Open-access O USO DE ESTRATÉGIAS DE LEGITIMIDADE: UM ESTUDO NOS TRÊS MAIORES FRIGORÍFICOS BRASILEIROS

THE USE OF LEGITIMACY STRATEGIES: A STUDY IN THE THREE LARGEST BRAZILIAN REFRIGERATORS

EL USO DE ESTRATEGIAS DE LEGITIMIDAD: UN ESTUDIO EN LOS TRES MAYORES FRIGORÍFICOS BRASILEÑOS

RESUMO

Este artigo desvenda as estratégias de legitimidade moral utilizadas pelos três maiores frigoríficos brasileiros. A análise foi realizada a partir de declarações prestadas nos relatórios de sustentabilidade dos frigoríficos. Utilizando análise de conteúdo e a teoria da legitimidade, com foco nas estratégias de legitimidade moral, foi possível identificar e relacionar as declarações com as estratégias propostas pelo autor. Observa-se que as organizações dedicam maior atenção em ganhar legitimidade moral, principalmente, oferecendo demonstrações simbólicas, incorporando-se a instituições legitimadas, e, definindo metas. O artigo contribui para a compreensão das estratégias de legitimidade moral utilizadas pelos frigoríficos e quais práticas de sustentabilidade são divulgadas por empresas em busca da legitimidade moral. Interessa as organizações que visam comunicar suas ações para melhorarem sua reputação, visto que a legitimidade moral depende do julgamento de seus públicos.

Palavras-chave: Legitimidade; Frigoríficos; Sustentabilidade; Stakeholders

This article unveils the moral legitimacy strategies employed by the three largest Brazilian meatpacking companies. The analysis was conducted based on statements provided in the sustainability reports of these meatpacking companies. Using content analysis and legitimacy theory, with a focus on moral legitimacy strategies, it was possible to identify and correlate the statements with the strategies proposed by the author. It is observed that organizations pay greater attention to gaining moral legitimacy, primarily through symbolic demonstrations, aligning themselves with legitimized institutions, and setting goals. The article contributes to understanding the moral legitimacy strategies used by meatpacking companies and which sustainability practices are promoted by these companies in pursuit of moral legitimacy. It is relevant for organizations aiming to communicate their actions to enhance their reputation, as moral legitimacy depends on the judgment of their audiences.

Keywords: Legitimacy; Slaughterhouses; Sustainability; Stakeholders


Este artículo revela las estrategias de legitimidad moral utilizadas por los tres mayores frigoríficos brasileños. El análisis se llevó a cabo a partir de declaraciones proporcionadas en los informes de sostenibilidad de estos frigoríficos. Utilizando análisis de contenido y la teoría de la legitimidad, con un enfoque en las estrategias de legitimidad moral, fue posible identificar y correlacionar las declaraciones con las estrategias propuestas por el autor. Se observa que las organizaciones prestan mayor atención a ganar legitimidad moral, principalmente a través de demostraciones simbólicas, alineándose con instituciones legitimadas y estableciendo metas. El artículo contribuye a comprender las estrategias de legitimidad moral utilizadas por los frigoríficos y qué prácticas de sostenibilidad son promovidas por estas empresas en busca de legitimidad moral. Resulta relevante para las organizaciones que buscan comunicar sus acciones para mejorar su reputación, dado que la legitimidad moral depende del juicio de sus públicos.

Palabras clave: Legitimidad; Mataderos; Sostenibilidad; Stakeholders


INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, tem crescido o interesse do público em geral por questões sociais e ambientais (Reverte, 2009). Mudanças climáticas, esgotamento de recursos naturais, más condições de trabalho, escândalos corporativos e os impactos que as empresas podem causar ao ambiente natural (Dienes; Sassen; Fischer, 2016) produziram, na sociedade, expectativas em relação às responsabilidades sociais e ambientais das organizações (Money; Schepers, 2007).

Considerando a preocupação crescente com relação aos impactos sociais e ambientais, as organizações devem atuar com responsabilidade social e ambiental e divulgar suas ações para legitimar as suas operações perante a sociedade (Radhouane et al., 2020), tendo em vista que a legitimidade é uma condição, ou status, que existe quando o sistema de valores da organização vai ao encontro do sistema de valores sociais mais amplos ao qual a organização pertence (Deegan, 2002). Neste sentido, as organizações consideradas legítimas conquistam apoio para as suas ações.

A teoria da legitimidade propõe que as organizações devem, constantemente, buscar o equilíbrio e a congruência entre os seus próprios valores e os valores aceitos pela sociedade (Suchman, 1995). Sendo assim, as organizações devem, continuamente, buscar a aceitação da sociedade para serem percebidas como organizações que atuam dentro dos limites e normas da sociedade; normas e limites que podem mudar ao longo do tempo (Deegan, 2011).

A premissa central da teoria da legitimidade é o “contrato social” entre a organização e a sociedade, em que a sociedade permite que a organização continue suas operações na medida em que atenda às suas expectativas (Deegan, 2002). Um contrato social pode ser interpretado como um acordo fictício, em que existem expectativas implícitas e explícitas entre a organização e a sociedade e em que as atividades desenvolvidas pela organização estão em linha com os valores da sociedade (Solikhah; Maulina, 2021). Algumas organizações, por sua importância na sociedade, possuem licença para realizar suas operações, como é o caso dos frigoríficos. Mas nem por isso ficam livres do julgamento da sociedade em casos de problemas nas suas operações.

