conflitos federativos na pandemia de Covid-19: coalizão partidária e desenho institucional”. Suprema - Revista de Estudos Constitucionais, vol. 1, nº 2, p. 395-434, 2021. Disponível em: < https://suprema.stf.jus.br/index.php/suprema/article/view/74 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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; Oliveira; Madeira, 2021Oliveira, V. E.; Madeira, L. M. “Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 35, p. 1-44, 2021. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/zVR7JRsKnppq8TBw9VLMPXx/?format=html&la >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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). No que concerne aos esforços para a política de imunização, o STF instigou o Executivo federal a formular um plano de vacinação e, na ausência de esforços satisfatórios da União, autorizou os governos subnacionais a desenvolverem suas próprias estratégias (Macedo; Struchiner; Maciel, 2021). No entanto, ainda não foi realizado um estudo sobre a maneira como os ministros do STF utilizaram o conhecimento científico das áreas de epidemiologia e saúde pública para embasar suas decisões relacionadas à gestão da pandemia. Nesse sentido, o uso da ciência pelo Judiciário será o tema de interesse deste artigo.

Em relação às estratégias metodológica e analítica, o trabalho partiu da coleta de decisões colegiadas e monocráticas, definitivas e liminares, em ações de controle de constitucionalidade (ADIs e ADPFs) envolvendo os temas concorrentes de Covid-19 e saúde, selecionadas a partir da Base de dados de Oliveira e Madeira (2021)Oliveira, V. E.; Madeira, L. M. “Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 35, p. 1-44, 2021. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/zVR7JRsKnppq8TBw9VLMPXx/?format=html&la >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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4 4 Para replicação dos dados, ver: Oliveira, Vanessa Elias de; Madeira, Lígia Mori. “Replication Data for: Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19: um novo padrão decisório do STF?”. Harvard Dataverse, V1, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.7910/DVN/X4WBSF >. Acesso em: 01 jul. 2022. . A coleta de dados abarcou o período de interposição de ações entre março de 2020 e julho de 2022, considerando a emissão de decisões até dezembro de 2022. Chegou-se a um universo de 46 ações, dentre as quais 25 ADIs e 21 ADPFs5 5 É possível que a seleção tenha deixado de incorporar algumas ações, dada a dinamicidade do objeto, cujas publicações de decisões liminares ou definitivas continuam em andamento, implicando na necessidade de atualização constante do banco de dados. , sendo o corpus de análise constituído de 30 decisões6 6 O número de ações supera o de decisões em razão de uma mesma decisão valer muitas vezes para várias ações. . A primeira etapa realizou a análise do corpus com o auxílio do software NVivo, a partir da qual foram definidas as principais temáticas: uso da ciência e as instituições de tradução; temas relativos ao conflito federativo; forma de condução das políticas de saúde e de controle sanitário da pandemia (envolvendo diferentes fases); e políticas públicas em relação a populações vulneráveis. A segunda etapa consistiu de uma análise exploratória do conteúdo das decisões em que se observou a mobilização dos argumentos científicos nos votos dos diferentes ministros da Corte.

Na terceira etapa, este estudo buscou contribuir com a discussão lançando luz sobre uma dimensão específica da relação entre Executivo e Judiciário durante a pandemia: o uso que os ministros do STF fizeram de evidências científicas em seus votos. Esse uso pode ser identificado em duas categorias no que tange às decisões tomadas pela Corte, quais sejam: (i) em decisões em que o STF deliberou que o Executivo federal formulasse ou implementasse políticas de combate à pandemia e (ii) em decisões voltadas a debater a legalidade de determinados atos e normas da administração pública. Essa distinção orientará a abordagem analítica do estudo.

A mobilização da ciência nos discursos políticos de chefes de governo durante a pandemia já foi alvo de estudo (Peci; González; Dussauge-Laguna, 2022), contudo, argumenta-se que observar como esse uso se dá no Poder Judiciário representa uma contribuição para o campo da ciência política. Identificou-se que os ministros do STF conferem ao conhecimento científico um estatuto relevante no que tange à condução de políticas de combate à pandemia. Por isso, quando acionados, sob o argumento de omissão do Poder Executivo, a (re)desenhar as políticas levadas a cabo por aquele poder, os ministros do STF instigam a administração pública a seguir os protocolos de instituições como OMS, Anvisa e o conhecimento científico de forma geral. Contudo, quando o STF é convidado a deliberar sobre a legalidade de atos e normas, a incorporação do conhecimento científico não é automática, e ele é utilizado, muitas vezes, seletivamente como operador argumentativo para reforçar pontos de vista particulares dos ministros.

Este artigo está dividido em três seções: após essa introdução, abre-se o debate teórico do tema da judicialização das políticas públicas, das políticas públicas baseadas em evidência e do seu uso na judicialização da saúde. A seguir, apresentam-se os resultados da análise empírica em seção sobre decisões baseadas em evidências, discutindo de que forma o conhecimento científico informa a decisão dos ministros do STF. Por fim, constam as considerações finais.

Judicialização das Políticas Públicas

A judicialização das políticas públicas pode ser entendida como a crescente utilização do sistema de justiça nos casos em que a atuação dos poderes Legislativo e/ou Executivo é percebida pelos atores sociais como falha, omissa ou insatisfatória (Couto; Oliveira, 2019Couto, C. G.; Oliveira, V. E. “Politização da Justiça: atores judiciais têm agendas próprias?” Cadernos Adenauer, São Paulo, vol. 20, p. 139-162, 2019.). De outra forma, ela se refere à transferência de decisões normativas das arenas majoritárias para o Poder Judiciário e, sobretudo, para o STF (Ribeiro; Arguelhes, 2019Ribeiro, L. M.; Arguelhes, D. W. “Contextos da judicialização da política: novos elementos para um mapa teórico”. Revista Direito GV, vol. 15, nº 2, p. 1-21, 2019. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/rdgv/a/7PMBYWqVLs4GBPHTQ7CsTGK/?format=html >. Acesso em 01 jul. 2022.
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).

A análise do fenômeno da judicialização das políticas públicas passa por duas dimensões (Ribeiro; Arguelhes, 2019Ribeiro, L. M.; Arguelhes, D. W. “Contextos da judicialização da política: novos elementos para um mapa teórico”. Revista Direito GV, vol. 15, nº 2, p. 1-21, 2019. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/rdgv/a/7PMBYWqVLs4GBPHTQ7CsTGK/?format=html >. Acesso em 01 jul. 2022.
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). A primeira delas é institucional e consiste em analisar quem pode acessar o STF, quais temas podem ser objeto desse acionamento, quais são os recursos disponíveis para o tribunal responder a essa provocação e, relacionado a esse último aspecto, quando o STF pode atuar no processo decisório (Ribeiro; Arguelhes, 2019Ribeiro, L. M.; Arguelhes, D. W. “Contextos da judicialização da política: novos elementos para um mapa teórico”. Revista Direito GV, vol. 15, nº 2, p. 1-21, 2019. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/rdgv/a/7PMBYWqVLs4GBPHTQ7CsTGK/?format=html >. Acesso em 01 jul. 2022.
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). Dada a constatação de que apenas a análise institucional não é suficiente para apreender o fenômeno do quanto o tribunal é “convocado”, a segunda dimensão é relacionada ao aspecto cognitivo/motivacional dos agentes que acionam o tribunal. Assim, a decisão de mobilizar o Supremo é uma ação estratégica oriunda do jogo político, ainda que as condições para isso sejam definidas pelo arranjo institucional (Ribeiro; Arguelhes, 2019Ribeiro, L. M.; Arguelhes, D. W. “Contextos da judicialização da política: novos elementos para um mapa teórico”. Revista Direito GV, vol. 15, nº 2, p. 1-21, 2019. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/rdgv/a/7PMBYWqVLs4GBPHTQ7CsTGK/?format=html >. Acesso em 01 jul. 2022.
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). Nesse sentido, a dinâmica política da conjuntura define, em grande medida, a probabilidade de determinado ator acionar o STF a fim de atingir seus objetivos. Em síntese, parte importante da variação do que será objeto de contestação judicial, quem acionará o STF e como, quando e quanto o tribunal será mobilizado, é explicada por fatores que são contingentes à dinâmica política (Ribeiro; Arguelhes, 2019Ribeiro, L. M.; Arguelhes, D. W. “Contextos da judicialização da política: novos elementos para um mapa teórico”. Revista Direito GV, vol. 15, nº 2, p. 1-21, 2019. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/rdgv/a/7PMBYWqVLs4GBPHTQ7CsTGK/?format=html >. Acesso em 01 jul. 2022.
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).

É possível organizar o debate acadêmico sobre a judicialização da política e das políticas públicas no Brasil em três fases distintas (Couto; Oliveira, 2019Couto, C. G.; Oliveira, V. E. “Politização da Justiça: atores judiciais têm agendas próprias?” Cadernos Adenauer, São Paulo, vol. 20, p. 139-162, 2019.). Na primeira fase, que compreende os anos 1990 e a primeira metade dos anos 2000, discutia-se a interferência do judiciário na política. Assim, a mobilização do Judiciário, principalmente pelas forças de oposição, significava uma profunda alteração do jogo político (Oliveira; Madeira, 2021Oliveira, V. E.; Madeira, L. M. “Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 35, p. 1-44, 2021. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/zVR7JRsKnppq8TBw9VLMPXx/?format=html&la >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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). Na segunda fase, atentou-se para os resultados alcançados pelas decisões judiciais em termos de alteração ou manutenção do status quo (Oliveira; Madeira, 2021Oliveira, V. E.; Madeira, L. M. “Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 35, p. 1-44, 2021. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/zVR7JRsKnppq8TBw9VLMPXx/?format=html&la >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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). Conforme os autores dessa segunda fase de pesquisas, para compreender o alcance da judicialização era preciso analisar o resultado efetivo da intervenção judicial sobre as políticas públicas em jogo. Assim, o mero aumento da demanda não era suficiente para caracterizar uma judicialização da política. Segundo ilustra Oliveira (2005)Oliveira, V. E. “Judiciário e privatizações no Brasil: existe uma judicialização da política?”. Dados, vol. 48, p. 559-686, 2005. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/dados/a/VnhKvwCmX6fBkmknzjdyYFr/ >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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ao analisar o processo de privatizações no Brasil, embora o judiciário tenha sido muito acionado, as decisões não alteraram o resultado dos processos de privatização em curso no governo FHC.

Nessa segunda onda de estudos, a análise de Taylor e Da Ros (2008)Taylor, M. M.; Da Ros, L. “Os partidos dentro e fora do poder: a judicialização como resultado contingente da estratégia política”. Dados, vol. 51, nº 4, p. 825-864, 2008. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/dados/a/ybwH5kBrjcBWKX8mVqgzR4r/?lang=pt >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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argumentou que os atores políticos se utilizam das Cortes como veto points, buscando assim modificar as decisões tomadas outrora pelo Executivo e pelo Legislativo, alterando, desse modo, o processo de formulação das políticas públicas. Os autores ainda apontam que a própria ação de acionar o Judiciário, feita pelos atores políticos, não era apenas com vistas à vitória no processo, mas também para declarar publicamente a oposição desses atores à proposta em questão, impedir ou retardar a implementação e desmerecer simbolicamente a política.

Na terceira onda de estudos, que se inicia na década de 2010, o foco deixa de estar sobre os efeitos da judicialização na competição político-partidária, nas regras eleitorais ou mesmo sobre a relação das forças governistas e de oposição. A partir de então, os estudos passaram a ser centrados nos resultados em termos de políticas públicas, com especial atenção para a judicialização da saúde. A interferência do Judiciário nas políticas públicas ensejou a conceituação do fenômeno de judicialização de políticas públicas, que seria a crescente utilização do sistema de justiça “não para a resolução de conflitos políticos (politics), mas para o questionamento de falhas ou omissões na produção de políticas públicas (policies) por parte do Executivo, ou inação ou falhas do Legislativo no que tange à produção de normas legais” (Oliveira, 2019Oliveira, V. E. Caminhos da Judicialização do Direito à Saúde. In: Oliveira, V. E. (Ed.). Judicialização de políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p. 177-200, 2019., p. 18).

