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A escola básica e a qualificação do trabalho de professores: desafios e perspectivas do mestrado profissional em Educação

LA ESCUELA BÁSICA Y LA CALIFICACIÓN DEL TRABAJO DE PROFESORES: DESAFÍOS Y PERSPECTIVAS DEL MAESTRO PROFESIONAL EN EDUCACIÓN

RESUMO

Neste artigo, apresentamos um debate sobre a formação continuada de professores na modalidade mestrado profissional e, para tanto, delineamos a seguinte questão: há mesmo o necessário clamor de conversa implicada entre a escola básica e a qualificação do trabalho de professores? Para respondê-la, utilizamos informações advindas de um programa de pós-graduação profissional em Educação. As reflexões podem ajudar a entender esse contexto formativo no que diz respeito aos desafios e às perspectivas que permeiam a qualificação do trabalho docente, o desenvolvimento profissional, as demandas de pesquisas desenvolvidas pelos professores da educação básica e a parceria entre universidade e escola.

PALAVRAS-CHAVE
mestrado profissional; universidade; escola básica

RESUMEN

En este artículo presentamos un debate sobre la formación continuada de profesores en la modalidad Maestría Profesional y para ello delineamos la siguiente cuestión: ¿hay aún el necesario clamor de conversación implicada entre la escuela básica y la calificación del trabajo de profesores? Para responderla utilizamos informaciones provenientes de un programa de post-graduación profesional en Educación. Las reflexiones pueden ayudar a entender ese contexto formativo en lo que se refiere a los desafíos y perspectivas que permean la calificación del trabajo docente, el desarrollo profesional, las demandas de investigaciones desarrolladas por los profesores de la educación básica y la asociación entre la universidad y la escuela.

PALABRAS CLAVE
maestría profesional; universidad; escuela básica

ABSTRACT

In this article, we present a debate about teachers’ continuous formation in the professional masters’ degree and, to do so, we outline the following question: is there really the necessary call for an implied conversation between elementary school and teachers work qualification? To answer this question, we use data from a professional post-graduate program in Education. The reflections can help to understand this formative context regarding the challenges and perspectives that permeate the teachers work qualification, professional development, the research demands determined by the teachers of elementary schools and the partnership between university and school.

KEYWORDS
professional master's degree; niversity; elementary school

INTRODUÇÃO

O presente artigo intenciona contribuir para o avanço do debate sobre a formação continuada de professores na modalidade mestrado profissional (MP) ao fazer uma discussão envolvendo a relação entre a escola básica e a universidade. Para tanto, a seguinte questão nos inquieta: há mesmo o necessário clamor de conversa implicada entre a escola básica e a qualificação do trabalho de professores?

Inicialmente, cabe destacar que a criação do mestrado profissional em Educação (MPE) no Brasil é recente e

[…] caracteriza-se como uma resposta aos resultados negativos já conhecidos da formação inicial nas licenciaturas, vítimas do teoricismo que mantém o distanciamento entre os conhecimentos produzidos na universidade e a prática efetiva do magistério nas escolas básicas. (Silva, 201721 SILVA, W. R. Formação sustentável do professor no mestrado profissional. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiros, v. 22, n. 70, p. 708-731, 2017. https://doi.org/10.1590/S1413-24782017227036
https://doi.org/10.1590/S1413-2478201722...
, p. 711)

De acordo com o Fórum Nacional dos Mestrados Profissionais em Educação (FOMPE, 201813 FOMPE. Fórum Nacional dos Mestrados Profissionais em Educação, 5. 2018. Disponível em: https://www.fompe.caedufjf.net. Acesso em: 5 fev. 2019.
https://www.fompe.caedufjf.net...
), o primeiro Programa de Mestrado Profissional em Educação data de 2009 — foi o Mestrado Profissional em Gestão e Avaliação da Educação Pública, na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); e o segundo foi o Programa Gestão e Tecnologias Aplicadas à Educação, na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em 2010. Tomamos o ano de 2009 como referência para a composição da história dos MPE no Brasil, que teve sua Portaria Normativa n° 7, de 22 de junho de 2009 (Brasil, 2009a4 BRASIL. Ministério da Educação. Portaria Normativa n° 7, de 22 de junho de 2009. Dispõe sobre o mestrado profissional no âmbito da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — CAPES. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 117, p. 31, 23 de junho de 2009a.), revogada em 28 de novembro de 2009 pela Portaria Normativa n° 17 (Brasil, 2009b5 BRASIL. Ministério da Educação. Portaria Normativa n° 17, de 28 de dezembro de 2009. Dispõe sobre o mestrado profissional no âmbito da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — CAPES. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 248, p. 20, 28 de dezembro de 2009b.). Isso significa que, a partir de 2009, os profissionais da área da Educação, entre eles os professores da educação básica, se depararam com discussões que envolviam um novo modelo de formação continuada, o qual poderia se diferenciar dos mestrados acadêmicos e dos cursos de especialização existentes naquele momento.

