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Etnografando stories: experimentações sociotécnicas nas mídias digitais

Ethnographing Instagram’s stories: sociotechnical experiments in digital media

Resumo

Inspirada em discussões dos science and technology studies e sobre etnografia em contextos online, busquei descrever como se dão algumas associações sociotécnicas nas mídias digitais. A partir da observação de publicações no perfil de um influenciador no Instagram, procurei criar um relato de campo que visibilizasse não só a ação dos sujeitos, mas também as diferentes mediações técnicas que atravessam essas práticas. Argumento que essas associações sociotécnicas, com suas agências humanas e maquínicas, constituem o trabalho de criadores de conteúdo. O relato trata-se, sobretudo, de uma experimentação, uma tentativa na construção de uma narrativa menos linear e antropocêntrica sobre o que acontece nas redes sociais. Sugiro que compreender essas relações sociotécnicas tensiona e pode renovar a prática etnográfica.

Palavras-chave:
influenciadores digitais; etnografia; science and technology studies; experimentações

Abstract

Inspired by discussions in science and technology studies and ethnography in online contexts, I sought to describe how some sociotechnical associations occur in digital media. Based on the observation of content on an influencer’s profile on Instagram, I tried to create a field report that made visible not only the actions of the subjects, but also the different technical mediations that permeate these practices. I argue that these sociotechnical associations, with their human and machine agencies, constitute the work of content creators. The report is, above all, an experiment, an attempt to construct a less linear and anthropocentric narrative about what happens on social networks. I suggest that understanding these sociotechnical relationships tensions and can renew ethnographic practice.

Keywords:
digital influencers; ethnography; science and technology studies; experimentations

Introdução

Como desenvolver pesquisa de campo nas redes sociais? Fazemos prints da tela ou escrevemos diários como nos campos presenciais? Até onde a escrita consegue representar o que acontece nas mídias digitais? Como representar textualmente elementos tão imagéticos como publicações com fotos, vídeos e memes?1 1 Memes de internet são imagens estáticas ou vídeos com conteúdo humorístico que circulam nas redes sociais, geralmente imitam, exagerando ou ironizando, situações cotidianas. A etnografia pode ser uma abordagem útil para descrever a infraestrutura das plataformas? Quais estratégias poderiam ser mobilizadas para que a escrita etnográfica conseguisse descrever, mesmo que parcialmente, a agência dessas mediações técnicas? A observação de publicações nas redes sociais caracteriza a perda da dimensão vivencial dos sujeitos?

Esses e tantos outros questionamentos me acompanharam nos primeiros meses de desenvolvimento da minha tese de doutorado. Nessa pesquisa, observo o trabalho de um criador de conteúdo no Instagram buscando fazer aparecem algumas das diferentes agências que o atravessam. Foi na tentativa de traçar um caminho teórico-metodológico que me permitisse, ainda que parcialmente, operacionalizar meu trabalho de campo que cheguei às reflexões e ao exercício etnográfico que apresento neste artigo. Não pretendo responder e muito menos esgotar essas questões, apenas explorar alguns caminhos possíveis. Meu objetivo é sugerir experimentações interpretativas e metodológicas que podem ser úteis na investigação dos modos como nos relacionamos com as mídias digitais e seus efeitos.

Com base na literatura, problematizo a centralidade da agência humana e o dualismo social-técnica presentes em produções sobre etnografia e internet. Aponto para a necessidade de levar em conta nas nossas narrativas antropológicas não só as perspectivas e as ações dos sujeitos, mas também a agência e a sistematicidade das mediações técnicas. Sugiro ainda que essas relações sociotécnicas tensionam e podem renovar a prática etnográfica. Em seguida, leituras nos campos dos science and technology studies, da “virada” ontológica e da antropologia da cibercultura me provocaram a buscar traçar análises menos lineares e antropocêntricas sobre o que acontece nas redes sociais. Inspirada nessas discussões, sugeri um olhar aos hibridismos, à distribuição de agência e às práticas-materiais para as etnografias no âmbito da antropologia digital. No texto, apresento minha tentativa, bastante limitada e inicial, de pôr essas recomendações em prática na pesquisa.

A partir desses pressupostos, fui a campo na tentativa de rastrear algumas associações sociotécnicas presentes nas publicações de um criador de conteúdo chamado Lucas. Procurei deslocar o influenciador do centro da narrativa e fazer um esforço para não segmentar as descrições em aspectos sociais e técnicos. Para tanto, apresento o contexto da pesquisa e trago um relato de campo de um dia de publicações do interlocutor. Argumento que essas relações sociotécnicas, com suas agências humanas e maquínicas, constituem o trabalho de criadores de conteúdo. Ao fim, discuto os resultados apontando limitações, possibilidades e a necessidade de novos empreendimentos etnográficos.

O relato trata-se, sobretudo, de uma experimentação, uma tentativa na construção de uma narrativa sociotécnica. Um esforço que, considerando seus desafios, não pode ser mais do que parcial e limitado. No fim, meu intuito é que comecemos a refletir sobre e testar formatos de pesquisas que visem agregar a agência dos objetos técnicos com as práticas e perspectivas particulares dos sujeitos, uma vez que esses comportamentos coemergem em associação.

A etnografia pode ser uma abordagem útil para investigar as plataformas digitais?

Enquanto abordagens que são sempre adaptativas, as etnografias para a internet - assim como qualquer empreendimento etnográfico - não seguem um modelo prescritivo preeexistente, mas são construídas através de motivações pragmáticas e teoricamente sensíveis, de modo a encontrar questões interessantes (Hine, 2020HINE, C. A internet 3E: uma internet incorporada, corporificada e cotidiana. Trad. Carolina Parreiras e Beatriz A. Lins. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 29, n. 2, e181370, 2020.). Nesta seção, parto de discussões sobre etnografia e internet apontado alguns avanços e contribuições dessas perspectivas. Por fim, abordo como as relações sociotécnicas contemporâneas tensionam e impõem desafios à prática etnográfica.

Em contraposição a pesquisas que tomavam a internet como um cenário à parte das interações face a face, Miller e Slater (2004)MILLER, D.; SLATER, D. Etnografia on e off-line: cibercafés em Trinidad. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 10, n. 21, p. 41-65, 2004. reconhecem o relacionamento complexo e nuançado entre os mundos online e offline. Para os autores advindos do campo da cultura material, há uma enorme diferença entre partir do pressuposto de que a internet produz relacionamentos “virtuais” e descobrir - durante a etnografia - que algumas pessoas tratam essas mídias como se fossem virtuais e as separam dos relacionamentos offline. Para pesquisar a internet, é preciso desagregá-la “[…] na profusão de processos, usos e ‘tecnologias’ sociais que ela pode compor em diferentes relações sociais” (Miller; Slater, 2004MILLER, D.; SLATER, D. Etnografia on e off-line: cibercafés em Trinidad. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 10, n. 21, p. 41-65, 2004., p. 46).

Os autores atualizam os estudos acerca das tecnologias digitais ao descontruírem a visão da internet como um objeto técnico reificado atuando em um dado contexto sociocultural que, por sua vez, era percebido isoladamente. Para eles, são os processos e as relações que produzem diferentes versões da internet. Ela é o que é feito dela e como ela é significada em cenários específicos por pessoas com interesses particulares. Ademais, tecnologia e contexto modificam um ao outro, o que torna impossível separar as relações online das offline. Ambos são múltiplos, situacionais e coproduzidos (Miller; Slater, 2004MILLER, D.; SLATER, D. Etnografia on e off-line: cibercafés em Trinidad. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 10, n. 21, p. 41-65, 2004.).

Na área da sociologia da ciência e da tecnologia, Hine (2020)HINE, C. A internet 3E: uma internet incorporada, corporificada e cotidiana. Trad. Carolina Parreiras e Beatriz A. Lins. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 29, n. 2, e181370, 2020. também levanta importantes discussões sobre como estudar a internet etnograficamente. De forma similar à Miller e Slater, a autora refuta a ideia de que haja uma distinção preexistente entre mundo real e virtual, online e offline, partindo do pressuposto de que a internet é, simultaneamente, um fenômeno contextual e criador de contexto. Conforme a autora, uma etnografia para - e não na - internet pode ter como objetivo seguir conexões, em vez de se concentrar em um lugar específico, e buscar “[…] entender a particularidade e a especificidade dos engajamentos com a Internet como um componente da vida cotidiana” (Hine, 2020HINE, C. A internet 3E: uma internet incorporada, corporificada e cotidiana. Trad. Carolina Parreiras e Beatriz A. Lins. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 29, n. 2, e181370, 2020., p. 12).

Em sua perspectiva, essa etnografia exploraria o que as pessoas fazem da internet em situações particulares e o que elas pensam sobre o que fazem. Apesar de ter cunhado a expressão “etnografia virtual”, Hine argumenta que não se trata de um novo método específico para a internet, mas de como as especificidades dos contextos online renovam a prática etnográfica (Máximo et al., 2012MÁXIMO, M. E. et al. A etnografia como método: vigilância semântica e metodológica nas pesquisas no ciberespaço. In: MALDONADO, A. E. et al. Epistemologia, investigação e formação científica em comunicação. Rio do Sul: Unidavi, 2012. p. 293-319.).

Em vez de compreender a internet como um (ciber)espaço dado e estável, com propriedades intrínsecas e distintas daquelas dos contextos “reais”, Hine, Miller e Slater apontam para os limites das separações entre real e virtual, online e offline, e de investigações que essencializam a internet e o digital. Seguindo o modus operandi das etnografias, eles propõem análises mais localizadas de como determinados grupos de pessoas experienciam e significam os dispositivos técnicos. Abordagens que reconhecem os aspectos particulares e situacionais das experiências com a internet avançam ao desmistificar suposições equivocadas de universalidade e uniformidade dessas experiências (Coleman, 2010COLEMAN, E. G. Ethnographic approaches to digital media. Annual Review of Anthropology, [s. l.], v. 39, p. 487-505, 2010.).