O STF figura como objeto central de análise na primeira fase da literatura sobre Judiciário e políticas sociais, por ser a constitucionalização de direitos a força motora por trás da judicialização da política. A Suprema Corte brasileira apresenta-se como arena judicial de resolução de conflitos, própria do processo de políticas públicas, ou como ator inserido no ciclo de políticas públicas (policy cycle) (Madeira; Geliski, 2024Madeira, L. M.; Geliski, L. Estudos sobre Judiciário e Políticas Públicas e Sociais no Brasil. In: Arantes, R.; Arguelhes, D. STF: O estado da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2024 (no prelo)., no prelo). Atualmente há certa controvérsia quanto ao papel do STF em matéria de judicialização de políticas públicas, ora apontando-se sua perda de posição em relação aos tribunais intermediários (Vasconcellos, 2021), ora sustentando-se ser ele “o espaço institucional onde se concentra a judicialização de maior envergadura e repercussão na democracia brasileira”, dado que “o tribunal de cúpula seja ponto culminante desse processo de vocalização de argumentos constitucionais em múltiplos níveis do sistema judicial” (Mendes, 2019, p. 79).

Um dos efeitos da judicialização das políticas públicas é a maior interação entre os poderes e as instituições envolvidas na política em questão, uma vez que o Judiciário exige, necessariamente, uma resposta do Executivo sobre o direito ou a política demandada judicialmente (Oliveira, 2019Oliveira, V. E. Caminhos da Judicialização do Direito à Saúde. In: Oliveira, V. E. (Ed.). Judicialização de políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p. 177-200, 2019.). Vale ressaltar que essa interação pode se dar entre diferentes poderes, contudo, a divisão das funções e a própria independência entre eles não são absolutas, tampouco engessadas, o que soa positivo pois se tem uma ideia de haver um equilíbrio necessário para a realização do bem comum. Por outro lado, isso também abre caminho para que um outro conjunto de interações institucionais aconteça, tais como relações de contestação e conflito.

Ao ser instado a decidir sobre políticas públicas, o Judiciário brasileiro desenvolveu uma hermenêutica própria que o habilitou a interferir no desenvolvimento das políticas públicas, tornando-se um ator relevante no processo. Contudo, para se distanciar das disputas político-ideológicas relativas ao desenvolvimento das políticas públicas e produzir seu discurso a partir de um espaço suspostamente “neutro”, este artigo trabalha com o argumento de que o judiciário passou a utilizar o conhecimento científico enquanto operador argumentativo. Conforme indicam Prememida e Neves (2009), o uso do conhecimento científico conta com uma legitimação ou aceitação social mesmo que a ciência não seja em si uma construção neutra, mas sim produzida dentro de uma rede de relações de poder.

Assume-se a premissa que compreende a judicialização como a utilização do sistema de justiça nos momentos em que a atuação dos poderes Legislativo e/ou Executivo é percebida pelos atores sociais como falha, omissa ou insatisfatória. Desse entendimento advém a primeira categoria analítica deste artigo voltada a compreender o estatuto conferido ao conhecimento científico e seu posterior uso por parte do STF no que tange às deliberações para que o Executivo federal formulasse e implementasse políticas de combate à pandemia. A construção dessa categoria é proveniente da averiguação de que o Poder Executivo federal foi tachado de negacionista na condução de suas ações por aqueles que acionavam a Corte. Nesse sentido, o termo “negacionista” traz consigo a ideia de que há um construto científico posto e que foi, por algum motivo, deliberadamente ignorado.

O subcampo de estudos que trata da judicialização da saúde possui um desenvolvimento particular dado que, com o passar dos anos, passou a incorporar a discussão relativa à inclusão de evidências científicas nas decisões dos magistrados. O campo de estudos voltado às políticas públicas baseadas em evidências, nesse caso, merece ser detalhado com mais profundidade, antes da discussão relativa à judicialização da saúde.

Políticas públicas baseadas em evidências: uma aproximação da judicialização das políticas públicas

O debate contemporâneo no campo da administração pública tem acrescentado os conceitos de Decisões Baseadas em Evidências e de Políticas Públicas Baseadas em Evidências (PPBE) em seu rol de preocupações (Head, 2010Head, B. W. “Reconsidering evidence-based policy: Key issues and challenges”. Policy and Society, vol. 29, nº 2, p. 77-94, 2010. Disponível em: < https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1016/j.polsoc.2010.03.001 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1...
; Dias et al., 2015; Newman; Cherney; Head, 2017; Sandim; Machado, 2021Sandim, T. L.; Machado, D. A. “O Paradigma das Políticas Públicas Baseadas em Evidências na Gestão Pública Brasileira: uma análise das publicações acadêmicas”. Boletim de Análise Político-Institucional, nº 24, p. 41-47, 2021. Disponível em: <https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10375/1/bapi_24_art3.pdf >. Acesso em: 01 jul. 2022.
https://repositorio.ipea.gov.br/bitstrea...
; Koga et al., 2022Koga, N., et al. Políticas públicas e usos de evidências no Brasil: conceitos, métodos, contextos e práticas. Brasília: Ipea, 2022. Disponível em: < https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/11121 >. Acesso em: 01 dez. 2022.
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). Head (2010)Head, B. W. “Reconsidering evidence-based policy: Key issues and challenges”. Policy and Society, vol. 29, nº 2, p. 77-94, 2010. Disponível em: < https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1016/j.polsoc.2010.03.001 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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se refere ao fenômeno como um movimento desenvolvido por analistas e por formuladores de políticas públicas na tentativa de imprimir maior racionalidade às escolhas feitas pelos agentes públicos, advogando que eles necessitam de certos tipos de insumos para tomar decisões bem informadas. O movimento PPBE representa tanto um conjunto importante de práticas e aspirações profissionais quanto uma retórica política que busca legitimar formas de tomada de decisão alternativas à formulação de políticas ideológicas ou baseadas no senso comum.

Afinal, resultados de pesquisas científicas são vistos como insumos úteis e necessários para os formuladores no desenvolvimento de políticas e revisão de programas. Trata-se de um consenso entre os acadêmicos e os gestores que as PPBEs representam uma abordagem que pode auxiliar os gestores a tomarem decisões bem-informadas sobre as políticas, seus desenhos, instrumentos e objetivos (Head, 2010Head, B. W. “Reconsidering evidence-based policy: Key issues and challenges”. Policy and Society, vol. 29, nº 2, p. 77-94, 2010. Disponível em: < https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1016/j.polsoc.2010.03.001 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1...
; Koga et al., 2022Koga, N., et al. Políticas públicas e usos de evidências no Brasil: conceitos, métodos, contextos e práticas. Brasília: Ipea, 2022. Disponível em: < https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/11121 >. Acesso em: 01 dez. 2022.
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). Contudo, a decisão bem-informada depende da construção de conhecimento científico pertinente e da comunicação adequada relativa aos resultados e aplicabilidade desse conhecimento dentro de um contexto específico.

Conforme aponta Head (2010)Head, B. W. “Reconsidering evidence-based policy: Key issues and challenges”. Policy and Society, vol. 29, nº 2, p. 77-94, 2010. Disponível em: < https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1016/j.polsoc.2010.03.001 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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, o objetivo dos que advogam a favor das PPBEs não é subordinar a decisão dos gestores públicos ao conhecimento científico. Nesse caso, entende-se que um conjunto de elementos informa os formuladores de políticas públicas, tais como: saberes tácitos ou limitados sobre determinado assunto, corrupção, influências partidárias e barganhas políticas, conhecimento científico, experiências oriundas de vivências dos gestores como cidadãos e usuários de serviços públicos e privados, etc. Segundo Head (2010)Head, B. W. “Reconsidering evidence-based policy: Key issues and challenges”. Policy and Society, vol. 29, nº 2, p. 77-94, 2010. Disponível em: < https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1016/j.polsoc.2010.03.001 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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, evidências científicas integram o grupo de informações de “boa qualidade” que podem informar as políticas públicas. Nesse caso, as evidências científicas seriam insumos para a tomada de decisão.

A partir de uma revisão de literatura, Dias et al. (2015)Dias, R. C., et al. “Estratégias para estimular o uso de evidências científicas na tomada de decisão”. Cadernos Saúde Coletiva, vol. 23, nº 3, p. 316-322, 2015. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/cadsc/a/sYHVMfZ33dYsHn85bFrwRQj/?lang=pt >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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identificaram quatro estratégias que contribuem para ampliar o uso de evidências científicas por tomadores de decisão, são elas: 1) produzir e disseminar sínteses de evidência com linguagem adaptada a diferentes públicos; 2) estimular o uso do jornalismo e de outras formas de comunicação para ampliar a disseminação do conhecimento científico; 3) utilizar plataforma virtual on-line para disseminação do conhecimento científico; 4) promover a interação entre pesquisadores e tomadores de decisão. Todas elas versam, basicamente, sobre a necessidade de se aprimorar a forma de comunicação científica, tornando-a mais palatável e instrumentalizável aos gestores públicos. O conceito de tradução, nesse sentido, ganha relevância dado que é necessário transpor os termos técnicos de forma que os gestores compreendam seu significado e sua aplicação. Essa tradução pode ser feita em nível individual, pelo próprio pesquisador; ou institucional, por instituições que constroem notas técnicas e comunicados contendo orientações e normativas a partir do conhecimento científico.

Contemporaneamente, um ponto crítico nesse debate é a captura de instituições técnico-científicas, responsáveis pelo provimento de insumos técnicos aos gestores de políticas públicas, por grupos preocupados com aspectos ideológicos, filiação política e barganha partidária (Dillon et al., 2018; Tu et al., 2020). As experiências internacionais apontam que essa captura é prejudicial ao arranjo institucional, dado que desrespeita a separação entre áreas de caráter técnico-científico e áreas políticas dentro do aparelho estatal. Outro ponto crítico é a chamada infodemia, ou seja, a existência de um grande aumento no volume de informações associadas a um assunto específico. Não raro, essas informações podem aumentar exponencialmente em pouco tempo devido a um evento específico, tal como a pandemia de Covid-19. Nessa situação, surgem rumores e desinformação, além da manipulação de informações com intenção duvidosa. Para o tomador de decisão, o excesso de informações, muitas vezes conflitantes, se torna um problema para a tomada de decisão (Garcia; Duarte, 2020Garcia, L.; Duarte, E. “Infodemia: excesso de quantidade em detrimento da qualidade das informações sobre a COVID-19”. Epidemiologia e Serviços de Saúde, vol. 29, nº 4, p. 1-4 2020. Disponível em: < https://www.scielosp.org/article/ress/2020.v29n4/e2020186/pt/ >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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; Faria, 2022Faria, C. A. P. “O Movimento das Políticas Públicas Baseadas em Evidências: uma radiografia crítica”. BIB - Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, vol. 1, nº 97, p. 1-14, 2022. Disponível em: <https://bibanpocs.emnuvens.com.br/revista/article/view/577 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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; Koga et al., 2022Koga, N., et al. Políticas públicas e usos de evidências no Brasil: conceitos, métodos, contextos e práticas. Brasília: Ipea, 2022. Disponível em: < https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/11121 >. Acesso em: 01 dez. 2022.
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). A presença de instituições de tradução, nesse caso, ajuda a consolidar o conhecimento abundante e disperso e filtrar o que é relevante e verdadeiro.

Um pressuposto tácito do campo das PPBE é que todos os esforços devem convergir para prover aos formuladores de políticas públicas insumos para que estes possam tomar decisões bem-informadas relativas ao conteúdo da política tal como: o nexo causal entre problema social e objetivo da política, seus instrumentos, sistema de governança, adequação do público-alvo, etc. (Lima; Aguiar; Lui, 2021Lui, L., et al. “Disparidades e heterogeneidades das medidas adotadas pelos municípios brasileiros no enfrentamento à pandemia de Covid-19”. Trabalho, Educação e Saúde, vol. 19, p. 1-13, 2021. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/tes/a/JdjbBW4mBnjDd7kNnQnkwtP/ >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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). É seguro apontar que, quando se está tratando da discussão referente à incorporação de evidências para a tomada de decisão em políticas públicas, intuitivamente, o público-alvo consiste nos gestores públicos que ocupam cargos no Poder Executivo e os representantes do Poder Legislativo. A reflexão sobre de que modo os membros do Poder Judiciário incorporam os conhecimentos científicos em suas decisões ainda é incipiente. Contudo, estender a discussão sobre PPBE ao Judiciário é válido porque este tem sido ator relevante na condução das políticas públicas ao longo dos últimos anos (Ribeiro; Arguelhes, 2019Ribeiro, L. M.; Arguelhes, D. W. “Contextos da judicialização da política: novos elementos para um mapa teórico”. Revista Direito GV, vol. 15, nº 2, p. 1-21, 2019. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/rdgv/a/7PMBYWqVLs4GBPHTQ7CsTGK/?format=html >. Acesso em 01 jul. 2022.
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; Oliveira; Madeira, 2021Oliveira, V. E.; Madeira, L. M. “Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 35, p. 1-44, 2021. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/zVR7JRsKnppq8TBw9VLMPXx/?format=html&la >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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). A partir dessa construção, entende-se a necessidade de compreender como os ministros do STF, nos momentos em que se debateu a legalidade de determinados atos e normas da administração pública, tomaram decisões informadas pelo conhecimento técnico-científico.