Os frigoríficos passaram por crises de imagem ao longo do tempo, ocasionadas por necessidades de demissões em massa e fechamento de plantas produtivas; problemas com sindicatos e exposição negativa na mídia, em que a mais emblemática foi a “Operação Carne Fraca” (Gomes; Gasperini, 2020).

Além dos frigoríficos, toda a cadeia produtiva de carne bovina foi impactada por um momento de crise de legitimidade, na referida “Operação Carne Fraca”, deflagrada pela Polícia Federal do Brasil, iniciada em 17 de março de 2017, na qual foram investigadas as maiores empresas do ramo, a JBS e a BRF, acusadas de adulterar a carne que vendiam nos mercados interno e externo.

O escândalo da carne adulterada envolveu mais de trinta empresas alimentícias do país, acusadas de comercializar carne estragada, mudar a data de vencimento e maquiar o aspecto do produto, utilizando produtos químicos para a revenda de carne imprópria, além de apontar agentes do governo acusados de liberar este produto (Mamona, 2017).

Em período mais recente, durante a pandemia da covid-19, novos fatores geraram impactos na produção e no hábito de consumo de carne, os quais ainda são incertos, carecendo de estudos. Entretanto, em curto prazo, a covid-19 provocou falta de trabalhadores na indústria, em mão de obra operacional, no transporte e processamento de carne, ocasionando a escassez de carne e resultando em preços mais altos em todos os países produtores e consumidores de carne do mundo (OECD/FAO, 2020). Tal situação gerou muita preocupação no cenário mundial, pois a ausência da produção brasileira ocasionou aumento de preços e provável desabastecimento, comprometendo a segurança alimentar e o mercado doméstico brasileiro (OECD/FAO, 2020).

Estratégias de legitimidade adotadas pelos frigoríficos em suas comunicações organizacionais direcionadas à sociedade. Neste sentido, Weber e Marley (2012) afirmam que os relatórios de responsabilidade social corporativa e sustentabilidade são ferramentas utilizadas para proporcionar transparência para a organização. De acordo com Suchman (1995), as estratégias de legitimidade podem ser pragmáticas, morais e cognitivas.

As estratégias de legitimidade de Suchman têm sido utilizadas em diversas pesquisas. Por exemplo, Beuren, Gubiani e Soares (2013) identificaram, nos relatórios de administração de empresas públicas estaduais brasileiras de capital aberto do setor de energia elétrica, as estratégias de legitimidade. Farias (2017) identificou como a empresa líder do setor tabagista utilizou os conteúdos dos relatórios anuais como instrumento de estratégia retórica de legitimação. Zanchet et al. (2017) analisou quais estratégias de legitimidade a organização Samarco Mineração S.A. utilizou no período de 2010 a 2014. Fank, Wernke e Zanin (2019) identificaram as estratégias de legitimidade utilizadas pela Vale S. A. Inagaki e Besen (2023) analisaram como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte utiliza as divulgações nos relatórios socioambientais para gerenciar sua legitimidade perante a sociedade.

Observa-se o uso constante da tipologia completa de Suchman (1995), contudo, alguns pesquisadores têm dedicado atenção às estratégias de legitimidade moral propondo avanços. Por exemplo, Hampel e Tracey (2019) propuseram um espectro de avaliação moral que situa os principais julgamentos morais que as pessoas fazem em relação às organizações. Xu (2021) identificou como as pessoas atribuem a legitimidade moral às organizações sem fins lucrativos. Anesa et al. (2022) esclareceram como deve ser gerenciada a legitimidade moral em tempos de instabilidade.

A legitimidade moral é concedida a empresas envolvidas em práticas que defendem propósitos, meios e objetivos de valor coletivo (Deephouse et al., 2017), ou com base em sua contribuição para o bem comum (Melé; Armengou, 2016), uma vez que a legitimidade moral repousa nas avaliações morais feitas por membros da sociedade, definindo “a coisa certa a fazer” (Suchman, 1995). Por consequência, em uma indústria benéfica para a sociedade que contribui para a segurança alimentar, como a dos frigoríficos, essas avaliações resultam em aprovação social e legitimidade moral (Hampel; Tracey, 2019).

Nesta pesquisa, foi dedicada atenção à análise das estratégias de legitimidade moral, que são um conjunto de ações desejáveis, próprias ou apropriadas de uma entidade dentro de um sistema de normas, valores, crenças e definições de uma sociedade (Suchman, 1995).

1 ESTRATÉGIAS DE LEGITIMIDADE

A legitimidade baseia-se na ideia da existência de um contrato social entre as organizações e a sociedade onde elas atuam, sendo assim, conforme as organizações são aceitas pela sociedade, passam do estado de legitimação para a posição de legitimidade adquirida (Beuren; Gubiani; Soares, 2013).

A legitimidade da organização pode promover o sucesso e a sobrevivência das organizações, pois a empresa que inclui em sua agenda a sustentabilidade e a responsabilidade social tende a aumentar o compromisso dos participantes internos, bem como de seus stakeholders, protegendo a organização de ter a sua conduta questionada pela sociedade (Rossoni; Machado-da-Silva, 2013).

