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Político e pessoal: as narrativas de mulheres com deficiência na gestão de um conselho municipal

Resumo

Nesta contribuição para os estudos feministas da deficiência, busquei analisar as vivências de mulheres com deficiência que ocuparam/ocupam cargos de gestão em um Conselho Municipal, destacando suas experiências interseccionais. Para tanto, utilizei as metodologias da Pesquisa Narrativa e da Análise de Conteúdo, além da Pesquisa Participante e Interseccional. Como principal resultado, obtive confirmação de minha hipótese inicial de que mais de um tipo de sistema de opressão pode atuar quando uma mulher com deficiência ocupa um cargo de gestão pública.

Conselho Municipal; Estudos feministas da deficiência; Interseccionalidade; Mulher com deficiência; Pesquisa Narrativa

Abstract

In this contribution to feminist disability studies, I seek to analyze the experiences of women with disabilities who occupied/occupy administrative positions in a Municipal Council, highlighting their intersectional experiences. To do so, I used the methodologies of Narrative Research, Content Analysis, Participatory Research, and Intersectional research. As a main result of the study, I obtained confirmation of my initial hypothesis that more than one type of system of oppression is at work when a woman with a disability occupies a public administrative position.

Municipal Council; Feminist disability studies; Intersectionality; Women with Disabilities; Narrative research

Não se assuste, pessoa, se eu lhe disser que os indivíduos com deficiência existem

Este é um artigo1 1 Este artigo foi produzido como resultado da pesquisa Vivências de mulheres com deficiência na gestão de um conselho municipal, realizada em 2019 no curso de Especialização em Linguagem, Cultura e Mídia do de Departamento de Ciências Humanas, pertencente ao campus de Bauru, SP da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Bauru, SP, Brasil. escrito a quatro mãos, mas narrado na primeira pessoa do singular pela primeira autora. Mais do que uma questão de estilo, essa é uma opção metodológica que visa trazer visibilidade às experiências pessoais. A segunda autora participou deste estudo como orientadora e como interlocutora na construção das análises aqui elaboradas.

Feitas as observações acima, relato que, durante minhas vivências como mulher branca, cisgênero e com deficiências, pude perceber o quanto a intersecção dessas categorias intensificam a vigilância social, o preconceito e a espera por um padrão de personalidade estereotipado, no qual as expectativas de gênero se exacerbam: ser uma mulher dócil, submissa e assexuada. Tais expectativas se acentuam ainda mais quanto maior for o grau da deficiência e de sua dissonância em relação aos padrões estéticos e de funcionalidade (Gavério, 2017GAVÉRIO, Marco Antonio. Nada sobre nós, sem nossos corpos! O local do corpo deficiente nos disability studies. Revista Argumentos, 14(1), Fortaleza, 2017, pp.95-117 [ https://www.periodicos.unimontes.br/index.php/argumentos/article/view/1158 - acesso em 03 abr. 2024].
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) de um corpo humano considerado típico e “eficiente”. Por mais que a tendência social seja a de se utilizarem termos que dissimulam preconceitos, o capacitismo (conceito que exprime a discriminação contra as pessoas com deficiência) continua agindo nas entrelinhas.

Ao nascer com dois tipos de deficiência (física e auditiva), minhas memórias de infância são, em grande parte, de frequências assíduas a sessões médicas e reabilitativas, cujo principal objetivo era me “capacitar” para uma vida independente. Meta essa que foi parcialmente cumprida, devido às particularidades do meu caso clínico: eu aprendi a comer e a andar sozinha, mas continuo com grandes restrições de movimentos dos meus braços e do meu pescoço, de modo que sempre precisarei do auxílio de cuidadores.

Até hoje lido com indagações sociais quanto às minhas capacidades intelectuais e, até mesmo, se eu não teria uma dose de culpa por não conseguir realizar algumas tarefas cotidianas de forma autônoma. “Mas você fez mesmo todos os exercícios que te passaram na fisioterapia?”; “Tem certeza de que você não consegue se vestir sozinha, ou é por que você não quer?”; “Desse jeito, você vai continuar sempre morando com seus pais e não vai se casar, porque quem iria querer uma esposa nessas condições?”; “Se você ficasse menos torta, você seria mais bonita”. Essas foram as frases mais marcantes que já ouvi de outros indivíduos, e as reproduzo aqui para ilustrar um pouco do capacitismo que as pessoas com deficiência enfrentam diariamente e de como ele pode estar relacionado com questões de gênero e sexualidade. Dessa maneira, a responsabilidade por se fazer alguém capaz de despertar amor, respeito ou desejo estaria a cargo exclusivo do indivíduo, desresponsabilizando a sociedade, o Estado e os discursos médicos e midiáticos sobre a forma como se organizam para a assistência e garantia de cidadania às pessoas com deficiência.

A vigilância social se intensifica quando rebato os comentários capacitistas, pois não é difícil de se encontrarem reações de espanto e de até certa repreensão de alguns indivíduos por eu estar me defendendo com certo vigor, o que não é esperado do temperamento de uma mulher branca, sobre a qual paira também a expectativa de uma performance burguesa, quer dizer, de que não faça "barraco" – termo que denuncia o classismo da sociedade brasileira, o qual não se separa facilmente do seu racismo. Essas expectativas se frustram ainda mais quando a reação vem de uma jovem nas minhas condições.

Todas essas constatações estão de acordo com as afirmações de alguns teóricos (Mello; Nuernberg, 2012MELLO, Anahi Guedes de; NUERNBERG, Adriano Henrique. Gênero e deficiência: interseções e perspectivas. Revista Estudos Feministas, v. 20 n. 3, Florianópolis, 2012, pp.635-655 [ https://www.scielo.br/j/ref/a/rDWXgMRzzPFVTtQDLxr7Q4H/ - acesso em 03 abr. 2024].
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) dos estudos feministas da deficiência (feminist disability studies), ao explicarem que as categorias de deficiência e de feminilidade reforçam-se mutuamente, pois a ambas estão associados os mesmos estereótipos (passividade/atividade) de suas respectivas dicotomias identitárias: feminilidade/masculinidade e deficiência/não deficiência, configurando uma “dupla desvantagem” e potencializando a exclusão das mulheres com deficiência.

O aprofundamento das conexões teóricas entre deficiência e gênero se deu, conforme já mencionado acima, com o desenvolvimento da vertente dos estudos feministas da deficiência (feminist disability studies), que são considerados como a segunda geração dos estudos sobre deficiência (disability studies). Alargo esse debate a partir de uma leitura que considera a interseccionalidade como ferramenta metodológica e analítica, oferecendo-me a chave de entrada para lidar com as entrevistas que constituem o material empírico deste artigo.

Nesta primeira seção, acho fundamental que nos aproximemos da formação do movimento das pessoas com deficiência, buscando suas conexões com outros movimentos identitários que tomaram força a partir da segunda metade da década de 1960. Naquele contexto de lutas políticas pela visibilidade e igualdade de direitos de diversas categorias sociais, a mobilização acadêmica e ativista das pessoas com deficiência surgiu com uma agenda de contestação ao modelo biomédico, que reduzia a complexidade humana do indivíduo à sua condição corporal de ter uma deficiência, para depois alargar sua agenda, dialogando com outros movimentos que, como ele, criticavam a restrição da deficiência à dimensão biológica, não dando espaço para o diálogo com a dimensão social (Gomes et al., 2019GOMES, Ruthie Bonan et al. Novos diálogos dos estudos feministas da deficiência. Revista Estudos Feministas, 27(1), Florianópolis, 2019, pp.1-14 [ https://www.scielo.br/j/ref/a/c7sJxYbSppg9kQMNvwvN6fh/ - acesso em 03 abr. 2024].
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).

Dessa forma, os primeiros críticos e ativistas dos estudos sobre deficiência (disability studies) procuraram demonstrar que as “limitações” vividas por essa categoria de pessoas não estavam nos corpos em si, mas ocorriam devido às barreiras arquitetônicas/visuais/comunicacionais/atitudinais encontradas em todas as esferas da sociedade. Pela primeira vez, houve a separação epistemológica entre os conceitos de lesão (impairment) e deficiência (disability), sendo este último provocado pela falta de acessibilidade no meio social.