Judicialização da saúde: a incorporação do conhecimento científico pelo Judiciário

No caso das políticas públicas, a área da saúde é uma das primeiras e das mais recorrentes a presenciar e documentar esse movimento de inter-relação entre o campo científico e o judiciário. A judicialização da saúde se inicia pela busca por concessão de medicamentos e procedimentos médicos de pessoas que viviam com o vírus HIV, resultando que “o recurso ao sistema de justiça foi uma via importante para a institucionalização da política pública de garantia de tratamento universal ‘a Aids’, garantido de maneira universal posteriormente” (Oliveira, 2019Oliveira, V. E. Caminhos da Judicialização do Direito à Saúde. In: Oliveira, V. E. (Ed.). Judicialização de políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p. 177-200, 2019., p. 179).

Cunha e Farranha (2021)Cunha, J. R.; Farranha, A. C. “Judicialização da Saúde no Brasil: categorização das fases decisionais a partir do Supremo Tribunal Federal e os impactos no Sistema Único de Saúde”. Ciências e Políticas Públicas, vol. 7, p. 7-27, 2021. Disponível em: <https://cpp.iscsp.ulisboa.pt/index.php/capp/article/view/98 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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constroem uma linha evolutiva das decisões sobre judicialização da saúde pelo STF, citando as quatro fases em que pode ser enquadrada a atuação da corte: não ativismo; absolutização da saúde; custo dos direitos: mínimo existencial x reserva do possível; e medicina baseada em evidências. A primeira fase (da Constituição de 1988 até a segunda metade dos anos 1990) caracteriza-se pela inércia do Poder Executivo na organização e implementação da política pública de saúde, sobretudo com o intuito de solucionar a passividade do Poder Legislativo sobre a regulamentação do direito fundamental à saúde. Os argumentos alegados nessa fase de não ativismo do STF em relação à judicialização da saúde referem-se à persistente interpretação do caráter de programaticidade e de eficácia limitada das normas constitucionalizadas ao direito à saúde (Cunha; Farranha, 2021Cunha, J. R.; Farranha, A. C. “Judicialização da Saúde no Brasil: categorização das fases decisionais a partir do Supremo Tribunal Federal e os impactos no Sistema Único de Saúde”. Ciências e Políticas Públicas, vol. 7, p. 7-27, 2021. Disponível em: <https://cpp.iscsp.ulisboa.pt/index.php/capp/article/view/98 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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). A segunda fase, da absolutização da saúde, leva tal nome pela concessão do direito à saúde de modo absoluto, sem relativizá-lo, incluindo a integridade normativa de seus objetivos, princípios e diretrizes constitucionalizados na Carta Política de 1988 (Ferraz, 2019Ferraz, O. L. M. “Para equacionar a judicialização da saúde no Brasil”. Revista Direito GV, vol. 15, nº 3, p. 1-39, 2019. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/rdgv/a/tLdSQ4Ggnm4w8GSfYdcqtTy/?format=html⟨=pt >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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; Vasconcelos, 2021Vasconcelos, N. “Entre justiça e gestão: colaboração interinstitucional na judicialização da saúde”. Revista de Administração Pública, vol. 55, nº 4, p. 923-949, 2021. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/rap/a/9tTLBHPyj4ygN3pnwgQw4ng/ >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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). Na terceira fase de decisão, a Suprema Corte passou a ponderar a importância do custo dos direitos (Holmes; Sunstein, 2019Holmes, S.; Sunstein, C. R. O custo dos direitos: por que a liberdade depende dos impostos. São Paulo: WMF-Martins Fontes, 2019.), sobretudo dos direitos de segunda geração, que exigem uma contrapartida financeira do Estado para sua implementação, como é o caso do direito fundamental à saúde.

A presença das evidências científicas inaugura a quarta fase da judicialização da saúde, quando se passa a observar a utilização de argumentos científicos e embasados em literatura acadêmica no decorrer do processo judicial no que se refere às demandas que envolvem o direito à saúde (Cunha; Farranha, 2021Cunha, J. R.; Farranha, A. C. “Judicialização da Saúde no Brasil: categorização das fases decisionais a partir do Supremo Tribunal Federal e os impactos no Sistema Único de Saúde”. Ciências e Políticas Públicas, vol. 7, p. 7-27, 2021. Disponível em: <https://cpp.iscsp.ulisboa.pt/index.php/capp/article/view/98 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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). É marco dessa fase a Audiência Pública nº 4 em 2009, convocada pelo ministro Gilmar Mendes, que estabeleceu os seguintes princípios a vigorar na área desde então: (1) levar em conta as listas e protocolos clínicos do SUS, (2) segurança, eficiência e qualidade do tratamento solicitado de acordo com a sua aprovação pela Anvisa, e (3) o consenso científico sobre a eficácia de um tratamento, excluindo, assim, a possibilidade de concessão de tratamentos experimentais (Ferraz, 2019Ferraz, O. L. M. “Para equacionar a judicialização da saúde no Brasil”. Revista Direito GV, vol. 15, nº 3, p. 1-39, 2019. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/rdgv/a/tLdSQ4Ggnm4w8GSfYdcqtTy/?format=html⟨=pt >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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; Cunha; Farranha, 2021Cunha, J. R.; Farranha, A. C. “Judicialização da Saúde no Brasil: categorização das fases decisionais a partir do Supremo Tribunal Federal e os impactos no Sistema Único de Saúde”. Ciências e Políticas Públicas, vol. 7, p. 7-27, 2021. Disponível em: <https://cpp.iscsp.ulisboa.pt/index.php/capp/article/view/98 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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; Vasconcelos, 2021Vasconcelos, N. “Entre justiça e gestão: colaboração interinstitucional na judicialização da saúde”. Revista de Administração Pública, vol. 55, nº 4, p. 923-949, 2021. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/rap/a/9tTLBHPyj4ygN3pnwgQw4ng/ >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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).

Embora predominante, essa visão sofre exceções reafirmando muitas vezes a judicialização ainda centrada nas necessidades de cada paciente (Ferraz, 2019Ferraz, O. L. M. “Para equacionar a judicialização da saúde no Brasil”. Revista Direito GV, vol. 15, nº 3, p. 1-39, 2019. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/rdgv/a/tLdSQ4Ggnm4w8GSfYdcqtTy/?format=html⟨=pt >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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). Trabalhos como o de Zebulum (2020)Zebulum, J. C. “O julgamento do caso da fosfoetanolamina e a jurisprudência do supremo tribunal federal”. Revista de Direito Sanitário, vol. 17, nº 3, p. 212-223, 2020. Disponível em: < https://www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/127785 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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, relativo ao comportamento do STF nos julgamentos da fosfoetanolamina sintética, auxiliam na compreensão de que a aplicação de evidências científicas não é uma via sem volta, sendo relativizada pela tomada de outros posicionamentos pela Corte, ou, ao menos, em votos vencidos dos ministros ao longo do tempo. Em outra perspectiva, o estudo de Almeida (2013)Almeida, F. M. “Fronteiras da sanidade: ‘Periculosidade’ e ‘risco’ na articulação dos discursos psiquiátrico forense e jurídico no Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso de 1925 a 2003”. Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, vol. 6, nº 3, p. 435-464, 2013. Disponível em: < https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/7432/5975 >. Acesso em: 01 jul. 2023.
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investiga a articulação entre os discursos jurídico e psiquiátrico forense ao longo de quase um século. Para o autor, interessa identificar como emergem e se interligam os regimes de verdade jurídico-legais e médico-científicos.

A expansão do STF sobre pautas políticas e de políticas públicas não poderia ter ocorrido sem que, além da estrutura constitucional, emergisse uma doutrina e uma hermenêutica legitimadoras, frutos de mudanças nas práticas interpretativas e argumentativas. A partir da Constituição de 1988, uma argumentação jurídica afastada do formalismo e em busca da preocupação com efetividade de direitos emergiu como debate da dogmática jurídica. Conforme indica Mendes (2019), o neoconstitucionalismo e sua defesa da normatividade dos princípios ao lado de regras e a abertura ao componente moral da linguagem constitucional, embebida no ideal de dignidade humana, tiveram papel central na facilitação discursiva da “ampliação do espaço que o STF, já reconfigurado, foi ocupando por meio de decisões heterodoxas para a tradição jurídica brasileira” (Mendes, 2019, p. 90). Marcante no contexto posterior à promulgação da Constituição de 1988, o neoconstitucionalismo vem sendo criticado pelo uso e resposta demasiados do Poder Judiciário, assim como pela falta de controle e racionalidade das decisões judiciais, dando lugar a um “giro empírico-pragmático” no âmbito do qual os discursos científicos são objeto de fundamentação das decisões judiciais (Cury, 2020Cury, T. G. “Um “giro empírico-pragmático” na argumentação judicial? Os usos do discurso científico na fundamentação das decisões do Supremo Tribunal Federal”. Dissertação de Mestrado em Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020. Disponível em: <https://lume.ufrgs.br/handle/10183/229560 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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).

Entretanto, a incorporação do conhecimento científico pelos magistrados não se dá de forma automática, principalmente quando há controvérsias sociais em torno do tema. Cury (2020)Cury, T. G. “Um “giro empírico-pragmático” na argumentação judicial? Os usos do discurso científico na fundamentação das decisões do Supremo Tribunal Federal”. Dissertação de Mestrado em Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020. Disponível em: <https://lume.ufrgs.br/handle/10183/229560 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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se dedicou a investigar a apropriação de evidências ou de discursos científicos pela Suprema Corte buscando, a partir de um conjunto de acórdãos proferidos após a realização de audiências públicas, como e “para quê” os ministros do STF utilizam o discurso científico na construção dos argumentos que fundamentam suas decisões. Analisando argumentos estruturados e a apresentação de evidências e referências a fontes autorizadas, o autor demonstra diferentes usos de discursos científicos pela Suprema Corte, destacando que ora os discursos científicos são utilizados de modo a dar legitimidade à exegese dos próprios ministros, sem indicação precisa ou mesmo com omissão das fontes; ora caracteriza-se por afirmações suportadas por fontes indicadas de maneira adequada, no entanto superestimando a autoridade invocada na mobilização do capital científico utilizado para legitimar o argumento, buscando-se a apropriação do capital simbólico acumulado por certas instituições do campo científico. O autor conclui que

O que torna os capitais científico, acadêmico e burocrático de especial interesse para o campo jurídico é o poder que eles têm para produzir os efeitos da neutralização e da objetivação de um discurso, especialmente em razão das representações que a sociedade faz de instituições acadêmicas, da comunidade científica, e de entidades governamentais ou internacionais orientadas por uma burocracia estritamente técnica (Cury, 2020Cury, T. G. “Um “giro empírico-pragmático” na argumentação judicial? Os usos do discurso científico na fundamentação das decisões do Supremo Tribunal Federal”. Dissertação de Mestrado em Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020. Disponível em: <https://lume.ufrgs.br/handle/10183/229560 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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, p. 112).