Suchman (1995) propõe estratégias de legitimidade e apresenta uma definição de legitimidade geral, que diz respeito às estratégias utilizadas pela organização em relação ao ambiente em que atua. Neste sentido, a organização deve adotar mecanismos de controle, com os objetivos de monitorar e perceber as mudanças no ambiente em que está inserida e proteger a organização de ameaças que coloquem em risco a legitimidade da organização (Suchman, 1995). Para isso, a organização pode adotar estratégias de legitimidade pragmáticas, morais ou cognitivas.

A legitimidade organizacional é dividida em estratégica e institucional. A estratégica é tida como um recurso operacional controlado por gerentes, portanto, é uma legitimidade proposital e calculada. Já a institucional defende a legitimidade como um conjunto de crenças constituintes, assim, as interpretações culturais determinam como a organização é construída, conduzida e como ela é compreendida e avaliada pela sociedade (Suchman, 1995). Na visão estratégica da legitimidade, os pesquisadores assumem que existe um alto nível do controle gerencial sobre o processo de legitimação (Suchman, 1995).

A legitimidade pragmática envolve trocas diretas entre uma organização e públicos representados por reguladores ambientais e acionistas institucionais, mas que podem incluir conexões políticas, econômicas ou sociais mais amplas (Suchman, 1995).

A legitimidade moral, por sua vez, reflete avaliações normativas positivas da organização e suas atividades em relação ao seu contrato social (Suchman, 1995). Envolve interações indiretas entre públicos organizacionais, visto que os primeiros continuam sendo fonte significativa de legitimidade, em razão da sua influência potencial na legitimação organizacional (Mobus, 2005).

A legitimidade cognitiva compreende o apoio confirmatório para uma organização, ou apenas o reconhecimento da organização, com base na necessidade ou no inevitável, sujeito a algumas questões tidas como certas, sugerindo, portanto, um terceiro conjunto de dinâmica de legitimidade que se baseia na cognição, em vez de interesse ou avaliação (Suchman, 1995).

No Quadro 1 são detalhadas as tipologias de legitimidade pragamática, moral e cognitiva.

Quadro 1
Tipologias e significados da legitimidade de Suchman (1995)

Quando a organização quer ganhar legitimidade moral, deve empreender esforços para incorporar novas estruturas e práticas em redes de outras instituições já legítimas (Suchman, 1995). Além disso, a organização pode se associar a organizações ou entidades respeitadas em seus ambientes (Dowling; Pfeffer, 1975; Galaskiewicz, 1985; Oliver, 1991).

A organização pode oferecer demonstrações simbólicas, por exemplo, apresentando seus resultados, procedimentos, estruturas, e o pessoal pode sinalizar sua satisfação com a organização, os gerentes e seus pares, mesmo que os indicadores sejam apenas para passar uma boa imagem (Suchman, 1995).

A organização pode definir metas para justificar a sua existência, em vez de usá-las como técnicas de direção. Os gerentes podem até mesmo revisar a missão da organização, com o objetivo de passar uma impressão de conformidade com os ideais da sociedade (Ashforth; Gibbs, 1990; Salancik; Pfeffer, 1978).

Para Suchman (1995), o gerente pode manter a legitimidade moral ao se envolver em conformidade, seleção ou manipulação preventiva para manter a organização e o ambiente em estreito alinhamento. Por consequência, a partir do monitoramento do ambiente cultural, a organização pode assimilar elementos desse ambiente em processos de decisão; geralmente empregando pessoal para aprender sobre valores, crenças e reações do público (Scott, 1991). Assim, será possível propor ações alinhadas aos interesses da sociedade.

Com o objetivo de favorecer trocas, a organização pode cooptar públicos em organizações tomadoras de decisão para fornecer insights culturais aos gestores (Suchman, 1995). Para perceber crenças morais emergentes, a organização deve incorporar a ética, profissionalizando certos membros e incentivando para que participem de discursos normativos externos (Dimaggio; Powell, 1983).

Quando o objetivo é reparar a legitimidade, Suchman (1995) afirma que, ao contrário da criação de legitimidade, essa reparação geralmente representa uma resposta reativa a uma crise imprevista de significado. Sendo assim, os gerentes podem tentar negar o problema, na esperança de acalmar os constituintes de preocupações pragmáticas, pelo menos até que a organização possa compensar o ocorrido (Suchman, 1995). A organização pode criar monitores, com o objetivo de punir reincidências futuras, seja solicitando regulamentação, seja instituindo procedimentos de reclamação (Pfeffer, 1981). Ao invés de negar, os gerentes podem optar por criar desculpas, questionando a responsabilidade moral da organização. Esta segunda tática, que, muitas vezes, equivale a culpar funcionários individuais ou autoridades externas, pode ser vista como falta de controle gerencial (Ashforth; Gibbs, 1990).

Já a dissociação emprega mudança estrutural para distanciar simbolicamente a organização de más influências. A forma mais comum de dissociação é a substituição de pessoal (executivo). No entanto, as organizações também podem desassociar, mudando os próprios procedimentos deslegitimados, revendo as práticas, estruturas e até mesmo locais geográficos e reconfigurando a organização (Suchman, 1995).