Apesar de a proposta parecer interessante e representar o clamor de boa parte dos professores da educação básica e da universidade pela necessidade em se promover a conversa entre a escola básica e a qualificação do trabalho de professores, particularmente no período de 2009 a 2013, a proposta, ainda que fosse considerada inovadora, enfrentou muitas críticas de vários setores da sociedade, incluindo-se aqueles relacionados à própria área da Educação. Os documentos publicados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) expressam as tensões que ocorreram naquele período, pois

[…] oferecer um MPE é redimensionar a flexibilização do Modelo de Pós-Graduação stricto sensu no Brasil, na área de Educação. Porém, flexibilizar não significa abrir mão do rigor científico e acadêmico, mas pensar em cursos de Pós-graduação a partir de novas perspectivas que agreguem as dimensões epistêmicas e preposições interventivas nos espaços educativos formais ou não formais. (FOMPE, 201813 FOMPE. Fórum Nacional dos Mestrados Profissionais em Educação, 5. 2018. Disponível em: https://www.fompe.caedufjf.net. Acesso em: 5 fev. 2019.
https://www.fompe.caedufjf.net...
, n.p.)

Dessa forma, para responder à questão de pesquisa que nos inquieta, consultamos o site e o relatório da avaliação quadrienal de 2017, ambos elaborados pela CAPES, bem como artigos que tratam da temática e as pesquisas desenvolvidas no período de 2013 a 2018 no Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação (PPGPE) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Diante dos documentos disponíveis no site da CAPES, constatamos que, no período de 2009 a 2018, ou seja, em quase uma década, o número de programas e cursos relacionados ao MPE aumentou, conforme indica o Quadro 1.

Quadro 1
Cursos reconhecidos e avaliados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior em 2017.

Outro dado importante pode ser destacado: o número de programas de pós-graduação profissional em Educação coincide com o número de cursos de MPE, ou seja, 46. Dos 252 cursos de pós-graduação que temos hoje no Brasil, 46 deles pertencem à categoria profissional, o que equivale a 18% do total dos cursos nos níveis de mestrado e doutorado.

Há que se considerar ainda que os dados do relatório da avaliação quadrienal de 2017 da CAPES (2017)10 COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR (CAPES). Plataforma Sucupira. Ficha de avaliação: Educação — UFSCar. PPGPE. 20 de setembro de 2017. mostram que, dos 46 cursos de mestrado profissional, 42 foram avaliados, os quais estão disseminados em 41 instituições de ensino superior (IES) distribuídas por todo o país, conforme indica o Quadro 2.

Quadro 2
Distribuição de programas profissionais por região.

O Quadro 2 mostra também que, entre os cursos, 19 deles estão localizados na região Sudeste, o que equivale a 41% do total. Tomando como referência os Quadros 1 e 2, entendemos, assim como Fialho e Hetkowski (201711 FIALHO, N. H.; HETKOWSKI, T. M. Mestrados Profissionais em Educação: novas perspectivas da pós-graduação no cenário brasileiro profissional. Educar em Revista, n. 63, p. 19-34, 2017. https://doi.org/10.1590/0104-4060.49135
https://doi.org/10.1590/0104-4060.49135...
, p. 26), que

