Resumos
Objetivo Elaborar recomendações para o diagnóstico, manejo e tratamento da nefrite lúpica no Brasil.
Método Revisão extensa da literatura com seleção dos artigos com base na força de evidência científica e opinião dos membros da Comissão de Lúpus Eritematoso Sistêmico da Sociedade Brasileira de Reumatologia.
Resultados e conclusões 1) A biópsia renal deve ser feita sempre que possível e houver indicação e quando não for possível, o tratamento deve ser orientado com base na inferência da clase histológica. 2) Devem ser implementados medidas e cuidados idealmente antes do início do tratamento, com ênfase na atenção ao risco de infecção. 3) Devem-se compartilhar riscos e benefícios do tratamento com pacientes e familiares. 4) O uso da hidroxicloroquina (preferencialmente) ou difosfato de cloroquina é recomendado para todos os pacientes (exceto contraindicação) durante as fases de indução e manutenção. 5) A avaliação da eficácia do tratamento deve ser feita com critérios objetivos de resposta (remissão completa/remissão parcial/refratariedade). 6) Os IECA e/ou BRA são recomendados como antiproteinúricos para todos os pacientes (exceto contraindicação). 7) A identificação de sinais clínicos e/ou laboratoriais sugestivos de GN laboratoriais sugestivos de glomerulonefrite proliferativa ou membranosa deve indicar início imediato de terapia específica incluindo corticosteroides e agente imunossupressor, mesmo que não seja possível comprovação histológica. 8) O tempo de uso dos imunossupressores deve ser no mínimo de 36 meses, mas eles podem ser mantidos por períodos mais longos. A sua suspensão só deve ser feita quando o paciente atingir e mantiver remissão completa sustentada. 9) Deve-se considerar nefrite lúpica refratária quando a remissão completa ou parcial não for alcançada após 12 meses de tratamento adequado, quando uma nova biópsia renal deve ser considerada para auxiliar na identificação da causa da refratariedade e decisão terapêutica.
Lúpus eritematoso sistêmico; Nefrite lúpica; Terapêutica; Brasil; Consenso
Objective To develop recommendations for the diagnosis, management and treatment of lupus nephritis in Brazil.
Method Extensive literature review with a selection of papers based on the strength of scientific evidence and opinion of the Commission on Systemic Lupus Erythematosus members, Brazilian Society of Rheumatology.
Results and conclusions (1) Renal biopsy should be performed whenever possible and if this procedure is indicated; and, when the procedure is not possible, the treatment should be guided with the inference of histologic class. (2) Ideally, measures and precautions should be implemented before starting treatment, with emphasis on attention to the risk of infection. (3) Risks and benefits of treatment should be shared with the patient and his/her family. (4) The use of hydroxychloroquine (preferably) or chloroquine diphosphate is recommended for all patients (unless contraindicated) during induction and maintenance phases. (5) The evaluation of the effectiveness of treatment should be made with objective criteria of response (complete remission/partial remission/refractoriness). (6) Angiotensin-converting enzyme inhibitors and/or angiotensin receptor blockers are recommended as antiproteinuric agents for all patients (unless contraindicated). (7) The identification of clinical and/or laboratory signs suggestive of proliferative or membranous glomerulonephritis should indicate an immediate implementation of specific therapy, including corticosteroids and an immunosuppressive agent, even though histological confirmation is not possible. (8) Immunosuppressives must be used during at least 36 months, but these medications can be kept for longer periods. Its discontinuation should only be done when the patient could achieve and maintain a sustained and complete remission. (9) Lupus nephritis should be considered as refractory when a full or partial remission is not achieved after 12 months of an appropriate treatment, when a new renal biopsy should be considered to assist in identifying the cause of refractoriness and in the therapeutic decision.
Systemic lupus erythematous; Lupus nephritis; Therapeutics; Brazil; Consensus
Introdução
O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica autoimune cuja etiopatogenia envolve múltiplos genes, fatores hormonais e ambientais. É uma doença pleomórfica com ampla variabilidade fenotípica de apresentação, gravidade e curso clínico e evolui habitualmente com períodos de atividade e de remissão. A maioria dos pacientes tem um curso relativamente benigno, porém a sobrevida global é menor quando comparada à da população geral, com razão de mortalidade padronizada de 2,4 a 6,4.1 As principais causas de morte são: infecção, atividade da doença, doença cardiovascular, lesão renal e câncer (A).1-3 A morbimortalidade é particularmente elevada nos pacientes com acometimento renal (C).2-9 A glomerulonefrite (GN) é a causa mais frequente do uso de doses elevadas de corticosteroides (CE) e imunossupressores, a condição que mais requer internação hospitalar e o principal fator relacionado ao aumento da mortalidade. A progressão para insuficiência renal crônica terminal ou, mais modernamente, doença renal crônica estabelecida (DRCe), definida por taxa de filtração glomerular (TFG) ≤ 15 mL/minuto, com necessidade de terapia renal substitutiva, ocorre em 10% a 30% dos pacientes, principalmente nos que apresentam glomerulonefrite proliferativa (GNP).10,11 Ao mesmo tempo, nos pacientes com LES em diálise, a sobrevida em cinco anos é menor do que a dos indivíduos em diálise sem LES.9
O envolvimento renal no LES ocorre clinicamente em cerca de 60% dos pacientes e pode determinar alterações tubulares, intersticiais, vasculares e glomerulares. No entanto, é o envolvimento desse último compartimento que determina a maior parte dos sinais e sintomas da nefrite lúpica (NL) (B).12 À semelhança das manifestações em outros sistemas, a NL também apresenta graus distintos de gravidade, com períodos de atividade e remissão, que determinam a escolha dos agentes terapêuticos a serem empregados (B).13 Na prática clínica, nem sempre é possível fazer a biópsia renal, embora esse seja um procedimento relativamente simples quando feito por profissionais experientes.14 A biópsia permite o reconhecimento de marcadores diagnósticos e prognósticos que podem influenciar a escolha terapêutica. Para os pacientes não submetidos à biópsia renal, e para todos ao longo da evolução, usam-se marcadores clínicos e laboratoriais que auxiliam a caracterizar a gravidade e atividade da GN (B)15 e orientam o uso dos agentes imunomoduladores e/ou imunossupressores.
O objetivo principal do tratamento é alcançar a remissão completa (RC), que está associada a bom prognóstico em longo prazo.11,16 No entanto, apesar dos esquemas terapêuticos atuais, menos do que 50% dos pacientes com NL obtém RC após os primeiros seis meses de tratamento (B).17-19
O presente consenso tem como objetivo apresentar as principais recomendações para a abordagem clínica da NL, que envolvem diagnóstico, prognóstico, tratamento (indução e manutenção), cuidados durante o uso dos medicamentos, terapia adjuvante à imunossupressão, abordagem dos casos refratários e identificação de comorbidades associadas, todos contextualizados à realidade do nosso país.
Material e métodos
Este consenso foi elaborado após uma revisão sistemática da literatura associada à opinião de 13 reumatologistas com experiência clínica em NL, 11 dos quais compõem a Comissão de LES da SBR, além de dois convidados (CAAS e EMNA). A revisão sistemática da literatura, que incluiu a seleção prévia de uma série de questões previamente identificadas pelo grupo de trabalho, e as votações das recomendações foram feitas de acordo com o método Delphi modificado. As bases de dados incluíram o Medline, Scielo, Pubmed e Embase até novembro de 2013. Os participantes, após terem analisado os dados obtidos na literatura, expressaram sua opinião sobre cada tema em discussões via internet e votaram sobre as recomendações de forma confidencial. As votações ocorreram em reuniões presenciais em maio e julho de 2014 de forma hierarquizada de acordo com as seguintes opções: a) concordo completamente; b) concordo com alguma reserva; c) concordo com muitas reservas; d) rejeito com reservas; e) rejeito completamente. Quando não havia concordância de pelo menos 70% dos participantes (para as opções a, b ou c), foram feitas novas discussões seguidas de ajustes para a recomendação e novas votações até o alcance desse percentual mínimo. Os percentuais de concordância entre os participantes foram informados para cada recomendação. Quando possível, os níveis de evidência foram expressos de acordo com a classificação de Oxford:
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Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência
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Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência
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Relatos de casos (estudos não controlados).
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Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais.