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

As organizações selecionadas para a pesquisa foram os frigoríficos: JBS S.A., Marfrig Global Foods S.A. e Minverva S.A. A escolha fundamentou-se na classificação da revista Exame que traz, anualmente, as maiores e melhores empresas de diversos segmentos. A edição utilizada, nesta pesquisa, é a do ano de 2021. Ressalta-se que a classificação da revista já foi utilizada em outros estudos como os de Morel et al. (2019), Lugoboni et al. (2019), Hein et al. (2021) e Santos et al. (2021). De acordo com a revista Exame (2021), as empresas consideradas as maiores e melhores do setor de alimentos são classificadas a partir dos seguintes critérios: faturamento anual; lucratividade; qualidade e inovação de produtos; responsabilidade social e ambiental; segurança alimentar; atendimento ao cliente; inovação nos processos de produção; cumprimento de regulamentações e certificações do setor; e contribuição para a geração de empregos na indústria de alimentos.

A coleta de dados foi realizada diretamente nos relatórios de sustentabilidade das empresas pesquisadas. Sendo assim, as declarações constantes nesses relatórios foram relacionadas às variáveis e quantificadas. A quantificação é apresentada em uma tabela, com as estratégias de legitimidade moral, para todo o período estudado, 2011 a 2021, no caso da empresa JBS. Já para as empresas Minerva e Marfrig, foram considerados os anos de 2019 a 2021. O período maior de observação em relação a empresa JBS, escolhida por ter sofrido, em 2017, o caso mais noticiado de ameaça a sua legitimidade, como consequência da “Operação Carne Fraca”. A escolha de períodos extensos para análise de relatórios é justificável para observar a continuidade do uso das estratégias de legitimidade ao longo dos anos, motivo principal da apresentação da tabela 1.

Para justificar a escolha, é apresentada a matriz de similaridade, que mede a semelhança entre pares de objetos; quanto maior a similaridade entre dois objetos, maior o valor da medida (States; Gish; Altschul, 1991). A matriz de similaridade foi calculada após a coleta de dados, assim ela demonstra o isomorfismo que existe na escolha das estratégias de legitimidade dos frigoríficos. O isomorfismo consiste na busca de padrões de comportamentos, tecnologias, ferramentas e outros aparatos, como modelos de relatórios por empresas diferentes de um dado segmento (Assis et al., 2021). Machado-da-Silva e Fonseca (1996) apontam que as empresas operam dentro de um contexto permeado por regras, crenças e valores que surgem e se estabelecem através das interações sociais. Consequentemente, enfrentando as mesmas expectativas do ambiente, as organizações também buscam legitimidade institucional, levando suas práticas a se tornarem progressivamente mais uniformes, ou seja, isomórficas.

Nesta pesquisa, optou-se por apresentar as declarações com o objetivo de realizar a discussão sobre a estratégia utilizada, confrontando-as com a teoria para demonstrar as estratégias de legitimidade moral adotadas pelos frigoríficos. Foi utilizada a análise do conteúdo dos relatórios de sustentabilidade. Assim, foram utilizadas as três fases propostas por Bardin (2011).

Na fase de pré-análise foi definido o objetivo da pesquisa, que é demonstrar quais estratégias de legitimidade moral são utilizadas pelos frigoríficos, para isso, foram visitados os sites das empresas e realizadas as leituras dos relatórios de sustentabilidade, em que foi identificado que os relatórios apresentam demasiada similaridade em suas composições. Destaca-se que a escolha dos relatórios de sustentabilidade, como corpus de análise, está apoiada na utilização desses documentos e em pesquisas que buscam compreender as estratégias de legitimidade utilizadas pelas organizações, como em Cormier, Gordon, e Magnan (2016); Hammami e Zadeh (2019); Fallan e Fallan (2019); Borgstedt et al. (2019); Esterhuyse (2020) e Santos et al. (2021).

A exploração do material foi realizada a partir das variáveis de estratégias de legitimidade moral de Suchman (1995), dessa forma, as variáveis propostas pelo autor são utilizadas como códigos para identificar, nos relatórios de sustentabilidade, as declarações que demonstram o uso dessas estratégias. Em resumo, as declarações foram selecionadas nos relatórios de sustentabilidade e codificadas de acordo com as variáveis de estratégias de legitimidade moral de Suchman (1995).

O tratamento dos resultados foi realizado a partir das declarações, pois elas demonstram as estratégias de legitimidade moral adotadas pelos frigoríficos, assim, por meio da taxonomia de Suchman (1995) – em que o autor propõe que as organizações utilizam estratégias para ganhar, manter ou reparar a legitimidade – foi realizada a análise, apresentando as codificações nominadas como variáveis. As estratégias são agrupamentos das variáveis, e as declarações são as unidades de análise, em que se identifica o uso das estratégias de legitimidade moral. No quadro 2 são apresentadas as estratégias de legitimidade moral propostas por Suchman (1995) e apresentadas na revisão da literatura desta pesquisa.

Quadro 2
Estratégias de legitimidade moral e variáveis de estudo de Suchman (1995)

Para analisar as declarações, elas foram coletadas dos relatórios de sustentabilidade, de acordo com a taxonomia de Suchman (1995), e são apresentadas na próxima seção.

3 RESULTADOS DA PESQUISA

Optou-se por não incluir todos os períodos dos relatórios das empresas Marfrig e Minerva em razão da similaridade entre os relatórios de empresas de um mesmo segmento, pois não seriam acrescentadas informações relevantes ao estudo. A tabela 1 apresenta a matriz de similaridade, que mostra a probabilidade de semelhança entre os relatórios das empresas pesquisadas e justifica a escolha.