Se as referidas barreiras fossem eliminadas, segundo os primeiros teóricos dos estudos sobre deficiência, e o suporte necessário a essa categoria de pessoas fosse adequadamente fornecido, tais indivíduos estariam em igualdade de condições com os demais. Essa teoria foi cunhada, pelo movimento ativista e acadêmico, como o Modelo Social da Deficiência. “A partir desse modelo, os problemas enfrentados pelas pessoas com deficiência são resultados da opressão social, e não de seus déficits individuais. Isso transfere certa responsabilidade moral para a sociedade” (Gomes, 2019GOMES, Ruthie Bonan et al. Novos diálogos dos estudos feministas da deficiência. Revista Estudos Feministas, 27(1), Florianópolis, 2019, pp.1-14 [ https://www.scielo.br/j/ref/a/c7sJxYbSppg9kQMNvwvN6fh/ - acesso em 03 abr. 2024].
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:2).

Porém, a partir da década de 1990, tais reflexões, e a maneira como elas foram engendradas, começaram a ser questionadas por outros representantes do movimento das pessoas com deficiência (mulheres com deficiência, feministas ou mães de crianças com deficiências consideradas severas pelo modelo biomédico).

A colaboração de teóricas feministas na área dos estudos sociais da deficiência, culminando na segunda geração desse movimento (os estudos feministas da deficiência ou, em inglês, feminist disability studies), trouxe visibilidade para outras realidades sociais, inclusive para as questões das interseccionalidades entre gênero, raça e orientação sexual; da interdependência humana e do direito ao cuidado como elemento fundamental da dignidade, e não restrito somente à esfera privada da vida do indivíduo com deficiência e de seus cuidadores. Além disso, as teóricas feministas também trouxeram, para a pauta do movimento, discussões sobre a dor e sobre as pessoas cujas deficiências as incapacitam totalmente para a independência na vivência social (Diniz, 2003DINIZ, Debora. Modelo social da deficiência: a crítica feminista. Série Anis (28), Brasília, 2003, pp.1-8 [ https://anis.org.br/publicacoes/modelo-social-da-deficiencia-a-critica-feminista-2003/ - acesso em 03 abr. 2024].
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).

Em suma, os estudos sobre deficiência atualmente se constituem de um campo multidisciplinar, cujas investigações dialogam com áreas da sociologia, da psicologia e da antropologia, abordando temáticas como sexualidade, direitos humanos e políticas públicas. Inclusive, os diálogos entre os estudos sobre deficiência e o feminismo também geraram outras perspectivas críticas, como a teoria crip, que busca desassociar o conceito de lesão com o de anormalidade, destacando o papel do discurso nas construções de categorias sociais. “[...] O ‘corpo normal, sem deficiências’ (able-body) só pode surgir em um sistema de ‘normalidade compulsória’, em que se especifica e corporifica na figura do(da) ‘deficiente’ sua oposição” (Gavério, 2015a:73).

Deficiente, pesquisadora, ativista e feminista

Tendo me tornado pesquisadora e ativista, tanto da causa das pessoas com deficiência como do feminismo no Brasil, a questão da interseccionalidade se impôs. Como pensar no meu corpo sem um gênero, uma cor, uma sexualidade, um lugar de classe e um tempo geracional?

Embora a noção de interseccionalidade seja bastante difundida atualmente devido aos movimentos feministas negros, há divergências entre vertentes teóricas que se debruçam sobre o mesmo conceito. A interseccionalidade é tratada aqui não só como uma ferramenta analítica, mas também como uma proposta metodológica, uma vez que, ao trazer a experiência de mulheres cisgêneras, tratadas socialmente como brancas e que ocuparam lugares de liderança em uma cidade de médio porte do interior paulista, considero também como essas articulações impactam suas vivências como pessoas com deficiência e como a deficiência compõe essas mesmas vidas, sem deixar de sublinhar a diversidade dentro da própria "deficiência".

Como discute Michel Bérubé (2021), pensar deficiência entrelaçada com outros marcadores é sempre uma operação complexa. Complexidade que aparece de forma flagrante nesta pesquisa, na qual busquei trazer visibilidade não só à tensão entre gênero e deficiência, mas também aos invisibilizados enfrentamentos cotidianos pelos quais as mulheres que compõem este estudo passam no afã de conquistarem seu espaço e garantirem seus direitos.

O recrudescimento conservador que, desde 2018, tem marcado o cenário político nacional e internacional tem trazido sérias consequências para as lutas identitárias. O alcance das vozes de mulheres com deficiência se restringe nesses contextos de ofensiva antigênero (Prado; Corrêa, 2018), que é claramente antifeminista e está implicada com o neoliberalismo, que é, por definição, capacitista.

Quando elegi um tema de pesquisa como exigência final para me tornar especialista na área da pós-graduação que cursei, considerei investigar um Conselho Municipal relativo à proteção dos direitos das pessoas com deficiência, por ser ali um espaço político de embates, militância e legitimação (ou não) de direitos sociais. A escolha levou em conta o lugar que mulheres com deficiência ocupavam naquela instância. Encontrei, em uma cidade próxima à minha de origem, um espaço no qual eu mesma pude atuar como pessoa com deficiência e que também servia aos fins de minha pesquisa, uma vez que o cargo de coordenador geral estava sendo ocupado por uma mulher com paraplegia2 2 Soube depois que outra mulher com deficiência que frequentava as reuniões ordinárias na ocasião também já havia sido gestora do mesmo Conselho. .

Como essas mulheres com deficiência lidam com os desafios da gestão do Conselho Municipal, considerando gênero, classe e deficiência como marcadores sociais fundamentais para se compreender o entrelaçamento entre vida pública e pessoal de tais mulheres? Sendo o espaço político um lugar composto majoritariamente por homens sem deficiência, que tipos de opressões as gestoras em questão podem enfrentar e como elas significam tais experiências? Como a participação em um Conselho Municipal voltado para os direitos das pessoas com deficiência constitui a subjetividade dessas mulheres? Essas são as principais perguntas que procurei investigar com este estudo.

Devido à natureza do problema de pesquisa, o estudo teve um viés qualitativo. Lidei com a subjetividade e as narrativas de seres humanos e, por esse motivo, a metodologia da Pesquisa Narrativa3 3 A respeito da Pesquisa Narrativa, entendo que ela consiste em uma dinâmica entre pesquisador e pesquisado, uma forma de coleta de relatos sobre um tema tendo em vista a compreensão de um panorama maior (De Oliveira, 2008). O método, difundido primeiramente na área da linguística, logo encontrou aplicações em outros campos do conhecimento, como nos estudos feministas, assumindo uma importância não apenas acadêmica, mas também política, buscando dar ouvidos a experiências de grupos historicamente excluídos da produção do conhecimento científico. . Para a execução da Pesquisa Narrativa, a técnica da entrevista em profundidade do tipo semiestruturada foi a melhor escolha porque, a partir de um número reduzido de perguntas, o próprio entrevistado ou entrevistada adquire a liberdade de discorrer amplamente sobre os temas solicitados (Duarte, 2005DUARTE, Jorge. Entrevista em profundidade. In: BARROS, Antonio; DUARTE, Jorge (org.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo, Atlas, 2005, pp.62-83.).

Vale mencionar também a utilização do método da Pesquisa Participante durante os primórdios da formulação deste artigo. A Pesquisa Participante é definida como “[..] um tipo de investigação em que o pesquisador interage com o grupo pesquisado, acompanha as atividades relacionadas ao ‘objeto’ em estudo e desempenha algum papel cooperativo no grupo” (Peruzzo, 2005PERUZZO, Cicilia Maria Krohling. Observação participante e pesquisa-ação. In: BARROS, Antonio; DUARTE, Jorge (org.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo, Atlas, 2005, pp.125-145.:137). Tal metodologia contribuiu com a escolha do Conselho Municipal e das mulheres com deficiência que nele seriam entrevistadas.