[…] os MPE são, eles mesmos, uma nova perspectiva, não apenas no que eles podem promover, mas no próprio processo que implicou concebê-los, dar-lhes forma, desenhar arranjos institucionais. Trata-se de um processo de dinâmica social, que implica instituir algo que não está dado, por vezes em meio a confrontos com o já existente, num contexto de debates, tensões, retrocessos, polêmicas, revisões, aprofundamentos e avanços. Dessa forma, compreendemos que, no cenário brasileiro, no âmbito dos MPE, alguns conjuntos de temáticas se fizeram presentes, ora anunciando novas perspectivas (a exemplo dos encaminhamentos relativos à atualização da Ficha de Avaliação e da reafirmação do compromisso com a educação básica), ora reiterando princípios e conquistas (como ilustra a defesa do rigor da avaliação, da composição do quadro docente formado por doutores e da pesquisa).

Nesse sentido, essa nova perspectiva que se apresenta a partir dos MPE aponta para a necessidade de se repensarem questões que considerem temáticas relevantes relacionadas à formação, à identidade e à prática docente já que, nesse contexto, a pesquisa é considerada “como fundamento de todo processo formativo” (Fialho e Hetkowski, 201711 FIALHO, N. H.; HETKOWSKI, T. M. Mestrados Profissionais em Educação: novas perspectivas da pós-graduação no cenário brasileiro profissional. Educar em Revista, n. 63, p. 19-34, 2017. https://doi.org/10.1590/0104-4060.49135
https://doi.org/10.1590/0104-4060.49135...
, p. 26) dos professores da educação básica, havendo implicações diretas na qualificação do trabalho dos professores.

Ademais, a formação docente pode ser entendida como um processo permanente e envolve a valorização identitária e profissional dos professores. Por sua vez, a identidade dos professores é simultaneamente epistemológica e profissional, realizando-se no campo teórico do conhecimento e no âmbito da prática social. Isso implica que o deslocamento da prática dos professores decorre da ampliação de sua consciência crítica sobre essa mesma prática. Há, aqui, certa complexidade da tarefa de aprimoramento da qualidade do trabalho escolar, uma vez que os professores contribuem com seus saberes, seus valores e suas experiências no fazer e pensar o ensino a partir da atividade de pesquisa.

Nesse contexto, as conversas entre a escola básica e a universidade são estabelecidas por meio da atividade de pesquisa dos professores que, por sua vez, qualifica o seu trabalho. É por meio dessa atividade que os professores da educação básica podem teorizar sobre o ensino que praticam. Ao mesmo tempo, podem explicitar, em suas dissertações e/ou produtos educacionais, novas formas de se pensar e fazer o ensino, uma vez que se tornam autores. Além disso, podem romper com a ideia de que são apenas executores de teorias pensadas pelos professores e pesquisadores das universidades.

No caso de professores para a educação básica, entendemos que há crescente necessidade de formação contínua ou desenvolvimento profissional, e a proposta dos mestrados profissionais tem se apresentado como uma opção nesse campo. Assim, se o alvo dos programas nessa modalidade são os professores da educação básica, reivindica-se um melhor entendimento, inclusive à guisa de romper com todo tipo de preconceito ou lugar-comum, da importância dessa modalidade de pós-graduação como espaço de fomento à pesquisa com e para professores, além da inegável contribuição da diminuição da distância entre saber acadêmico e conhecimento prático. (Neres, Nogueira e Brito, 201418 NERES, C. C.; NOGUEIRA, E. G. D.; BRITO, V. M. Mestrado profissional em Educação e sua interseção com a qualificação docente na educação básica. RBPG, Brasília, v. 11, n. 25, p. 885-909, 2014. Disponível em: https://ojs.rbpg.capes.gov.br/index.php/rbpg/article/download/559/pdf. Acesso em: 21 fev. 2019.
https://ojs.rbpg.capes.gov.br/index.php/...
, p. 889)

Assim, se, por um lado, a identidade do professor pode ser entendida como a de um ser em movimento, construindo valores, estruturando crenças e atitudes e agindo em função de um tipo de eixo pessoal/profissional que o distingue dos outros,