Tabela 1
Matriz de Similaridade dos relatórios de sustentabilidade de 2021 dos Frigoríficos

3.1 Similaridade entre os relatórios

A primeira análise confirma a escolha dos períodos de coleta de dados para as empresas estudadas, tendo em vista que elas apresentam similaridade em seus relatórios, pois estão inseridas em um mesmo contexto e respondem ao mesmo grupo de stakeholders. Os elementos de uma matriz de similaridade medem as semelhanças entre pares de objetos; quanto maior similaridade de dois objetos, maior o valor da medida (States; Gish; Altschul, 1991). Para elaborar a matriz de similaridade foram utilizados os relatórios das 3 empresas referentes ao ano de 2021. Na tabela 1, é possível verificar a similaridade entre os relatórios do último ano de coleta (2021).

Após a coleta dos dados é possível gerar a matriz de similaridade do conteúdo dos relatórios de sustentabilidade. Nesta pesquisa foi utilizado o software MAXQDA, versão 2020, para calcular a matriz de similaridade. Os percentuais demonstram a semelhança na coleta de dados ao comparar as variáveis presentes nos relatórios de sutentabilidade das empresas pesquisadas. Assim, quanto maior o percentual, maior a similaridade entre os relatórios. Observa-se que as maiores semelhanças estão entre Marfrig e Minerva (84%) e JBS e Minerva (80%).

Optou-se por coletar os dados referentes ao período de 2011 a 2021 do frigorífico JBS e dos frigoríficos Marfrig e Minerva os relatórios de 2019 a 2021, totalizando 17 relatórios, sendo, 11 do JBS, 3 do Marfrig e 3 do Minerva. A escolha de um dos frigoríficos justifica-se em função do isomorfismo presente nos relatórios de sustentabilidade das empresas pesquisadas. O isomorfismo consiste na busca por padrões de comportamentos, tecnologias, ferramentas e outros aparatos, como relatórios por empresas diferentes de um determinado segmento (Assis et al., 2021). Além disso, as empresas pesquisadas utilizam o mesmo framework para elaborar os seus relatórios de sustentabilidade, trata-se do Global Reporting Initiative (GRI), que fornece os padrões mais usados do mundo para relatórios de sustentabilidade.

3.2 Estratégias de legitimidade moral

Na tabela 2, são apresentados dados quantitativos das estratégias de legitimidade moral, evidenciadas 1.874 vezes, nos 17 relatórios das empresas pesquisadas, sendo, 11 da empresa JBS, 03 da empresa Minerva e 03 da empresa Marfrig. Destaca-se que a quantidade de estratégias de legitimidade moral aparece com maior frequência nos relatórios de sustentabilidade dos frigoríficos.

Tabela 2
Estratégias de legitimidade moral

Em relação aos números apresentados, a maior parte das divulgações dos frigoríficos referentes a estratégias de legitimidade morais estão concentradas no “ganho” e em “adaptar-se aos ideais”. As variáveis estão assim distribuídas: “produzir resultados adequados”, com 94 evidenciações; “incorporar-se às instituições”, com 331; e “oferecer demonstrações simbólicas”, com 742. A busca pelo ganho de legitimidade moral também é evidenciada em “selecionar domínio”, na variável “definir metas”, com 197 observações; “persuadir” é evidenciada nas variáveis “demonstrar sucesso”, com 457 observações; e “conquistar indivíduos a uma doutrina ou ideia”, com 13 evidenciações.

As estratégias para a manutenção da legitimidade estão distribuídas em “monitorar a ética”, evidenciada pela variável “consultar as categorias profissionais”, com 12 observações; já a estratégia de “favorecer boa conduta” é observada em “monitorar a responsabilidade”, com 13 observações; e “estocar opiniões favoráveis”, com sete observações.

As estratégias morais que buscam a reparação da legitimidade são evidenciadas em “desassociar”; assim, as variáveis “substituir pessoal” aparecem com sete sentenças; e “reconfigurar”, com uma sentença.

Com base nos dados levantados nos relatórios de sustentabilidade dos frigoríficos, destacam-se as estratégias para ganhar legitimidade moral “adaptar-se aos ideais”, a variável “produzir resultados adequados”, “incorporar-se às instituições” e “oferecer demonstrações simbólicas”. A variável “produzir resultados adequados” é declarada:

Contratação da consultoria Deloitte para melhorias e atualizações no software de due diligence, com o objetivo de aprimorar ainda mais o processo de avaliação reputacional de terceiros – mais de 27 mil análises de reputação realizadas (Relatório de Sustentabilidade, JBS, 2020).

A empresa JBS, ao contratar uma consultoria com o objetivo de melhorar a análise da avaliação de terceiros, busca ganhar legitimidade moral, demonstrando preocupação com a reputação dos seus parceiros de negócio, portanto, a reputação dos stakeholders é importante para a organização. Outra variável evidenciada para ganhar legitimidade moral se refere à “incorporando-se às instituições", assim declarada:

Em 2021, tornamo-nos signatários do Pacto Global das Nações Unidas no Brasil. Somando-se ao compromisso da empresa com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a adesão ao Pacto formalizou a atenção aos dez princípios que abordam temáticas anticorrupção, de relações trabalhistas, de meio ambiente e de direitos humanos, discutidas detalhadamente nesse relatório (Relatório de Sustentabilidade, Minerva, 2021).