Com relação à interseccionalidade, busco abordar fenômenos sociais, como a deficiência, a partir de perspectivas críticas que não isolam opressões ou desconsideram o seu poder disruptivo. Procurei realizar uma pesquisa atenta

às diferentes experiências de opressão e privilégio intragênero. Isso só é possível quando a universalidade do ‘ser mulher’ e do ‘ser homem’ é desafiada pela análise das corporalidades que marcam essas experiências, produzidas em contextos que hierarquizam racialmente os sujeitos4 4 A questão racial, sintomaticamente, não foi abordada pelas entrevistadas, uma vez que as entrevistadas são tratadas socialmente como brancas. (Daz-Benitez; Mattos, 2019:82).

Em complemento à colocação das autoras, acrescento que esses contextos hierarquizam também as corporalidades a partir do binário eficiência/deficiência.

Ser mulher com deficiência5 5 A autora prefere usar o termo “pessoas com diversidade funcional” ao invés de “pessoas com deficiência”, mas mantive aqui o termo “deficiência” para estar de acordo com a terminologia que vim seguindo até então. , discute Andrea García-Santesmases (2023)GARCÍA-SANTESMASES, Andrea. El cuerpo deseado: la conversación pendiente entre feminismo y anticapacitismo. Kaótica Libros, 2023., é estar em um limbo de gênero, de uma sexualidade anulada ou fetichizada. Assim, a interseccionalidade funciona como ferramenta teórico-metodológico capaz de demonstrar a indissociabilidade entre estruturas de dominação (Akotirene, 2019AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. Pólen Produção Editorial LTDA, 2019.), como o são o machismo/sexismo, o racismo, o capacitismo e o próprio neoliberalismo. Este último, com seu discurso de enaltecimento do indivíduo capaz e eficiente, contribui para conformar uma miríade discursiva por meio da qual a deficiência é infantilizada, desgenerificada e desqualificada como cidadania possível.

Então, se mulheres consideradas típicas, isto é, que estejam dentro dos padrões das supostas “normalidade” e “eficiência”, já enfrentam tabus e outros desafios ao assumirem cargos de liderança, tanto na esfera pública quanto na privada, simplesmente devido a seu gênero, como são as experiências de mulheres que, nessas mesmas situações, ainda apresentam outro marcador social de desigualdade: a deficiência?

Vamos aos Conselhos Municipais, órgãos públicos e permanentes, de composição paritária e caráter deliberativo, com a incumbência de formular, supervisionar e avaliar a execução de políticas públicas em cada área de atuação. São instâncias de criação obrigatória para que o município possa receber recursos financeiros vindos da esfera federal (Bronstein et al., 2017BRONSTEIN, Michelle Muniz; FONTES FILHO, Joaquim Rubens; PIMENTA, Gabriel Alves. Organização dos Conselhos Municipais: governança e participação da sociedade civil. Interações, 18(1), Campo Grande, 2017, pp.89-102 [ https://www.scielo.br/j/inter/a/dhm4RRbqSJ9MmJJXQ3QMRYd/ - acesso em 03 abr. 2024]
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). A escolha de um referido Conselho Municipal voltado para a defesa dos direitos das pessoas com deficiência teve a ver com a constatação da presença, nos tempos passado e presente, de duas mulheres com deficiência em cargo de gestão (coordenadora geral) do órgão público.

Como princípio de ética em pesquisa, optei pelo uso de nomes fictícios e pela não identificação do Conselho e de sua cidade de origem para evitar possíveis atritos e constrangimentos devido ao teor dos depoimentos coletados. Sendo assim, as próprias entrevistadas escolheram outro nome para serem citadas no artigo. Segue abaixo uma breve descrição das duas participantes da pesquisa:

- Cibele se define como mulher branca, primeira coordenadora do respectivo Conselho na condição de mulher com deficiência. Atuou na gestão durante um biênio, tendo ocupado por mais dois anos o cargo de primeira secretária. Atualmente está na faixa etária dos 50-60 anos, é aposentada e tem formação de nível técnico. A entrevista com Cibele foi feita no dia 07 de junho de 2019, de maneira presencial, em local público, sendo o áudio gravado e enviado para transcrição por uma colaboradora mediante pagamento com meus próprios recursos, pois tenho deficiência auditiva, o que não me permite a compreensão de vozes humanas sem o apoio visual (a realização da leitura dos lábios da pessoa enquanto ela fala de frente para mim).

- Laura se define como mulher branca com deficiência e é coordenadora geral em exercício da função durante o decorrer desta pesquisa. Anteriormente, ocupou os cargos de segunda secretaria e de vice-coordenadora, de forma temporária. Atualmente está na faixa etária dos 30-40 anos, também é aposentada e tem formação de nível técnico. A entrevista com Laura foi realizada no dia 16 de junho de 2019, de forma on-line, a seu pedido, por meio de um aplicativo de troca de mensagens instantâneas. A conversa por escrito foi exportada e salva em um editor de texto.

Para ambas as participantes, foi produzido um roteiro de entrevista semiaberto, de acordo com a técnica metodológica escolhida. Após a coleta dos depoimentos, a pesquisa prosseguiu com suas análises, utilizando para isso a metodologia da Análise de Conteúdo com a técnica da Análise Categorial.

“A Análise de Conteúdo (AC), em concepção ampla, se refere a um método das ciências humanas e sociais destinado à investigação de fenômenos simbólicos por meio de várias técnicas de pesquisa” (Fonseca Júnior, 2005:280). Ainda segundo o autor, o objetivo principal da utilização do método é a inferência, que “[...] é considerada uma operação lógica destinada a extrair conhecimentos sobre os aspectos latentes da mensagem analisada” (2005:284).

Já a Análise Categorial, também chamada de categorização, é a técnica da AC que “[...] consiste no trabalho de classificação e reagrupamento das unidades de registro em número reduzido de categorias, com o objetivo de tornar inteligível a massa de dados e sua diversidade” (Fonseca Júnior, 2005:298). Em outras palavras, as categorias são estruturas analíticas organizadas pelo pesquisador para facilitar o trabalho de inferência e análise do material coletado nas entrevistas.

Selecionei, por meio da leitura atenta dos registros dos depoimentos das gestoras com deficiência, três categorias que abarcam um material rico de vivências e subjetividades: o despertar para o ativismo (com os relatos das mulheres sobre as motivações que as impulsionaram a participar da luta pelos direitos das pessoas com deficiência no Conselho Municipal); políticas e gestão públicas (a respeito de que as entrevistadas fizeram algumas considerações sobre o seu trabalho no Conselho e sobre o andamento das políticas públicas para pessoas com deficiência); interseccionalidades entre gênero, deficiência e gestão pública (com as reflexões das entrevistadas a respeito da condição interseccional de ser mulher com deficiência ocupando um cargo gerencial).

O despertar para o ativismo

Reconhecer-se como pessoa com deficiência, em grande parte das vezes, não é um processo fácil. Atrelado ao estigma de incapacidade que permeia, explícita e implicitamente, todos os aspectos da vida do indivíduo, encontra-se, no meio social, o foco na compreensão da deficiência como uma questão médica-reabilitativa (Gavério, 2015). Assim, não é raro que a pessoa com deficiência seja vista como um “objeto de estudo”, uma “anormalidade”, com enfoque justamente no fator que a diferenciaria do padrão de ser humano “típico”. Esse tratamento social dispensado a essas pessoas foi o que motivou os primeiros teóricos e ativistas dos estudos sociais da deficiência em meados de 1970 (Diniz, 2003DINIZ, Debora. Modelo social da deficiência: a crítica feminista. Série Anis (28), Brasília, 2003, pp.1-8 [ https://anis.org.br/publicacoes/modelo-social-da-deficiencia-a-critica-feminista-2003/ - acesso em 03 abr. 2024].
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).