O estudo de Cury (2020)Cury, T. G. “Um “giro empírico-pragmático” na argumentação judicial? Os usos do discurso científico na fundamentação das decisões do Supremo Tribunal Federal”. Dissertação de Mestrado em Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020. Disponível em: <https://lume.ufrgs.br/handle/10183/229560 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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, no entanto, não considera a conjuntura política e institucional e as relações entre os poderes em seu esquema analítico relativo ao uso do conhecimento científico nas decisões dos magistrados. Em relação a esse elemento, é importante observar que o presidente Jair Bolsonaro escolheu uma estratégia de ação marcada por conflitos com a ideia de conhecimento científico durante a pandemia. Desde o princípio da crise sanitária, estabeleceu uma cultura política baseada na desconfiança em relação às recomendações da OMS e de órgãos técnico-científicos (Abrucio et al., 2020; Wessel, 2020Wessel, L. “‘It’s a nightmare’. How Brazilian scientists became ensnared in chloroquine politics”. Science, vol. 22, 2020. Disponível em: < https://www.sciencemag.org/news/2020/06/it-s-nightmare-how-brazilian-scientists-became-ensnared-chloroquine-politics >. Acesso em: 01 jul. 2022.
https://www.sciencemag.org/news/2020/06/...
; Barros; Vale, 2021Barros, C.; Vale, R. P. “‘Tchau, Pfizer!’: Uma análise discursiva de charges publicadas durante a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19”. Revista de Ciências Humanas, vol. 3, nº 21, 2021. Disponível em:< https://periodicos.ufv.br/RCH/article/view/13368 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
https://periodicos.ufv.br/RCH/article/vi...
; Calil, 2021Calil, G. “A negação da pandemia: reflexões sobre a estratégia bolsonarista”. Serviço Social & Sociedade, nº 140, p. 30-47, 2021. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/sssoc/a/ZPF6DGX5n4xhfJNTypm87qS/ >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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; Peci; González; Dussauge-Laguna, 2022). Em outra seara, ainda antes do início da pandemia, o presidente se envolveu em polêmicas em que ele e aliados políticos criticaram diretamente integrantes da Corte, fomentando intenso conflito (Almeida, 2019Almeida, R. “Bolsonaro presidente: conservadorismo, evangelismo e a crise brasileira”. Novos Estudos Cebrap, nº 38, p. 185-213, 2019. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/nec/a/rTCrZ3gHfM5FjHmzd48MLYN/?lang=pt >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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). Conforme apontado por Oliveira e Madeira (2021)Oliveira, V. E.; Madeira, L. M. “Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 35, p. 1-44, 2021. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/zVR7JRsKnppq8TBw9VLMPXx/?format=html&la >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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, o Supremo Tribunal Federal se contrapôs às medidas do presidente nas questões relativas à pandemia e, nesse sentido, comportou-se de maneira distinta do que as análises sobre a judicialização da política em períodos anteriores vinham demonstrando.

A pandemia pode ser lida como uma conjuntura crítica à última fase destacada da judicialização da saúde, na qual as Cortes são chamadas a constranger os Executivos nacionais em razão de sua atuação equivocada ou de suas omissões (Ginsburg; Versteeg, 2020). Oliveira e Madeira (2021)Oliveira, V. E.; Madeira, L. M. “Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 35, p. 1-44, 2021. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/zVR7JRsKnppq8TBw9VLMPXx/?format=html&la >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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observam que, no caso brasileiro, o STF mostrou-se ativo no controle da constitucionalidade especialmente de atos do Presidente da República relativos à pandemia, quando se revelou uma judicialização contra medidas provisórias e, em menor medida, leis estaduais e leis federais, promovida por partidos de espectro ideológico à esquerda e por confederações sindicais e entidades de classe. O padrão requerente-requerido corresponde a “todos” versus Bolsonaro, na maioria dos casos, e o “efeito de contenção foi, sem dúvida, importante, uma vez que as liminares tolhendo as MPs parecem ter desencorajado o presidente a levá-las ao Congresso para conversão em lei” (Oliveira; Madeira, 2021Oliveira, V. E.; Madeira, L. M. “Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 35, p. 1-44, 2021. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/zVR7JRsKnppq8TBw9VLMPXx/?format=html&la >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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, p.32).

A seguir, observaremos de que modo a Corte utilizou os conhecimentos científicos para determinar condutas prioritariamente para o Poder Executivo federal e como a própria Corte se baseou nesse constructo social para julgar a legalidade de atos e decisões da administração pública.

Decisões baseadas em evidências: de que forma o conhecimento científico informa a decisão dos ministros do STF

Este artigo analisa decisões de controle de constitucionalidade relativas aos temas concorrentes de saúde e de Covid-19. A busca por ações (ADIs e ADPFs) relativas ao tema de saúde na Base de Dados de Oliveira e Madeira (2021)Oliveira, V. E.; Madeira, L. M. “Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 35, p. 1-44, 2021. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/zVR7JRsKnppq8TBw9VLMPXx/?format=html&la >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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e a posterior coleta de decisões (acórdãos e decisões monocráticas liminares e definitivas) no sítio do Supremo Tribunal Federal resultaram em um universo de 46 ações para a análise, sendo 25 ADIs e 21 ADPFs. Conforme informado na introdução, a estratégia metodológica consistiu de duas etapas: na primeira, realizou-se uma análise com auxílio do NVivo, a partir da qual definimos as principais temáticas do estudo. Na segunda, realizou-se uma análise de conteúdo exploratória para identificar de que forma os argumentos dos ministros do STF eram estruturados e, principalmente, se/como eles mobilizaram conhecimentos oriundos de artigos científicos, materiais de jornais, resoluções técnicas da Anvisa, Fiocruz, OMS e similares. Esse processo foi feito com base em duas categorias: a primeira englobando decisões em que o STF deliberou que o Executivo federal formulasse ou implementasse políticas de combate à pandemia, e a segunda versando sobre a incorporação do conhecimento científico nas decisões voltadas a debater a legalidade de determinados atos e normas da administração pública.

Em relação às categorias analíticas (uso do conhecimento científico pelo próprio STF e o uso da ciência recomendado pelo STF ao Poder Executivo federal), baseou-se nas pesquisas de Cury (2020)Cury, T. G. “Um “giro empírico-pragmático” na argumentação judicial? Os usos do discurso científico na fundamentação das decisões do Supremo Tribunal Federal”. Dissertação de Mestrado em Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020. Disponível em: <https://lume.ufrgs.br/handle/10183/229560 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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e Oliveira e Madeira (2021)Oliveira, V. E.; Madeira, L. M. “Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 35, p. 1-44, 2021. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/zVR7JRsKnppq8TBw9VLMPXx/?format=html&la >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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. No que tange às categorias temáticas, elas foram construídas a partir da análise do material empírico e das proposições de Oliveira e Madeira (2021)Oliveira, V. E.; Madeira, L. M. “Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 35, p. 1-44, 2021. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/zVR7JRsKnppq8TBw9VLMPXx/?format=html&la >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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Na primeira etapa de análise do corpus, a partir do NVivo, foram definidas as grandes temáticas do estudo e os termos de busca de cada uma, conforme demonstra o Quadro 1:

Quadro 1
Temáticas e termos de busca

A Figura 1, a seguir, indica, por tamanho e cores, a prevalência do tema federalismo, destacando a responsabilidade do Executivo federal e os conflitos entre entes subnacionais e a União, seguido dos debates sobre as medidas sanitárias em relação à Covid-19 (isolamento, quarentena e vacinação, incluindo a discussão sobre registros epidemiológicos). Com menor representatividade no corpus, encontram-se os debates sobre políticas públicas - prioritariamente voltadas a populações vulneráveis - e suas diferentes fases, incluindo planejamento, implementação, monitoramento e avaliação. No foco prioritário deste estudo, a que se dedica a análise a seguir, estão os debates remanescentes sobre ciência e suas instituições de tradução. Uma última temática envolve religião, vinculada ao tema das medidas sanitárias.

Figura 1
Principais temas da judicialização da pandemia em matéria de saúde no STF

Oliveira e Madeira (2021)Oliveira, V. E.; Madeira, L. M. “Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 35, p. 1-44, 2021. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/zVR7JRsKnppq8TBw9VLMPXx/?format=html&la >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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destacam a prevalência do debate em torno do federalismo no julgamento das ações referentes à pandemia de Covid-19. Segundo as autoras, é bastante interessante identificar um entendimento por parte de alguns ministros do STF de que o governo federal foi omisso durante a pandemia. Essa constatação deu ensejo a que o judiciário se colocasse como um ator relevante na exigência de que o Executivo federal atuasse no desenvolvimento das políticas públicas, corroborando a tese da utilização do sistema de justiça nos casos em que a atuação dos demais poderes for percebida pelos atores políticos como falha, omissa ou insatisfatória (Oliveira; Couto, 2019).

Identificadas as cores correspondentes às temáticas acima, na Figura 2, é possível visualizar sua distribuição nas ações de controle de constitucionalidade objeto desta pesquisa. O tamanho dos quadrados abaixo indica a prevalência da temática apontada na Figura 1. Ações com menor menção à temática não aparecem na Figura 2.

Figura 2
Distribuição temática nas ações de controle de constitucionalidade em matéria de saúde e pandemia no STF