Entretanto, por mais que esses trabalhos reconheçam a agência dos objetos técnicos no cotidiano das pessoas e nas dinâmicas culturais, o humano ainda é o agente predominante nessas discussões. Ao pensarem em termos de “usos, apropriações e representações” das tecnologias pelos sujeitos, esses estudos mantêm a tendência observada por Rifiotis (2012RIFIOTIS, T. Desafios contemporâneos para a antropologia no ciberespaço: o lugar da técnica. Civitas: revista de ciências sociais, Porto Alegre, v. 12, n. 3, p. 566-578, 2012., 2016RIFIOTIS, T. Etnografia no ciberespaço como ‘repovoamento’ e explicação. In: SEGATA, J.; RIFIOTIS, T. (org.). Políticas etnográficas no campo da cibercultura. Brasília: ABA Publicações; Joinville: Letra d’água, 2016. p. 129-151.) no campo da “cibercultura” de separar o social da técnica. Desse modo, modulamos o nosso olhar sempre para um dos eixos - seja para a tecnologia como uma estrutura reificada ou para o particularismo da ação humana - em vez de tentar compreender as conexões entre ambos e seus efeitos sem predefinições de agência (Latour, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Edufba; Bauru: Edusc, 2012.).

Quando tratamos a internet como um contexto no qual as relações sociais acontecem e nos concentramos no que as pessoas fazem e nos sentidos que elas atribuem ao que fazem, perdemos de vista o que seria o outro lado da moeda: o que, por sua vez, a internet faz as pessoas fazerem. Obviamente, esse enquadre não é sem razão. Afinal, os objetos técnicos não conversam com a gente e criar estratégias para fazê-los “falarem” é um desafio. Além de ser difícil metodologicamente, moralmente talvez não gostemos da ideia de que nós, humanos, não somos tão independentes e donos das nossas ações como gostaríamos. Em síntese, a materialidade importa não só pelo que fazemos com ela, mas pelo que ela faz conosco, ou melhor, porque coemergimos com ela.

Em um artigo recente, Cesarino (2021)CESARINO, L. Antropologia digital não é etnografia: explicação cibernética e transdisciplinaridade. Civitas: revista de ciências sociais, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 304-315, 2021. questiona em que medida abordagens que privilegiam o conteúdo, o “usuário”2 2 Faço uso das aspas porque, por mais que seja um jargão da literatura, o que os estudos sobre plataformas de redes sociais mostram é que os “usuários” não podem ser, literalmente, “usuários” ou simples consumidores. Eles são “contribuintes” na medida em que suas ações geram os dados nos quais as plataformas se baseiam (e inovam) para fornecer seus serviços (Gawer, 2014). No mais, o termo remete à ideia de sujeitos que apenas “usam” as mediações técnicas, o que busquei problematizar ao longo de todo o artigo. e o particular em detrimento da mecânica, da plataforma e do sistema contribuem para limitar a antropologia digital à etnografia. Ela demonstra como a insistência na excepcionalidade etnográfica em estudos de mídias digitais pode levar à redundância teórica ao negligenciar os aspectos sistêmicos que operam no design das plataformas. A autora sustenta que, ainda que exista uma circularidade entre agência humana e maquínica, essas relações não são simétricas e a apreensão antropológica desse processo não precisa se limitar à perspectiva particular do usuário.

Contudo, essa proposta não retorna a um essencialismo técnico a cujos constrangimentos os sujeitos estão submetidos passivamente, ideia que foi duramente debatida pelas pesquisas de cunho etnográfico. Agenciada pela cibernética batesoniana, Cesarino (2021CESARINO, L. Antropologia digital não é etnografia: explicação cibernética e transdisciplinaridade. Civitas: revista de ciências sociais, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 304-315, 2021., p. 305) afirma que

o que o novo ambiente cibernético [das plataformas] faz não é e nem pode ser controlar diretamente os usuários, mas eles alteram profundamente, e de formas imprevisí veis, as mediações sociotécnicas por meio das quais as próprias pessoas e sociedades se fazem, propiciando novas “ressonâncias” entre forças sociais, políticas e epistêmicas.

A autora argumenta que, apesar da sistematicidade da arquitetura das plataformas, as agências sociotécnicas - que emergem dos loops recíprocos entre comportamento dos “usuários” e das affordances das plataformas3 3 Affordance é um conceito da psicologia da percepção que tem sido utilizado por desenvolvedores de software e por pesquisadores para compreender a relação usuário-plataforma. Gibson (1986) define o termo como oportunidades de ação que emergem na interação entre um organismo e o ambiente ao seu redor. Portanto, as affordances não estão nem no organismo, nem no ambiente, mas na relação de coemergência entre eles (Cesarino, 2022). - podem produzir efeitos imprevisíveis e até antiestruturais (Cesarino, 2021CESARINO, L. Antropologia digital não é etnografia: explicação cibernética e transdisciplinaridade. Civitas: revista de ciências sociais, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 304-315, 2021.). Logo, fenômenos em torno da internet e, mais recentemente, das plataformas digitais não podem existir de forma homogênea, estável ou independente, pois resultam do dinamismo das associações entre sujeitos e mediações técnicas. Aqui o viés da infraestrutura sistematiza, faz diferença, mas ainda está sujeito aos imponderáveis dessas relações.

A questão é: a etnografia pode ser uma abordagem útil para descrever essa infraestrutura? Até que ponto uma “descrição densa” (Geertz, 2008GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.) que não privilegie a perspectiva dos sujeitos é possível? Quais estratégias poderiam ser mobilizadas para que a escrita etnográfica conseguisse descrever, mesmo que parcialmente, a agência desses objetos técnicos? O desafio seria pensar em possibilidades metodológicas e analíticas que reconheçam os padrões sistêmicos das plataformas de redes sociais ao mesmo tempo que mostrem como as pessoas reagem localmente a eles. Sem se limitar a um eixo ou outro, descrevendo como essas associações sociotécnicas acontecem na prática.

Obviamente, este artigo não tem a pretensão de resolver essas questões. O intuito aqui é apontar para esses impasses e sugerir experimentações que podem ser úteis na investigação dos modos como nos relacionamos com as mídias digitais e seus efeitos. Meu interesse é provocar o debate sobre como a etnografia, enquanto uma abordagem adaptativa, pode se reinventar a partir desses objetos de estudo (Hine, 2020HINE, C. A internet 3E: uma internet incorporada, corporificada e cotidiana. Trad. Carolina Parreiras e Beatriz A. Lins. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 29, n. 2, e181370, 2020.). E, sobretudo, se é possível descrever a agência das mediações técnicas a partir de um viés que busque ser menos antropocêntrico, mas que também não se restrinja à coleta e à análise de prints4 4 Print screen é uma funcionalidade presente nos computadores e smartphones que permite realizar uma impressão ou “captura” da tela. retirados da internet. Já que, dessa forma, se perderia de vista o caráter interpretativo e a natureza pessoal que são constitutivos de toda experiência etnográfica (Máximo et al., 2012MÁXIMO, M. E. et al. A etnografia como método: vigilância semântica e metodológica nas pesquisas no ciberespaço. In: MALDONADO, A. E. et al. Epistemologia, investigação e formação científica em comunicação. Rio do Sul: Unidavi, 2012. p. 293-319.).

No fim, meu objetivo é que comecemos a refletir sobre e testar formatos de pesquisas que visem agregar uma análise da máquina, do sistema, do viés algorítmico das plataformas com as práticas e perspectivas particulares dos sujeitos, uma vez que esses comportamentos são coemergentes. Como disse Cesarino (2021)CESARINO, L. Antropologia digital não é etnografia: explicação cibernética e transdisciplinaridade. Civitas: revista de ciências sociais, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 304-315, 2021., ambos os esforços são antropológicos e sua relação não é de exclusão ou concor rência, mas de complementaridade. O problema é como realizar essa tarefa, novamente, sem se limitar ao excepcionalismo etnográfico (Cesarino, 2021CESARINO, L. Antropologia digital não é etnografia: explicação cibernética e transdisciplinaridade. Civitas: revista de ciências sociais, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 304-315, 2021.), mas também sem renunciar ao caráter relacional que é intrínseco às etnografias. E, ainda, sem desintegrar a investigação em duas pesquisas diferentes, saindo do binarismo universal e particular, plataforma e usuário, social e técnica.

A sugestão de Cesarino (2021)CESARINO, L. Antropologia digital não é etnografia: explicação cibernética e transdisciplinaridade. Civitas: revista de ciências sociais, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 304-315, 2021. é realizar esse movimento por meio da cibernética batesoniana, já os pesquisadores do GrupCiber5 5 Grupo de Pesquisa em Ciberantropologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O GrupCiber é um coletivo de pesquisa pioneiro no campo da antropologia da cibercultura no Brasil. Criado em 1996, é coordenado pelos professores Theophilos Rifiotis (UFSC) e Jean Segata (UFRGS). - coletivo de pesquisa do qual faço parte - propõem uma abordagem sociotécnica inspirada em Latour. Embora as duas propostas me pareçam igualmente válidas e instigantes, a segunda dá mais ênfase à etnografia como um caminho possível, de modo que a explorarei mais detalhadamente a seguir.

Como uma abordagem sociotécnica pode contribuir para a antropologia digital?

Nesta seção, apresento algumas discussões que inspiraram a experimentação etnográfica que propus no presente artigo. Para isso, traço certas tendências e conexões entre os science and technology studies (STS), a “virada” ontológica e a antropologia da cibercultura. Essas abordagens não são novas e nem seguem uma linha teórica homogênea, mas são lentes conceituais interessantes para pensar as relações sociotécnicas nas plataformas de redes sociais e podem contribuir para a construção de estratégias etnográficas no campo da antropologia digital.