Teoria e ativismo costumam andar juntos quando se trata de expor as opressões, as invisibilidades e os descumprimentos de direitos humanos que as pessoas com deficiência podem acabar vivenciando durante sua trajetória. Esse “despertar” para o ativismo, isto é, a busca pela defesa de seus direitos e os de outras pessoas, a partir do reconhecimento de si mesmo como pertencente a um segmento populacional que ainda é visto como uma minoria quase invisível, muitas vezes é facilitado pelo contato com outros indivíduos que vivem situações semelhantes. As trocas de experiências e de apoio mútuo podem servir como impulsionadores da tomada de consciência e do engajamento social. Foi dessa maneira que eu me tornei ativista da causa da pessoa com deficiência, ao fazer estágio em uma associação voltada para pessoas com deficiência auditiva e conhecer diversos indivíduos com experiências parecidas com as minhas. Cibele também relatou uma trajetória semelhante:

Sempre fui uma pessoa com deficiência, só que eu comecei a sentir muito mais depois que eu fiquei de cadeira [de rodas], porque a limitação é maior. Eu passei pelos três estágios [de deficiência]: usei bengala, usei muleta e hoje eu estou de cadeira. E, assim, eu penso, ainda hoje, que nós, pessoas com deficiência que tivemos uma condição de vida boa, tivemos a chance de estudar, de crescer.... Eu acho que a gente tem uma obrigação social para com aquela pessoa com deficiência menos favorecida que a gente. Favorecida financeiramente e socialmente, porque tem muita gente que nem conhece os direitos que tem, né? Mas assim, o meu primeiro envolvimento com a causa da pessoa com deficiência se deu alguns anos antes de eu ficar de cadeira de rodas, quando eu conheci a [nome pessoal suprimido], que tinha o [nome do órgão suprimido], um centro de apoio ao deficiente. Eu fiz amizade com essa menina, ela tinha miastenia muscular progressiva e já faleceu, inclusive. Ela era bem engajada, a família dela era uma família de posses, então ela tinha uma visibilidade grande aqui em [nome da cidade suprimido], né? E eu comecei a gostar da militância através dela. Quando eu a conheci, me tornei sua amiga, só que eu nunca imaginei que eu fosse estar na condição de cadeirante hoje, entendeu? E aí, quando eu me tornei cadeirante, foi justamente quando eu comecei a sentir a necessidade de me dedicar mais, porque agora eu tinha tempo. Depois que eu me tornei cadeirante, me aposentaram por invalidez, né? Então, eu tenho tempo disponível para isso [...]. Então, eu me envolvi com uma associação de cadeirantes, fundamos a primeira associação de cadeirantes da cidade, e depois eu senti uma necessidade de conhecer o Conselho mais de perto. E, quando teve eleições, fiquei como coordenadora geral e, na segunda gestão, fui a primeira secretária (Depoimento de Cibele, com grifos meus).

Cibele não tem memórias anteriores à sua condição de pessoa com deficiência, assim como eu, que fui diagnosticada com distonia aos oito meses. Apesar de a deficiência ter estado presente desde o começo de nossas vidas, o engajamento social e a tomada de consciência só vieram com a entrada em espaços associativos.

Cibele também mencionou outro fator que contribuiu para o seu engajamento no ativismo político: ter passado por diferentes “estágios” da deficiência, conforme suas próprias palavras. Durante sua vida, ela teve algumas intercorrências médicas que modificaram sua condição física. Devido a isso, Cibele tem uma percepção das deficiências de uma forma hierarquizada, principalmente no que diz respeito às habilidades de ficar em pé ou andar, em comparação a estar em uma cadeira de rodas. Esta condição se converte em um elemento poderoso nessa escala, o qual ela enumera como sendo o “terceiro estágio” da sua deficiência, que, somado com outros fatores (principalmente as suas vivências anteriores com sua amiga de militância), fez com que ela procurasse se engajar mais no movimento social.

Eu mesma já senti essa “hierarquia das deficiências”. “Pelo menos você consegue andar e não precisa de cadeira de rodas” é uma frase que ouço constantemente quando relato os detalhes das minhas deficiências para outras pessoas. O que está implícito nesse discurso é que a cadeira de rodas promoveria uma espécie de estágio avançado de limitações, embora a percepção de “limitação” necessite de ressalvas.

De acordo com a teoria crip, o conceito de limitação não se referiria exclusivamente às configurações corporais dos indivíduos, e sim designaria a interação com as barreiras que enfrentam cotidianamente, na incessante construção dos ambientes físicos, sociais e políticos. Uma das questões primordiais que definem o escopo da teoria crip é a afirmação de que “o ‘problema’ não é a pessoa com deficiências, o problema é a maneira que a normalidade é construída para criar o ‘problema’ da pessoa deficiente” (Davis, 1995DAVIS, Lennard J. Enforcing Normalcy: Disability, Deafness, and the Body. New York, Verso, 1995. Edição do Kindle.). “O que a teoria crip faz é questionar a exclusão do capacitismo como matriz de discriminação interseccional nas teorias queer, feministas e decoloniais”, propõe a antropóloga Anahí Guedes de Mello, em entrevista concedida à pesquisadora argentina Lelia Schewe (2020SCHEWE, Lelia. 'As deusas nos protejam dessas novas cruzadas': Anahí Guedes de Mello, anticapacitismo feminista desde el Sur global. Nómadas (52), Bogotá, 2020, pp.215-226 [ http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0121-75502020000100215&lng=en&nrm=iso - acesso em 03 abr. 2024].
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:221)6 6 A discussão decolonial não será contemplada neste artigo, mas permeia as discussões aqui propostas. .

Em diálogo com essa proposta, Andrea García-Santesmases Fernández coloca o corpo, o desejo e a capacidade de se autonomear como elementos constitutivos para uma teoria crip. Fernández sublinha que “la principal aportación de la teoría crip reside en la desnaturalización no ya de la ‘discapacidad’, sino precisamente de la categoría que se presenta como norma inocua, que se invisibiliza como modelo neutro: la ‘capacidad’” (2017:31). Não se trata, portanto, de desconsiderar que tenho um corpo e que este tem limites que a maioria dos corpos não têm, mas de apontar que parte desses limites são políticos e que a “capacidade”, assim como a heterossexualidade, nada tem de natural. Ambas fazem parte da “normalidade”, um imperativo.

Robert McRuer, em seu livro Crip Theory: Cultural Signs of Queerness and Disability (2006), sublinha a estratégia queer de apropriação da injúria. Nomear o campo crítico de estudos como crip (aleijado) é assumi-lo como categoria política. Trata-se de um movimento político-linguístico inspirado nos estudos queer. A partir de uma adjetivação degradante dirigida a pessoas não cis heterossexuais, os estudos queer passam a usá-lo como peça-chave para desestabilizar valores heterocisnormativos (Mareño, 2021MAREÑO, Mauricio. Una aproximación a la Teoría Crip: la resistencia a la obligatoriedad del cuerpo normativo. Argumentos: Revista de crítica social (24), Buenos Aires, 2021, pp394-3953 [https://publicaciones.sociales.uba.ar/index.php/argumentos/article/view/6987 ‒ acesso em 03 abr. 2024].
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).

Quando Cibele passa a se entender como politicamente deficiente, é quando passa também a considerar sua eficiência na política. O que a conduz nesse processo é a forma como vivenciou a hierarquização de sua deficiência. Produz-se assim um corpo que experimenta perdas de capacidades, mas essas perdas se agravam na medida em que Cibele passa a ser interpelada por barreiras que, ao fim, alicerçaram seu caminho para o ativismo.

As “hierarquias das deficiências” também assumem um papel interseccional nas atividades políticas exercidas por Cibele, conforme veremos logo mais na análise da categoria Interseccionalidades entre gênero, deficiência e gestão pública. Quando a entrevistada menciona uma “obrigação social” frente à militância, refere-se à sua condição de mulher escolarizada e pertencente à classe média profissional, o que a municiaria para lutar pelos direitos das pessoas com deficiência menos favorecidas do que ela em relação ao pertencimento de classe e à escolaridade.