A empresa Minerva tornou-se signatária da ONU no Brasil; desta forma, incorpora-se a uma instituição legitimada mundialmente. A empresa busca legitimidade moral ao incorporar-se a organizações já legitimadas. Quanto à variável, “oferecem demonstrações simbólicas”, pode-se destacar a declaração

Mapa de Risco de Desmatamento. O ano de 2021 foi o primeiro em que utilizamos essa ferramenta, que havia sido concluída no fim de 2020. Com ela, aprimoramos ainda mais as práticas de compra responsável. Passamos a ter informações que resultam do “cruzamento” de dois tipos de mapas: um, que indica a presença de vegetação nativa, e outro, com uma fotografia da produção pecuária (Relatório de Sustentabilidade, Marfrig, 2021).

A empresa Marfrig destaca a utilização da ferramenta de Mapeamento de Risco de Desmatamento, por consequência busca legitimidade moral, quando destaca seus processos, procedimentos e resultados, oferecendo, desta maneira, demonstrações simbólicas aos seus stakeholders.

Dentre as estratégias para ganhar legitimidade moral “selecionar o domínio”, a variável “definir meta” foi evidenciada nos relatórios, de acordo com a declaração:

Para 2021, a empresa irá desenvolver novas fases de calibração da ferramenta e integração aos sistemas da compra de gado na região amazônica. A expectativa é chegar ao final do ano com todas as operações na Amazônia utilizando a ferramenta de verificação de fornecedores indiretos (Relatório de Sustentabilidade, Minerva, 2020).

A empresa Minerva definiu metas para o ano de 2021. Uma das formas de ganhar legitimidade moral é definir metas. Neste sentido, é possível observar a preocupação em melhorar a ferramenta de verificação de compra de gado na região amazônica, definindo-se um prazo para aperfeiçoar a ferramenta.

A persuasão é uma das estratégias para ganhar legitimidade moral, ela é evidenciada nas variáveis “demonstram sucesso” e “conquistam indivíduos a uma doutrina ou ideia”. A variável “demonstra sucesso” é assim declarada:

Encerramos o ano com reconhecimentos inéditos, como a conquista do Full Investment Grade, inserindo a JBS no grupo das companhias mais sólidas e respeitadas em todo o mundo, e indicadores operacionais recordes: receita consolidada de R$ 350,7 bilhões, EBITDA de R$ 45,7 bilhões e lucro líquido de R$ 20,5 bilhões (Relatório de Sustentabilidade, JBS, 2021).

As empresas apresentam evidenciações que demonstram o sucesso em suas atividades para ganhar legitimidade moral, como relatado pela JBS, que apresenta os seus resultados e conquistas aos stakeholders. As empresas podem ganhar legitimidade moral, conquistando indivíduos a uma doutrina ou ideia, como evidenciado na sentença:

A Companhia entende que é importante avaliar as posições de liderança por categoria, de forma a promover a igualdade de gêneros e raças. Todo esse processo está alinhado à Política de Diversidade e Inclusão, publicada pela empresa em 2021. Os resultados poderão ser acompanhados ao longo dos próximos anos (Relatório de Sustentabilidade, JBS, RS 2020).

Nota-se que a empresa JBS procura conscientizar seus stakeholders sobre a importância da diversidade e da promoção da igualdade de gênero nas posições de liderança.

Foram identificadas as seguintes estratégias para manter a legitimidade moral dos frigoríficos: “monitorar a ética”, com a variável “consultar as categorias profissionais”; “favorecer a boa conduta”, com as variáveis “monitorar as responsabilidades”; e “estocar opiniões favoráveis”. A variável “consultar categorias profissionais” tem como exemplo de declaração a observação:

A remuneração fixa prevê reajustes anuais, conforme acordos coletivos de trabalho que abrangem 100% das operações do Brasil e do Uruguai (Relatório de Sustentabilidade, Minerva, RS 2021).

De acordo com a manutenção da legitimidade moral, as empresas monitoram a ética cumprindo acordos coletivos com o acompanhamento das categorias profissionais, como relatado pela empresa Minerva, em sua previsão de ajustes anuais da remuneração. Já, na estratégia de “favorecer uma boa conduta”, a variável “monitorar as responsabilidades” tem como uma das evidências a declaração:

Gerenciamento: a área de Inteligência de Negócios monitora as condições sanitárias dos mercados atendidos pela Minerva Foods e explora oportunidades de habilitação de plantas, garantindo assim caminhos para a produção e comercialização (Relatório de Sustentabilidade, Minerva, RS 2021).

A área de inteligência de negócios da empresa Minerva é responsável por monitoramentos para habilitação de novas plantas e condições sanitárias. Neste sentido, a manutenção da legitimidade moral está relacionada ao monitoramento das responsabilidades, ou seja, quem responde por determinada demanda junto aos stakeholders. Com relação à variável “estocam opiniões favoráveis”, pode-se apresentar, como exemplo, a observação:

Segundo pesquisas feitas com clientes do mercado nacional e internacional, a satisfação com a Friboi foi de 78%, levando em consideração apenas notas acima de 8 em uma escala de 0 a 10 (Relatório de Sustentabilidade, JBS, 2018).

A empresa JBS apresentou essa evidência no ano de 2018, com base nas opiniões favoráveis do stakeholder “clientes”; por conseguinte, empresas podem manter a legitimidade, estocando opiniões favoráveis. Neste caso, é importante citar que a empresa passava por uma crise de legitimidade, resultante da “Operação Carne Fraca”.