Biópsia renal
Recentemente, o ACR (American College of Rheumatology)20 e a Eular (European League Against Rheumatism), em associação com dois grupos europeus de nefrologia (European Renal Association/European Dialysis and Transplant Association),21 publicaram recomendações para o manejo de pacientes com LES com acometimento renal fundamentadas nos achados histológicos.
A biópsia renal deve ser feita sempre que possível,20,21 uma vez que os parâmetros clínicos, imunológicos e laboratoriais não predizem os achados histológicos.20-22 Esse procedimento poderá orientar melhor o tratamento e prognóstico e deverá ser sempre feito por profissionais experientes e habilitados.23
A Eular recomenda que a biópsia renal seja feita sempre que houver qualquer sinal de envolvimento renal, especialmente proteinúria ≥ 0,5 g/24 horas com hematúria dismórfica glomerular e/ou cilindros celulares (C).21 O ACR recomenda a feitura da biópsia (exceto se fortemente contraindicada) sempre que houver sinais de envolvimento renal com elevação da creatinina sérica sem causa aparente (não relacionada ao LES), proteinúria ≥ 1,0 g/24 horas isolada ou proteinúria ≥ 0,5 g/24 horas associada a hematúria e/ou cilindros celulares(C).20 Quando a TFG for menor do que 30 mL/minuto, a decisão de biópsia deve levar em consideração o tamanho renal normal (> 9 cm) e/ou evidência de doença renal ativa.21
O padrão histológico da NL deve seguir as novas definições revisadas pelas sociedades internacionais de nefrologia e patologia,24,25 conhecida como a classificação de nefrite lúpica da International Society of Nephrology/Renal Pathology Society 2003 (ISN/RPS 2003) (C) (tabela 1). Segundo essas normatizações, devem ser avaliados o glomérulo e a região túbulo-intersticial, com descrições de atividade e cronicidade, além do componente vascular que habitualmente está associado à síndrome do anticorpo antifosfolipídeo (SAF) (C).20,21,24,25 Uma amostra é considerada adequada quando tiver mais de oito glomérulos e recomenda-se imunofluorescência ou imuno-histoquímica para a identificação de depósitos de imunoglobulinas e complemento. Se possível, a microscopia eletrônica também deve ser feita, pois facilita a avaliação de lesões proliferativas e membranosas(C).21,24,25
Classificação da nefrite lúpica da International Society of Nephrology/Renal Pathology Society 2003
A repetição da biópsia frente a novos surtos de atividade renal habitualmente não é necessária26,27 e não oferece informações adicionais quanto a desfechos renais em longo prazo.28 No entanto, em pacientes sem resposta adequada ao tratamento, a repetição da biópsia pode auxiliar na identificação da causa da refratariedade20,21,29 e auxiliar na decisão terapêutica.21,29
Neste consenso recomendamos a biópsia renal sempre que houver elevação da creatinina sérica sem causa aparente e potencialmente associada ao LES, proteinúria isolada ≥ 1,0 g/24 horas (ou relação proteinúria / ceratininúria ≥ 1,0) ≥ 0,5 g/24 horas (ou relação proteinúria / ceratininúria ≥ 0,5) associada a hematúria dismórfica glomerular e/ou cilindros celulares. Essas alterações devem ser confirmadas em um segundo exame (tabela 2).
Avaliação da nefrite lúpica sem biópsia renal: inferência da classe histológica para a decisão terapêutica e avaliação evolutiva
Na maioria dos casos de NL, a clínica, a sorologia e os testes laboratoriais não conseguem predizer, de forma precisa, os achados histológicos e nem diferenciar outras possíveis causas de doença renal.20-22 Por outro lado, esse conjunto de dados pode ser muito útil no acompanhamento clínico da nefrite e, em especial, pode auxiliar no diagnóstico de atividade renal.30
O sedimento urinário ativo, definido pela presença de hematúria (dismórfica de padrão glomerular), leucocitúria e cilindrúria celular, é reconhecidamente um dos parâmetros mais importantes para caracterização de glomerulonefrite em atividade. A proteinúria, medida em 24 horas ou inferida pela relação proteinúria/creatininúria (R P/C) em uma amostra isolada de urina, também pode indicar atividade inflamatória.30,31 A positividade ou o aumento dos títulos dos anticorpos anti-dsDNA e a hipocomplementemia, especialmente baixos níveis de C3, são também considerados indícios de atividade renal, mas não devem ser usados de forma isolada para definir essa condição.30 A redução da filtração glomerular, a proteinúria nefrótica e a presença de hipertensão arterial sistêmica (HAS) sugerem maior gravidade e pior prognóstico.32,33
Em pacientes com SAF associada ao LES, a HAS e/ou disfunção renal, devem ser considerados como sinais de alerta para a possibilidade de vasculopatia associada aos anticorpos antifosfolipídeos (AAF), principalmente quando não são detectados sinais de GN no sedimento urinário.34
Nos últimos anos diversos novos biomarcadores urinários não invasivos foram descritos, como a prostaglandina D sintetase tipo licocalina (L-PGDS), α(1)- glicoproteína ácida (AAG), transferrina (TF), ceruloplasmina (CP), gelatinase-associada lipocalina de neutrófilo (NGAL) e proteína 1 quimiotática de monócito (MCP-1).35 A combinação dos mesmos com parâmetros laboratoriais de função renal é promissora para inferência da classe histológica e para quantificar atividade e cronicidade (B).35 O anticorpo anti-P ribossomal na ausência do anticorpo anti-dsDNA também foi descrito como possivelmente associado à nefrite membranosa no LES e com valor preditivo de melhor prognóstico renal (B).36,37
A determinação da classe histológica com base apenas em parâmetros clínicos e laboratoriais é limitada. No entanto, a soma de alguns elementos pode sugerir uma ou outra determinada classe, inferência necessária na prática clínica diária. Pacientes que apresentam elevação da creatinina (sem outra causa aparente), associada à proteinúria > 0,5 g/24 horas ou R P/C > 0,5 e HAS recente e/ou sedimento urinário ativo (hematúria dismórfica e/ou cilindros celulares) e HAS, principalmente se acompanhada de hipocomplementemia e AC anti-dsDNA, apresentam, provavelmente, GNP (classes III ou IV). Os que apresentam proteinúria > 2 g/24 horas ou R P/C > 2, sem atividade no sedimento urinário ou HAS, e principalmente sem AC anti-dsDNA e níveis de complemento normais, apresentam mais provavelmente GN membranosa (classe V). No entanto, não é possível excluir lesão proliferativa em fase inicial ou mesmo associada nesses pacientes. Nas lesões exclusivamente mesangiais (classes I e II), a proteinúria é geralmente < 1 g/24 horas ou R P/C < 1, a creatinina sérica é normal e os pacientes não apresentam, habitualmente, HAS. No entanto, em pacientes com essas alterações, não é possível excluir fase inicial de uma GN proliferativa ou membranosa. Exceto nessas formas típicas, as inferências de classe têm precisão muito pequena e o mesmo é verdadeiro, quanto à possibilidade de superposição de classes (tabela 2).
Para fins de análise de resposta ao tratamento, estabelecemos critérios que são semelhantes aos propostos pela Eular21 e ACR38 A remissão completa (RC) foi definida como: proteinúria < 0,5 g/24 horas ou R P/C < 0,5 e TFG normal ou redução < 10% do valor prévio do paciente ou LSN (limite superior da normalidade) do método (se o primeiro não for disponível) e urinálise normal. A remissão parcial (RP) foi definida como: redução > 50% da proteinúria inicial com valor < 3,0 g/24 horas ou R P/C < 3,0 e TFG normal ou redução < 10% do valor prévio do paciente ou LSN do método, se o primeiro não for disponível e a urinálise normal (tabela 2).
Cuidados para pacientes imunossuprimidos
A imunossupressão causada pela doença e/ou seu tratamento aumenta o risco de infecções, incluindo as oportunistas,39 e o diagnóstico diferencial com atividade de doença é muitas vezes um desafio na prática clínica.40 As infecções estão associadas a aumento da morbimortalidade no LES2,3 e, por isso, devem ser implementadas estratégias de prevenção como vacinação, uso de antimicrobianos e antiparasitários, preferencialmente antes do início de terapia imunossupressora. A tuberculose, por sua vez, também pode ser fator de ativação da doença.41 Os fatores de risco para as infecções mais importantes são: leuco/linfopenia, hipocomplementemia, hipogamaglobulinemia, esplenectomia, além do uso de CE e imunossupressores,42 condições habituais durante todo o tratamento da NL, de forma que deve ser feita avaliação contínua para infecções durante todo o período de imunossupressão.