Foi justamente a busca pelo conhecimento de direitos da categoria das pessoas com deficiência o motivo que impulsionou Laura a participar do Conselho Municipal. Ao contrário de mim e de Cibele, sua deficiência foi adquirida somente na idade adulta, em um acidente doméstico. Depois desse acontecimento, Laura encontrou no ativismo político um espaço para se informar sobre os direitos que teria junto com a sua nova condição corporal.

Minhas motivações, no princípio, foram as de adquirir conhecimentos sobre políticas públicas relativas aos direitos da pessoa com deficiência. Antes [do acidente] eu não prestava atenção nisso, porque não era minha realidade (Depoimento de Laura, com grifos meus).

A invisibilidade que ronda o segmento populacional das pessoas com deficiência se torna explícita no depoimento de Laura, pois ela afirma que, antes de se tornar um indivíduo com deficiência, pouco se atentava às temáticas desse universo. Essa afirmação é representativa do imaginário popular de que a deficiência é uma temática específica e distante da realidade social e acadêmica (Mello; Nuernberg, 2012MELLO, Anahi Guedes de; NUERNBERG, Adriano Henrique. Gênero e deficiência: interseções e perspectivas. Revista Estudos Feministas, v. 20 n. 3, Florianópolis, 2012, pp.635-655 [ https://www.scielo.br/j/ref/a/rDWXgMRzzPFVTtQDLxr7Q4H/ - acesso em 03 abr. 2024].
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).

Políticas e gestão públicas

A invisibilidade marca o cotidiano de pessoas com deficiência e agrava-se em contextos de poder. Cibele fala sobre essa realidade quando relata algumas de suas experiências como coordenadora geral do Conselho e mergulha ainda mais fundo nessa problemática ao enfatizar que a falta de visibilidade e de conhecimentos legais da categoria está presente entre as próprias pessoas com deficiência.

Infelizmente, o que eu vejo também é que a participação da própria pessoa com deficiência, que deveria ser protagonista da sua história, ela não existe. São poucas as pessoas com deficiência que têm essa consciência social de estar participando, de se preocupar com a causa. Que nem, por exemplo, o Conselho, ainda falta para ele um pouco mais de visibilidade, tem muita gente que nem sabe que o Conselho existe. Falta também para o Conselho um local físico apropriado. E, também falta, para a família que tem uma pessoa com deficiência, ter a consciência de que o Conselho é um meio, é uma ferramenta importante para estar inserindo o membro da família no contexto da sociedade, no contexto da luta; é criar uma consciência política. Quando eu falo em consciência política, não é uma política partidária, é uma política social mesmo. Então, eu acho que falta ainda muita coisa para que a pessoa com deficiência seja protagonista da sua história. [...] Eu, quando eu estava à frente do Conselho, todas as causas que chegavam até ele, nós sempre íamos apurar de perto, a gente sempre procurava acompanhar e cobrar. Porque, infelizmente, o Conselho é limitado, ele pode ir até um certo ponto. Ele pode sugerir, ele pode propor, ele pode fiscalizar, ele pode cobrar, mas ele não pode executar, então nosso poder está limitado. Na minha opinião, quando eu participei do Conselho como coordenadora, a gente sempre teve muita dificuldade com o poder público, eles não fazem muita questão, entendeu? Para a visão deles, nós ainda somos minoria, e as minorias, muitas vezes, não conseguem muita coisa. Eu penso assim, que se a própria Constituição fosse efetivamente aplicada, a gente nem precisaria desse monte de leis que existem. Porque não adianta nada ter um monte de leis e elas não saírem do papel. [...] Por exemplo, a própria LBI [Lei Brasileira de Inclusão], embora ela esteja inteiramente sancionada, ela ainda não é cobrada como deveria. Então, eu vejo que a LBI é só mais uma lei. O ambiente nunca está adaptado para uma pessoa com cadeira de rodas, porque eles nunca pensam na questão da mobilidade da pessoa. E a questão da acessibilidade, a gente tem que levar em consideração que ela não é só rampa, que ela não é só a porta larga, que há outras necessidades (Depoimento de Cibele, com grifos meus).

Os persistentes discursos que fazem da deficiência um problema social e uma tragédia pessoal criam mecanismos de isolamento de pessoas com deficiência, não só as exilando em espaços privados como solidificando barreiras que obstaculizam a sociabilidade entre elas. Assim, dificulta-se que se crie "uma consciência política", como aponta Cibele.

O capacitismo, assim como o machismo/sexismo e o racismo, é estrutural (Alvares Ramírez, 2023). Cibele analisa essa estrutura apontando dois dos fatores que dificultam esse empoderamento7 7 Para este artigo, considero pertinente a definição de empoderamento proposta pelo educador e filósofo Paulo Freire. “Empoderamento é […] para Freire um processo que emerge das interações sociais em que nós, seres humanos, somos construídos e, à medida que criticamente problematizamos a realidade, vamos nos ‘conscientizando’, descobrindo brechas e ideologias; tal conscientização nos dá ‘poder’ para transformar as relações sociais de dominação, poder esse que leva à liberdade e à libertação” (Hamlin; Peters, 2018:178). da pessoa com deficiência: a pouca participação da família no processo e as limitações que um Conselho Municipal possui dentro da estrutura governamental brasileira.

Cibele mencionou a falta de visibilidade e de infraestrutura do referido Conselho onde atuou como coordenadora, fatos que podem ser reafirmados por mim como pesquisadora participante das reuniões ordinárias. Em cada reunião, participavam, no máximo, umas 20 pessoas, e a maioria delas eram funcionários representantes de secretarias municipais (algo que é estipulado obrigatoriamente na composição paritária do Conselho). A participação de pessoas com deficiência nas reuniões estava, frequentemente, restrita aos mesmos indivíduos que cumpriam voluntariamente cargos bienais no órgão público. Para o porte da cidade onde está situado o Conselho em questão, a representatividade numérica da categoria nas reuniões estava muito aquém do esperado.

Estudos demonstram que, nos Conselhos Municipais,

há uma certa homogeneização dos participantes, que, apesar de representarem organizações diversas, são oriundos de uma parcela da população com renda, escolaridade e engajamento político mais elevados que as médias nacionais, e muitos são membros do funcionalismo público, o que fundamentalmente limita a representatividade dos conselhos gestores (Bronstein et al., 2017BRONSTEIN, Michelle Muniz; FONTES FILHO, Joaquim Rubens; PIMENTA, Gabriel Alves. Organização dos Conselhos Municipais: governança e participação da sociedade civil. Interações, 18(1), Campo Grande, 2017, pp.89-102 [ https://www.scielo.br/j/inter/a/dhm4RRbqSJ9MmJJXQ3QMRYd/ - acesso em 03 abr. 2024]
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:94).

Além disso, Cibele comentou sobre as dificuldades decorrentes do caráter deliberativo do órgão público onde era gestora, o que acarretava dependência e atritos com o poder municipal executivo, que, segundo ela, não dava a devida importância às demandas do Conselho. Inclusive, suas reuniões ocorriam em espaço físico cedido por uma secretaria municipal, por falta de equipamentos eletrônicos no lugar que, originalmente, deveria ser a sede das atividades do Conselho.

A questão da fiscalização e do cumprimento das leis relativas à acessibilidade e de demais direitos das pessoas com deficiência, não apenas no âmbito municipal, mas no país como um todo, também fez parte do depoimento de Cibele. Ela afirmou que o descumprimento dos direitos das pessoas com deficiência é algo generalizado. Mesmo que, desde 1988, com a promulgação da Constituição Democrática, o país tenha alargado a participação efetiva de minorias políticas nas artes decisórias da República, os obstáculos que as pessoas com deficiência enfrentam são tanto políticos e culturais quanto arquitetônicos ou jurídicos. Essa constatação remonta àquilo que Robert McRuer (2006) aponta: não é a deficiência como marcador corporal que produz desigualdades, mas sim uma sociedade construída sob o viés da normalidade compulsória.