[…] outros fatores contrários à profissionalização do magistério destacam-se como a frustração na profissão, derivada dos baixos salários; a ausência de condições para o bom exercício profissional; a má-formação inicial; a ausência de processos de formação continuada; as más relações de trabalho; as múltiplas exigências extraclasse; a dupla jornada de trabalho; o descaso das políticas públicas; a heterogeneidade da categoria; o seu crescimento numérico; a expansão e a concentração das empresas privadas no setor; as excessivas regulamentações e a consequente perda de autonomia; a tendência ao corte de gastos sociais e a repercussão dos salários sobre os custos da força de trabalho docente; a feminização do magistério; à docência como emprego provisório e segundo salário, dentre outros… (Carvalho, 20057 CARVALHO, J. M. O não-lugar dos professores nos entrelugares de formação continuada. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 28, p. 96-107, 2005. https://doi.org/10.1590/S1413-24782005000100008
https://doi.org/10.1590/S1413-2478200500...
, p. 97)

Portanto, estamos trazendo à tona o enfrentamento dos desafios das situações de ensino, em que o profissional da Educação precisa da competência do conhecimento, disciplinar e interdisciplinar, de sensibilidade ética e de consciência política (Brasil, 20013 BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP 9/2001 Homologado. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 31, 18 de janeiro de 2002. Disponível em: https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_009.pdf?query=FORMA%C3%87%C3%83O. Acesso em: 28 jan. 2019.
https://normativasconselhos.mec.gov.br/n...
). Por esse motivo, defendemos que os programas e, consequentemente, os professores da educação básica, sejam financiados quando estão em atividades de pesquisa nos contextos dos MPE. Sobreviver sem financiamentos, eis um grande desafio para todos os envolvidos. Tal desafio pode afastar os professores da educação básica das universidades, de forma que a conversa tão necessária entre a escola básica e a qualificação dos professores, por meio da atividade de pesquisa, pode ser comprometida.

Os mestrandos e doutorandos não-bolsistas, que aos poucos se tornam a maioria dos alunos desses cursos, obviamente têm outras condições quanto à dedicação de tempo aos estudos, mas nem por isto são menos qualificados para aí estarem. Fechar possibilidades a este tipo de pós-graduando é criar mais um espaço de exclusão. (Gatti, 200114 GATTI, B. A. Reflexão sobre os desafios da pós-graduação: novas perspectivas sociais, conhecimento e poder. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 18, p. 108-116, 2001. https://doi.org/10.1590/S1413-24782001000300010
https://doi.org/10.1590/S1413-2478200100...
, p. 113)

Tamanho desafio não impediu que, em 2012, apesar das tensões que existiam entre os mestrados acadêmicos e profissionais em Educação, um grupo de docentes da UFSCar que compactua com a ideia de que há mesmo o necessário clamor de conversa implicada entre a escola básica e a qualificação do trabalho de professores encaminhasse para a CAPES uma proposta para a criação de um Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação (PPGPE) e um curso em nível de mestrado.

Ao elaborar a proposta, o grupo poderia criar condições objetivas para que conversas implicadas entre a escola básica e a qualificação do trabalho de professores pudessem ser efetivadas, por meio da atividade de pesquisa. Afinal de contas, é a partir do MPE que se pode criar mais um espaço nas universidades para a formação continuada de professores da educação básica, de tal forma que os professores tenham oportunidade de qualificar o seu trabalho que ocorre nas escolas básicas e, ao mesmo tempo, teorizar sobre suas práticas. Assim sendo, professores das escolas básicas e das universidades têm a possibilidade de compreender o porquê/motivo da existência de certo clamor de conversas implicadas entre a escola básica e a qualificação do trabalho de professores. Na próxima seção, apresentaremos as ideias centrais da proposta.

O MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS: PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR

A proposta para a criação do PPGPE da UFSCar foi apresentada para a CAPES, em 2011, por um grupo formado por docentes que atuam em diversas áreas do conhecimento (Biologia, Filosofia, Física, Educação Física, Letras, Matemática, Música, Pedagogia e Química) na formação de professores e que estão alocados no Departamento de Metodologia de Ensino (DME).