Por outro lado, foi demonstrado que o uso de hidroxicloroquina (HCLQ) está associado à menor frequência de infecções nos pacientes com LES.43 Em decorrência da morbimortalidade relacionada às infecções, está indicado o compartilhamento de riscos e benefícios do tratamento com o paciente e seus familiares, assim como também fornecer esclarecimento específico sobre os medicamentos empregados, incluindo a assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).
Todos os pacientes devem ainda ser orientados sobre anticoncepção e riscos de gravidez durante o tratamento (tabela 2).
Vacinação
A atualização da carteira vacinal deve ser sempre feita, de preferência com a doença inativa e antes de qualquer terapia imunossupressora (sintética ou biológica).44,45 As vacinas sem organismos vivos (influenza IM); pneumocócica; tétano; difteria; coqueluche; hemófilos tipo B; hepatite viral A e B; poliomielite (inativada – VIP); meningocócica; HPV; febre tifoide (IM) e raiva são seguras em qualquer fase do tratamento e geralmente determinam imunogenicidade adequada.46,47 As vacinas mais importantes nesse contexto são:
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Contra pneumococos (polissacarídica 23-valente): deve ser administrada a cada cinco anos48 conforme recomendação do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Brasil. No entanto, a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIM), em concordância com o CDC americano (Centers for Disease Control), já recomenda que a vacina empregada para indivíduos em imunossupressão seja a conjugada antipneumocócica, seguida em oito semanas da polissacarídica (CDC, 2011);
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Contra influenza: deve ser administrada anualmente;49
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Contra difteria e tétano (vacina dT): seguir o PNI.
As vacinas com vírus vivos (MMR, herpes zoster e febre amarela) devem ser evitadas. São usadas apenas em casos especiais, após avaliação conjunta com infectologista42 (tabela 2).
Profilaxia antimicrobiana
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Tuberculose: o tratamento da tuberculose latente, especialmente frente a dados epidemiológicos positivos, deve ser considerado nos casos com teste da tuberculina – PPD ≥ 5 mm (se em uso de CE) ou com imagem radiológica sugestiva de tuberculose prévia não tratada.50
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Pneumocistis jirovecii: a profilaxia antes do início da imunossupressão está indicada nos casos de infecções prévias por esse agente e nos pacientes com linfopenias < 500 mm3, especialmente se associadas à hipocomplementemia adquirida ou genética.51
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Antiparasitários: é recomendado o tratamento empírico com anti-helmínticos de largo espectro (ex: albendazol ou ivermectina) antes da imunossupressão, especialmente nos casos com dados epidemiológicos positivos, condição praticamente universal em nosso país (tabela 2).
Glomerulonefrite mesangial (classes I e II) – Terapia de indução e manutenção
Para a maioria dos pacientes com GN mesangial, o tratamento é feito apenas com CE e HCLQ. Entretanto, para os que apresentem proteinúria persistente > 1 g/24 horas (ou R P/C > 1), deve-se considerar a associação de azatioprina (AZA) ou micofenolato de mofetila (MMF) (tabela 3).
Recomendações da SBR para o tratamento da nefrite lúpica, formas mesangiais e proliferativas
Glomerulonefrites proliferativas – Terapia de indução de remissão
Os estudos controlados e randomizados de melhor qualidade, que avaliam diferentes regimes terapêuticos na NL, tiveram como critério de inclusão a confirmação e a classificação da nefrite de acordo com a biópsia renal. Essa abordagem tem a vantagem de evitar tratamento agressivo nos casos leves sem fatores indicativos de gravidade, assim como a instituição de tratamentos ineficazes, em pacientes com alterações crônicas e irreversíveis. É reconhecido que o tratamento é urgente e deve ser intensivo nas formas proliferativas da NL (classes III e IV, associadas ou não à classe V), em que o risco de evolução para insuficiência renal é alto.21 O alvo a ser alcançado em seis meses (período de indução) é a RC.
Desde os estudos dos anos 1980, é reconhecida a superioridade do uso de ciclofosfamida (CFM) em comparação com o uso isolado de CE no tratamento das GNP.52 O uso de CFM por tempo prolongado foi mais eficaz para a prevenção da recidiva e manutenção da função renal;53 entretanto, está associado a vários efeitos colaterais, principalmente à insuficiência gonadal.54
Em estudo controlado, randomizado e multicêntrico em NL (classes III/IV e V [16%]), a eficácia do MMF não foi inferior à da CFM intravenosa (i.v.) em esquema convencional,55 o que confirmou estudos prévios.56,57 Estudos de metanálises também mostraram que a CFM e o MMF têm eficácia comparável (A).58-60
A CFM pode ser usada em doses baixas (esquema Euro-Lupus Trial [ET]), que consistem na administração de 500 mg (i.v.) a cada duas semanas por três meses (dose total de 3 g), seguido de manutenção com AZA (61); ou em doses altas (esquema clássico – NIH), na dose de 0,5 a 1 g/m2 (i.v.) de superfície corpórea em intervalos mensais, por seis meses, seguido de aplicações em intervalos trimestrais por 18 meses.52 Em estudo que comparou doses altas (por 12 meses) versus doses baixas de CFM (por três meses), ambas seguidos de AZA, após 10 anos não houve diferença quanto à duplicação da creatinina, à evolução para DRCe e ao óbito.7 Deve-se enfatizar que esses resultados foram obtidos em estudos com pacientes europeus, cuja gravidade da nefrite tende a ser menor do que a observada em afrodescendentes.10,61 Uma revisão sistemática de dez estudos controlados e randomizados concluiu que doses baixas de CFM, quando comparadas com doses mais altas, teve eficácia semelhante na redução de recidivas, mas com menores taxas de infecção (A).62
O uso da CFM por via oral (v.o.) foi avaliado retrospectivamente em uma série de pacientes com NL (classes III, IV e V). A dose de 1 a 1,5 mg/kg/dia durante uma média de quatro meses se mostrou eficaz no controle da NL com frequência de efeitos colaterais e necessidade de suspensão do medicamento em menos de 10% dos pacientes, sem diferença na resposta entre brancos e afrodescendentes.63 Estudos anteriores haviam mostrado eficácia da CFM v.o. em pacientes chineses, comparável à CFM i.v. (C).64,65
Na análise exploratória de subgrupo do estudo ALMS, foi observado que embora o MMF e a CFM i.v. tenham apresentado eficácia semelhante, a etnia e a região geográfica parecem ter influenciado a resposta ao tratamento da NL. Os grupos de afrodescendentes e hispânicos parecem ter tido melhor resposta ao MMF do que à CFM e os asiáticos apresentaram mais efeitos colaterais ao MMF. Mas como essa foi uma análise de subgrupo, esses resultados não podem ser considerados conclusivos (C).66
Em outra análise post hoc, que avaliou apenas 32 pacientes com grave disfunção renal (clearance de creatinina < 30 mL/minuto), observou-se que a redução dos níveis de proteinúria e da creatinina sérica foram comparáveis nos pacientes com MMF e CFM, sem diferença significativa na frequência de efeitos colaterais (C).67
Há somente um estudo randomizado e controlado, especificamente desenhado para incluir casos de NL grave (TFG de 25 a 80 mL/minuto ou com crescentes/necrose em mais de 25% dos glomérulos), no qual doses altas de CFM i.v. associadas à pulsoterapia com metilprednisolona (MP) foram eficazes (C).68 Assim, praticamente não há estudos desenhados para avaliar a eficácia do MMF nesses pacientes com função renal gravemente comprometida.