Cibele lembrou que, dentre os estereótipos mais comuns quando a sociedade se refere à acessibilidade, está o de considerar apenas as adaptações arquitetônicas. Porém, e os recursos necessários às pessoas com outros tipos de deficiência, que igualmente enfrentam diversas barreiras e precisam de acessibilidade? Essa é uma reflexão pertinente que Cibele deixou registrada no final de seu depoimento.

Laura, por sua vez, fez apontamentos mais sucintos do que os de Cibele. Para ela, embora haja dificuldades relativas ao trabalho do Conselho e à aplicação das políticas públicas para as pessoas com deficiência no município, tudo isso também serviu como fator motivador para continuar seu trabalho e despertar ainda mais o seu ativismo, conforme explicitado com a expressão “alavanca de atitudes”, no depoimento abaixo.

Como coordenadora geral, percebi que as políticas públicas voltadas para a pessoa com deficiência são bastante lentas; porém, não devemos parar de lutar, pois é trabalho de formiguinha, mas tem resultados. Suas aplicabilidades são, realmente, mais difíceis, pois sempre existe aquela desculpa clássica de haver falta de recursos. Porém, essas experiências contribuíram na minha vida como uma alavanca de atitudes, pois percebi que devemos nos importar e lutar pelos nossos direitos, e nunca ficarmos calados (Depoimento de Laura, com grifos meus).

Se, conforme percebido pelas duas entrevistadas e por mim, ainda faltam condições em nossa sociedade para que se ocorra o real cumprimento das políticas públicas voltadas para as pessoas com deficiência de forma geral, o que concluir, então, acerca da efetivação de direitos específicos de categorias interseccionais que envolvem a deficiência, como a questão de gênero? É o que analisarei na seção a seguir.

Interseccionalidade entre gênero, deficiência e gestão pública

De acordo com o que já relatei na introdução deste artigo, minhas experiências pessoais como mulher cisgênero, branca, escolarizada e com deficiências me levaram a perceber os múltiplos fatores de opressões que se enfeixam e atravessam meu dia a dia, ainda mais quando me recuso a cumprir as expectativas de uma feminilidade hegemônica (ser uma mulher dócil, submissa e assexuada) – expectativas que pesam, via de regra, sobre pessoas com as minhas condições corporais. Quanto mais eu desafio as estruturas hegemônicas e decido ocupar espaços sociais que não são pensados para as pessoas com deficiência, mais resistência e repreensões encontro em minhas empreitadas.

Ao tencionar os eixos de opressão que constrangem minha integridade humana, de certa forma provoco fissuras em estruturas de pensamento e poder que estão concebidas para alijar a mim e a outras pessoas que, como eu, não são bem-vindas nos ciclos hegemônicos onde se reproduzem os discursos de poder.

Patricia Hill Collins e Bilge (2021)COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Interseccionalidade. Boitempo Editorial, 2021. ensinam que a interseccionalidade como ferramenta analítica tem potencial para desvelar as assimetrias globais. Ao fissurar universalismos,

a interseccionalidade fornece estrutura para explicar como categorias de raça, classe, gênero, idade, estatuto de cidadania e outras posicionam as pessoas de maneira diferente no mundo. Alguns grupos são especialmente vulneráveis às mudanças na economia global, enquanto outros se beneficiam desproporcionalmente delas (Collins; Bilge, 2021COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Interseccionalidade. Boitempo Editorial, 2021.:33).

As mulheres com deficiência estão entre aquelas especialmente vulneráveis. Quando raça e classe se colocam como eixos de opressão que constituem existências invisibilizadas, as margens políticas se alargam, jogando ainda mais tais mulheres para as bordas de um sistema produtivista que faz da eficiência uma qualidade e da deficiência uma tragédia pessoal.

Mulheres que vivem em cidades de médio e pequeno porte e fazem da deficiência agenda de luta mostram que pluralizar as lentes para pensar diversidade e desigualdade é uma ferramenta analítica e política afiada para se desmontarem cenários que perpetuam desigualdades. Pensando em como essa ferramenta pode ser operada, resolvi investigar as experiências subjetivas de mulheres com deficiência que ocuparam/ocupam espaços que não são vistos socialmente como “legítimos” para elas e até mesmo para as mulheres sem deficiência (Miranda et al., 2009MIRANDA, Ara et al. Professoras e gerentes: articulando identidade e gênero na gestão pública executiva. XXXIII Encontro da ANPAD, São Paulo, 2009, pp.1-16 [ https://arquivo.anpad.org.br/diversos/down_zips/45/EOR2742.pdf - acesso em 03 abr. 2024].
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), como cargos de liderança e de gestão pública. É sobre essa temática que se debruça a terceira categoria de análise da minha pesquisa, e tanto Cibele quanto Laura têm histórias para contar nesse sentido.

Ser mulher e pessoa com deficiência é muito mais complicado [para o exercício da gestão]. Eu digo para você que, quando eu estava na coordenação do Conselho, e o vice-coordenador era homem, ocorreram várias situações em que nós estávamos juntos em alguma reunião, com alguma autoridade, e ela, ao invés de se dirigir a mim, como coordenadora, ela se dirigia ao vice, entendeu? Porque, apesar de, tanto eu quanto ele termos uma deficiência, ele tem uma deficiência mais leve (uma prótese de quadril) e ele estava em pé, e eu na cadeira. Eu sou mulher cadeirante, e ele estava em pé e é homem. Eu estava em dupla desvantagem ali nesse caso. Então, eu senti essa diferenciação, acho que mais até pelo fato de eu ser mulher do que de ter a deficiência. Existe, realmente, um domínio masculino. O homem ainda tem uma influência maior, até mesmo sobre outras mulheres. Porque assim, principalmente na eleição agora que teve, onde a Laura foi a eleita, eu senti que houve alguma predileção pelo [nome do outro candidato suprimido], embora a gente fez todo um trabalho, um lobby [risos] por trás para ele não ser eleito, mas havia algumas mulheres ali que são favoráveis a ele, mesmo ele sendo meio machista, entendeu? Então, eu acho que é aquela velha história, né, a mulher, muitas vezes, é inimiga da própria mulher, a gente ainda não tem aquela questão da sororidade8 8 Segundo Alves (2014:73), “entendemos o conceito de Sororidade como a união feminista entre mulheres. [...] É [...] a construção de alianças existencial e política com outras mulheres, para contribuir com a eliminação social de todas as formas de opressão” . A diferença que existe entre uma mulher com deficiência e um homem com deficiência é muita, a gente realmente sempre está em desvantagem, ainda mais se você for homossexual, por exemplo. Imagina você, uma mulher lésbica e cadeirante? E negra? Que chance que ela tem? Nenhuma. Nós, mulheres com deficiência, estamos muito mais suscetíveis, não só a sofrer, assim, a própria discriminação, mas a própria violência, no sentido literal da palavra. Por que que defesa que a gente pode ter? Não temos. Então, eu acho que o que falta realmente é uma conscientização maior. É a gente ter maior visibilidade, né? Por exemplo, aqui em [nome da cidade suprimido] mesmo, nós temos 17 vereadores, e só três são mulheres. Por que não tem mais mulher? Era para ter mais mulher na Câmara. Mas é porque mulher não vota em mulher, entendeu? Esse que é o grande problema. Agora, muito menos ainda a mulher com deficiência vai ter chance na política partidária. Eu acho que nós tivemos alguns avanços nos governos anteriores, tirando o governo do Temer e agora o do Bolsonaro, pois este último está sendo um verdadeiro retrocesso para todas as minorias, principalmente para as mulheres, apesar de que ele endureceu um pouco a Lei Maria da Penha, que eu acho que foi uma das poucas coisas boas que ele fez. Mas eu acho, sim, que nós estamos vivendo uma desconstrução dos direitos da mulher como um todo. E acho que a mulher com deficiência precisa se despertar mais e assumir mais o poder feminino que ela tem. Porque a gente ainda não consegue, é muito delimitado. Nós precisamos ter uma consciência maior do poder que nós mulheres temos, independentemente de termos ou não deficiência. Então, eu acho que o que falta também entre nós, mulheres, com e sem deficiência, é a sororidade (Depoimento de Cibele, com grifos meus).