Ao elaborar a proposta, tal grupo considerou suas experiências tanto na formação inicial, quanto na formação continuada de professores, especialmente aquelas relacionadas aos estágios curriculares, ao Programa de Bolsa de iniciação à Docência (PIBID), ao Programa Observatório da Educação (OBEDUC) e aos cursos de mestrado e doutorado, em nível acadêmico, aos quais boa parte dos docentes estava vinculada naquele momento. O grupo entendia que a proposta para o PPGPE e, consequentemente, para o MPE deveria se fundamentar em uma perspectiva interdisciplinar, uma vez que o corpo docente seria formado por pesquisadores que, em sua maioria, tivera como primeira formação cursos de licenciatura de diversas áreas do conhecimento, conforme mencionado anteriormente.

Foi definido como objetivo geral do PPGPE desenvolver a formação acadêmica situada na prática profissional de docentes que atuam nas diversas áreas de conhecimento, capacitando-os para influir, de forma significativa, na sociedade. Dessa forma, o programa pretende que o desenvolvimento das pesquisas seja de cunho interdisciplinar e em parceria entre a universidade e a escola, de forma que haja o reconhecimento social de que o professor é produtor de conhecimentos relacionados às práticas educativas que ocorrem em espaços formais e não formais. E como linha de pesquisa optou-se por apenas uma, denominada “Processos educativos — Linguagens, Currículo e Tecnologias”. Isso significa que o PPGPE — e, consequentemente, o MPE — é conduzido pelas diversas linguagens, bem como pela produção de conhecimentos teóricos sobre situações didáticas nas áreas de atuação dos professores da educação básica e estudos referentes aos processos educativos, ao currículo, às tecnologias e à formação de professores.

O grupo propôs ainda que, na medida do possível, os docentes pudessem atuar conjuntamente nas disciplinas, tendo como eixo articulador da grade curricular as linguagens. Estabeleceu-se ainda que os princípios metodológicos das disciplinas deveriam consistir na apresentação de situações-problema, aos pós-graduandos, na busca por compreender as injunções de ordens histórica, política e social que as determinam e a busca por abstrair princípios — epistemológicos, metodológicos e didáticos — que embasam suas ações e, simultaneamente, fortalecem suas teorizações.

A proposta foi aprovada pela CAPES e o curso de MPE teve início no segundo semestre do ano seguinte, em 2013. A primeira dissertação foi defendida em dezembro de 2014. O programa foi avaliado pela primeira vez em 2017, em seu primeiro quadriênio; começou com nota três e, após a primeira avaliação, obteve nota quatro.

Vale a pena ressaltar que o total de créditos para a titulação é 100, sendo 36 em disciplinas (duas obrigatórias e quatro optativas) e 64 para a elaboração do trabalho final, que tem como formato a dissertação.

O público-alvo são os professores que já atuam na educação básica em qualquer área de conhecimento. Para além das disciplinas (obrigatórias e não obrigatórias), os pós-graduandos participam de grupos de estudos e de pesquisa, reuniões propostas pelos orientadores e eventos acadêmicos. Além disso, escrevem artigos científicos e relatos de experiência e elaboram produtos educacionais.

Esses espaços de aprendizagem que se valem das múltiplas fontes de saber são oportunizados mesmo no ingresso dos alunos no programa. Como forma de, desde o processo de seleção, iniciar um diálogo com a bagagem de experiências vividas pelos mestrandos, incluímos no processo seletivo a escrita de um memorial, ou seja, de um relato autobiográfico em que o candidato narre sua trajetória pessoal e profissional até aquele momento em que decide que chegou a hora de apostar em uma formação em nível de mestrado. (Neres, Nogueira e Brito, 201418 NERES, C. C.; NOGUEIRA, E. G. D.; BRITO, V. M. Mestrado profissional em Educação e sua interseção com a qualificação docente na educação básica. RBPG, Brasília, v. 11, n. 25, p. 885-909, 2014. Disponível em: https://ojs.rbpg.capes.gov.br/index.php/rbpg/article/download/559/pdf. Acesso em: 21 fev. 2019.
https://ojs.rbpg.capes.gov.br/index.php/...
, p. 892)

No caso do MPE da UFSCar, ao participar do processo seletivo, o candidato entrega um anteprojeto de pesquisa, de forma que os docentes do programa possam conhecer as temáticas que interessam aos professores da educação básica. Assim como os demais programas profissionais em Educação, o PPGPE também não conta com financiamento da CAPES. O pagamento de custas de inscrição nos processos seletivos tem colaborado, desde 2014, para incentivar a participação dos mestrandos e de seus orientadores em eventos acadêmicos nacionais e internacionais, por exemplo.