O uso da AZA como terapia de indução na GNP não é recomendado, pois estudos mostraram menor efetividade do que a CFM nessa fase do tratamento.52,69 Um estudo com biópsia renal repetida também mostrou que a AZA foi menos eficaz em prevenir a evolução para fibrose glomerular.69 Contudo, a AZA pode ser uma opção de tratamento da NL em pacientes eurodescendentes, sem fatores indicativos de gravidade e que não tolerem a CFM ou MMF, apesar do maior risco de reativação da nefrite quando esse agente é comparado com a CFM (C).69
Em mulheres com NL que ainda pretendem engravidar, recomenda-se preferencialmente o uso do MMF, pois a CFM está associada a um maior risco de infertilidade, principalmente naquelas com mais de 30 anos e que fizeram uso prolongado desse agente (risco aproximado de 60%). Contudo, o MMF está formalmente contraindicado durante a gestação, por ser teratogênico. Durante o seu uso deve ser dada ênfase à necessidade de anticoncepção eficaz. O uso da CFM por períodos mais curtos (seis meses), em mulheres jovens, mesmo em doses elevadas, está associado a taxas de infertilidade menores (4,3% a 10%),7,54 percentuais próximos aos do esquema Eurotrial (4,5%).7 Considerando o maior número de efeitos colaterais com o MMF em asiáticos, recomendam-se doses ≤ 2 g/dia para esses pacientes. Como alguns estudos mostraram pior resposta da CFM em afrodescendentes e hispânicos, pode haver vantagem com o uso de MMF nesses casos. Salienta-se, contudo, que não há estudo feito especificamente na população brasileira com o uso desse agente (tabela 3).
Corticosteroides
Conquanto na maioria dos estudos o CE tenha sido administrado v.o. nas doses de 0,5 a 1 mg/kg/dia, com redução progressiva, a pulsoterapia (i.v.) com MP por três dias, no início do tratamento, poderia permitir o uso posterior de doses mais baixas do CE v.o., como demonstrado por Houssiau.70 Com o objetivo de reduzir os efeitos colaterais das altas doses de CE e para permitir controle mais rápido do processo inflamatório, recomenda-se o uso de MP na dose de 0,5 a 1 g/i.v./dia (ou 10-30 mg/kg/dia em pediatria) por três dias, mantendo-se prednisona na dose de 0,5 a 1 mg/kg/dia por três a quatro semanas seguida de redução progressiva, tendo como meta, em seis meses, alcançar doses de 5-10 mg/dia. Algumas manifestações extrarrenais podem requerer a manutenção de doses mais altas por períodos mais prolongados, mas, devido à elevada frequência de efeitos adversos dos CE, todo o esforço deve ser feito para que a dose diária seja reduzida. Pacientes com fatores de pior prognóstico, como a presença de crescentes celulares e necrose, assim como aqueles com maiores níveis de creatinina, devem receber doses maiores de prednisona (1,0 mg/kg/dia).20
Em casos de alcance apenas da RP no fim de seis meses de tratamento adequado, a fase de indução pode ser estendida para sete a nove meses, de acordo com o julgamento clínico.
Após seis meses de tratamento de indução, se a RC ou RP não tiverem sido alcançadas, considera-se a NL refratária e recomenda-se uma nova terapia de indução com MP e substituição da CFM por MMF ou do MMF pela CFM (tabela 3).
Glomerulonefrites proliferativas – Tratamento de manutenção
Apesar de não haver dados de evidência que permitam estabelecer o tempo de duração da fase de indução, a maioria dos autores e consensos internacionais considera o período de seis meses.20,71 Ao mesmo tempo, a modificação do esquema terapêutico para o da fase de manutenção depende do alcance da RC ou RP. Em alguns casos, mesmo após os seis primeiros meses de indução, será necessário um segundo esquema até que RC ou RP seja alcançada. Também faltam estudos controlados que tenham abordado a duração dessa fase, mas a maioria dos autores concorda que ela deve durar 24 a 48 meses. Para os pacientes com GNP, existem reconhecidamente duas principais opções para a manutenção: AZA ou MMF, ambas associadas à prednisona em baixas doses (5 a 10 mg/dia). A manutenção com a CFM i.v. a cada três a quatro meses não tem sido mais usada por seus efeitos colaterais e também porque as opções disponíveis de AZA ou MMF têm se mostrado razoavelmente seguras, com poucos efeitos colaterais em longo prazo.
Esses dois agentes imunossupressores foram comparados em dois estudos, o Maintain72 e o Aspreva Lupus Management Study (ALMS).71 Os desenhos desses estudos foram diferentes e não mostraram os mesmos resultados. O Maintain incluiu pacientes europeus caucasoides e não mostrou diferenças significativas entre os medicamentos. Já o estudo ALMS, que selecionou apenas os pacientes que haviam alcançado boa resposta na fase de indução, feita com CFM i.v. ou MMF, por seis meses, e que ocorreu em pouco mais que 50% dos pacientes incluídos, mostrou superioridade do MMF sobre a AZA em prevenir novos episódios de atividade renal.
A Eular recomenda que pacientes com boa resposta à terapia de indução da NL usem MMF (2 g/dia) ou AZA (2 mg/kg/dia) por pelo menos três anos, enquanto outros autores recomendam pelo menos cinco anos, com retirada de forma bastante gradual e sob acompanhamento.73,74 A retirada das medicações deve ser gradual e iniciada sempre pelo CE.21
O ACR também recomenda que pacientes que responderam à terapia de indução recebam tratamento de manutenção com AZA 2 mg/kg/dia ou MMF (2 g/dia) associados a baixas doses de CE. Segundo o ACR, não há dados suficientes para recomendar o tempo para a redução das doses ou suspensão das medicações (A).20
Em resumo, a terapia de manutenção de pacientes com GNP com resposta completa ou parcial na fase de indução pode empregar AZA ou MMF. A escolha deve ser avaliada caso a caso. O micofenolato sódico pode também ser uma opção ao de mofetila, se houver intolerância a esse último.
Frente à possibilidade de gestação, prefere-se a AZA, visto que o MMF é teratogênico. Devido ao custo elevado do MMF e aos resultados favoráveis para as formas mais leves de NL, os pacientes sem marcadores de gravidade da NL e que tenham tido resposta completa podem receber a AZA como primeira escolha na manutenção. Resultados de alguns estudos e principalmente a opinião de alguns autores sugerem que a AZA poderia ser usada preferencialmente em indivíduos eurodescendentes75 e o MMF em afrodescendentes66 (tabela 3).
Glomerulonefrite membranosa – Tratamento de indução
A GN membranosa (GNM) está presente em 10% a 20% dos casos submetidos à biópsia e pode ocorrer isoladamente ou em associação com outras classes histológicas.76 A expressão habitual das GNM é a presença de proteinúria e edema, sem manifestações sistêmicas concomitantes, consumo de complemento ou presença de anticorpos anti-dsDNA (D).77 Aspectos clássicos das GN, como hematúria (dismórfica), cilindros celulares, HAS e elevação precoce da creatinina sérica, são infrequentes. À semelhança das outras classes, também a GNM pode evoluir de forma “silenciosa” incluindo proteinúria discretamente elevada.78 Por outro lado, a síndrome nefrótica (SN) ocorre em até 75% dos pacientes79 e determina maior risco para trombose venosa (3% a 22%), incluindo veias renais (risco ainda maior nos pacientes com AAF),80,81 doença arterial coronariana (RR de 2,8) e de infarto agudo do miocárdio (RR de 5,5).82 A associação da GNM às formas proliferativas determina pioria do prognóstico e mesmo nas formas isoladas 7% a 53% dos pacientes progridem para DRCe em 10 anos (C).80,82 Entendemos assim que apesar da GNM não ser a classe histológica mais agressiva na NL, não devemos considerá-la como uma forma branda de acometimento renal.
Apesar disso, são poucos os estudos disponíveis na literatura, a maioria de pequenas séries, curto período de observação e regimes terapêuticos variados quanto às doses de CE, uso concomitante de MP, emprego de inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) ou bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA) e principalmente heterogeneidade dos critérios de resposta (redução da proteinúria versus taxas de RC/RP).