Em um sentido mais restrito, os STS seriam aqueles trabalhos que investigam os processos por meio dos quais o conhecimento científico e os artefatos tecnológicos são construídos, assim como as mudanças nos mundos sociais e materiais mais amplos que ocorrem como parte da coprodução entre ciência, tecnologia, natureza e sociedade (Hess; Sovacool, 2020HESS, D. J.; SOVACOOL, B. K. Sociotechnical matters: reviewing and integrating science and technology studies with energy social science. Energy Research & Social Science, [s. l.], v. 65, p. 101462, 2020.). O desenvolvimento desse campo remonta a discussões nos estudos da ciência dos anos 1970 e 1980 que atentavam para a influência dos “fatores sociais” na constituição do conhecimento científico (Bloor, 2009BLOOR, D. Conhecimento e imaginário social. São Paulo: Ed. Unesp, 2009.; Kuhn, 2003KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2003.).

Anos mais tarde, cientistas sociais começaram a realizar trabalho de campo em laboratórios se direcionando também para as práticas materiais da ciência (Jensen et al., 2017JENSEN, C. B. et al. New ontologies? Reflections on some recent ‘turns’ in STS, anthropology, and philosophy. Social Anthropology, [s. l.], v. 25, n. 4, p. 525-545, 2017.). Nesse contexto, Latour e Woolgar (1997)LATOUR, B.; WOOLGAR, S. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997. demonstram como a produção dos “fatos” científicos depende de diversos fatores materiais, além daqueles conceituais. Em trabalho posterior, Latour (2013LATOUR, B. Jamais fomos modernos. São Paulo: Editora 34, 2013., p. 12) argumenta que, apesar dos esforços da epistemologia ocidental para distinguir as disciplinas e seus respectivos âmbitos de atuação, os fenômenos investigados se desdobram em redes que são “[…] ao mesmo tempo reais como a natureza, narradas como o discurso, coletivas como a sociedade”.

Desse modo, além de reconhecer a importância da materialidade e das habilidades incorporadas na fabricação dos fatos científicos, Latour aponta para os limites de se manter ora a natureza, ora a sociedade, como eixos explicativos dos fenômenos. A partir desses argumentos, o autor desenvolveu, ao lado de Callon e Law, a teoria ator-rede (TAR), na qual o social é compreendido como o efeito de associações entre humanos e não humanos, de modo que a TAR se concentraria em rastrear esses movimentos (Latour, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Edufba; Bauru: Edusc, 2012.). Nesse sentido, “ator” e “rede” representariam duas faces do mesmo fenômeno, sendo micro e macroefeitos locais da associação a entidades circulantes e não o reflexo de interações locais e estruturas globais (Latour, 1999LATOUR, B. On recalling ANT. In: LAW, J.; HASSARD, J. (ed.). Actor‐network theory and after. Oxford: Blackwell, 1999. p. 15‐25.).

Com influência da etnometodologia, a TAR tem base empírica e busca aprender com os atores6 6 Depois, Latour (2012) passou a adotar o termo “actante”, que são tudo aquilo que age, deixa traço, produz efeito no mundo, podendo se referir a pessoas, instituições, coisas, animais, objetos, máquinas etc. No entanto, o actante não é o sujeito da ação, mas o que se constitui nela. sem impor agências ou definições a priori. Ao assumir uma postura antiessencialista, Latour (1999)LATOUR, B. On recalling ANT. In: LAW, J.; HASSARD, J. (ed.). Actor‐network theory and after. Oxford: Blackwell, 1999. p. 15‐25. defende que é possível obter mais seguindo circulações do que definindo entidades, essências e províncias. Portanto, a TAR não pretende dar explicações sobre o comportamento ou as razões dos atores, mas encontrar os procedimentos que os tornam aptos a negociar caminhos por meio de suas atividades de construção de mundo (Latour, 1999LATOUR, B. On recalling ANT. In: LAW, J.; HASSARD, J. (ed.). Actor‐network theory and after. Oxford: Blackwell, 1999. p. 15‐25.).

Como mencionei, essa abordagem não é nova e tem seus limites, como qualquer esquema interpretativo. A ideia não seria se restringir à TAR, mas aproveitar alguns de seus argumentos para colocar no mesmo plano de agência “usuários” comuns, influenciadores, publicações, infraestruturas tecnológicas, interesses das big techs, entre outros actantes, para descrever o que acontece nas plataformas de redes sociais. Sugiro que, nessas associações, as barreiras entre materialidade, discurso e coletividade são difíceis de sustentar. A TAR abre portas para que se busque visibilizar essas relações sem caracterizá-las em “reinos” do real e do virtual, do social e da técnica, da subjetividade e da objetividade. Por essa razão, ela pode ser útil, nos conduzindo a análises menos lineares, causais e antropocêntricas.

A proposta teórico-metodológica da TAR levanta reflexões importantes como a agência dos objetos, a coemergência de entidades humanas e não humanas, o social como um movimento de associação e, principalmente, a apreensão de uma realidade que não é só representacional, mas também concreta. Essa tendência de retorno à prática e à materialidade, geralmente conhecida como “virada ontológica”, é influenciada por Latour, mas vai além dos estudos sobre ciência e aparece em distintas formas nos STS, na antropologia e na filosofia (Jensen et al., 2017JENSEN, C. B. et al. New ontologies? Reflections on some recent ‘turns’ in STS, anthropology, and philosophy. Social Anthropology, [s. l.], v. 25, n. 4, p. 525-545, 2017.).

Nesse contexto, autoras como Mol (1999MOL, A. Ontological politics. A word and some questions. The Sociological Review, [s. l.], v. 47, n. 1, p. 74-89, 1999., 2002MOL, A. The body multiple: ontology in medical practice. Durham: Duke University Press, 2002.), Haraway (2000)HARAWAY, D. Manifesto ciborgue. In: HARAWAY, D. Antropologia do ciborgue. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 33-118. e Verran (2001)VERRAN, H. Science and an African logic. Chicago: University of Chicago Press, 2001., cada uma com suas particularidades, discutem como relações práticas-materiais transformam a natureza dos agentes envolvidos e produzem realidades concretas. Na antropologia, essas discussões aparecem alinhadas com as críticas pós-coloniais da representação e as preocupações sobre como lidar com a alteridade de forma mais simétrica (Jensen et al., 2017JENSEN, C. B. et al. New ontologies? Reflections on some recent ‘turns’ in STS, anthropology, and philosophy. Social Anthropology, [s. l.], v. 25, n. 4, p. 525-545, 2017.; Strathern, 2006STRATHERN, M. O gênero da dádiva: problemas com as mulheres e problemas com a sociedade na Melanésia. Campinas: Editora da Unicamp, 2006.; Viveiros de Castro, 1996VIVEIROS DE CASTRO, E. Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio. Mana, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 115-144, 1996.; Wagner, 2018WAGNER, R. A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2018.). Em todos esses trabalhos, as descrições empíricas extrapolam uma epistemologia ocidental que separa sociedade e cultura de técnica e natureza. Quanto mais nos ativermos às práticas-materiais que compõem as realidades concretas, mais difícil fica sustentar essas divisões e identificar quais são os seus limites.

Nos estudos das “novas tecnologias”, esse também é o caso. A tarefa de isolar analiticamente as intervenções entre capital, ciência, técnica e cultura é demasiadamente complicada quando se fala em tecnologias de computação e de informação e em biotecnologias. A chamada “cibercultura” refere-se a esses dois campos sociobiotécnicos: o primeiro está associado ao regime de tecnossocialidade - processo de construção sociocultural a partir das novas tecnologias de computação e de informação - e o segundo, ao de biossocialidade - nova ordem de produção da vida, da natureza e do corpo através de intervenções tecnológicas fundamentadas na biologia (Escobar, 2016ESCOBAR, A. Bem-vindos à Cyberia: notas para uma antropologia da cibercultura. In: SEGATA, J.; RIFIOTIS, T. (org.). Políticas etnográficas no campo da cibercultura. Brasília: ABA Publicações; Joinville: Letra d’água, 2016. p. 21-66.).

Os esforços antropológicos para explorar a relação entre cultura e os desenvolvimentos técnico-científicos se iniciaram na década de 1960 com a cibernética e ampliaram-se na década de 1990 a partir de noções como “ciberespaço” e “ciborgue”. Essas reflexões levaram (mais uma vez) ao questionamento das categorias modernas que definem o natural, o orgânico, o técnico e o textual (Escobar, 2016ESCOBAR, A. Bem-vindos à Cyberia: notas para uma antropologia da cibercultura. In: SEGATA, J.; RIFIOTIS, T. (org.). Políticas etnográficas no campo da cibercultura. Brasília: ABA Publicações; Joinville: Letra d’água, 2016. p. 21-66.). No âmbito nacional, há uma variada e crescente produção em torno da antropologia da ciência e da tecnologia (ACT) com forte presença da TAR e dos empreendimentos etnográficos (Rohden; Monteiro, 2019ROHDEN, F.; MONTEIRO, M. S. A. Para além da ciência e do anthropos: deslocamentos da antropologia da ciência e da tecnologia no Brasil. Bib: revista brasileira de informação bibliográfica em ciências sociais, São Paulo, n. 89, p. 1-33, ago. 2019.). Nesse contexto, os STS e, principalmente, a obra de Latour levaram os pesquisadores do GrupCiber a sugerirem que as etnografias no campo da “cibercultura” fossem realizadas em termos de rastreamento e descrição de associações entre humanos e não humanos. Para eles,

[…] a etnografia posiciona e situa a cibercultura para o lugar onde ela é produzida e significada cotidianamente, ou seja, nas práticas, experiências e sensibilidades da vida vivida e não daquela imaginada. Ali, onde pessoas, artefatos e outros seres são cruzados e coproduzidos com e pelas tecnologias digitais (Segata; Rifiotis, 2016SEGATA, J.; RIFIOTIS, T. Introdução: antropologia e cibercultura. In: SEGATA, J.; RIFIOTIS, T. (org.). Políticas etnográficas no campo da cibercultura. Brasília: ABA Publicações; Joinville: Letra d’água, 2016. p. 9-20., p. 10).