Na Figura 2, do Anexo 1 Anexo 1 Quadro 2 Decisões em ações de controle de constitucionalidade em matéria de saúde relativas à pandemia do Coronavírus Ação Teor da decisão ADI 6341 STF confirmou o entendimento de que as medidas adotadas pelo governo federal na Medida Provisória (MP) 926/2020 para o enfrentamento do novo coronavírus não afastam a competência concorrente nem a tomada de providências normativas e administrativas pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios. ADI 6342 É inconstitucional dispositivo que afirma que os casos de contaminação por coronavírus não serão considerados doenças ocupacionais ADI 6343 STF decidiu que estados e municípios, no âmbito de suas competências e em seu território, podem adotar, respectivamente, medidas de restrição à locomoção intermunicipal e local durante o estado de emergência decorrente da pandemia do novo coronavírus, sem a necessidade de autorização do Ministério da Saúde para a decretação de isolamento, quarentena e outras providências. ADI 6347 STF determina que Ministério da Saúde faça a divulgação integral de dados sobre Covid-19 ADI 6349 STF suspendeu a eficácia de dois dispositivos da Medida Provisória (MP) 927/2020, que autoriza empregadores a adotarem medidas excepcionais em razão do estado de calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavírus. Por maioria, foram suspensos o artigo 29, que não considera doença ocupacional os casos de contaminação de trabalhadores pelo coronavírus, e o artigo 31, que limitava a atuação de auditores fiscais do trabalho à atividade de orientação. ADI 6362 STF decidiu que todas as requisições administrativas de bens e serviços realizadas por estados, municípios e Distrito Federal para o combate ao coronavírus não dependem de prévia análise nem de autorização do Ministério da Saúde, mas devem se fundamentar em evidências científicas e serem devidamente motivadas. Por unanimidade dos votos, a Corte julgou improcedente pedido da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) contra a validade de dispositivos da Lei n. 13.979/2020 que permitem aos gestores locais de saúde adotarem a requisição sem o controle da União. ADI 6421, 6422, 6424, 6425, 6427, 6428, 6431, 6538 O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os atos de agentes públicos em relação à pandemia da Covid-19 devem observar critérios técnicos e científicos de entidades médicas e sanitárias. Por maioria de votos, os ministros concederam parcialmente medida cautelar em sete Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) para conferir essa interpretação à Medida Provisória (MP) 966/2020, que trata sobre a responsabilização dos agentes públicos durante a crise de saúde pública. De acordo com a decisão, os agentes públicos deverão observar o princípio da autocontenção no caso de dúvida sobre a eficácia ou o benefício das medidas a serem implementadas. As opiniões técnicas em que as decisões se basearem, por sua vez, deverão tratar expressamente dos mesmos parâmetros (critérios científicos e precaução), sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos. ADI 6441, 6443, 6486, 6491, 6493, 6497 O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional leis estaduais que autorizavam o Poder Executivo a vedar a suspensão ou o cancelamento de planos de saúde por falta de pagamento durante a situação de emergência da Covid-19. ADI 6586, 6587, 6589 STF decidiu que (I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas, (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (II) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos estados, Distrito Federal e municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência” ADI 6625 STF referendou a medida cautelar deferida para estender a vigência de dispositivos da Lei nº 13.979/2020 que estabelecem medidas sanitárias de combate à pandemia da Covid-19. ADI 6661 STF julgou prejudicada a ação, por perda superveniente de objeto, em que o governador da Bahia, Rui Costa, questionava a restrição para a importação e a distribuição de vacinas contra a Covid-19 não registradas na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). ADPF 669 STF decidiu vedar a campanha publicitária do governo federal com o slogan "O Brasil não pode parar" que incentivava as pessoas a não cumprirem as medidas de distanciamento social recomendadas para o combate à pandemia da COVID ADPF 671 STF negou seguimento à ADPF que pretendia a regulação de leitos de UTI por meio de requisição administrativa ADPF 672 STF referendou decisão monocrática que assegurou aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios liberdade para adotar medidas de combate à pandemia da Covid-19, no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus territórios. ADPF 676 STF negou seguimento à ação em que o Partido dos Trabalhadores pedia que a Corte reconhecesse como inconstitucional a postura do governo federal em relação à situação sanitária decorrente da Covid-19. ADPF 690, 691, 692 STF determinou que o Ministério da Saúde e o governo do Distrito Federal não mudem a forma de divulgar os dados epidemiológicos relativos à pandemia da Covid-19. ADPF 709 STF determinou que o governo federal adote uma série de medidas para conter o contágio e a mortalidade por Covid-19 entre a população indígena. Entre essas medidas estão: planejamento com a participação das comunidades, ações para contenção de invasores em reservas e criação de barreiras sanitárias no caso de indígenas em isolamento (aqueles que por escolha própria decidiram não ter contato com a sociedade) ou contato recente (aqueles que têm baixa compreensão do idioma e costumes), acesso de todos os indígenas ao Subsistema Indígena de Saúde e elaboração de plano para enfrentamento e monitoramento da Covid-19. ADPF 713 STF declarou a inconstitucionalidade das interpretações judiciais que determinam às instituições a concessão de descontos lineares nas contraprestações dos contratos educacionais, sem considerar as peculiaridades dos efeitos da crise pandêmica em ambas as partes contratuais envolvidas na lide. ADPF 714 STF decidiu validar o uso obrigatório de máscaras e contestar o veto do Presidente da República, Jair Bolsonaro, a dispositivo da Lei nº 14.019/2020, a fim de afastar a obrigatoriedade do uso de máscara de proteção individual em estabelecimentos comerciais, industriais e de ensino, templos religiosos e demais locais fechados em que haja reunião de pessoas. Em aditamento à ADPF, o partido (PDT) questionou novo ato do presidente que ampliou o veto ao dispositivo que trata de estabelecimentos prisionais e de cumprimento de medidas socioeducativas. ADPF 742 STF reconheceu a vulnerabilidade que se encontram os quilombolas nesse contexto de pandemia e as omissões do Estado brasileiro, determinado assim, que o Estado brasileiro, criasse e implementasse um Plano Nacional de Combate aos Efeitos da Pandemia nos quilombos do país ADPF 754 STF referendou a liminar proferida por Lewandowski, em que concedeu o prazo de cinco dias à União para que apresente ordens de preferência na vacinação contra a Covid-19. ADPF 756 Medida cautelar referendada pelo Plenário do STF para suspender o despacho de 29/12/2021 do Ministério da Educação, que aprovou o Parecer 01169/2021/CONJUR-MEC/CGU/AGU, proibindo a exigência de vacinação contra a Covid-19 como condicionante ao retorno das atividades acadêmicas presenciais. ADPF 770 STF decidiu autorizar estados e municípios a realizar a aquisição direta de vacinas para atender suas populações, caso permaneça a indefinição do Ministério da Saúde em relação à aquisição e à distribuição rápida de vacinas que possibilitem a imunização em massa da população brasileira. ADPF 811 STF decidiu que a liberdade de professar religião em cultos não é um direito absoluto e pode ser temporariamente restringida para assegurar as garantias à vida e à saúde. ADPF 812 STF declarou a perda de objeto de ação proposta pelo Conselho Federal da OAB contra omissões do governo federal na compra de vacinas contra a Covid-19, que vêm atrasando a execução do plano nacional de imunização. ADPF 813 STF negou seguimento à ação em que o Partido Democrático Trabalhista (PDT) pedia que a Corte determinasse ao governo federal a promoção de medidas para garantir o abastecimento de insumos necessários ao combate à Covid-19 em todo o país. ADPF 874 STF decidiu garantir a reabertura da inscrição no Exame Nacional de Ensino Médio para quem pedir a isenção de taxa. Portanto, está suspensa a exigência de justificativa da falta para os candidatos ao exame de 2021, como tinha determinado o Ministério da Educação. ADPF 913 STF concedeu parcialmente liminar que determinou que o comprovante de vacina para viajante que chega do exterior no Brasil só pode ser dispensado por motivos médicos, caso o viajante venha de país em que comprovadamente não haja vacina disponível ou por razão humanitária excepcional. ADPF 929 Julgada a perda de objeto da ADPF interposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM) questiona ato da Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 (Secovid/MS), ligada ao Ministério da Saúde, que determinou a realização de consulta pública, entre 23/12/2021 e 02/01/2022, sobre a vacinação de crianças de cinco a 11 anos de idade. ADPF 946 Concedida a medida cautelar para suspender os efeitos da Lei no 13.691/2022, do Município de Uberlândia em ação proposta pelo partido Rede Sustentabilidade que pede a invalidação de lei que proíbe sanções a cidadãos não vacinados. , estão elencadas as ações de controle de constitucionalidade objeto de análise desta pesquisa e indicadas as decisões tomadas pela Corte até o presente momento. Na base de dados de Oliveira e Madeira (2021)Oliveira, V. E.; Madeira, L. M. “Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 35, p. 1-44, 2021. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/zVR7JRsKnppq8TBw9VLMPXx/?format=html&la >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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sobre a judicialização da pandemia no STF estão presentes maiores informações sobre cada uma dessas ADIs e ADPFs. A partir das temáticas agrupadas com o auxílio do software NVivo e da literatura mobilizada, foram construídas as categorias analíticas de modo a produzir uma pesquisa de caráter exploratório com vistas a explicar a forma como o STF mobilizou conhecimentos científicos nos casos de judicialização das ações de combate à pandemia.

O uso da ciência recomendado pelo STF ao Poder Executivo federal: análise de conteúdo das decisões

Identificou-se que, em um amplo conjunto de decisões, os ministros do STF exigiram que o Poder Executivo federal orientasse sua ação a partir de critérios científicos. Na ADI 6421, o Ministro Barroso foi categórico ao exigir que o Poder Executivo observasse os standards e evidências técnico-científicas nas suas ações, sob pena de ser indiciado por erro grosseiro e culpa grave. Nesse sentido, pode-se afirmar que o STF confere ao conhecimento científico e, principalmente, às agências técnicas (entendidas aqui como instituições de tradução), a autoridade necessária para a produção de protocolos de ação para os gestores. Em relação à mesma decisão, o Ministro Fachin e o Ministro Gilmar Mendes argumentaram:

Quando em causa decisões que envolvem a saúde pública, os fundamentos devem ser verificáveis e o gestor deve enumerar as razões consideradas. Haverá erro grosseiro e culpa grave uma vez que o gestor público desconsidere o consenso mínimo da comunidade científica e deixe de fundamentar, com total transparência, as decisões tomadas na formulação de políticas públicas (Ministro Edson Fachin)7 7 Trata-se de uma manifestação do Ministro Edson Fachin em seu voto na ADI 6421, publicação em 21/05/2020. Brasil, 2020. [...]

Caso um agente público conscientemente adote posição contrária às recomendações técnicas da OMS, entendo que isso poderia configurar verdadeira hipótese de imperícia do gestor, apta a configurar o erro grosseiro, nos termos do próprio o art. 2º da MP. Já manifestei – e manifesto novamente – que a Constituição Federal não autoriza ao presidente da República ou a qualquer outro gestor público a implementação de uma política genocida na gestão da saúde (Ministro Gilmar Mendes8 8 Trata-se de uma manifestação do Ministro Gilmar Mendes em seu voto na ADI 6421, publicação em 21/05/2020. Brasil, 2020. ).

Interessante observar que a ideia do consenso científico apareceu no voto dos magistrados do STF, nesse caso, do Ministro Fachin. No caso do voto do Ministro Gilmar Mendes, a figura da instituição de tradução, no caso, a OMS, foi apresentada como a responsável por dizer qual seria o “consenso mínimo” existente em determinado campo. Verifica-se, no voto de Gilmar Mendes, uma crítica direta à pessoa do Presidente da República, ancorada no princípio da não observação dos critérios da OMS.

A partir das análises dos documentos, verificou-se que as instituições de tradução cumpriram o papel de decodificar os conhecimentos técnicos, tornando-os mais acessíveis para os magistrados. Identificamos que as instituições de tradução comumente referidas pelos ministros do STF foram: Organização Mundial da Saúde, Fiocruz, Anvisa, Instituto Butantã, ABRASCO, universidades como USP, UnB, Harvard University, Imperial College, entre outras. Em menor medida, os ministros do STF citaram artigos científicos publicados em revistas acadêmicas. Também é importante apontar que, não raro, os ministros se valeram de informações científicas publicadas em jornais brasileiros tais como Folha de S.Paulo, Estadão e Correio Braziliense.

A presença dessas instituições foi ainda maior quando estavam em jogo ações em prol de grupos vulneráveis, tais como na ADPF 709 (indígenas) e na ADPF 742 (quilombolas). Conforme exposto, quando o STF exigia que a União fizesse um planejamento para conter a pandemia nos territórios indígenas e quilombolas, ele previa a presença de representantes oriundos das instituições de tradução e de reconhecida relevância científica, tal como ABRASCO e Fiocruz na composição do referido planejamento.

Ao analisar o voto do Ministro Alexandre de Moraes na ADPF 672, identifica-se que havia uma confiança da Corte no que as referidas instituições de tradução prescreviam. Nesse sentido, observa-se também que os postulados formulados pelas instituições serviram de base para que o ministro tomasse a decisão de conferir mais poder aos entes subnacionais vis a vis os interesses da União.

Dessa maneira, não compete ao Poder Executivo federal afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotaram ou venham a adotar, no âmbito de seus respectivos territórios, importantes medidas restritivas como a imposição de distanciamento ou isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outros mecanismos reconhecidamente eficazes para a redução do número de infectados e de óbitos, como demonstram a recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde) e vários estudos técnico científicos, como por exemplo, os estudos realizados pelo Imperial College of London, a partir de modelos matemáticos (The Global Impact of COVID- 19 and Strategies for Mitigation and Suppression, vários autores; Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID-19 mortality and healthcare demand, vários autores) (Ministro Alexandre de Moraes9 9 Trata-se de uma manifestação do Ministro Alexandre de Moraes em seu voto na ADPF 672, publicação em 08/04/2020. Brasil, 2020. ).

Uma das controvérsias mais ilustrativas da forma como o conhecimento científico foi mobilizado pelos ministros para fundamentar entendimentos quanto às ações e omissões do Poder Executivo federal refere-se ao uso da hidroxicloroquina e da vacinação como tratamento e/ou medida de prevenção à infecção pelo Covid-19. Na ADI 6421, de 21 de maio de 2020, a temática dos medicamentos recomendados pelo presidente Bolsonaro para o tratamento da infecção causada pelo Covid-19 foi discutida pelos ministros. Nessa decisão questionava-se a limitação da responsabilidade civil e administrativa dos agentes públicos às hipóteses de “erro grosseiro” e de dolo. O Ministro Ricardo Lewandowski apontou, no julgamento da referida ADI, que não cabia ao STF tomar partido da disputa acerca do uso de medicamentos como a hidroxicloroquina. O ministro afirmou que, “pelo que vinha lendo na imprensa”, acreditava que um medicamento não devesse ser prescrito antes de realizadas pesquisas clínicas comprobatórias da eficácia e segurança. Nesse sentido, identifica-se que a imprensa funcionou, nesse caso, como uma instituição de tradução, ou seja, transportou os conhecimentos técnico-científicos para o público não especialista na área. Por fim, Lewandowski afirmou que o Poder Executivo devia considerar os standards e evidências técnico-científicas, tal como estabelecidos por organizações e entidades reconhecidas nacional e internacionalmente, e também observar os princípios jurídicos de precaução e prevenção. Segundo o magistrado, a desconsideração de tais critérios constituía indício de erro grosseiro e de culpa grave. Assim, verifica-se que havia um entendimento da validade dos conhecimentos oriundos de “entidades reconhecidas nacional e internacionalmente”.