A AZA é um dos imunossupressores mais empregados no tratamento de pacientes com LES. Por ter um perfil de segurança melhor do que o de outros agentes, tem sido usada há longa data como poupador de CE e mesmo para tratamento das GN tidas como mais brandas. Entretanto, são muito poucos os estudos prospectivos com esse medicamento. Em estudo aberto, multicêntrico, prospectivo com 38 pacientes asiáticos no qual a AZA foi associada à prednisona (sem pulsoterapia com MP ou inibidores da ECA ou BRA), os resultados foram analisados em 12 meses quanto às taxas de RC (cujo critério usado foi: creatinina sérica estável ou melhor e proteinúria < 1,0 g/24 horas) ou RP (com redução da proteinúria em pelo menos 50% com nível subnefrótico). A RC foi alcançada em 67% dos pacientes e RP em 22% (refratariedade em 11%). Os autores concluíram que os resultados com AZA foram semelhantes ou melhores do que os obtidos com outros esquemas terapêuticos.83
As evidências de resposta com a ciclosporina (CsA) foram obtidas em poucos estudos, com pequeno número de pacientes. Um desses estudos acompanhou 10 pacientes de forma aberta por 24 meses, com CsA associada à prednisona. O critério de resposta foi apenas a intensidade de queda da proteinúria, mas houve elevação da creatinina secundária a esse agente em alguns pacientes. Dessa forma a CsA não parece ser uma opção adequada exceto para os casos refratários como terapia opcional.84
A CFM já foi empregada para a indução na GNM em alguns estudos. Um deles acompanhou prospectivamente 20 pacientes com GNM e SN cuja indução foi feita com CFM oral (2 a 2,5 mg/Kg/dia) durante seis meses, associada a prednisona com redução sequencial e manutenção com AZA (sem terapia adjuvante com IECA e/ou BRA ou pulsoterapia com MP). A resposta foi baseada no alcance de RC (com proteinúria < 0,3 g/24 horas, creatinina sérica estável e urinálise normal) ou RP (proteinúria > 0,3 e menor do que 3 g/dia e creatinina estável). Em 12 meses RC e RP foram alcançadas em 55% e 35%, respectivamente.79
A CFM também foi avaliada em um estudo controlado e randomizado que a comparou com a CsA e também com a prednisona isoladamente para a indução de remissão na GNM com SN. A CFM i.v. foi administrada a cada dois meses por um ano (0,5 a 1 g/m2) e a CsA diariamente (5 mg/kg/dia) por 11 meses ambas associadas à prednisona e IECA conforme decisão do médico assistente. As taxas de RC e RP obtidas em 12 meses com a CFM foram de 40% e 20% respectivamente, em comparação com os percentuais de 50% para RC e 30% para RP obtidos com a CsA e de 13% para RC e 23% para RP com a prednisona isoladamente. Ambos os imunossupressores foram superiores ao CE isoladamente (p = 0,002), porém ao longo do período de observação (12 meses) houve mais recidivas com a CsA do que com a CFM (p = 0,02) (B).85
O MMF foi empregado para a indução de remissão na GNM, ainda que em poucos estudos e com pequeno número de casos, a maioria com não mais do que 20 pacientes. Em 2010, um artigo reuniu dados de dois estudos multicêntricos randomizados e controlados, previamente publicados com protocolos semelhantes e que avaliaram as respostas da indução de remissão em seis meses com esquemas incluindo CFM ou MMF em pacientes com GNM isolada (n = 84). A CFM foi usada via i.v. (0,5 a 1 g/m2) a cada mês e o MMF o foi na dose de 2 a 3 gr/dia, em ambos durante seis meses e sem pulsoterapia com MP. Os IECA foram usados na maioria dos pacientes. Não houve diferença entre os grupos em relação à variação percentual na proteinúria e creatinina sérica e a RC foi atingida em apenas um (2,5%), enquanto que RP foi alcançada por 60% dos pacientes em ambos os grupos. Apesar de a análise dos resultados estar restrita aos pacientes que completaram o tratamento (análise por protocolo) e de ter havido perda de acompanhamento em 23% dos casos no período de observação em seis meses (indução), os autores assumiram que o tratamento de indução para a GNM com o MMF teria sido tão eficaz quanto com a CFM (86), embora em ambos os grupos (CFM e MMF) as taxas de remissão completa/parcial tenham sido baixas (B).
O MMF também foi usado para indução de remissão na GNM em comparação com o tacrolimus (TAC). Yap e colaboradores estudaram 16 pacientes com GNM e SN cujo tratamento foi feito com MMF (sete casos) ou Tac (nove casos), ambos associados à prednisona, cuja dose inicial foi de 0,8 mg/Kg/dia (sem associação de IECA ou BRA). Em ambos os grupos houve melhoria da proteinúria, mas as taxas de remissão só foram determinadas em 24 meses (RC para MMF e TAC = 57% e 11% respectivamente e RP para MMF e TAC = 11% e 44% respectivamente). Os autores evidenciaram que o tempo de tratamento para alcance da resposta (completa) ocorreu em 15,3 meses para o MMF e 21,7 meses para o TAC.6
É provável que também na GNM seja útil o emprego concomitante da hidroxicloroquina (HCLQ) durante o tratamento de indução conforme sugerem os dados de avaliação de uma coorte prospectiva que incluiu 29 pacientes com diagnóstico recente dessa classe histológica (34,5%) ou associada com GNP (65,5%). O tratamento imunossupressor foi feito com o MMF e entre os 11 pacientes (38%) que atingiram a remissão renal completa em 12 meses, sete haviam recebido HCLQ comparados a quatro pacientes sem HCLQ (p = 0,036) (C).87
Em resumo, podemos admitir que em relação à GNM temos poucas evidências científicas para nortear as decisões clínicas, mas é provável que não devamos considerá-las como formas leves de NL (tabela 4).
Glomerulonefrite membranosa – Tratamento de manutenção
Assim como nas GNP, o tratamento de manutenção na GNM também inclui um agente imunossupressor como a AZA ou MMF associados à prednisona em doses progressivamente menores. Exceto pelo estudo ALMS, não existem outros estudos randomizados e controlados que tenham analisado a AZA na manutenção da remissão na GNM. Apesar disso, esse agente tem sido amplamente usado na maioria dos centros e Mok, em 2009, publicou os resultados de um estudo com período de observação de 12 ± 6 anos, com desenho aberto, no qual todos os pacientes receberam indução com AZA e prednisolona. No fim desse longo período de observação, 35% haviam apresentado recidivas e a despeito da necessidade de emprego de outros imunossupressores e da elevação das doses de CE, 79% dos pacientes haviam alcançado valores de proteinúria menores do que 1 g/24 horas com função renal preservada e 21%, proteinúria maior do que 1 g/24 horas, no entanto subnefrótica. A duplicação da creatinina sérica foi observada em 8% e nenhum paciente progrediu para DRCe.80 Ainda que o desenho do estudo não tenha sido ideal e que tenha incluído apenas pacientes chineses, o longo período de observação e os resultados favoráveis encontrados permitem admitir a AZA como agente potencial para uso no período de manutenção (C).
No estudo ALMS,71 que avaliou a fase de manutenção com MMF ou AZA, foram incluídos apenas os pacientes que haviam obtido resposta favorável na fase de indução. A maioria dos pacientes apresentava GNP, mas havia cerca de 15% com GNM pura (18 casos no grupo do MMF e 17 no da AZA) e para esses não há dados específicos de resposta.
As recomendações da Eular e do ACR sugerem o uso de qualquer uma das duas medicações (D).20,21 No entanto, não há publicação ou consenso que estabeleça tempo máximo da terapia, bem como o quão rápida deve ser a redução da medicação selecionada.
A CsA foi avaliada em um estudo randomizado e controlado para indução e manutenção em curto prazo (12 meses) e quando comparada à prednisona isolada foi mais eficaz no que se refere ao alcance de RC (B).85 O período de apenas um ano não permite, contudo, generalizar a resposta em longo prazo com esse agente, principalmente frente à elevada frequência de recidivas durante o acompanhamento.
Algumas séries de casos sugerem o uso do TAC, com menor potencial nefrotóxico na manutenção.73,86 O TAC poderia ser usado em casos especiais, como naqueles com função renal normal, negatividade para os AAF e com proteinúria persistentemente elevada (D).
Embora os resultados com a CFM para a fase de manutenção não sejam favoráveis quando comparada à AZA ou ao MMF, ela ainda pode ser considerada como opção de exceção para a manutenção nos pacientes com reconhecida má adesão ao tratamento (D).54,88
Ainda que existam dados pouco consistentes na literatura, entendemos que para a fase de manutenção, além das doses baixas de prednisona, idealmente menores do que 10 mg/dia, os agentes mais indicados são a AZA (2 mg/Kg/dia) ou o MMF (2 a 3 g/dia), associados à HCLQ e à terapia adjuvante, como discutiremos a seguir. Nos casos de refratariedade da GNM, pode-se considerar o emprego de inibidores da calcineurina, principalmente o TAC e até mesmo o RTX21 (tabela 4).