Contudo, seja sob o rótulo de “cibercultura” ou da categoria mais geral de antropologia digital, como tem-se preferido denominar nos últimos anos (Rohden; Monteiro, 2019ROHDEN, F.; MONTEIRO, M. S. A. Para além da ciência e do anthropos: deslocamentos da antropologia da ciência e da tecnologia no Brasil. Bib: revista brasileira de informação bibliográfica em ciências sociais, São Paulo, n. 89, p. 1-33, ago. 2019.), não cabe aos estudos da tecnociência reivindicar uma “nova ordem social”: mais complexa, híbrida e pós-humana. Um argumento crucial defendido por Strathern (1994)STRATHERN, M. Comments. Current Anthropology, [s. l.], v. 35, n. 3, p. 225-226, 1994. é que nunca houve uma “pré-cibercultura”. Não há vida social que não seja complexa se analisada em termos do concreto e do heterogêneo, como tem sido feito com as tecnologias. Portanto, as relações sociais são, por si só, fenômenos híbridos desde que se esteja disposto a percebê-las em detalhe (Strathern, 1994STRATHERN, M. Comments. Current Anthropology, [s. l.], v. 35, n. 3, p. 225-226, 1994.). Como atesta a literatura, o hibridismo e a distribuição da agência não são uma novidade da contemporaneidade e do “digital” (Rifiotis, 2012RIFIOTIS, T. Desafios contemporâneos para a antropologia no ciberespaço: o lugar da técnica. Civitas: revista de ciências sociais, Porto Alegre, v. 12, n. 3, p. 566-578, 2012.).

Como foi visto, um retorno às práticas-materiais em estudos fundamentados empiricamente, um olhar sobre a natureza sociotécnica das coisas e das pessoas e a crítica às categorias de análise ocidentais são temas que atravessam as perspectivas teórico-metodológicas mencionadas nesta seção - cada uma com seus limites7 7 Segundo Jensen et al. (2017), alguns antropólogos veem a teoria ator-rede como uma metateoria, na qual tudo pode ser percebido genericamente como efeito de uma rede heterogênea, não sendo muito útil a uma análise empírica e localizada. Para os autores, Strathern também demonstra preocupações quanto às situações em que as delimitações das relações, que as cortam, se mostram mais importantes do que a sua extensão. Há ainda várias críticas à chamada “virada ontológica”, como a falta de referências à antropólogos indígenas e a ausência de questões políticas como classe, raça e gênero (Jensen et al., 2017). e suas particularidades. Obviamente, os problemas da representação do outro, do reconhecimento da agência dos objetos e da descrição das associações entre humanos e não humanos não são resolvidos por essas abordagens, mas são evidenciados e debatidos criticamente, o que é sempre potente e produtivo.

Desde Latour, passando por autores mais contemporâneos da antropologia e dos STS, até as pesquisas no âmbito das “novas tecnologias”, estamos pensando em como fazer avançar essas questões. Como operacionalizar nossos trabalhos de campo visando proposições tão desafiadoras? Como incluir a agência dos objetos nas nossas narrativas antropo-lógicas? Como descrever associações sociotécnicas que, muitas vezes, sequer conseguimos visualizar? Como reconhecer a importância da materialidade quando, quase sempre, nossas pesquisas se voltam para compreensão dos significados das coisas para os sujeitos? Como ir além da nossa própria epistemologia ocidental e não dividir o mundo em social e técnico nas nossas pesquisas? Por fim, como uma abordagem sociotécnica pode contribuir para os estudos da antropologia digital?

Sugiro que os argumentos apresentados até aqui podem nos conduzir a estratégias etnográficas orientadas aos hibridismos, às associações e às práticas-materiais, repovoando as narrativas do digital com outros entes que também o compõem (Rifiotis, 2012RIFIOTIS, T. Desafios contemporâneos para a antropologia no ciberespaço: o lugar da técnica. Civitas: revista de ciências sociais, Porto Alegre, v. 12, n. 3, p. 566-578, 2012.). A seguir, apresento minha tentativa, bastante limitada e inicial, de pôr essas recomendações em prática no trabalho de campo.

Experimentações sociotécnicas no Instagram

Em outro momento, sugeri, com base em especulações teóricas, que descrever o fluxo de acontecimentos permitiria rastrear a rede sociotécnica da qual emerge o trabalho de influenciadores digitais (Ribeiro, 2021RIBEIRO, S. S. H. P. Sobre repovoar narrativas: o trabalho dos influenciadores digitais a partir de uma abordagem sociotécnica. Civitas: revista de ciências sociais, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 271-281, 2021.). Agora, para o exercício que proponho neste artigo, me debruço sobre o desafio que é operacionalizar os pressupostos discutidos anteriormente na prática etnográfica desse campo. Para tanto, apresento o contexto da pesquisa e analiso publicações no perfil de um influenciador no Instagram. Projeto que se trata, sobretudo, de uma experimentação, um esforço na construção de uma análise sociotécnica.

Contexto e contingências do campo da pesquisa

Ao longo do desenvolvimento da minha tese de doutorado, que está em andamento, acompanho o trabalho de um criador de conteúdo no Instagram - que chamarei aqui de Lucas8 8 A pesquisa nas redes sociais envolve dilemas éticos que ainda não sei como resolver. O perfil de Lucas é aberto, qualquer pessoa tem acesso a ele, mas isso não significa que ele está ali para ser investigado. Não é com esse intuito que ele posta. Por essa razão, utilizo um pseudônimo para preservar a identidade do interlocutor e não faço uso de imagens. - desde o primeiro semestre de 2020. Nessa pesquisa, parto da ideia de que a produção de um influenciador nas plataformas de redes sociais não resulta somente da ação de um sujeito ou mesmo de sujeitos. Em uma perspectiva sociotécnica, ele é o efeito de uma vasta rede de relações entre textos, imagens, pessoas, mediações técnicas, mercado, etc.

Lucas, paranaense de 36 anos, é criador de conteúdo há mais de 15 anos.9 9 Embora, no texto, eu utilize “influenciador digital” e “criador de conteúdo” como sinônimos, eles não têm o mesmo significado. Existe uma variedade de termos (bloggers, youtubers, digital influencers, creators) e diferentes políticas de nomeação que levam em consideração historicidade, habilidades, plataformas, gênero e comercialidade para classificar esses sujeitos (Abidin, 2021b). No caso do Lucas, ele se autodenomina creator, streamer e podcaster, mas não influenciador. Iniciou sua carreira produzindo conteúdo em sites e blogs. Atualmente, ele se dedica à produção do seu podcast, faz transmissões ao vivo diariamente na Twitch e cria conteúdo no Instagram, YouTube e Twitter. Ele também tem uma comunidade com conteúdo exclusivo para assinantes na plataforma Hotmart. Seu perfil no Instagram tem mais de duas mil e quinhentas publicações e é seguido por mais de 101 mil pessoas.10 10 Além do Instagram, Lucas tem mais de 160 mil seguidores no Twitter, mais de 96 mil na Twitch e mais de 80 mil no YouTube. Já o conteúdo compreende temáticas das mais diversas: alimentação, política, cultura pop, humor, paternidade, vestuário, relacionamentos, criação de conteúdo, publicidade para marcas patrocinadoras, etc.

Como pode-se ver, Lucas circula por muitos ambientes nas mídias digitais, produzindo conteúdo em diferentes formatos e sobre os mais diversos domínios. No entanto, a escolha de acompanhar seu trabalho não segue uma justificativa metodológica. Não existem predeterminações que façam de Lucas um modelo generalizável de influenciador digital. Apesar das semelhanças,11 11 Conforme Duffy (2020), os influenciadores digitais se caracterizam por uma quantidade significante de seguidores, personalidade de marca e relações comerciais com patrocinadores. cada criador de conteúdo o é de uma forma específica e em um contexto relacional único, o que fica claro nas descrições de campo.

A decisão de observar o trabalho de um criador de conteúdo se deu pelo fato de eles lidarem de forma mais ativa e reflexiva com as mediações técnicas presentes nas plataformas e em razão da intensa atividade interacional que ocorre em seus perfis - já que eles costumam ter muito mais seguidores e publicações do que o usuário comum. Desse modo, o “campo” da pesquisa compreende as práticas, as narrativas e as relações observadas no perfil de Lucas no Instagram e nos vídeos da sua assinatura na Hotmart, em que o influenciador trata da criação de conteúdo. O objetivo foi seguir o trabalho de um criador de conteúdo, buscando descrever a coprodução entre seguidores, influenciador e affordances do Instagram.

O Instagram foi desenvolvido por Kevin Systrom e Mike Krieger em 2010 e foi adquirido pela empresa Facebook em 2012. Gradualmente, os interesses comerciais da big tech no mercado de dados ocasionaram em uma série de transformações na plataforma visando o aumento do tempo de tela, como a incorporação de novos formatos de conteúdo, mudanças na infraestrutura algorítmica e inserção de anúncios (Leaver; Highfield; Abidin, 2020LEAVER, T.; HIGHFIELD, T.; ABIDIN, C. Instagram: visual social media cultures. London: Polity Press, 2020.). As motivações para realizar as observações no Instagram se deram: a) pela minha familiaridade com a plataforma, facilitando a compreensão de seus recursos e funcionamento; e b) pela necessidade de um recorte de campo, dado o extenso volume das publicações de Lucas.

Em 2016, foram lançados os stories no Instagram, que são publicações de imagens estáticas ou vídeos curtos verticais e que se autodeletam em 24 horas. Enquanto no feed de notícias12 12 O feed de notícias é onde os “usuários” de uma rede social podem visualizar e interagir com o conteúdo compartilhado por outros perfis conectados ao dele. No Instagram, o feed apresenta publicações dos perfis seguidos pelos usuários ou patrocinados. Com base em critérios de visibilidade e de interesse, a infraestrutura algorítmica do Instagram seleciona e ordena de forma personalizada as publicações que aparecem em cada feed. Como eu acesso muito o conteúdo de Lucas, por exemplo, suas publicações estão sempre no topo do meu. os conteúdos costumam ser mais elaborados, nos stories eles são mais espontâneos e despretensiosos (Bentes, 2021BENTES, A. Quase um tique: economia da atenção, vigilância e espetáculo em uma rede social. Rio de Janeiro: UFRJ, 2021.). O interesse pelos stories se baseia no fato de que, por ser um conteúdo temporário, os influenciadores tendem a publicar diariamente e várias vezes ao longo do dia nesse formato, tornando-o um bom “lugar” para observar o que acontece nas redes socais. No caso de Lucas, além de compartilhar seus interesses e rotina, os stories são também um espaço de constante diálogo com os seguidores.