Ao longo da pandemia, ficou evidente o uso político de certos medicamentos, como a hidroxicloroquina (Casarões; Magalhães, 2021Casarões, G; Magalhães, D. “A aliança da hidroxicloroquina: como líderes de extrema direita e pregadores da ciência alternativa se reuniram para promover uma droga milagrosa”. Revista de Administração Pública, vol. 55, nº 1, p. 197-214, 2021. Disponível em: <https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/83154 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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), por políticos vinculados ao espectro político da extrema-direita. Também na ADI 6421, o Ministro Barroso discutiu o tema quando tratou do impacto real do uso de determinada substância ou produto na vida das pessoas. Nesse caso, a falta de consenso sobre o uso de determinadas substâncias se aliava ao princípio jurídico da precaução. Constata-se, portanto, que são vários os elementos que informam a decisão de um magistrado e que o conhecimento científico, nesse caso, foi combinado com um princípio do direito para a tomada de decisão.

O isolamento social é a recomendação pacífica das autoridades sanitárias de todo o mundo. [...] A Lei nº 13.979/2020, que dispôs sobre as medidas para o enfrentamento da pandemia de COVID-19, norma já aprovada pelo Congresso Nacional, determinou que as medidas de combate à pandemia devem ser determinadas “com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde”. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece, ainda, que em matéria de proteção à vida, à saúde e ao meio ambiente, as decisões adotadas pelo Poder Público sujeitam-se aos princípios constitucionais da prevenção e da precaução. Havendo qualquer dúvida científica acerca da adoção da medida sanitária de distanciamento social – o que, vale reiterar, não parece estar presente – a questão deve ser solucionada em favor da saúde da população. Em português mais simples, significa que, se há alguma dúvida, não pode fazer. Se há alguma dúvida sobre o impacto real que uma determinada substância, um determinado produto, ou uma determinada atuação vai provocar na saúde e na vida das pessoas, o princípio da precaução e o princípio da prevenção recomendam a autocontenção (Ministro Luís Roberto Barroso10 10 Trata-se de uma manifestação do Ministro Luís Roberto Barroso em seu voto na ADI 6421, publicação em 21/05/2020. Brasil, 2020. ).

No que tange aos temas da omissão do Executivo federal e da autonomia dos entes subnacionais, verifica-se que na ADI 6343, que versava sobre as competências dos entes federados em decretar medidas de controle da pandemia, o Ministro Alexandre de Moraes afirmou que:

A União continua com a possibilidade de atuar na questão do transporte e das rodovias intermunicipais, desde que haja interesse geral, mas não exclui isso dos Estados. A União, sim, deve, nos termos da Medida Provisória, observar as normas da ANVISA e de seus próprios Ministérios, mas isso não exclui a possibilidade de os Estados e Municípios efetivarem as normas previstas na Medida Provisória, observando as orientações dos órgãos técnicos correspondentes. (Ministro Alexandre de Moraes11 11 Trata-se de uma manifestação do Ministro Alexandre de Moraes em seu voto na ADI 6343, publicação em 06/05/2020. Brasil, 2020. ).

Observa-se, nesse caso, que a questão federativa é presente na decisão. Contudo, há um sentido crítico na decisão quando o ministro afirmava que a União deveria observar as normas apontadas pela Anvisa e que estados e municípios poderiam, em tese, contrariar os interesses da União desde que o fizessem seguindo as orientações técnicas.

Ao pautar diretamente o tema do coronavírus em matéria de saúde, intercedendo em temas relativos ao controle sanitário e outras políticas, tem-se novamente a defesa de um respaldo científico para a tomada de decisão por parte dos ministros. Na ADI 6341, o Ministro Fux apontou que os gestores precisavam ouvir o que as instituições tinham a dizer no que tangia à definição de atividades essenciais que deveriam seguir em funcionamento durante a pandemia.

No entanto, é importante realçar que nem toda a medida mais protetiva à saúde pública será legítima constitucionalmente. Em qualquer caso, deve-se avaliar sua proporcionalidade, para que não se adote um remédio ineficaz, mais amargo do que o necessário ou inferior às alternativas. O respaldo científico exsurge, nessa toada, como importante parâmetro, a exemplo do protocolo internacional instituído pela Organização Mundial de Saúde ou por outros organismos científicos de grande envergadura técnica. [...] São as evidências científicas que representam importantes balizas a nortear a postura técnica e diferenciá-la de capturas políticas, sobretudo no que se pode considerar proteção insuficiente. (Ministro Luiz Fux12 12 Trata-se de uma manifestação do Ministro Luiz Fux em seu voto na ADI 6341, publicação em 15/04/2020. Brasil, 2020. ).

Na ADI 6586, publicada em 17 de dezembro de 2020, em que se discutia se a vacinação seria compulsória aos cidadãos e o estabelecimento de um planejamento nacional de imunização, identifica-se que os ministros já cogitavam eventual omissão do governo federal no que concerne à distribuição eficiente dos imunizantes no território nacional. Essa desconfiança em relação ao Executivo fez com que o Ministro Alexandre de Moraes decidisse em relação à possibilidade dos entes subnacionais começarem a imunizar seus cidadãos, caso houvesse demora excessiva por parte do governo federal.

Quero crer que isso não ocorra, mas e se eventualmente o Governo Federal não colocar a vacinação no Plano Nacional de Imunizações? Ora, nós estaremos numa decisão contraditória. Ao mesmo tempo que nas ADIs do eminente Ministro Ricardo Lewandowski estamos confirmando o que já julgamos em várias ADIs e várias ADPFs, que a competência material para a saúde pública, para o combate à epidemia, inclusive com medidas profiláticas, entre elas vacinação, é uma competência comum, em que pese o ente central ter a coordenação, se nós exigirmos que, para que haja obrigatoriedade, essa compulsoriedade da vacina só ocorra se o ente central colocá-la no seu Plano Nacional, pergunto eu: e eventual omissão? [...] Então, volto a insistir aqui, quero crer que essa vacinação entre no Plano Nacional de Imunizações e seja organizada pelo ente central. Agora, isso não pode impedir entes regionais que, eventualmente, já tenham a possibilidade de começar a imunizar os brasileiros que lá vivem. Como disse no início, e aqui vale para todos os lados, para os entes municipais, estaduais ou para o ente federal, assim como nós não podemos aceitar nesta discussão, que já consumiu quase 200 mil vidas, hipocrisia, demagogia e obscurantismo, também não podemos aceitar, de qualquer lado que seja, discussões político-eleitoreiras (Ministro Alexandre de Moraes13 13 Trata-se de uma manifestação do Ministro Alexandre de Moraes em seu voto na ADI 6586, publicação em 17/12/2020. Brasil, 2020. , grifos nossos).

O Ministro Lewandowski acompanhou o entendimento do colega, afirmando que estados e municípios poderiam suprimir eventual omissão da União no que concerne a aquisição e distribuição de imunizantes. Na mesma decisão, o Ministro Edson Fachin foi mais enfático ao caracterizar o governo federal como omisso e como um ator que atrapalhou a condução das ações de combate à pandemia.

É fácil ver que a solução dada pela identificação da primazia do interesse da regulação em determinado tema acaba por, não raro, premiar a inação do ente que o Tribunal entende ser competente. A vacinação contra o coronavírus evidencia esse problema. Não fosse a iniciativa de governos estaduais e a ordem do e. Min. Ricardo Lewandowski não teríamos, até agora, um plano nacional de vacinação. Não teríamos muito provavelmente sequer as ações que estamos a julgar. Como destacou o i. Advogado na inicial da ação direta, o pior erro na formulação das políticas públicas é a omissão, sobretudo para as ações essenciais exigidas pelo art. 23 da Constituição Federal. É grave que, sob o manto da competência exclusiva ou privativa, premiem-se as inações do governo federal, impedindo que Estados e Municípios, no âmbito de suas respectivas competências, implementem as políticas públicas essenciais. O Estado garantidor dos direitos fundamentais não é apenas a União, mas também os Estados e os Municípios (Ministro Ricardo Lewandowski14 14 Trata-se de uma manifestação do Ministro Ricardo Lewandowski em seu voto na ADI 6586, publicação em 17/12/2020. Brasil, 2020. ).

O uso do conhecimento científico pelo STF em decisões envolvendo a legalidade dos atos da administração pública

O debate em torno da abertura de templos religiosos (ADPF 811) é muito ilustrativo da forma como o conhecimento científico é mobilizado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, configurando-se como um importante operador argumentativo tanto da proibição quanto da permissão. Vale observar a forma como os ministros Gilmar Mendes e Nunes Marques atuaram no caso em que ambos se referiram a artigos científicos para embasar seus respectivos votos. Contudo, no decorrer da análise, verifica-se que as decisões pró e contra a abertura dos templos já haviam sido proferidas e os artigos científicos foram usados apenas para reiterar decisões outrora tomadas.

A ADPF 811 foi votada na primeira semana de abril de 2021, quando a mortalidade em decorrência do coronavírus atingia mais de 4 mil pessoas por dia no Brasil. O Ministro Gilmar Mendes, opositor à abertura de templos religiosos, argumentou:

No artigo publicado na Emerging Infectious Diseases, foi relatado um surto entre frequentadores de um templo religioso, após integrantes infectados contaminados de um coral cantar em diversos cultos. De acordo com o estudo, foram detectados 12 participantes infectados. Além disso, as gravações de vídeo mostraram que os integrantes do coral estavam sentados na mesma seção, a aproximadamente 15 metros dos espectadores, sem contato físico próximo, sugerindo transmissão aerotransportada (Katelaris AL, Wells J, Clark P, Norton S, Rockett R, Arnott A, et al. Epidemiologic evidence for airborne transmission of SARS-CoV-2 during church singing, Australia, 2020. Emerg Infect Dis. 2021 (Ministro Gilmar Mendes15 15 Trata-se de uma manifestação do Ministro Gilmar Mendes em seu voto na ADPF 811, publicação em 08/04/2021. Brasil, 2021. , grifos nossos).

Além dessa referência específica, o Ministro Gilmar Mendes trouxe ao longo de sua decisão um leque de estudos similares, realizados em diversos países do mundo, referendando a tese de que o vírus encontrava circulação facilitada em ambientes fechados, como locais de culto.

Por outro lado, fazendo uso também de referências científicas, o voto de Nunes Marques contrariava o entendimento anterior e sustentava, com base em um artigo científico, a possibilidade de abertura das igrejas:

Não estou negando a ciência. Apenas estou ponderando que a aplicação que damos a ela é algo que perpassa aspectos diferentes da própria ciência. Ademais, não são incontroversos, mesmo no campo da ciência, certos aspectos da restrição do contato interpessoal. Por exemplo, trago estudo recente apresentado pelos Doutores Guilherme Lichand, Carlos Alberto Dória, João Cossi e Onício Leal Neto, no sentido de que a reabertura de escolas durante a pandemia não aumentou a incidência e a mortalidade por Covid-19 no Brasil. O estudo é científico e também se acha disponível no sítio https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=38121, eletrônico acesso em 06.04.2021. [...] Não se trata de desprezar os conselhos científicos, mas se trata de dar à Constituição o seu valor normativo fundamental. Fica a indagação: seriam, então, os EUA, sua Suprema Corte, além de Alemanha, Inglaterra, França, Itália, Bélgica, Japão, País de Gales, Bulgária, Suécia, entre outros, todos “negacionistas”? (Ministro Nunes Marques16 16 Trata-se de uma manifestação do Ministro Munes Marques em seu voto na ADPF 811, publicação em 08/04/2021. Brasil, 2021. ).

Importante destacar que o Ministro Nunes Marques cita um artigo realizado por um grupo de pesquisadores e o qualifica como científico. Contudo, conforme verificado, o estudo foi indexado no sistema SSRN (Social Science Research Network) que publica artigos em estágio prévio à avaliação por pares às cegas, popularmente conhecido como preprint. Além disso, no momento de escrita deste artigo (julho de 2022), o endereço virtual citado pelo ministro já não leva ao estudo referenciado. Nesse caso, identifica-se que o conhecimento científico é usado mais como um operador argumentativo para legitimar decisões outrora formuladas e menos como um orientador da decisão, o que converge com os achados de Cury (2020)Cury, T. G. “Um “giro empírico-pragmático” na argumentação judicial? Os usos do discurso científico na fundamentação das decisões do Supremo Tribunal Federal”. Dissertação de Mestrado em Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020. Disponível em: <https://lume.ufrgs.br/handle/10183/229560 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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.