Acometimento renal na síndrome do anticorpo antifosfolipídeo – Diagnóstico e tratamento
O envolvimento renal pode ocorrer na SAF primária ou secundária, mas o impacto sobre o prognóstico na NL ainda é controverso.89 Os AAF (anticardiolipinas, anti-β2-glicoproteína I e anticoagulante lúpico) podem desencadear lesões da vasculatura intrarrenal, o que determina o desenvolvimento de nefropatia associada à SAF (NSAF).90
O quadro clínico se caracteriza por HAS, hematúria não dismórfica, proteinúria e pioria da função renal, que pode ser aguda, com rápida evolução para diálise, ou crônica, com progressão lenta e progressiva.34,91-93 A trombose arterial renal aguda cursa principalmente com hipertensão arterial grave de difícil controle, associada ou não a dor lombar, hematúria e insuficiência renal aguda.90 Por sua vez, a trombose venosa renal evolui principalmente com proteinúria que pode atingir níveis nefróticos e, se ocorrer de forma completa e aguda, pode associar-se com lombalgia súbita e perda de função renal.90
Achados histopatológicos da NSAF ocorrem em 4% a 40% dos pacientes com LES e são mais frequentes em pacientes com diagnóstico prévio de SAF.34,89,91-94 A microangiopatia trombótica é a lesão aguda mais importante e caracteriza-se pela presença de trombos de fibrina nas arteríolas e capilares glomerulares.95 Entretanto, dificilmente é encontrada de maneira isolada em pacientes com LES, haja vista a frequente sobreposição com as alterações histopatológicas da nefrite lúpica.34 As seguintes lesões crônicas são encontradas mais frequentemente ainda que tenham menor especificidade para o diagnóstico de NSAF: hiperplasia intimal fibrosa e presença de trombos organizados com ou sem recanalização, oclusão fibrosa ou fibrocelular de artérias e arteríolas, tireoidização tubular, caracterizada por atrofia dos túbulos com cilindros eosinofílicos e atrofia cortical focal acompanhadas ou não de depressão no contorno da cápsula renal.95 A associação de pelo menos um achado histopatológico agudo ou crônico com a presença de AAF define NSAF.95,96
Os principais diagnósticos diferenciais envolvem condições clínicas associadas com distúrbio da coagulação ou injúria endotelial, tais como púrpura trombocitopênica trombótica, síndrome hemolítico-urêmica, hipertensão arterial maligna, diabetes, crise renal esclerodérmica, pré-eclâmpsia (PE), toxicidade por medicamentos (CsA e quimioterápicos) e rejeição de transplante renal.34,91-96
A NSAF foi associada com o anticoagulante lúpico, ACL IgG e beta 2 GPI e é ainda mais frequente quando dois ou mais desses AAF estão presentes. Contudo, durante o evento vaso-oclusivo esses anticorpos podem estar temporariamente ausentes.89,94,96
A ecografia com Doppler a cores, a cintilografia com 99m Tc-DMSA e o estudo angiográfico dos vasos renais auxiliam na identificação do envolvimento vascular,97 mas é a biópsia renal que identifica as alterações histopatológicas que são necessárias para o diagnóstico de NSAF.90
Todos os pacientes com LES e AAF precisam ter controle dos fatores de risco para trombose: obesidade, HAS, tabagismo, diabetes e dislipidemia, assim como evitar o uso de anticoncepcionais estrogênicos e terapia de reposição hormonal (D).98 Quando há trombose venosa está indicada anticoagulação com INR entre 2 e 3 por tempo indeterminado (B).99 Na trombose arterial, embora haja a mesma recomendação, alguns autores defendem a associação da anticoagulação com antiagregante plaquetário ou manutenção do INR acima de 3 em casos recorrentes (C).98 O uso de estatinas poderia ter também um papel adjuvante no tratamento dos pacientes com SAF (C)98 e em pacientes que apresentam NSAF, o uso da HCLQ e antiagregante plaquetário ou anticoagulação deve ser considerado (B).21,100
Terapia adjuvante na nefrite lúpica
Além do uso criterioso dos agentes imunossupressores, tanto nas fases de indução de remissão como nas fases de manutenção, diversas outras medidas também podem contribuir positivamente, não somente para a obtenção de melhor controle do processo inflamatório, mas também para a preservação da função renal em longo prazo. Essas medidas incluem recomendações não medicamentosas e medicamentosas abaixo discriminadas:
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Fornecer orientação dietética para a prevenção e o controle de dislipidemia, diabetes, obesidade, HAS e osteoporose. Estimular uma dieta balanceada com proteínas, carboidratos e lipídeos e com baixo teor de sal (D).101
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Considerar a suplementação de vitamina D para todos os pacientes, com doses de 800 a 4.000 UI/dia, com ajustes sequenciais para que os níveis séricos da 25 OH vitamina D se mantenham acima de 30 ng/mL, apesar dos benefícios clínicos ainda serem pouco expressivos (B).102,103 Recomenda-se estimular dieta rica em cálcio e considerar a suplementação quando necessário, principalmente nos pacientes tratados com CE e nas mulheres pós-menopausa (C).101
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Evitar uso de medicamentos nefrotóxicos, especialmente os anti-inflamatórios não esteroidais (AINE) (C).104
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Estimular fortemente a interrupção do tabagismo (C).101
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Estabelecer controle rigoroso da pressão arterial, objetivando níveis pressóricos iguais ou inferiores a 130/80 mmHg, níveis nos quais há maior chance de preservação da função renal (A).105 Há preferência pelo uso dos IECA ou BRA, cujas eficácias já estão bem estabelecidas para as nefropatias crônicas de outras etiologias (A),106 e pelos seus efeitos renoprotetores e antiproteinúricos, motivo pelo qual esses agentes devem ser usados mesmo com níveis normais de pressão arterial. Esses agentes devem ser usados com cautela nos casos de insuficiência renal, na medida em que tanto podem causar hipercalemia como também reduzir a pressão de filtração, com subsequente queda das taxas de filtração glomerular (A).107-110 A associação dessas classes de anti-hipertensivos parece ter ainda maior efeito antiproteinúrico. Entretanto, o impacto na função renal, em longo prazo, ainda é indefinido.110 A dose deve ser adequada para obter o máximo efeito anti-hipertensivo e antiproteinúrico, com monitoração dos níveis de potássio e da função renal.21
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A HCLQ está associada a taxas mais altas de resposta ao tratamento, menor frequência de recidivas, menor intensidade de dano renal, redução de eventos tromboembólicos e aumento da sobrevida e, por isso, está indicada para todos os pacientes com NL, tanto na fase de indução quanto na de manutenção, salvo contraindicação (B).20,21,87,111-114 A avaliação oftalmológica deve ser feita antes de iniciar o tratamento e repetida anualmente após cinco anos de uso contínuo, exceto nos casos com maior risco para o desenvolvimento de toxicidade retiniana: pacientes idosos; disfunção renal ou hepática; dose diária de HCLQ > 400 mg/dia (> 6,5 mg/kg/dia); dose cumulativa de HCLQ > 1.000 g ou presença de doença retiniana ou de maculopatia prévias. Nesses casos, recomenda-se o intervalo de um ano, desde o início do tratamento com HCLQ.115
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Os anticoncepcionais com estrogênios devem ser evitados, principalmente durante a fase ativa de doença ou se existir história prévia de evento cardiovascular ou risco aumentado para a ocorrência de fenômenos tromboembólicos (B).116 O uso de terapia de reposição hormonal também deve ser evitado (B).117
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O tratamento da dislipidemia com estatinas deve ser recomendado para pacientes com colesterol LDL > 100 mg/dL,20 apesar de escassos estudos que envolvem pacientes com LES (C).118,119
Nefrite lúpica refratária
Apesar da melhoria significativa da sobrevida e da preservação da função renal na maioria dos pacientes com NL, cerca de 10% a 29% progridem para DRCe.16,120 Essa progressão pode ocorrer de forma silenciosa78 ou ficar evidente ao longo da evolução. É mais comum nos que desenvolvem as formas proliferativas. Na maioria dos estudos, ao fim do período de indução, menos de 50% dos indivíduos alcançam RC74 e parece ser um objetivo mais real na prática clínica a busca de RP ou RC no período de seis a 12 meses. Os casos que não alcançarem RC ou RP após esse tempo de tratamento adequado poderiam ser classificados como refratários ao esquema instituído.