A seguir, apresento um relato de campo baseado na observação de publicações no perfil de Lucas no Instagram em um período de 24 horas. No texto, descrevi os conteúdos e tracei reflexões com base na literatura e nas falas do interlocutor sobre criação de conteúdo. Como foi dito, na narrativa, busquei pôr em prática os pressupostos teórico-metodológicos apresentados ao longo do artigo.

Relato de campo: um dia com Lucas

Na terça-feira pela manhã, dia 27 de abril de 2021, peguei meu smartphone e abri o Instagram. Na parte superior da interface, a primeira imagem que aparecia era o avatar do perfil de Lucas. Como se sabe, os algoritmos de recomendação das plataformas de redes sociais organizam os conteúdos de forma personalizada com base na relevância da publicação e nas preferências de cada usuário (Mosseri, 2021MOSSERI, A. Explicando melhor o funcionamento do Instagram. About Instagram, [s. l.], 8 jun. 2021. Disponível em: Disponível em: https://about.instagram.com/pt-br/blog/announcements/shedding-more-light-on-how-instagram-works . Acesso em: 5 dez. 2022.
https://about.instagram.com/pt-br/blog/a...
). Assim, o próprio design do Instagram já me direciona a olhar para o que há de novidade nos perfis que eu acompanho. Lucas é o primeiro da lista, pois, além de publicar muito, o que é uma estratégia dos criadores de conteúdo para ganhar visibilidade algorítmica (Bishop, 2019BISHOP, S. Managing visibility on YouTube through algorithmic gossip. New Media & Society, [s. l.], v. 21, n. 11-12, p. 2589-2606, 2019.; Cotter, 2019COTTER, K. Playing the visibility game: how digital influencers and algorithms negotiate influence on Instagram. New Media & Society, [s. l.], v. 21, n. 4, p. 895-913, 2019.), seu perfil é um dos mais acessados por mim.

Ao clicar no avatar de Lucas, se abre a aba de stories, na qual é possível observar todas as publicações desse tipo que ele fez no dia anterior, segunda-feira. Eu precisava ser rápida porque, em uma hora, os primeiros stories - que têm duração de 24 horas - desapareceriam. Para acompanhar seu conteúdo, preciso acessar a plataforma todos os dias em um horário anterior àquele do primeiro story do dia antecedente. A temporalidade efêmera dos stories induz as pessoas a voltarem ao aplicativo para não perderem nenhuma publicação, aumentando o tempo de tela e, consequentemente, a produção de dados (Leaver; Highfield; Abidin, 2020LEAVER, T.; HIGHFIELD, T.; ABIDIN, C. Instagram: visual social media cultures. London: Polity Press, 2020.).

De volta ao perfil, em torno das nove horas da manhã da segunda-feira, Lucas postou o seu primeiro story do dia: uma foto sua na frente de um grande espelho, vestindo uma camiseta azul clara, uma calça de moletom também azul e meias pretas. Na legenda, em fontes diferentes, a frase: “Bom dia, cacete.” Em seguida, outro story: o compartilhamento de uma nova publicação no feed do perfil com a legenda “Café amargo no feed, compartilhe a desgraça”, sendo a palavra “café” substituída pela imagem de um emoji13 13 Emojis são ideogramas de diferentes tipos como expressões faciais, objetos, lugares, animais e tipos de clima. na forma de uma xícara de café.

O “café amargo” a que Lucas se refere consiste em uma série de fotos de xícaras de café com frases “desmotivacionais”. Saindo da aba dos stories e indo para o feed do perfil, vejo que se trata de três fotografias dessas xícaras, cada uma com as seguintes legendas: “É a pandemia ou você é realmente solitário?”; “Evite ser desagradável. Evite ser você”; “Frio. Ela se aquece com outro.” Diferentemente dos stories, que têm duração de 24 horas, as publicações no feed ficam salvas no perfil. Entretanto, nesse caso, a publicação no feed era um copilado dos “cafés amargos” que receberam mais interação dos seguidores na semana anterior.

Em suas aulas,14 14 Lucas tem um serviço de assinatura paga no qual disponibiliza semanalmente aulas sobre criação de conteúdo para as redes sociais. Lucas explica que, para gerar conexão com a audiência, é preciso criar conteúdo com personalidade, que esteja atrelado à figura do influenciador. Para isso, pode-se desenvolver uma linguagem própria, padrões estéticos, memes e piadas internas. Ele diz que esses “gatilhos de identidade” fazem com que as pessoas o reconheçam no “meio de multidão”. Afirma que as pessoas não acompanham um perfil pelo conteúdo em si, mas pela personalidade do criador e pelo modo com que ele transmite valores e informações. Muitos influenciadores criam memes ironizando momentos da vida, mas só Lucas o faz no formato e com a linguagem do “café amargo”.

Todos os dias, Lucas posta stories com bom dia, café amargo, uma foto na academia, uma lista de “atividades do dia” e a ferramenta “perguntas”. Conteúdos que mostram a rotina ou que sejam recorrentes são bastante comuns nos perfis de influenciadores, sobretudo em publicações temporárias como os stories, e a repetição não parece ser um problema para os seguidores. Na verdade, o acesso aos “bastidores” ou à vida cotidiana dos criadores de conteúdo é apontado pela literatura como estratégia para aumentar a relacionalidade com os seguidores (Abidin, 2016ABIDIN, C. Visibility labour: engaging with Influencers’ fashion brands and #OOTD advertorial campaigns on Instagram. Media International Australia, [s. l.], v. 1, n. 161, p. 86-100, 2016., 2017ABIDIN, C. #familygoals: Family influencers, calibrated amateurism, and justifying young digital labor. Social Media + Society, [s. l.], v. 3, n. 2, 2017.; 2021bABIDIN, C. Influenciadores digitais, celebridades da internet e “blogueirinhas”: uma entrevista com Crystal Abidin. [Entrevista a Issaaf Karhawi]. Intercom: revista brasileira de ciências da comunicação, [s. l.], v. 44, n. 1, p. 289-301, 2021b.; Marwick; boyd, 2011MARWICK, A. E.; BOYD, d. To see and be seen: celebrity practice on Twitter. Convergence: the international journal of research into new media technologies, [s. l.], v. 17, n. 2, p. 139-158, 2011.).

Criar uma rotina de publicações também é uma forma de manter a constância na produção de conteúdo. Postar todos os dias, em diferentes horários e em grande quantidade agrada não só aos seguidores, mas também à arquitetura algorítmica da plataforma. Criadores de conteúdo estão o tempo todo negociando estrategicamente com algoritmos e com as normas e diretrizes de uso das plataformas no intuito de ganhar mais visibilidade, melhorando sua posição no ranking de publicações (Bishop, 2019BISHOP, S. Managing visibility on YouTube through algorithmic gossip. New Media & Society, [s. l.], v. 21, n. 11-12, p. 2589-2606, 2019.; Cotter, 2019COTTER, K. Playing the visibility game: how digital influencers and algorithms negotiate influence on Instagram. New Media & Society, [s. l.], v. 21, n. 4, p. 895-913, 2019.).

Nas aulas, Lucas fala que criar conteúdo na internet é colocar o seguidor dentro de uma rotina, acostumar a audiência. Para ele, todos os criadores têm um padrão que repetem todo santo dia, porque os seguidores gostam de entrar nos perfis e saber o que vão encontrar. A repetição cria um hábito, gera previsibilidade. Os seguidores começaram a esperar pelo café amargo. Em suas palavras, ele criou “uma forma das pessoas não serem surpreendidas no Instagram”. Além disso, o criador afirma que a frequência das publicações é um dos pilares da criação de conteúdo, pois é preciso “jogar o jogo do algoritmo”. O volume de postagens e as interações com o conteúdo são importantes para a plataforma “te mostrar para as pessoas”.

Voltando aos stories, Lucas responde a mensagens enviadas pelos seguidores sobre um story do dia anterior. O tema é solidão e eles falam sobre viajar, ir a festas ou a bares sozinhos. No canto inferior de cada story, há ferramentas para envio de mensagens e compartilhamento, o que possibilita essa interação. Contudo, essas mensagens não são compartilháveis pelo Instagram. Lucas precisou utilizar uma ferramenta externa à plataforma - a função print, que fotografa a tela do smartphone - para poder exibi-las em novos stories, mas cobrindo a identidade do seguidor com emojis ou desenhos.

Ao invés da ideia de um usuário passivo que age apenas nos moldes previstos e permitidos pelos desenvolvedores das plataformas, práticas como essas mostram que as pessoas estão o tempo todo buscando meios de fazer o que desejam ou precisam nesses ambientes. Seja utilizando as ferramentas da própria rede social de modos inesperados ou através de aplicativos externos, elas conseguem driblar alguns dos constrangimentos da infraestrutura da plataforma e criar outras possibilidades de ação. Por sua vez, essa mesma infraestrutura pode reagir punindo certos comportamentos - se perde visibilidade quando se utiliza aplicativos externos, por exemplo - ou construindo novas funcionalidades que atendam às demandas dos usuários.