Cibele classifica sua situação na experiência vivida como uma “dupla desvantagem”, pelo fato de ser mulher e ter uma deficiência mais agravante do que a do seu vice-coordenador na época, que tinha a preferência de algumas autoridades para tratar de assuntos relacionados ao Conselho e que, na verdade, deveriam ser discutidos primeiramente com a coordenadora geral. O fato de se preferir interagir com uma pessoa que aparenta ter uma deficiência “menos agravante” do que com a outra expõe o capacitismo e a busca pela normalidade compulsória que a teoria crip aponta em seu cabedal teórico.

Dirigir-se a(o) acompanhante de uma mulher com deficiência para tratar de assuntos que dizem respeito a ela é algo que também já presenciei bastante em minha vida. Essa atitude traz implícitas: 1) a invisibilidade do indivíduo com deficiência; 2) sua infantilização; e 3) a anulação da autonomia e da capacidade de interagir socialmente e de tomar decisões por conta própria. Quando o próprio acompanhante também é pessoa com deficiência, mas tem uma condição física menos agravante, já se percebe o olhar hierárquico categorizando corpos.

Andrea García-Santesmases (2023)GARCÍA-SANTESMASES, Andrea. El cuerpo deseado: la conversación pendiente entre feminismo y anticapacitismo. Kaótica Libros, 2023. relata, em seu livro, o caso da deputada espanhola Noelia Frutos, pessoa com deficiência física, que ouviu a seguinte frase, dirigida a ela por García-Gallardo, político do partido ultradireitista VOX: “Le voy a responder como si fuera una persona como todas las demás”. O caso ganhou as redes sociais digitais. Na análise de García-Santesmase, o apoio de setores progressistas à deputada evidencia para a esquerda espanhola que o VOX não é só machista e racista, mas também capacitista. Eu diria que essa tríade não se desassocia facilmente; ao contrário, se ata em um nó górdio, que, como tal, só pode ser desatado por uma quebra de paradigmas, como as abordagens interseccionais, feministas e crip têm buscado fazer.

Quando Cibele afirma que a influência masculina costuma ter mais destaque em questões de liderança, ela “corta o nó górdio" que a alijava, assim como às suas companheiras de cargos de poder dentro do Conselho. Quando me refiro à agência de Cibele, estou em diálogo com Patricia Hill Collins e Silma Birge (2021), Lélia González (1984)GONZÁLEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, 2(1), 1984, pp.223-244 [ https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4928667/mod_resource/content/1/RACISMO%20E%20SEXISMO%20NA%20CULTURA%20BRASILEIRA.pdf - acesso em 03 abr. 2024].
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e Carla Akotirene (2019)AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. Pólen Produção Editorial LTDA, 2019.. A partir das referências dos feminismos negros, penso agência como a capacidade dos indivíduos de agirem e fazerem escolhas dentro dos limites impostos por estruturas sociais complexas e enfeixadas de opressões. Collins e Birge (2021) reconhecem que formas específicas de resistência e fortalecimento coletivo podem surgir nessas intersecções. Oferecem, assim, uma visão mais complexa e matizada da agência, que vai além das concepções tradicionais centradas na ideia de agentes totalmente autônomos ou completamente determinados pelas estruturas sociais​.

Dentro dos limites e constrangimentos sociais e institucionais que estavam postos, Cibele, Laura e outras aliadas alcançaram o objetivo de colocar novamente uma mulher na gestão pública do órgão, vencendo o concorrente masculino que, igualmente, é pessoa com deficiência.

Cibele também comentou sobre a pouca representação feminina na Câmara de Vereadores do seu município e associou esse fato à falta de sororidade entre as mulheres (“mulher não vota em mulher”, com um sentido mais abrangente, não apenas sobre as mulheres com deficiência)9 9 Essa constatação foi mencionada também em outra pesquisa, referindo-se a uma questão cultural, “[...] com a internalização, pelas próprias mulheres, de que o mundo político não seria o lugar delas” (Grossi; Miguel, 2001:175). . De fato, no Brasil, a baixa proporção de mulheres nas câmaras municipais é ainda notável e ocorre em todo o país. Em 2020, o número de vereadoras eleitas representou 16% do total de representantes das câmaras municipais (Haje, 2020HAJE, Lara. Mulheres representam 16% dos vereadores eleitos no País. Agência Câmara de Notícias, 17 de nov. de 2020 [ https://www.camara.leg.br/noticias/708248-mulheres-representam-16-dos-vereadores-eleitos-no-pais/ - acesso em 24 out. 2022].
https://www.camara.leg.br/noticias/70824...
).

Quando abordou, em seu depoimento, a categoria das mulheres com deficiência, Cibele demonstrou uma ampla consciência das múltiplas interseccionalidades existentes, para além do gênero e da deficiência. Ela menciona a questão racial e de orientação sexual, apontando o fato de ser mulher como catalisador dos demais marcadores. A entrevistada acredita que, sobretudo com relação às vulnerabilidades sociais e ao enfrentamento da violência, as mulheres com deficiência sofrem mais constrangimentos do que homens nas mesmas condições.

Laura, por sua vez, enfatizou o machismo, em detrimento do capacitismo, quando relatou as dificuldades vivenciadas durante a sua gestão no Conselho Municipal.

Encontrei obstáculos por ser mulher, não por ser deficiente, pois ainda vivemos em uma sociedade machista. Tive reuniões com autoridades e percebi que, por ser mulher, o tratamento era diferenciado. Fui em reuniões acompanhada com outro conselheiro, e, mesmo eu sendo a coordenadora, os assuntos em questão eram tratados com o outro, por ele ser homem, e eu me sentia ali como se fosse um vaso decorativo. Esses acontecimentos se agravaram no cargo de coordenadora, pois, por ser mulher, não dão a credibilidade necessária. Na sociedade atual, acredito que ainda existe muito preconceito com mulheres e homossexuais. Por fim, um deficiente heterossexual terá seus direitos mais aplicáveis, porque não só os homens, mas as pessoas em geral, não querem se posicionar em nada no que diz respeito às injustiças e preconceitos, fingem que nada está ocorrendo (Depoimento de Laura, com grifos meus).

Mesmo não citando influências do capacitismo e das “hierarquias das deficiências”, na experiência de Laura, o gênero também se coloca como marcador que se sobrepõe, o que fica patente no tratamento dado a ela por autoridades, em reuniões na presença de um vice-coordenador do gênero masculino, mesmo sendo ela, Laura, a coordenadora. Ela também identifica que o machismo se agravou na medida em que subiu na hierarquia de gestão do Conselho (ela ocupou, anteriormente, os cargos de segunda secretária e de vice-coordenadora).

Uma dessas barreiras observadas no depoimento de Laura foi a do tipo atitudinal, isto é, os comportamentos e as reações de outras autoridades perante a posição da entrevistada de coordenadora geral e o seu comparecimento nas reuniões referentes aos assuntos de interesse do órgão municipal. Por último, Laura reconheceu, implicitamente, a questão da interseccionalidade (“[...] um deficiente heterossexual terá seus direitos mais aplicáveis”) e atribuiu as discriminações existentes como sendo um problema estrutural.

Nada sobre mim sem mim ‒ ensaios para um final inclusivo

A execução deste estudo esteve baseada nas interseccionalidades entre gênero, deficiência e gestão pública, sem deixar de considerar classe e raça, ainda que de forma tangencial na análise. Devido ao ineditismo da pesquisa no Brasil, encontrei dificuldades ao buscar referências teóricas para dar mais sustentação teórica às discussões que trouxe aqui. De qualquer forma, a interseccionalidade, como ensinam Patrícia Hill Collins e Silma Bilge (2021), não é uma estrutura pronta. Olhar para os Conselhos Municipais em uma cidade de médio porte, nos quais mulheres com deficiência buscam estratégias políticas para assegurarem direitos e ampliarem uma agenda de luta, mostrou-me como os eixos de diferenciação se movem, o que significa que não há fórmula para analisá-los. Por outro lado, essa mobilidade indica que é possível agir frente às iniquidades sociais e políticas. Apesar de muitas vezes ter fracionado as interseccionalidades em pares (gênero e deficiência; deficiência e ativismo político; gênero e gestão pública), procurei usá-las como ferramenta analítica capaz de promover entendimentos mais amplos das identidades coletivas e da ação política (Collins, Bilge, 2021).