Diversos são os aspectos clínicos e/ou laboratoriais relacionados à refratariedade. Dentre esses, os mais frequentes são início da NL na adolescência, sexo masculino, hipocomplementemia, trombocitopenia, elevação da creatinina sérica e proteinúria maciça no momento do diagnóstico da NL.11,121 Alguns fatores estão relacionados diretamente à agressividade dos eventos inflamatórios glomerulares, como novos episódios de reativação renal, particularmente nos primeiros 18 meses da doença, presença maciça de crescentes e/ou necrose vascular, transformação histológica ou a superposições de lesões secundárias à SAF.122-128 Por outro lado, a refratariedade da NL pode estar relacionada a outras variáveis, como o retardo de início do tratamento eficaz, além da impossibilidade de cumprimento do protocolo de tratamento, seja por infecções e/ou suspensões temporárias dos medicamentos, seja por baixa adesão ao tratamento.29,129-131
Pacientes com nefrite lúpica refratária (NLR) ao tratamento devem ainda ser avaliados quanto à presença de outras possíveis causas de proteinúria persistente ou de perda de função renal, como uso de medicamentos nefrotóxicos, trombose de veias/artérias renais, infecções, hipertensão arterial ou diabetes mellitus descompensados.20,21,29 Outra condição que também merece ser investigada é a superposição de lesão secundária à nefrite tubulointersticial (NTI), relacionada na maioria dos casos ao uso de antimicrobianos, tão frequente nas fases de maior imunossupressão. Os achados mais sugestivos são hiperuricemia, hipocalemia, isostenúria e acidose tubular renal, além dos encontrados no sedimento urinário que incluem a presença de maior quantidade de células tubulares renais associadas à ausência de achados indicativos de GN em atividade.
Em casos isolados, outras causas de proteinúria (glomerulopatia secundária a diabete, sífilis, infecção pelo HIV ou pelo HCV) também podem coexistir ou surgir ao longo da evolução e dar a impressão de refratariedade. Nos casos de NLR, a (re)biópsia renal poderá ser indicada, pois pode permitir identificar lesões associadas (como alguma das acima citadas) ou caracterizar a presença de lesões exclusivamente crônicas, nas quais não haveria benefício de maior imunossupressão (A).131,132
Uma vez identificada atividade inflamatória persistente e não responsiva ao tratamento, o RTX, que é um anticorpo monoclonal anti-CD20, tem sido considerado uma opção terapêutica. Estudos publicados com séries de casos com pacientes classificados como refratários têm evidenciado boa resposta em 47% a 89%.132,133 O ensaio clínico prospectivo e controlado com RTX (Lunar), que incluiu pacientes com NL, não demonstrou superioridade do emprego desse agente quando usado em associação com o MMF e o CE em comparação ao placebo. É provável, contudo, que esses resultados negativos tenham sido decorrentes mais do desenho do estudo do que da falta de eficácia do medicamento.134 A despeito da ausência de estudos controlados que demonstrem eficácia de seu emprego para o tratamento da NL, o RTX vem sendo usado com bons resultados na maioria dos centros de referência e hoje está recomendado nos consensos da Eular e do ACR para os pacientes considerados refratários tanto nas GNP quanto para a GNM.20,21 O regime de administração e as doses empregadas são semelhantes às preconizadas para a artrite reumatoide (duas doses de 1.000 mg, com intervalo de 15 dias) (C).
Os agentes inibidores da calcineurina que incluem CsA, TAC e sirolimus têm como alvo a célula T. Dentre esses, principalmente o TAC vem sendo usado isoladamente ou em associação com o MMF no tratamento dos pacientes com NLR, principalmente em pequenas séries com pacientes de origem asiática. Os resultados demonstram redução da proteinúria e benefício sobre as manifestações extrarrenais, além da possibilidade de emprego durante a gestação (classe C). No entanto, seu conhecido efeito diabetogênico deve ser levado em conta, especialmente nos pacientes com síndrome metabólica, além do risco trombótico nos pacientes com positividade para AAF (C).135-138
O belimumabe, anticorpo anti-Blys, não foi avaliado especificamente em pacientes com NL, mas nos dois principais estudos com esse agente cerca de 10% dos pacientes apresentavam GN com proteinúria de até 6 g/dia. Na análise desse subgrupo, o medicamento se mostrou eficaz em reduzir os níveis de proteinúria.139,140 No entanto, mais estudos são necessários para definir a sua eficácia nessa condição (tabela 5).141
Recomendações da SBR para o tratamento da nefrite lúpica refratária, NSAF, NL na gravidez, NL pediátrica e manejo na DRCe
Nefrite no lúpus eritematoso sistêmico pediátrico (LESP)
Cerca de 10%-20% dos pacientes com LES iniciam a doença antes dos 18 anos, quando são classificados como LESP142,143 e caracteristicamente apresentam maior atividade, dano cumulativo e gravidade da doença quando comparados com os adultos. Além disso, apresentam elevada frequência de nefrite (até 80% dos pacientes), envolvimento neurológico, hematológico e hemorragia pulmonar.143-147
O tratamento da nefrite no LESP é semelhante ao do adulto, mas a gravidade e a baixa adesão determinam um custo anual maior,148 razão pela qual é conceito corrente na maioria dos centros de referência que se deve dar ênfase à adesão em todas as consultas, particularmente no adolescente.147 Um consenso publicado em 2012 para terapia de indução da GNP lúpica em crianças e adolescentes sugeriu três esquemas com CE: oral, pulsoterapia com MP ou combinação dessas duas formas. Entretanto, ainda faltam estudos para determinar qual dos esquemas com CE é o mais adequado para a NL na faixa etária pediátrica.149 A exposição prolongada à corticoterapia deve ser sempre evitada, com redução da prednisona para doses ≤ 10 mg/dia entre quatro e seis meses21 e suspensão sempre que possível. À semelhança do recomendado para pacientes adultos, a HCLQ (5 a 6 mg/kg/dia) está indicada em todos os casos de nefrite do LESP.21 A NL classes I ou II é geralmente controlada com CE e HCLQ. Para as classes III ou IV, o tratamento de indução está indicado com a associação de HCLQ, CE e imunossupressor: CFM (0,5 a 1 g/m2 i.v. mensalmente durante seis meses) ou MMF (30 mg/kg/dia ou 600 mg/m2/dia). A terapia de manutenção é sugerida com AZA (2 a 3 mg/kg/dia) ou MMF.150 Um estudo controlado de NL em LESP sugere resposta terapêutica similar aos estudos de adultos com CFM ou MMF.151 A CFM parece ter um melhor perfil de risco e benefício em crianças e adolescentes comparados com os adultos150 e é rara a falência ovariana primária (menopausa precoce),152 além de facilitar a adesão.149 O esquema com baixas doses de CFM (ET) não foi avaliado na população pediátrica.21 Na NL classe V são indicados medicamentos para redução da proteinúria, HCLQ, CE e imunossupressores (CFM, MMF ou AZA),153 apesar da ausência de estudos adequados que tenham avaliado prospectivamente esses agentes em populações pediátricas.
A terapia com RTX (375 mg/m2 semanalmente por quatro doses) tem sido usada na nefrite refratária do LESP,154 mas ainda necessita de estudos com número mais expressivo de pacientes. Até o presente momento, ainda não há estudo com belimumabe em crianças e adolescentes com lúpus (tabela 5).
A doença renal crônica estabelecida na nefrite lúpica
Atualmente, cerca de 10% a 29% dos pacientes com NL desenvolvem DRCe e necessitam de terapia renal substitutiva (TRS).16 Dados do United States Renal Data System (USRDS) mostram um aumento da prevalência de NL como causa de DRCe de 1,13% para 3,2% na faixa de 20 a 44 anos, possivelmente relacionado à definição mais precoce de diagnóstico (USRDS 2011). Atualmente no Brasil, à semelhança de outros países, a média da idade dos pacientes com LES no início da TRS é de 38 anos, muito inferior à de pacientes com HAS (70 anos), diabetes mellitus tipo 1 (51 anos) e tipo 2 (64 anos) (censo SBR 2014) (A).