Sobre o tema, Abidin (2021a)ABIDIN, C. From “networked publics” to “refracted publics”: a companion framework for researching “below the radar” studies. Social Media + Society, [s. l.], v. 7, n. 1, 2021a. usa a noção de públicos refratados para se referir ao modo como as pessoas se adaptam e contornam de forma agentiva o que as plataformas lhes oferecem. Cotter (2019)COTTER, K. Playing the visibility game: how digital influencers and algorithms negotiate influence on Instagram. New Media & Society, [s. l.], v. 21, n. 4, p. 895-913, 2019. mostra como os algoritmos afetam, mas não determinam o comportamento dos sujeitos. Já Cesarino (2021)CESARINO, L. Antropologia digital não é etnografia: explicação cibernética e transdisciplinaridade. Civitas: revista de ciências sociais, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 304-315, 2021. afirma que o ambiente cibernético das mídias digitais não controla diretamente os usuários, mas altera profundamente as mediações sociotécnicas que os constituem. Nesse sentido, um olhar sobre como criadores de conteúdo, como Lucas, têm lidado com as affordances do Instagram pode revelar as tendências, os limites, as adaptações e os improvisos que caracterizam as relações usuário-plataforma naquele contexto.

O story seguinte trata-se de um meme com a legenda “Lucas sad, coach em solidão”. A imagem mostra um homem de terno e braços cruzados e uma fotografia do rosto do Lucas por cima do rosto original. As montagens, as imitações e diferentes manipulações de imagem fazem parte da própria lógica de construção de conteúdo e, em boa parte, são viabilizadas pelas próprias ferramentas das plataformas que permitem a adição de filtros, colagens, recortes, legendas, animações, músicas, áudios, etc. Autoras destacam o caráter mais imagético do Instagram em comparação com outras plataformas (Abidin, 2017ABIDIN, C. #familygoals: Family influencers, calibrated amateurism, and justifying young digital labor. Social Media + Society, [s. l.], v. 3, n. 2, 2017.; Marwick, 2015MARWICK, A. E. Instafame: luxury selfies in the attention economy. Public Culture, [s. l.], v. 27, n. 1, p. 137-160, 2015.).

Em seguida, Lucas faz um anúncio de um episódio de podcast sobre dieta lowcarb exclusivo para assinantes. Uma das principais características dos influenciadores é a habilidade de usar os conteúdos para inserir anúncios e informes publicitários, gerando a venda de produtos e serviços de empresas patrocinadoras ou próprios (Abidin, 2016ABIDIN, C. Visibility labour: engaging with Influencers’ fashion brands and #OOTD advertorial campaigns on Instagram. Media International Australia, [s. l.], v. 1, n. 161, p. 86-100, 2016., 2018ABIDIN, C. Internet celebrity: understanding fame online. Bingley: Emerald Publishing, 2018. (Society Now).; Duffy, 2017DUFFY, B. E. (Not) getting paid to do what you love: gender, social media, and aspirational work. New Haven: Yale University Press, 2017.; Karhawi, 2016KARHAWI, I. Influenciadores digitais: o Eu como mercadoria. In: SAAD-CORRÊA, E. N.; SILVEIRA, S. C. Tendências em comunicação digital. São Paulo: ECA-USP, 2016. p. 38-58., 2017KARHAWI, I. Influenciadores digitais: conceitos e práticas em discussão. Revista Communicare, São Paulo, n. 17, p. 46-61, 2017.). Essa prática viabiliza o trabalho de criação de conteúdo financeiramente, garantindo remuneração aos influenciadores. No caso, Lucas gera receita por meio da venda de espaço publicitário para empresas, da monetização das plataformas Twitch e YouTube e da venda de conteúdo exclusivo para assinantes. Ele comenta que gosta desse trabalho, mas, sem um retorno financeiro, faria de qualquer forma, sem estratégia ou consistência; não iria “ficar em uma cadeira seis ou sete horas por dia” criando conteúdo.

Depois, Lucas publica uma foto sua de máscara com a ferramenta “perguntas” do Instagram e a legenda “Segunda-feira, 26/04. Pergunte”. Por meio desse recurso, os seguidores enviam perguntas ou comentários e o influenciador responde. Apenas o criador de conteúdo tem acesso à identidade do seguidor, quando ele compartilha o conteúdo, o usuário permanece anônimo. A seguir, cito algumas das perguntas e respostas daquela segunda-feira:

“Mas qual o problema de fazer coisas sozinho”, um seguidor.

“A insegurança de vocês em relação aos próprios gostos é assustador[a]. Vocês precisam que um terceiro valide suas ações para se sentirem realizados? A quantidade de pessoas tiltadas nas mensagens porque eu prefiro fazer coisas acompanhado e acho os bares de São Paulo parecidos com balada me deixou triste”, respondeu Lucas.

“Como foi participar do Podpah?”, outro seguidor, sobre a participação de Lucas em um programa de podcast.

“Uma das coisas mais legais da minha carreira. Uma honra ter sido convidado. Eu estava muito tenso e com medo de não ter muito o que conversar e pluf: 4 horas de programa.”

“Como você consegue mexer tanto com os sentimentos dos outros, mas ainda estar solteiro?”

“Esse é meu segredo: Abri mão da minha própria vida para servi-los!”

“Como faz para ter uma agenda de tristeza organizada igual a sua?”

“HAHAHAHHAH [sic]. Obrigado, eu ri”.

“Caixinhas de perguntas aumentam o engajamento?”

“Nem aumenta, nem diminui. A questão é que estou direcionando quase 100% de mim à Twitch e, por isso, o Instagram poderia ficar meio abandonado. Para isso não acontecer, as caixinhas me ajudam a manter o story movimentado até meu projeto de dar um up forte nas lives acabar (a meta é 2k ao vivo de média).”

Acompanho o perfil de Lucas desde o ano de 2020 e, como o seguidor observou, esse é um novo formato de conteúdo. Antes ele raramente utilizava a ferramenta “perguntas” e, recentemente, passou a fazê-lo todos os dias. A partir da última resposta, pode-se compreender essa mudança como uma estratégia para dar continuidade às publicações no Instagram apesar do foco nas lives da Twitch. Através da ferramenta, ele consegue publicar vários stories e manter a interação com os seguidores, o que agrada aos mesmos e à infraestrutura algorítmica. Na resposta, percebe-se ainda uma preocupação com as métricas, estabelecendo inclusive metas de visualizações ao vivo na Twitch.

Nos diálogos citados, os stories resultam da interação entre criador, seguidores e as affordances do Instagram e giram em torno das vivências de Lucas. Como foi mencionado anteriormente, pesquisas mostram como influenciadores mobilizam informações pessoais de diferentes formas para dar a impressão de intimidade, o que, com efeito, aumenta a relacionalidade entre eles e o público (Abidin, 2015ABIDIN, C. Communicative intimacies: influencers and perceived interconnectedness. Ada: a journal of gender, new media, and technology, [s. l.], n. 8, 2015., 2021bABIDIN, C. Influenciadores digitais, celebridades da internet e “blogueirinhas”: uma entrevista com Crystal Abidin. [Entrevista a Issaaf Karhawi]. Intercom: revista brasileira de ciências da comunicação, [s. l.], v. 44, n. 1, p. 289-301, 2021b.; Marwick; boyd, 2011MARWICK, A. E.; BOYD, d. To see and be seen: celebrity practice on Twitter. Convergence: the international journal of research into new media technologies, [s. l.], v. 17, n. 2, p. 139-158, 2011.). Dado o nível de profissionalização dos influenciadores (Ferreira; Grangeiro; Pereira, 2019FERREIRA, E. A.; GRANGEIRO, R. da R.; PEREIRA, R. Influenciadores digitais: análise da profissionalização de uma nova categoria de trabalhadores. Perspectivas Contemporâneas, [s. l.], v. 14, n. 2, p. 4-23, 2019.), faz sentido pensar na construção de estratégias que visem aumentar a conexão com os seguidores. Meu intuito não é negar essa dimensão ou negligenciar os efeitos do mercado de influência nessas relações, mas complexificá-la adicionando outros elementos, humanos e não humanos, que não ficam tão evidentes quando se foca apenas nos criadores.

Lucas não nega seus interesses comerciais enquanto criador de conteúdo, mas, nas aulas, fala que se deve compartilhar algo legítimo com as pessoas. “As pessoas querem coisas reais.” Em muitas falas, ele trata esse trabalho como uma forma de fazer companhia para as outras pessoas, de fazer com que elas se sintam menos sozinhas e de compartilhar fragilidades que ajudem ambos. “Pessoas desenvolvem uma relação de carinho, de afeto, com o criador de conteúdo.” Lucas também comenta que usar a ferramenta “perguntas” é um modo de fazer as pessoas ajudarem na criação de conteúdo. “Pessoas te ajudam a criar.”

Para além da ideia da criação de conteúdo como um produto do influenciador visando manipular a audiência, o que observo no perfil de Lucas está mais próximo de uma conversa entre conhecidos. Seja nos comentários, nas trocas de mensagens ou nas respostas às ferramentas, percebe-se um diálogo sobre solidão, política, relacionamentos, trocas de experiências, o trabalho dos influenciadores. Observando os stories, a criação de conteúdo parece ser efeito dessa relacionalidade entre os diferentes sujeitos e mediações técnicas ali presentes. Sugiro que performar, nesse caso, não é sinônimo de encenação ou manipulação mesmo quando se visa o lucro.15 15 Postura que problematizei em Ribeiro (2021) a partir da crítica de Cardoso e Head (2013) aos pressupostos goffmanianos. Destaco também o caráter coproduzido desses conteúdos.

Outro aspecto que chama atenção na última resposta de Lucas são as estratégias para gerar visibilidade algorítmica, como a recente utilização da ferramenta “pergunta” para deixar o Instagram “movimentado”. É preciso “jogar o jogo do algoritmo”, diz Lucas. Para ele, o criador de conteúdo deve publicar bastante, testar diferentes conteúdos e analisar os dados nas métricas da plataforma. Enquanto nós pesquisadores ainda estamos aprendendo a lidar com a agência dos objetos, os criadores de conteúdo já compreenderam o caráter sociotécnico das relações, integrando em suas práticas preocupações com seguidores, métricas, algoritmos e ferramentas.