A partir da análise das decisões relativas à pandemia e ao uso dos conhecimentos técnicos e científicos pelos ministros do STF, identificou-se que, embora a Corte faça uso de tais conhecimentos, ela muitas vezes o faz por meio de sua própria jurisprudência em relação ao tema. Na ADPF 811, o Ministro Gilmar Mendes faz referência a uma decisão da Ministra Rosa Weber, na ADI 4.066, de 2017, que versava sobre o uso de substâncias químicas na indústria:

Residem fora da alçada do Supremo Tribunal Federal os juízos de natureza técnico-científica sobre questões de fato, acessíveis pela investigação técnica e científica, como a nocividade ou o nível de nocividade da exposição ao amianto crisotila e a viabilidade da sua exploração econômica segura. A tarefa da Corte – de caráter normativo – há de se fazer inescapavelmente embasada nas conclusões da comunidade científica – de natureza descritiva. Questão jurídica a decidir: se, em face do que afirma o consenso médico e científico atual, a exploração do amianto crisotila, na forma como autorizada pela Lei nº 9.055/1995, é compatível com a escolha política, efetuada pelo Poder Constituinte, de assegurar, a todos os brasileiros, os direitos à saúde e à fruição de um meio ambiente ecologicamente equilibrado (Ministro Gilmar Mendes17 17 Trata-se de uma manifestação do Ministro Gilmar Mendes em seu voto na ADPF 811, publicação em 08/04/2021. Brasil, 2020. ).

Verifica-se um entendimento de que o conhecimento científico deve informar o voto dos magistrados em matérias de caráter técnico, tal como o uso de determinados produtos químicos pela indústria, por exemplo. Interessante observar que há uma alusão ao conceito de comunidade científica, no sentido atribuído por Kuhn (1978)Kuhn, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1978.. Nesse caso, o ministro pressupõe uma ciência que possua um paradigma científico claro e em um ambiente de ciência normal, para usar os termos de Kuhn. No caso da pandemia de Covid-19, os conhecimentos estavam sendo produzidos concomitantemente ao avanço da crise sanitária e atualizados constantemente. Nesse sentido, a não existência de um paradigma referendado por uma comunidade científica implica desafios ainda maiores quando se trata de informar a tomada de decisão não apenas do Poder Executivo ou Legislativo, mas também do Judiciário. A circulação de conhecimentos de distintas qualidades – como os publicados em periódicos revisados por pares às cegas e os publicados em outros meios – acrescenta mais uma camada de complexidade ao tema. Extrapolando para situações de judicialização em outras áreas de políticas públicas, como por exemplo, em matéria econômica, o próprio uso de conhecimento científico pode ser alvo de profundas controvérsias, dado que as ciências econômicas são multiparadigmáticas, apresentam um leque de abordagens igualmente validadas por suas comunidades científicas, baseadas em concepções liberais, keynesianas etc.

De modo a correlacionar as principais temáticas (elencadas na Figura 1) com o uso das evidências científicas por parte dos ministros da Suprema Corte brasileira, é possível identificar a importância da presença dessas evidências dando força às decisões sobre medidas sanitárias sentenciadas pelo STF, assim como a presença delas nos temas vinculados às diferentes fases das políticas de saúde. No entanto, sua importância reside em seu uso na construção argumentativa que validou a mudança de entendimento nos temas do federalismo e na proteção das populações vulneráveis. É nesses temas mais sensíveis que a busca por uma validação externa, indo além das fontes mais tradicionais ao direito, revelou-se de enorme valia, garantindo a legitimidade das decisões do Pretório.

Conclusão

Houve, no Brasil, uma tentativa de desmoralização das recomendações científicas de combate à pandemia (Neto et al., 2020; Peci; González; Dussauge-Laguna, 2022), por parte do Presidente da República e da administração pública federal, a fim de dar um sentido alternativo à crise. Na judicialização da pandemia pelo STF, os temas centrais relativos às medidas de contenção da doença e o debate quanto à omissão presidencial, que levou a mudanças de entendimento conjunturais no federalismo, permitindo-se maior concessão de autonomia a estados e municípios, foram permeados pela fundamentação amparada em critérios e argumentos científicos.

Com o entendimento da importância do conhecimento científico para a condução das políticas públicas, os ministros do STF assumiram a premissa que políticas de combate à pandemia orientadas pelo conhecimento técnico possuíam maiores chances de atingir efetividade. Nesse sentido, quando acionados, deliberaram que o Poder Executivo federal observasse e seguisse à risca as recomendações de instituições de tradução, como OMS, Anvisa, Fiocruz etc. Contudo, quando acionados para julgar a legalidade de atos da administração pública ou deliberar sobre conflitos, as decisões dos ministros nem sempre são orientadas por evidências científicas. Em alguns casos, as evidências são utilizadas como operadores argumentativos para embasar decisões tomadas previamente. Nesse sentido, os ministros tentam se valer do caráter legitimador do conhecimento científico para fundamentar suas decisões. Argumenta-se que essa dinâmica pode assumir contornos mais críticos nos casos em que há disputas pela construção do conhecimento científico, principalmente em campos nos quais a ciência é pluriparadigmática.

Confirmam-se, em relação à judicialização da pandemia no STF, os achados de Cury (2020)Cury, T. G. “Um “giro empírico-pragmático” na argumentação judicial? Os usos do discurso científico na fundamentação das decisões do Supremo Tribunal Federal”. Dissertação de Mestrado em Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020. Disponível em: <https://lume.ufrgs.br/handle/10183/229560 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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quanto a um uso enviesado da produção científica, mediado pelas instituições de tradução, pela publicização da mídia ou pela própria interpretação prévia feita da ciência pela jurisprudência do tribunal.

Valem, portanto, em relação à Covid, os achados mais gerais quanto a uma judicialização baseada em evidências na área da saúde: a aplicação de evidências científicas não é uma via sem volta, mas, sim, relativizada pela tomada de outros posicionamentos pela Corte (Zebulum, 2020Zebulum, J. C. “O julgamento do caso da fosfoetanolamina e a jurisprudência do supremo tribunal federal”. Revista de Direito Sanitário, vol. 17, nº 3, p. 212-223, 2020. Disponível em: < https://www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/127785 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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). Soma-se a isso um possível uso não convencional, em que produções científicas controversas, publicizadas muitas vezes sem o escrutínio dos pares, servirão à defesa das posturas mais flexíveis em relação às medidas sanitárias. A presença de um cenário de pouco consenso é o pano de fundo propício a esse tipo de fundamentação.

Apesar dessas reservas, é importante retomar a literatura quando ela alerta para o fato de que as evidências não subordinam a decisão dos gestores públicos ao conhecimento científico, logo por que seria assim com atores do Judiciário? Tal qual entre formuladores e burocratas, as evidências científicas, traduzidas por instituições técnicas e retraduzidas pelos canais de publicização, são parte de um conjunto de informações que fundamentam o comportamento judicial – nesse caso, em concorrência com as tradicionais fontes do direito e, prioritariamente, com as interpretações constitucionais.

Os resultados desta pesquisa demonstram o papel que tiveram as evidências científicas na tarefa, já bastante bem documentada, de constrangimento do Presidente da República por parte do Supremo Tribunal Federal. Utilizadas como operadores argumentativos, as evidências estiveram no centro das principais decisões de controle de constitucionalidade envolvendo a pandemia do coronavírus.

Do ponto de vista conceitual, acreditamos ser possível demarcar a emergência de uma judicialização de políticas públicas baseada em evidência, em que a atuação falha, omissa ou insatisfatória dos poderes (Couto; Oliveira, 2019Couto, C. G.; Oliveira, V. E. “Politização da Justiça: atores judiciais têm agendas próprias?” Cadernos Adenauer, São Paulo, vol. 20, p. 139-162, 2019.) é identificada e suportada por insumos de “boa qualidade” para a tomada de decisão que podem informar as políticas públicas (Head, 2010Head, B. W. “Reconsidering evidence-based policy: Key issues and challenges”. Policy and Society, vol. 29, nº 2, p. 77-94, 2010. Disponível em: < https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1016/j.polsoc.2010.03.001 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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). No Brasil, a resposta governamental à crise sanitária foi marcada por inúmeros conflitos entre o Poder Executivo federal e os entes subnacionais, órgãos de imprensa, comunidade científica, Congresso Nacional e, em especial, o Poder Judiciário. Conforme demonstramos, o STF conseguiu colocar alguns limites à política entendida como negacionista do ex-presidente no que se refere à pandemia e, de modo geral, as cortes brasileiras se envolveram na crise sanitária decorrente da Covid-19 em vários momentos.

Na judicialização da pandemia por parte do STF, os temas centrais relativos ao federalismo, aos debates sobre a contenção da doença junto a populações vulneráveis, às medidas efetivas e de controle do coronavírus, como a vacinação e o uso comprovadamente ineficaz da hidroxicloroquina, assim como as discussões sobre restrições a cultos e atividades religiosas, estiveram permeados pela fundamentação amparada em critérios e argumentos científicos, traduzidos e retraduzidos por instituições técnicas e pela mídia.

O uso do conhecimento científico feito pelos ministros do STF pode ser distinguido, portanto, em termos de um gradiente que vai do apelo a instituições científicas e de tradução ao uso genérico da ciência, indo até ao não uso da ciência. A mobilização dessas informações serve à tomada de decisão sobre as ações impetradas, mas está em disputa com outras fontes do direito. Também é importante notar que o conhecimento científico foi usado pelos ministros como um operador argumentativo de contraste à postura entendida como negacionista do Presidente da República. Nesse sentido, além de um uso prático de informar as decisões, o uso do conhecimento científico teve um valor simbólico de diferenciação.

Este artigo buscou vincular a discussão relativa ao campo das políticas públicas baseadas em evidências científicas aos estudos que versam sobre a judicialização das políticas públicas, mais precisamente, ao debate em torno dos conflitos entre o Poder Executivo federal e Judiciário durante a gestão da pandemia. E contribui com o campo da ciência política ao observar, em situações de conflito institucional, de que forma os atores políticos fundamentam seus argumentos para a tomada de decisão e como o conhecimento científico é acionado por eles. Novos estudos, principalmente em outras áreas de políticas públicas, poderão se ater à forma como o judiciário fundamenta suas decisões que impactam na condução das políticas públicas.