Os índices de complicações da DRCe no LES são semelhantes aos de outras etiologias, mas a frequência de perdas de fístulas é mais elevada.155 Existe ainda a possibilidade de recuperação da função renal, que pode ocorrer após o início da diálise em até 28% dos pacientes, geralmente nos primeiros seis meses.156-158
A maioria desses pacientes se mantém em remissão, mas surtos de atividade podem ocorrer.159-163 Muitos sintomas próprios da DRCe podem ser confundidos com manifestações do LES, tais como febre, artralgia, artrite, alopecia, alterações retinianas, cefaleia, serosite, alterações hematológicas e redução dos níveis de frações do complemento. Nesse sentido, o escore SLEDAI não renal (SLEDAInr), que é derivado do SLEDAI, foi validado como um instrumento útil para avaliação de atividade em pacientes em TRS160,163,164 e pode ser usado na abordagem desses pacientes (B). A sobrevida dos pacientes com LES em TRS em cinco anos, varia de 50% a 89% e a mortalidade é tipicamente multifatorial.157,158,162,164-172 Recentemente foi demonstrado em estudo prospectivo que a atividade de doença no início da TRS (com SLEDAInr > 8) está associada independentemente com uma maior mortalidade em cinco anos (B).9
Tanto os CE como a HCLQ podem ser empregados durante a TRS, mas medicações mielotóxicas, como metotrexato e CFM, devem ser evitadas. Outros medicamentos, como a AZA e o MMF, devem ser avaliados individualmente. As doses das medicações imunomoduladoras não devem ser corrigidas e não se faz necessária uma dose adicional após a diálise dos medicamentos já citados. Não há evidências sobre a segurança do uso de imunobiológicos nos pacientes com LES em diálise, mas é provável que na eventualidade de serem empregados não necessitariam sofrer reajuste por serem compostos de elevado peso molecular e não removidos pelas membranas dialíticas (D). Por esse conjunto de aspectos, todos os pacientes com LES em TRS devem manter acompanhamento regular com o reumatologista.
O transplante renal (TxR) a partir de rim de cadáver tem se mostrado como opção bem-sucedida desde a década de 1950, mas sua indicação em pacientes com NL foi questionada pelo risco potencial de recidiva no rim transplantado. Contudo, desde 1975 foi demonstrado que os pacientes com LES têm comportamento semelhante aos demais (Advisory Comitee, 1975) e desde então o TxR vem sendo feito com uma frequência de recorrência muito baixa.173-175 Fatores como a associação com SAF ou elevados títulos dos AAF176,177 e tipo de doador178 contribuem para piores resultados, mas não são fatores impeditivos para o procedimento nesses pacientes (C) (tabela 5).
Nefrite lúpica e gravidez
O índice de fertilidade em pacientes com LES é considerado normal. Entretanto, insuficiência renal grave e uso de altas doses de CE podem provocar irregularidades menstruais e amenorreia.179 Ao mesmo tempo, alguns imunossupressores, como a CFM, podem induzir falência ovariana e essa depende da idade no início da medicação, da duração do tratamento e, ainda, da dose acumulada (D).180
A gestação no LES deve ser considerada de alto risco e recomenda-se acompanhamento multidisciplinar até o puerpério. Estudos relatam um aumento de duas a três vezes a frequência de atividade da doença durante a gravidez (C)181,182 e ocorrência de complicações principalmente na doença moderada a grave (C).183
As mulheres com LES devem ser aconselhadas a não engravidar até que a doença esteja em remissão por pelo menos seis meses (D),184-186 que a taxa de filtração glomerular seja > 50 mL/min21 (D) e que não estejam usando medicação imprópria para o período.187
O risco de complicações obstétricas e neonatais é maior nas mulheres com LES do que na população geral (A).188,189 Entretanto, nas últimas décadas houve redução da taxa de perda fetal de 43% (entre 1969-1965) para 17% (entre 2000-2003) (D).190 A frequência de abortos está aumentada e a morte fetal intrauterina é cinco vezes maior. A pré-eclâmpsia (PE) ocorre em mais de 20% contra 7,6% na população sem lúpus e o crescimento intrauterino restrito (CIUR) também é mais comum, especialmente com doença renal pré-existente. A prematuridade ocorre em até 33% das gestações e está associada à HAS, ao uso de CE à época da concepção e durante a gravidez, à atividade da doença e à presença de proteinúria nefrótica e dos AAF (C).188,191
Os fatores de risco independentes para perda gestacional na coorte do Hospital Johns Hopkins foram: proteinúria no primeiro trimestre, trombocitopenia, SAF e HAS (C).192 Uma revisão sistemática sobre a evolução da gravidez no LES, que incluiu 1.842 pacientes e 2.751 gestações, identificou que as principais complicações maternas foram: atividade do lúpus (25,6%), HAS (16,3%), nefrite (16,1%), PE (7,6%) e eclâmpsia (0,8%). As complicações fetais incluíram abortamento (16%), morte fetal (3,6%), morte neonatal (2,5%) e CIUR (12,7%). A taxa de insucesso da gravidez foi de 23,4% e a de prematuros foi de 39,4%. A metanálise demonstrou associação positiva entre nefrite ativa e prematuridade, HAS e PE (D).193
Os principais fatores de risco para PE são NL atual ou prévia, PE, lúpus ativo no período da concepção, presença de anticorpos anti-dsDNA, hipocomplementemia, obesidade e HAS (A).188,191,194-196
Diferenciar a atividade do lúpus das alterações fisiológicas da gravidez e atividade da NL versus PE é obrigatório, já que a abordagem terapêutica será absolutamente distinta: imunossupressão ou interrupção (D).196,197 O desafio é ainda maior quando essas condições coexistem.
Durante a gravidez, o risco de reativação da NL é de 20% a 30% (186) e estudo multicêntrico identificou que a NL aumenta o risco de abortamento, de parto prematuro, PE e CIUR, mas não contraindica a gestação, desde que ocorra planejamento cuidadoso da concepção, acompanhamento e tratamento multidisciplinar (C).198 Em uma série de pacientes brasileiras com LES, a frequência de perdas fetais foi significativamente maior nas que apresentavam NL com AAF (37%) e também nas com NL sem AAF (26,6%) em comparação com as pacientes sem NL e sem AAF (12,2%) (C).199
Uma revisão da literatura entre 1962 e 2009 identificou que todas as mortes maternas durante a gravidez, em pacientes com NL, ocorreram durante atividade da doença e se relacionaram a infecção (41,2%) ou complicações do lúpus (29,4%) (D)200 (tabela 5).
Terapia do lúpus eritematoso sistêmico na gravidez
A gravidez em paciente com LES não requer qualquer tratamento específico (D).20,21 Contudo, se a HCLQ estiver em uso antes da concepção, deverá ser mantida durante a gravidez, pois reduz a chance de reativações e possivelmente também da incidência de lúpus neonatal. Os AINES não devem ser usados em pacientes com NL e aumentam o risco de abortamento, fechamento prematuro do canal arterial e prolongamento do trabalho de parto (D).196,201
A prednisona, por ser inativada pela placenta, é o CE preferido para esse período (D).202 Os fluorados, como a dexametasona e betametasona, atravessam a barreira placentária e devem ser empregados para induzir a maturação pulmonar fetal em parto prematuro (D).203
A prednisona deve ser usada de acordo com a gravidade das manifestações (D),204 mas em dose > 20 mg/dia está associada a diabetes gestacional, HAS, PE e ruptura prematura de membranas.191 Quando os CE são usados no período periconcepcional, estão associados a um aumento do risco de 1,7 para fenda labiopalatina (D).205
A AZA (dose ≤ 2 mg/kg/dia), é considerada segura durante a gestação, embora tenha sido associada com CIUR e aumento da taxa de perda gestacional (D).201
Para as mulheres com SN, pelo maior risco de trombose, indica-se aspirina em baixa dose (100 mg/dia) por toda a gravidez independente da presença dos AAF.188 São considerados fármacos com risco teratogênico comprovado: metotrexato, CFM, MMF, leflunomida, IECA, BRA e cumarínicos (D)201,202,205 e, portanto, devem idealmente ser descontinuados pelo menos três meses antes da concepção (tabela 5). Autoria Todos os autores contribuíram de igual forma para a elaboração deste artigo.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan-Feb 2015
Histórico
-
Recebido
26 Ago 2014 -
Aceito
14 Set 2014