Além das teorias interseccionais de forma geral, encontrei um grande respaldo teórico nos estudos feministas da deficiência (feminist disability studies), na teoria crip e em alguns artigos sobre Conselhos Municipais e de relatos de experiências de mulheres sem deficiência em cargos de gestão. Assim, pude tecer a análise dos depoimentos das duas entrevistadas com base nesses referenciais, utilizando a escrita em primeira pessoa para ilustrar motivações que me levaram a fazer um artigo tão específico.

A pesquisa evidenciou a questão das “hierarquias da deficiência” como elemento importante na ordenação das relações de poder dentro da própria categoria das pessoas com deficiência, definindo socialmente aquelas que seriam consideradas como “menos incapazes” do que as demais. Porém, ficou também evidente que gênero se impõe, muitas vezes, como categoria englobante.

Na área de políticas públicas, a pesquisa buscou trazer à luz sua lenta aplicabilidade para as pessoas com deficiência e a dificuldade de mobilização e de conscientização de tais indivíduos. Mas essas adversidades não se aplicam somente às pessoas com deficiência quando observamos que a pouca participação social em um Conselho Municipal também foi constatada em outro estudo a respeito desses órgãos públicos (Bronstein et al., 2017BRONSTEIN, Michelle Muniz; FONTES FILHO, Joaquim Rubens; PIMENTA, Gabriel Alves. Organização dos Conselhos Municipais: governança e participação da sociedade civil. Interações, 18(1), Campo Grande, 2017, pp.89-102 [ https://www.scielo.br/j/inter/a/dhm4RRbqSJ9MmJJXQ3QMRYd/ - acesso em 03 abr. 2024]
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).

Por fim, outro ponto importante destacado pela pesquisa foi a possibilidade de agência das mulheres com deficiência, que, apesar das limitações sociais observadas, estão avançando na aquisição de um vocabulário político e reflexivo – vocabulário esse que dialoga com a maior visibilidade que os feminismos passaram a ter em nossa sociedade.

Em paralelo aos ativismos feministas das últimas duas décadas, movimentos de pessoas com deficiência também vêm se intensificando cada vez mais. Sempre fazendo referência ao lema ‘nada sobre nós sem nós’, juntamente com a primeira geração dos estudos sobre deficiência, o ativismo pelo mundo culminou no apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) à causa, que em 1981 instituiu o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD). O objetivo foi e ainda é dar visibilidade para esse segmento populacional e estimular a criação de políticas inclusivas a nível mundial (Pereira, 2009PEREIRA, Ray. Diversidade funcional: a diferença e o histórico modelo de homem-padrão. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 16(3), Rio de Janeiro, 2009, pp.715-728 [ https://www.scielo.br/j/hcsm/a/9d7FrYfH46n8V9JPwGcQVTf/ - acesso em 03 abr. 2024].
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).

Todas as discussões expostas neste artigo ajudam a evidenciar os diversos pontos de intersecção entre o feminismo, os estudos sobre deficiência e as áreas das políticas e da gestão públicas, trazendo à luz a grande importância dessas interações para a sociedade e os obstáculos, de toda ordem, a serem superados para que não só as mulheres com deficiência, mas todos os segmentos sociais possam desfrutar plenamente do exercício da cidadania.

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  • KALIL, Isabela Oliveira. #EleNão e #EleSim: uma perspectiva feminista sobre os protestos em São Paulo e sua repercussão. Blog da Boitempo, 04 de out. de 2018 [ https://blogdaboitempo.com.br/2018/10/04/elenao-e-elesim-uma-perspectiva-feminista-sobre-os-protestos-em-sao-paulo-e-sua-repercussao/ - acesso em 09 jun. 2020].
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    » http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0121-75502020000100215&lng=en&nrm=iso
  • 1
    Este artigo foi produzido como resultado da pesquisa Vivências de mulheres com deficiência na gestão de um conselho municipal, realizada em 2019 no curso de Especialização em Linguagem, Cultura e Mídia do de Departamento de Ciências Humanas, pertencente ao campus de Bauru, SP da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Bauru, SP, Brasil.
  • 2
    Soube depois que outra mulher com deficiência que frequentava as reuniões ordinárias na ocasião também já havia sido gestora do mesmo Conselho.
  • 3
    A respeito da Pesquisa Narrativa, entendo que ela consiste em uma dinâmica entre pesquisador e pesquisado, uma forma de coleta de relatos sobre um tema tendo em vista a compreensão de um panorama maior (De Oliveira, 2008DE OLIVEIRA, Vera Lúcia Menezes et al. A pesquisa narrativa: uma introdução. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, 8(2), Belo Horizonte, 2008, pp.1-6 [https://www.scielo.br/j/rbla/a/gPC5BsmLqFS7rdRWmSrDc3q/ ‒ acesso em 03 abr. 2024].
    https://www.scielo.br/j/rbla/a/gPC5BsmLq...
    ). O método, difundido primeiramente na área da linguística, logo encontrou aplicações em outros campos do conhecimento, como nos estudos feministas, assumindo uma importância não apenas acadêmica, mas também política, buscando dar ouvidos a experiências de grupos historicamente excluídos da produção do conhecimento científico.
  • 4
    A questão racial, sintomaticamente, não foi abordada pelas entrevistadas, uma vez que as entrevistadas são tratadas socialmente como brancas.
  • 5
    A autora prefere usar o termo “pessoas com diversidade funcional” ao invés de “pessoas com deficiência”, mas mantive aqui o termo “deficiência” para estar de acordo com a terminologia que vim seguindo até então.
  • 6
    A discussão decolonial não será contemplada neste artigo, mas permeia as discussões aqui propostas.
  • 7
    Para este artigo, considero pertinente a definição de empoderamento proposta pelo educador e filósofo Paulo Freire. “Empoderamento é […] para Freire um processo que emerge das interações sociais em que nós, seres humanos, somos construídos e, à medida que criticamente problematizamos a realidade, vamos nos ‘conscientizando’, descobrindo brechas e ideologias; tal conscientização nos dá ‘poder’ para transformar as relações sociais de dominação, poder esse que leva à liberdade e à libertação” (Hamlin; Peters, 2018HAMLIN, Cynthia; PETERS, Gabriel. Consumindo como uma garota: subjetivação e empoderamento na publicidade voltada para mulheres. Lua Nova: Revista de Cultura e Política (103), São Paulo, 2018, pp.167-202 [ https://www.scielo.br/j/ln/a/GCqb4qVWnhWz4zccQjhR7qv/ - acesso em 03 abr. 2024].
    https://www.scielo.br/j/ln/a/GCqb4qVWnhW...
    :178).
  • 8
    Segundo Alves (2014ALVES, Simone Silva. Saberes das mulheres veteranas na economia solidária: sororidade a outra educação!. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.:73), “entendemos o conceito de Sororidade como a união feminista entre mulheres. [...] É [...] a construção de alianças existencial e política com outras mulheres, para contribuir com a eliminação social de todas as formas de opressão”
  • 9
    Essa constatação foi mencionada também em outra pesquisa, referindo-se a uma questão cultural, “[...] com a internalização, pelas próprias mulheres, de que o mundo político não seria o lugar delas” (Grossi; Miguel, 2001GROSSI, Miriam Pillar; MIGUEL, Sônia. Transformando a diferença: as mulheres na política. Revista Estudos Feministas, 9(1), Florianópolis, 2001, pp.167-206 [ https://www.scielo.br/j/ref/a/D3mtYCb7yv3yQkKqgkv4Xrn/ - acesso em 03 abr. 2024].
    https://www.scielo.br/j/ref/a/D3mtYCb7yv...
    :175).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2024
  • Data do Fascículo
    Set 2024

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2022
  • Aceito
    27 Maio 2024
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