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  • Madeira, L. M.; Geliski, L. Estudos sobre Judiciário e Políticas Públicas e Sociais no Brasil. In: Arantes, R.; Arguelhes, D. STF: O estado da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2024 (no prelo).
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  • Oliveira, V. E. (Ed.). Judicialização de políticas públicas no Brasil Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2019.
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    » https://www.scielo.br/j/rap/a/9tTLBHPyj4ygN3pnwgQw4ng/
  • Wessel, L. “‘It’s a nightmare’. How Brazilian scientists became ensnared in chloroquine politics”. Science, vol. 22, 2020. Disponível em: < https://www.sciencemag.org/news/2020/06/it-s-nightmare-how-brazilian-scientists-became-ensnared-chloroquine-politics >. Acesso em: 01 jul. 2022.
    » https://www.sciencemag.org/news/2020/06/it-s-nightmare-how-brazilian-scientists-became-ensnared-chloroquine-politics
  • Zebulum, J. C. “O julgamento do caso da fosfoetanolamina e a jurisprudência do supremo tribunal federal”. Revista de Direito Sanitário, vol. 17, nº 3, p. 212-223, 2020. Disponível em: < https://www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/127785 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
    » https://www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/127785
  • 4
    Para replicação dos dados, ver: Oliveira, Vanessa Elias de; Madeira, Lígia Mori. “Replication Data for: Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19: um novo padrão decisório do STF?”. Harvard Dataverse, V1, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.7910/DVN/X4WBSF >. Acesso em: 01 jul. 2022.
  • 5
    É possível que a seleção tenha deixado de incorporar algumas ações, dada a dinamicidade do objeto, cujas publicações de decisões liminares ou definitivas continuam em andamento, implicando na necessidade de atualização constante do banco de dados.
  • 6
    O número de ações supera o de decisões em razão de uma mesma decisão valer muitas vezes para várias ações.
  • 7
    Trata-se de uma manifestação do Ministro Edson Fachin em seu voto na ADI 6421, publicação em 21/05/2020. Brasil, 2020Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6421. Origem: DF - Distrito Federal. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso. Julgamento em [21/05/2020]. Publicação em 21/05/2020. Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754359227 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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  • 8
    Trata-se de uma manifestação do Ministro Gilmar Mendes em seu voto na ADI 6421, publicação em 21/05/2020. Brasil, 2020Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6421. Origem: DF - Distrito Federal. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso. Julgamento em [21/05/2020]. Publicação em 21/05/2020. Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754359227 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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  • 9
    Trata-se de uma manifestação do Ministro Alexandre de Moraes em seu voto na ADPF 672, publicação em 08/04/2020. Brasil, 2020Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6421. Origem: DF - Distrito Federal. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso. Julgamento em [21/05/2020]. Publicação em 21/05/2020. Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754359227 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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  • 10
    Trata-se de uma manifestação do Ministro Luís Roberto Barroso em seu voto na ADI 6421, publicação em 21/05/2020. Brasil, 2020Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6421. Origem: DF - Distrito Federal. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso. Julgamento em [21/05/2020]. Publicação em 21/05/2020. Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754359227 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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  • 11
    Trata-se de uma manifestação do Ministro Alexandre de Moraes em seu voto na ADI 6343, publicação em 06/05/2020. Brasil, 2020Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6421. Origem: DF - Distrito Federal. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso. Julgamento em [21/05/2020]. Publicação em 21/05/2020. Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754359227 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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  • 12
    Trata-se de uma manifestação do Ministro Luiz Fux em seu voto na ADI 6341, publicação em 15/04/2020. Brasil, 2020Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6421. Origem: DF - Distrito Federal. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso. Julgamento em [21/05/2020]. Publicação em 21/05/2020. Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754359227 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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  • 13
    Trata-se de uma manifestação do Ministro Alexandre de Moraes em seu voto na ADI 6586, publicação em 17/12/2020. Brasil, 2020Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6421. Origem: DF - Distrito Federal. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso. Julgamento em [21/05/2020]. Publicação em 21/05/2020. Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754359227 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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  • 14
    Trata-se de uma manifestação do Ministro Ricardo Lewandowski em seu voto na ADI 6586, publicação em 17/12/2020. Brasil, 2020Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6421. Origem: DF - Distrito Federal. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso. Julgamento em [21/05/2020]. Publicação em 21/05/2020. Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754359227 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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  • 15
    Trata-se de uma manifestação do Ministro Gilmar Mendes em seu voto na ADPF 811, publicação em 08/04/2021. Brasil, 2021Brasil. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 811. Origem: DF - Distrito Federal. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Julgamento em [08/04/2021]. Publicação em 08/04/2021. Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=756267154 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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  • 16
    Trata-se de uma manifestação do Ministro Munes Marques em seu voto na ADPF 811, publicação em 08/04/2021. Brasil, 2021Brasil. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 811. Origem: DF - Distrito Federal. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Julgamento em [08/04/2021]. Publicação em 08/04/2021. Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=756267154 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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  • 17
    Trata-se de uma manifestação do Ministro Gilmar Mendes em seu voto na ADPF 811, publicação em 08/04/2021. Brasil, 2020Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6421. Origem: DF - Distrito Federal. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso. Julgamento em [21/05/2020]. Publicação em 21/05/2020. Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754359227 >. Acesso em: 01 jul. 2022.
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Anexo 1

Quadro 2 Decisões em ações de controle de constitucionalidade em matéria de saúde relativas à pandemia do Coronavírus

Ação Teor da decisão
ADI 6341 STF confirmou o entendimento de que as medidas adotadas pelo governo federal na Medida Provisória (MP) 926/2020 para o enfrentamento do novo coronavírus não afastam a competência concorrente nem a tomada de providências normativas e administrativas pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios.
ADI 6342 É inconstitucional dispositivo que afirma que os casos de contaminação por coronavírus não serão considerados doenças ocupacionais
ADI 6343 STF decidiu que estados e municípios, no âmbito de suas competências e em seu território, podem adotar, respectivamente, medidas de restrição à locomoção intermunicipal e local durante o estado de emergência decorrente da pandemia do novo coronavírus, sem a necessidade de autorização do Ministério da Saúde para a decretação de isolamento, quarentena e outras providências.
ADI 6347 STF determina que Ministério da Saúde faça a divulgação integral de dados sobre Covid-19
ADI 6349 STF suspendeu a eficácia de dois dispositivos da Medida Provisória (MP) 927/2020, que autoriza empregadores a adotarem medidas excepcionais em razão do estado de calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavírus. Por maioria, foram suspensos o artigo 29, que não considera doença ocupacional os casos de contaminação de trabalhadores pelo coronavírus, e o artigo 31, que limitava a atuação de auditores fiscais do trabalho à atividade de orientação.
ADI 6362 STF decidiu que todas as requisições administrativas de bens e serviços realizadas por estados, municípios e Distrito Federal para o combate ao coronavírus não dependem de prévia análise nem de autorização do Ministério da Saúde, mas devem se fundamentar em evidências científicas e serem devidamente motivadas. Por unanimidade dos votos, a Corte julgou improcedente pedido da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) contra a validade de dispositivos da Lei n. 13.979/2020 que permitem aos gestores locais de saúde adotarem a requisição sem o controle da União.
ADI 6421, 6422, 6424, 6425, 6427, 6428, 6431, 6538 O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os atos de agentes públicos em relação à pandemia da Covid-19 devem observar critérios técnicos e científicos de entidades médicas e sanitárias. Por maioria de votos, os ministros concederam parcialmente medida cautelar em sete Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) para conferir essa interpretação à Medida Provisória (MP) 966/2020, que trata sobre a responsabilização dos agentes públicos durante a crise de saúde pública. De acordo com a decisão, os agentes públicos deverão observar o princípio da autocontenção no caso de dúvida sobre a eficácia ou o benefício das medidas a serem implementadas. As opiniões técnicas em que as decisões se basearem, por sua vez, deverão tratar expressamente dos mesmos parâmetros (critérios científicos e precaução), sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos.
ADI 6441, 6443, 6486, 6491, 6493, 6497 O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional leis estaduais que autorizavam o Poder Executivo a vedar a suspensão ou o cancelamento de planos de saúde por falta de pagamento durante a situação de emergência da Covid-19.
ADI 6586, 6587, 6589 STF decidiu que (I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas, (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (II) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos estados, Distrito Federal e municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência”
ADI 6625 STF referendou a medida cautelar deferida para estender a vigência de dispositivos da Lei nº 13.979/2020 que estabelecem medidas sanitárias de combate à pandemia da Covid-19.
ADI 6661 STF julgou prejudicada a ação, por perda superveniente de objeto, em que o governador da Bahia, Rui Costa, questionava a restrição para a importação e a distribuição de vacinas contra a Covid-19 não registradas na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
ADPF 669 STF decidiu vedar a campanha publicitária do governo federal com o slogan "O Brasil não pode parar" que incentivava as pessoas a não cumprirem as medidas de distanciamento social recomendadas para o combate à pandemia da COVID
ADPF 671 STF negou seguimento à ADPF que pretendia a regulação de leitos de UTI por meio de requisição administrativa
ADPF 672 STF referendou decisão monocrática que assegurou aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios liberdade para adotar medidas de combate à pandemia da Covid-19, no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus territórios.
ADPF 676 STF negou seguimento à ação em que o Partido dos Trabalhadores pedia que a Corte reconhecesse como inconstitucional a postura do governo federal em relação à situação sanitária decorrente da Covid-19.
ADPF 690, 691, 692 STF determinou que o Ministério da Saúde e o governo do Distrito Federal não mudem a forma de divulgar os dados epidemiológicos relativos à pandemia da Covid-19.
ADPF 709 STF determinou que o governo federal adote uma série de medidas para conter o contágio e a mortalidade por Covid-19 entre a população indígena. Entre essas medidas estão: planejamento com a participação das comunidades, ações para contenção de invasores em reservas e criação de barreiras sanitárias no caso de indígenas em isolamento (aqueles que por escolha própria decidiram não ter contato com a sociedade) ou contato recente (aqueles que têm baixa compreensão do idioma e costumes), acesso de todos os indígenas ao Subsistema Indígena de Saúde e elaboração de plano para enfrentamento e monitoramento da Covid-19.
ADPF 713 STF declarou a inconstitucionalidade das interpretações judiciais que determinam às instituições a concessão de descontos lineares nas contraprestações dos contratos educacionais, sem considerar as peculiaridades dos efeitos da crise pandêmica em ambas as partes contratuais envolvidas na lide.
ADPF 714 STF decidiu validar o uso obrigatório de máscaras e contestar o veto do Presidente da República, Jair Bolsonaro, a dispositivo da Lei nº 14.019/2020, a fim de afastar a obrigatoriedade do uso de máscara de proteção individual em estabelecimentos comerciais, industriais e de ensino, templos religiosos e demais locais fechados em que haja reunião de pessoas. Em aditamento à ADPF, o partido (PDT) questionou novo ato do presidente que ampliou o veto ao dispositivo que trata de estabelecimentos prisionais e de cumprimento de medidas socioeducativas.
ADPF 742 STF reconheceu a vulnerabilidade que se encontram os quilombolas nesse contexto de pandemia e as omissões do Estado brasileiro, determinado assim, que o Estado brasileiro, criasse e implementasse um Plano Nacional de Combate aos Efeitos da Pandemia nos quilombos do país
ADPF 754 STF referendou a liminar proferida por Lewandowski, em que concedeu o prazo de cinco dias à União para que apresente ordens de preferência na vacinação contra a Covid-19.
ADPF 756 Medida cautelar referendada pelo Plenário do STF para suspender o despacho de 29/12/2021 do Ministério da Educação, que aprovou o Parecer 01169/2021/CONJUR-MEC/CGU/AGU, proibindo a exigência de vacinação contra a Covid-19 como condicionante ao retorno das atividades acadêmicas presenciais.
ADPF 770 STF decidiu autorizar estados e municípios a realizar a aquisição direta de vacinas para atender suas populações, caso permaneça a indefinição do Ministério da Saúde em relação à aquisição e à distribuição rápida de vacinas que possibilitem a imunização em massa da população brasileira.
ADPF 811 STF decidiu que a liberdade de professar religião em cultos não é um direito absoluto e pode ser temporariamente restringida para assegurar as garantias à vida e à saúde.
ADPF 812 STF declarou a perda de objeto de ação proposta pelo Conselho Federal da OAB contra omissões do governo federal na compra de vacinas contra a Covid-19, que vêm atrasando a execução do plano nacional de imunização.
ADPF 813 STF negou seguimento à ação em que o Partido Democrático Trabalhista (PDT) pedia que a Corte determinasse ao governo federal a promoção de medidas para garantir o abastecimento de insumos necessários ao combate à Covid-19 em todo o país.
ADPF 874 STF decidiu garantir a reabertura da inscrição no Exame Nacional de Ensino Médio para quem pedir a isenção de taxa. Portanto, está suspensa a exigência de justificativa da falta para os candidatos ao exame de 2021, como tinha determinado o Ministério da Educação.
ADPF 913 STF concedeu parcialmente liminar que determinou que o comprovante de vacina para viajante que chega do exterior no Brasil só pode ser dispensado por motivos médicos, caso o viajante venha de país em que comprovadamente não haja vacina disponível ou por razão humanitária excepcional.
ADPF 929 Julgada a perda de objeto da ADPF interposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM) questiona ato da Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 (Secovid/MS), ligada ao Ministério da Saúde, que determinou a realização de consulta pública, entre 23/12/2021 e 02/01/2022, sobre a vacinação de crianças de cinco a 11 anos de idade.
ADPF 946 Concedida a medida cautelar para suspender os efeitos da Lei no 13.691/2022, do Município de Uberlândia em ação proposta pelo partido Rede Sustentabilidade que pede a invalidação de lei que proíbe sanções a cidadãos não vacinados.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2022
  • Aceito
    12 Set 2023
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