Outro exemplo dessa questão é que, no feed, além da publicação com os “cafés amargos” já citada, o influenciador publicou também um vídeo no formato reels16 16 Lançados em 2019 no Instagram, os reels são vídeos curtos (de até 90 segundos) e dinâmicos com bastante edição de imagem e efeitos sonoros. sobre política. Entre os criadores, supõe-se que o Instagram recompensa o uso de ferramentas novas, como o reels, aumentando a visibilidade algorítmica (Pignati, 2022PIGNATI, G. Marcas ganham quase 40% mais engajamento com Reels. Canaltech, São Paulo, 22 set. 2022. Disponível em: Disponível em: https://canaltech.com.br/mercado/marcas-ganham-quase-40-mais-engajamento-com-reels-225933/ . Acesso em: 5 dez. 2022.
https://canaltech.com.br/mercado/marcas-...
). Atento a isso, Lucas tem produzido mais vídeos nesse formato. Seu reels atingiu quase 53 mil reproduções, teve mais de 5 mil curtidas e 71 comentários em apenas sete horas.

Após mais stories sobre política e imagens do influenciador na academia, Lucas responde mais uma pergunta:

“Você sente que a militância nas lives atrapalha o crescimento?”

“Não me vejo como militante, apenas um sujeito que passou a entender o básico: tudo é política, tudo é sobre política. Então decidi não me abster dessa responsabilidade. Não dá para fingir para 1.4k de pessoas ao vivo todos os dias que está tudo bem. Ser isento é compactuar com a política atual. Fim. Mas respondendo sua pergunta: atrapalha para um caralho. Mas tarde demais para mim. Esse trem já partiu”, respondeu Lucas.

Junto ao texto, uma foto sua vestindo uma camiseta vermelha. Depois, ele mostra o gráfico de audiência da live na Twitch naquela segunda-feira - máximo de 1.765 expectadores presentes - e escreve: “E mesmo com a escolha de não se isentar (hoje falamos sobre meritocracia e o mito do empreendedorismo) batemos 1.8k ao vivo.”

As negociações entre visibilidade algorítmica e autenticidade são dimensões importantes da criação de conteúdo, fazendo com que influenciadores levem em conta os custos de expor determinada informação. É preciso “ser real” e ainda preocupar-se com os danos que essa autenticidade pode causar às métricas de engajamento que tornam o trabalho possível. No caso de Lucas, ele opta por se posicionar politicamente mesmo sabendo que isso fará com que perca seguidores.

Finalmente, depois de 22 stories e duas publicações no feed, Lucas encerra sua produção de conteúdo no Instagram daquele dia. Na manhã dessa terça-feira, enquanto eu descrevo os stories do dia anterior, ele publica uma foto de pijamas na frente do espelho - “Bom dia, cacete” - uma nova frase no café amargo - “continue cutucando onde você sabe que dói” - e começa tudo outra vez…

Ao longo da descrição, busquei demonstrar como seguidores, métricas, algoritmos, ferramentas, publicações, entre outros, compõem as interações no perfil de Lucas no Instagram. Por mais que ele seja o criador de conteúdo e proprietário do perfil, muitas publicações são construídas a partir de comentários, de mensagens e de respostas dos seguidores na ferramenta “perguntas”. Essas associações são ainda fortemente moduladas pela infraestrutura do Instagram e pelas preocupações acerca da visibilidade algorítmica.

Argumento que, mais do que um esforço performático por parte dos influenciadores para simular acesso e intimidade visando o lucro, as publicações resultam dessas conversas sobre solidão e política, das piadas sobre a vida amorosa, dos risos com as frases do café amargo, dos contatos e trocas diárias com o outro e, ainda, das affordances das plataformas. Destaco, assim, o caráter de coprodução da criação de conteúdo; o que não significa dizer que essas relações sejam simétricas. Sugiro que uma abordagem sociotécnica possibilitaria deslocar a proeminência dos sujeitos nas pesquisas sobre influenciadores para as relações como elas acontecem na prática, mediadas por diferentes agências. No entanto, operacionalizar esse formato de pesquisa é um desafio, principalmente quando se propõe visibilizar entidades não humanas. Em seguida, discuto alguns desafios e contribuições desse esforço.

Contribuições e desafios de uma etnografia sociotécnica

Como foi apontado, as relações usuário-plataforma tensionam narrativas etnográficas centradas nas ações e perspectivas dos sujeitos. Inspirada em discussões sociotécnicas, sugeri um olhar aos hibridismos, à distribuição de agência e às práticas-materiais para as etnografias no âmbito da antropologia digital. A partir desses pressupostos teórico-metodológicos, fui a campo na tentativa de: a) descrever algumas relações sociotécnicas presentes nas publicações de um criador de conteúdo no Instagram, especialmente através dos stories; b) deslocar o criador de conteúdo do centro da narrativa e visibilizar os diferentes agenciamentos que ali coemergem; c) fazer um esforço para não segmentar as descrições em aspectos sociais, de um lado, e técnicos, de outro. A seguir, analiso criticamente o resultado dessa experimentação.

No relato de campo, apresentei, ainda que brevemente, o funcionamento das ferramentas e os tipos de publicações (feed, stories, reels) do Instagram à medida que apareciam no fluxo dos acontecimentos. Também busquei descrever a construção e o teor dos conteúdos observados no perfil de Lucas. O intuito era passar de uma narrativa do que os influenciadores fazem e pensam sobre o que fazem nas plataformas para uma que inclua, na medida do possível, também as mediações técnicas que modulam e possibilitam essas ações.

Entretanto, representar textualmente elementos tão imagéticos como as affordances do Instagram - com seus inúmeros recursos, caminhos e possibilidades de uso - e as publicações - compostas por montagens, emojis, efeitos de som e de imagens, ferramentas comunicacionais - foi desafiador. Até que ponto a descrição de um meme ou mesmo de um story é realmente inteligível? Minha impressão é que, em muitos momentos, a escrita impôs limites à compreensão, principalmente para leitores não familiarizados com a plataforma. Certamente, o uso de imagens poderia ter elucidado melhor esses elementos, mas entraria em outra questão em que nós pesquisadores ainda precisamos nos aprofundar: a ética no trabalho de campo online.

O perfil de Lucas é público, qualquer usuário pode ter acesso a ele. Contudo, isso não significa que os conteúdos estão ali para serem pesquisados. Não é com esse intuito que ele posta. É público por um propósito muito específico, para influenciar, compartilhar publicações e vender produtos e serviços. Desse modo, sem uma autorização prévia do interlocutor - se é que posso considerá-lo assim - devo fazer uso de seu nome e de sua imagem? Mesmo que Lucas seja uma “figura pública” com milhares de seguidores - o que justamente torna o acesso a ele complicado - não posso deixar de me questionar sobre quais seriam as suas preferências.

Outro ponto é que a narrativa ficou carregada de “termos nativos”, como feed, meme, stories, reels, emoji, live, perfil, alcance, entre outros, demandando constantemente o uso de notas explicativas. Além disso, inúmeras outras lacunas foram sendo preenchidas ao longo do relato de campo, desde os termos e o funcionamento da plataforma até as publicações e práticas de Lucas. Para tanto, complementei as descrições com falas do interlocutor, discussões da literatura e minha própria experiência.

Ainda que essa estratégia vá contra as recomendações etnometodológicas da TAR de não dar explicações, minha intenção foi tanto contextualizar o leitor quanto tornar visíveis algumas agências não humanas. Deduzi que, ao conhecer mais sobre a infraestrutura do Instagram e a metodologia do criador de conteúdo, se teria uma maior dimensão de um trabalho de fabricação que se faz em rede. Afinal, para descrever mediações técnicas é preciso, antes de tudo, ser capaz reconhecê-las. Portanto, pretendi que essas interrupções no fluxo dos acontecimentos fossem uma forma de esclarecer e enriquecer as descrições sociotécnicas mais do que de atribuir uma causalidade macroestrutural à análise, algo tão criticado por Latour (2012)LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Edufba; Bauru: Edusc, 2012..

Embora muito do “campo” tenha se convertido em um considerável volume de capturas de tela dos stories, ao longo da pesquisa, me dei conta de que existiam certas especificidades do Instagram e da rotina do meu interlocutor que extrapolavam o conteúdo dos prints e de suas falas nas aulas. Esse tipo de “conhecimento prévio”, resultante da minha familiaridade com a plataforma e com as publicações de Lucas, foi fundamental na compreensão de muitas práticas e associações ali presentes. Desse modo, argumento que a imersão no campo, característica tão inerente às etnografias, é importante para acompanhar a experiência vivida do interlocutor e como ele agencia e é agenciado pela infraestrutura das plataformas. Por essa razão, sugiro que se trata de um esforço etnográfico, ainda que não o seja nos moldes tradicionais.

É necessário ressaltar também que, apesar de a pesquisa ter se inspirado epistemológica e metodologicamente nas discussões sociotécnicas apresentadas, a análise certamente não precisa se restringir a essa base teórica. Existe a literatura que sustenta o método e podem existir literaturas mais próximas do fenômeno observado desde que elas não sejam extremamente inconciliáveis. No relato de campo, faço uso de estudos sobre influenciadores e plataformas também na expectativa de rastrear associações. Considero que as perspectivas podem se complementar, até porque a TAR nada diz sobre a forma daquilo que ela permite descrever (Latour, 2006LATOUR, B. Como terminar uma tese de sociologia: pequeno diálogo entre um aluno e seu professor (um tanto socrático). Cadernos de Campo, São Paulo, v. 15, n. 14-15, p. 339-352, 2006.). Outro ponto é que a abordagem sociotécnica pode problematizar e fazer avançar alguns pressupostos da literatura temática.

Pensando em como desenvolver pesquisas de campo nas redes sociais, propus que os stories seriam um bom “lugar” para acompanhar as vivências dos sujeitos em associação com as affordances das plataformas, propiciando, assim, a descrição dos diferentes agenciamentos que ali coemergem. Contudo, acionar uma perspectiva sociotécnica na descrição foi, sem dúvidas, a ambição mais desafiadora. Apesar dos meus esforços, as ações e percepções dos sujeitos, influenciador e seguidores, ainda são predominantes, dado que é difícil visibilizar as agências não humanas.