As empresas podem ter a necessidade de reparar a legitimidade moral; deste modo, as estratégias encontradas nos relatórios dos frigoríficos são se “desculpar”, evidenciada pela variável “apresentar justificativas” e “desassociar”, evidenciada pela variável “reconfigurar”. Como exemplo da variável “apresentar justificativas”, tem-se o exemplo na declaração:

Em 2020, no Brasil, a Minerva Foods não conseguiu obter melhoria no indicador de consumo de energia, sob impacto da pandemia (Relatório de Sustentabilidade, Minerva, RS 2020).

As empresas podem reparar a legitimidade, apresentando justificativas. Neste caso, a empresa Minerva justificou que a pandemia da covid-19 prejudicou a redução do consumo de energia, que é um dos indicadores monitorados pela empresa. Acerca da variável “reconfigurar”, tem se a seguinte declaração:

Em 2018, a priorizar a qualidade e a segurança dos alimentos, garantindo o cumprimento dos mais altos padrões, e a inovação, que possibilita a adoção das melhores práticas e o desenvolvimento de novos projetos em todas as operações (Relatório de Sustentabilidade, JBS, 2018).

Destaca-se a reconfiguração da área de qualidade e segurança de alimentos da JBS. Mais uma vez, é importante destacar a crise de legitimidade anteriormente citada, sofrida pela empresa no ano de 2017. Assim, as empresas podem buscar formas de reparar a legitimidade, divulgando informações para os seus stakeholders salientes.

4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A legitimidade moral é um conceito importante para as indústrias que buscam sobrevivência, sendo assim, de acordo com Suchman (1995), a legitimidade moral é uma avaliação baseada em valores éticos e morais amplos sobre o que é a coisa certa a fazer.

Nesse sentido, os frigoríficos buscam ganhar a legitimidade moral, como pode ser observado nos relatório de sustentabilidade da organização frigorífica JBS, em que a empresa Deloitte foi contratada para aprimorar o processo de avaliação reputacional de terceiros, produzindo, assim, resultados adequados. Além disso, para ganhar legitimidade, é importante incorporar-se às instituições, portanto, a empresa Minerva evidencia, em seu relatório de sustentabilidade de 2021, ser signatária do Pacto Global da ONU no Brasil. Somando-se ao compromisso da empresa com os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), de acordo com Suchman (1995), ela deve empreender esforços para incorporar novas estruturas e práticas em redes de instituições já legitimadas, em busca de ganhar legitimidade moral.

Outra forma de ganhar legitimidade moral é oferecendo demonstrações simbólicas, evidenciado no RS de 2021 da empresa Marfrig, que implantou o Mapa de Risco de Desmatamento, ferramenta utilizada para a realização de compras responsáveis. Desta forma, as empresas podem oferecer demonstrações simbólicas, apresentando os seus procedimentos e atividades (Suchman, 1995). Definir metas é considerada uma variável importante para ganhar legitimidade moral, como no caso da empresa Minerva, que programou, para 2021, a melhoria da ferramenta e a integração de sistemas de compra de gado na região amazônica. Assim, a organização pode definir metas e usá-las como técnicas de direção (Suchman, 1995).

A empresa pode demonstrar sucesso para ganhar legitimidade moral, persuadindo os seus stakeholders, ação evidenciada no relatório de sustentabilidade de 2021 da empresa JBS, em que se destacam os reconhecimentos inéditos de Investment Grade, sua receita, EBITDA (Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization) e lucro líquido. Neste sentido, a empresa demonstra esforços de boa-fé para alcançar resultados valiosos por meio de técnicas e procedimentos socialmente aceitos (Suchman, 1995).

Para ganhar legitimidade moral, os frigoríficos buscam conquistar indivíduos a uma doutrina ou ideia; tal evidenciação é observada no relatório de sustentabilidade de 2020 da empresa JBS, que trata da promoção de igualdade de gênero e raças, alinhada à sua Política de Diversidade e Inclusão. Desta forma, a atividade da empresa pode alcançar resultados socialmente desejados e valorizados por seus stakeholders (Abdulrazak; Amran, 2017). De acordo com Suchman (1995), as organizações também podem acumular legitimidade ao abraçar técnicas e procedimentos socialmente aceitos; assim, a legitimidade moral processual é obtida quando as práticas organizacionais que compõem o sistema são implementadas de acordo com a moralidade (Harrison; Boekhorst; Yu, 2018). A empresa JBS busca conscientizar seus stakeholders sobre a importância da diversidade e promoção da igualdade de gênero nas posições de liderança.

O desafio de manter a legitimidade moral está relacionado ao monitoramento da ética, em que uma das ações evidenciadas é consultar as categorias profissionais, como no caso dos acordos coletivos que a empresa Minerva relatou em seu relatório de sustentabilidade de 2021, que prevê reajustes anuais nas remunerações fixas dos seus empregados. A manutenção da legitimidade moral depende do cumprimento dos acordos coletivos, negociados com as categorias profissionais. A organização deve incorporar a ética, profissionalizando membros da organização para participar de discursos normativos externos (Dimaggio; Powell, 1983).