Lidar com a distribuição da agência também se mostrou uma tarefa complexa. A narrativa ainda conserva muito da epistemologia tradicional, na qual sujeitos agenciam objetos técnicos e vice-versa, resultando na permanência de um esquema dual. Em uma abordagem sociotécnica, não faz muito sentido falar em “pessoas” e “plataformas”, enquanto entidades separadas, e o próprio uso dessas noções expressa apenas os meus limites em representar em termos mais adequados esses hibridismos. Afinal, onde acaba um polo e começa o outro?

Tendo em vista essas restrições, etnografar stories, aqui, é muito mais uma convocação para a experimentação do que a proposição de um protocolo metodológico. Reafirmo a natureza experimental e provisória do relato de campo apresentado e a necessidade de futuros esforços etnográficos para fazer avançar o rastreamento dessas associações.

Considerações reflexivas

Inspirada em discussões dos STS, busquei descrever como se dão algumas associações sociotécnicas nas mídias digitais. A partir da observação de um dia de publicações no perfil de um influenciador no Instagram e de suas falas sobre criação de conteúdo, tentei incluir na narrativa não só as ações dos sujeitos, mas como diferentes materialidades atravessam essas práticas. Mais especificamente, busquei entender como o trabalho de criadores de conteúdo se constitui por meio dessas mediações sociotécnicas. No entanto, como foi apontado, fazer etnografia em contextos online ainda é um desafio, principalmente quando se propõe visibilizar agências não humanas.

Dessa forma, apesar de meus esforços, no relato de campo, o protagonismo ainda está fortemente atrelado aos sujeitos, dado que o acesso às mediações técnicas é sempre pelo humano. A representação escrita das affordances do Instagram e das publicações, elementos tão imagéticos, deixa o texto caótico ou pouco compreensível em alguns momentos. Além disso, a descrição ainda preserva muito de uma dualidade na qual sujeitos agenciam objetos técnicos e vice-versa, quando não existe agência humana de um lado e maquínica de outro, mas um agenciamento sociotécnico. Na perspectiva teórica que mobilizo, pessoas e sociedades coemergem em associações que são simultaneamente sociais e técnicas. Entretanto, tive dificuldades em transpor essa epistemologia para o relato etnográfico.

Por outro lado, as publicações no formato stories parecem ser um ambiente interessante para observar essas relações. Nos stories, aparecem a rotina, as conversas entre criador de conteúdo e seguidores, as preocupações com métricas e algoritmos, o design e as ferramentas do Instagram, etc. É possível que eles constituam um campo fértil para explorar as vivências dos sujeitos em interação com as affordances das plataformas, propiciando talvez a descrição da dimensão experiencial e dos aspectos sistêmicos das mídias digitais. A minha tese é que observar essas e outras publicações requer que o etnógrafo se insira no ambiente das redes sociais, indo além da posição - supostamente imparcial - do voyeur ou analista de prints de conteúdo.

Obviamente, o que apresentei no relato de campo é muito pouco perto de todos os dilemas abordados no artigo. Reafirmo que se trata apenas de um começo, uma tentativa inicial de etnografar essas relações sociotécnicas. Minha expectativa é que outros pesquisadores continuem experimentando formas de fazer pesquisa que nos ajudem a visualizar essas associações. Ainda há muitos caminhos a serem percorridos.

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  • 1
    Memes de internet são imagens estáticas ou vídeos com conteúdo humorístico que circulam nas redes sociais, geralmente imitam, exagerando ou ironizando, situações cotidianas.
  • 2
    Faço uso das aspas porque, por mais que seja um jargão da literatura, o que os estudos sobre plataformas de redes sociais mostram é que os “usuários” não podem ser, literalmente, “usuários” ou simples consumidores. Eles são “contribuintes” na medida em que suas ações geram os dados nos quais as plataformas se baseiam (e inovam) para fornecer seus serviços (Gawer, 2014GAWER, A. Bridging differing perspectives on technological platforms: toward an integrative framework. Research Policy, [s. l.], v. 43, n. 7, p. 1239-1249, 2014.). No mais, o termo remete à ideia de sujeitos que apenas “usam” as mediações técnicas, o que busquei problematizar ao longo de todo o artigo.
  • 3
    Affordance é um conceito da psicologia da percepção que tem sido utilizado por desenvolvedores de software e por pesquisadores para compreender a relação usuário-plataforma. Gibson (1986)GIBSON, J. The ecological approach to visual perception. Hillsdale: Lawrence Erlbaum, 1986. define o termo como oportunidades de ação que emergem na interação entre um organismo e o ambiente ao seu redor. Portanto, as affordances não estão nem no organismo, nem no ambiente, mas na relação de coemergência entre eles (Cesarino, 2022CESARINO, L. O mundo do avesso: verdade e política na era digital. São Paulo: Ubu, 2022.).
  • 4
    Print screen é uma funcionalidade presente nos computadores e smartphones que permite realizar uma impressão ou “captura” da tela.
  • 5
    Grupo de Pesquisa em Ciberantropologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O GrupCiber é um coletivo de pesquisa pioneiro no campo da antropologia da cibercultura no Brasil. Criado em 1996, é coordenado pelos professores Theophilos Rifiotis (UFSC) e Jean Segata (UFRGS).
  • 6
    Depois, Latour (2012)LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Edufba; Bauru: Edusc, 2012. passou a adotar o termo “actante”, que são tudo aquilo que age, deixa traço, produz efeito no mundo, podendo se referir a pessoas, instituições, coisas, animais, objetos, máquinas etc. No entanto, o actante não é o sujeito da ação, mas o que se constitui nela.
  • 7
    Segundo Jensen et al. (2017)JENSEN, C. B. et al. New ontologies? Reflections on some recent ‘turns’ in STS, anthropology, and philosophy. Social Anthropology, [s. l.], v. 25, n. 4, p. 525-545, 2017., alguns antropólogos veem a teoria ator-rede como uma metateoria, na qual tudo pode ser percebido genericamente como efeito de uma rede heterogênea, não sendo muito útil a uma análise empírica e localizada. Para os autores, Strathern também demonstra preocupações quanto às situações em que as delimitações das relações, que as cortam, se mostram mais importantes do que a sua extensão. Há ainda várias críticas à chamada “virada ontológica”, como a falta de referências à antropólogos indígenas e a ausência de questões políticas como classe, raça e gênero (Jensen et al., 2017JENSEN, C. B. et al. New ontologies? Reflections on some recent ‘turns’ in STS, anthropology, and philosophy. Social Anthropology, [s. l.], v. 25, n. 4, p. 525-545, 2017.).
  • 8
    A pesquisa nas redes sociais envolve dilemas éticos que ainda não sei como resolver. O perfil de Lucas é aberto, qualquer pessoa tem acesso a ele, mas isso não significa que ele está ali para ser investigado. Não é com esse intuito que ele posta. Por essa razão, utilizo um pseudônimo para preservar a identidade do interlocutor e não faço uso de imagens.
  • 9
    Embora, no texto, eu utilize “influenciador digital” e “criador de conteúdo” como sinônimos, eles não têm o mesmo significado. Existe uma variedade de termos (bloggers, youtubers, digital influencers, creators) e diferentes políticas de nomeação que levam em consideração historicidade, habilidades, plataformas, gênero e comercialidade para classificar esses sujeitos (Abidin, 2021bABIDIN, C. Influenciadores digitais, celebridades da internet e “blogueirinhas”: uma entrevista com Crystal Abidin. [Entrevista a Issaaf Karhawi]. Intercom: revista brasileira de ciências da comunicação, [s. l.], v. 44, n. 1, p. 289-301, 2021b.). No caso do Lucas, ele se autodenomina creator, streamer e podcaster, mas não influenciador.
  • 10
    Além do Instagram, Lucas tem mais de 160 mil seguidores no Twitter, mais de 96 mil na Twitch e mais de 80 mil no YouTube.
  • 11
    Conforme Duffy (2020)DUFFY, B. E. Social media influencers. In: ROSS, K. (ed.). The international encyclopedia of gender, media, and communication. [S. l.]: John Wiley & Sons, 2020., os influenciadores digitais se caracterizam por uma quantidade significante de seguidores, personalidade de marca e relações comerciais com patrocinadores.
  • 12
    O feed de notícias é onde os “usuários” de uma rede social podem visualizar e interagir com o conteúdo compartilhado por outros perfis conectados ao dele. No Instagram, o feed apresenta publicações dos perfis seguidos pelos usuários ou patrocinados. Com base em critérios de visibilidade e de interesse, a infraestrutura algorítmica do Instagram seleciona e ordena de forma personalizada as publicações que aparecem em cada feed. Como eu acesso muito o conteúdo de Lucas, por exemplo, suas publicações estão sempre no topo do meu.
  • 13
    Emojis são ideogramas de diferentes tipos como expressões faciais, objetos, lugares, animais e tipos de clima.
  • 14
    Lucas tem um serviço de assinatura paga no qual disponibiliza semanalmente aulas sobre criação de conteúdo para as redes sociais.
  • 15
    Postura que problematizei em Ribeiro (2021)RIBEIRO, S. S. H. P. Sobre repovoar narrativas: o trabalho dos influenciadores digitais a partir de uma abordagem sociotécnica. Civitas: revista de ciências sociais, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 271-281, 2021. a partir da crítica de Cardoso e Head (2013)CARDOSO, V. Z.; HEAD, S. C. Encenações da descrença: a performance dos espíritos e a presentificação do real. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 56, n. 2, p. 257-289, 2013. aos pressupostos goffmanianos.
  • 16
    Lançados em 2019 no Instagram, os reels são vídeos curtos (de até 90 segundos) e dinâmicos com bastante edição de imagem e efeitos sonoros.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2023
  • Aceito
    22 Nov 2023
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