As empresas devem favorecer uma boa conduta, monitorando as responsabilidades, como observado no relatório de sustentabilidade de 2021 da empresa Minerva, que possui uma área de inteligência de negócios que monitora as condições sanitárias dos mercados atendidos e explora oportunidades de habilitação de plantas produtivas. A manutenção da legitimidade moral está relacionada ao monitoramento das responsabilidades, ou seja, quem responde por determinada demanda junto aos stakeholders e à comunidade local. Neste sentido, os gerentes podem se envolver nas atividades de conformação preventiva, monitorando o ambiente para assimilar elementos necessários aos processos decisórios, mantendo a organização em estreito alinhamento com o ambiente (Suchman, 1995), aprendendo sobre valores, crenças e reações dos públicos (Scott, 1991).

As organizações podem estocar opiniões favoráveis, como evidenciado no relatório de sustentabilidade de 2018 da empresa JBS, que patrocinou uma pesquisa sobre a satisfação dos clientes do mercado nacional e internacional sobre a marca Friboi, que alcançou o percentual de 78%, em notas de 08 a 10, em uma escala de 0 a 10. A empresa JBS apresentou essa evidência no ano de 2018, com base nas opiniões favoráveis do stakeholder “clientes”. As empresas podem manter a legitimidade, estocando opiniões favoráveis, em razão da boa conduta. Segundo Suchman (1995), as empresas, em busca da manutenção da legitimidade moral, podem estocar opiniões favoráveis, as quais, em nível moral, pressupõem a estima do público. Desta forma, as opiniões funcionam como uma “reserva de capital”, em que a empresa pode se desviar de alguma norma social, sem perturbar seriamente a posição da organização (Ashforth; Gibbs, 1990).

As empresas podem ter a necessidade de reparar a legitimidade moral, apresentando justificativas. No relatório de sustentabilidade 2020, a empresa Minerva relata não ter conseguido melhorar o indicador de consumo de energia por causa dos impactos causados pela pandemia da covid-19. Neste sentido, a empresa pode criar desculpas, isentando ou questionando a responsabilidade moral da organização sobre alguma expectativa em relação ao seu desempenho (Suchman, 1995).

Noutra perspectiva, desassociar é uma estratégia de reparação de legitimidade, em que a empresa pode mudar seus procedimentos deslegitimados, revendo práticas, estruturas e até mesmo locais geográficos, reconfigurando a organização (Suchman, 1995). Portanto, reconfigurar é uma forma de reparar a legitimidade moral, o que pode ser evidenciado na reconfiguração da área de qualidade e de segurança de alimentos da JBS, reportada em seu relatório de sustentabilidade de 2018. Corroborando essa ideia, é importante citar a crise de legitimidade sofrida pela empresa no ano de 2017, quando foi realizada a “Operação Carne Fraca”, que causou uma crise de legitimidade para a empresa JBS.

A legitimidade moral é concedida a empresas envolvidas em práticas que defendem propósitos, meios e objetivos de valor coletivo (Deephouse et al., 2017), ou com base em sua contribuição para o bem comum (Melé; Armengou, 2016), uma vez que tal tipo de legitimidade moral repousa nas avaliações morais por membros da sociedade, definindo “a coisa certa a fazer” (Suchman, 1995). Por consequência, em uma indústria benéfica para a sociedade que contribui para a segurança alimentar, como a dos frigoríficos, essas avaliações resultam em aprovação social e legitimidade moral (Hampel; Tracey, 2019).

5 CONCLUSÕES

As estratégias de legitimidade moral são utilizadas pelos frigoríficos que, apesar de contribuir com a segurança alimentar mundial, apresentam muitas questões controversas como o alto consumo de água e recursos energéticos, a geração de resíduos e a emissão de gases do efeito estufa. Portanto, as organizações utilizam estratégias de legitimidade direcionadas aos stakeholders e à sociedade, principalmente com foco nos acionistas e investidores e na comunidade. Assim, a legitimidade decorre da obrigação moral devida aos stakeholders. Isso sugere que as organizações devem abordar e priorizar os stakeholders imediatos que provavelmente têm maior impacto sobre o negócio e mostrar alguma forma de legitimidade moral para as suas ações em uma posição de consequência, procedimento, estrutural ou pessoal (Elmagrhi et al., 2019).

Os frigoríficos dedicam a maior parte de sua atenção à tarefa de ganhar legitimidade moral, especialmente direcionada aos stakeholders, tendo em vista que uma organização pode ganhar legitimidade moral, demonstrando que atende a certas normas e valores, como lucratividade, entregando benefícios à comunidade (Zimmerman; Zeitz, 2002). Há dedicação maior ao conjunto de estratégias de legitimidade moral, são elas: adaptar-se aos ideais; selecionar domínio; persuadir e monitorar a ética; desculpar-se; e desassociar. Destaca-se que, com o passar dos anos, as mudanças culturais e sociais podem fazer emergir novas estratégias de legitimidade para responder às necessidades dos stakeholders e da sociedade.

Por fim, as informações aqui evidenciadas podem ser aplicadas em outros contextos para direcionar melhor as estratégias de divulgação das informações socioambientais. A pesquisa contribui com as práticas de relatórios de sustantabilidade das organizações do segmento dos frigoríficos e colabora para a compreensão da importância atribuída às questões socioambientais pelos frigoríficos e como as evidenciações passaram a ser mais detalhadas e mais profissionais ao longo dos anos. Contribuiu, também, para que sejam criados roteiros ou guias de análises de estratégias para a sustentabilidade das organizações.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2023
  • Aceito
    30 Jan 2024
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