Acreditamos que os mestrados profissionais, por suas especificidades, como, por exemplo, a exigência de que os pós-graduandos tenham vínculo profissional com a educação básica, pode configurar-se e firmar-se como uma importante “instância formadora”. Ao ingressar em um programa de pós-graduação e realizar sua pesquisa científica com o olhar voltado para as situações reais vividas em sala de aula, o professor/pós-graduando/pesquisador detém maiores condições de “efetuar propostas que denotem sua autoria”, participando ativamente dos debates que envolvem seu fazer profissional. (Neres, Nogueira e Brito, 201418 NERES, C. C.; NOGUEIRA, E. G. D.; BRITO, V. M. Mestrado profissional em Educação e sua interseção com a qualificação docente na educação básica. RBPG, Brasília, v. 11, n. 25, p. 885-909, 2014. Disponível em: https://ojs.rbpg.capes.gov.br/index.php/rbpg/article/download/559/pdf. Acesso em: 21 fev. 2019.
https://ojs.rbpg.capes.gov.br/index.php/...
, p. 890)

Ao analisarmos as pesquisas desenvolvidas no âmbito do PPGPE da UFSCar, concordamos com Cochran-Smith e Lytle (2002)8 COCHRAN-SMITH, M.; LYTLE, S. L. Dentro/fuera: enseñantes que investigan. 1. Ed. Madrid: Akal, 2002. que as pesquisas dos professores que atuam na educação básica são intencionais e sistemáticas porque consideram a dinâmica fluente das aulas desenvolvidas nesse segmento e as particularidades e singularidades de cada uma delas.

As pesquisas são intencionais porque, nesse caso específico, os professores-pesquisadores estudam, planejam ações e elaboram, na medida do possível, de forma coletiva, produtos educacionais que possam intervir positivamente nos processos que envolvem o ensino e a aprendizagem das diversas linguagens. São também sistemáticas porque sistematizam, de forma acadêmica — nesse caso, no formato de dissertação —, as intervenções que ocorrem nas aulas e indicam as reflexões teóricas feitas ao longo de 24 meses.

Nessa perspectiva de pesquisa, os produtos educacionais dos professores da educação básica e que integram as dissertações do MPE podem ser configurados em diversos formatos, tais como situações desencadeadoras de aprendizagem; projetos de ensino inter- e multidisciplinares; materiais didáticos; ou ainda jornais e textos diversificados que se explicitam na forma de narrativas, portifólios, diários reflexivos, páginas na web, etc.

As atividades de pesquisa desenvolvidas pelos professores da educação básica evidenciam a importância de se considerar o MPE como uma perspectiva inovadora para a formação continuada. Nesse contexto, têm a oportunidade de eleger o objeto de estudo a partir de suas práticas profissionais. E, em termos metodológicos, explicitam como transformar as problemáticas de sala de aula que envolvem os processos de ensino e de aprendizagem em problemas de pesquisa.

A partir da análise dessas problemáticas podem elaborar situações desencadeadoras de aprendizagem, projetos, entre outros, mais adequadas às suas turmas, de forma que se atendam as expectativas dos estudantes. Surgem, então, novos desafios e novas perspectivas que continuarão movendo as práticas profissionais e o desenvolvimento profissional dos professores da educação básica e da universidade. Ou seja, é por meio das atividades de pesquisa que os professores têm a possibilidade de se tornarem pesquisadores e de compreenderem, teoricamente, um dos elementos que compõem a sua prática profissional: a organização do ensino.

Portanto, ao longo de cinco anos, 48 dissertações foram defendidas no âmbito do PPGPE da UFSCar. Para além dessa informação, cabe ressaltar outras que são de fundamental importância para buscarmos responder à questão de investigação (há mesmo o necessário clamor de conversa implicada entre a escola básica e a qualificação do trabalho de professores?). A Figura 1 representa tais aspectos de análise que serão discutidos.

Figura 1
Elementos estruturantes para a análise das informações.

Diante de tal cenário, entendemos, assim como Grassi et al. (201615 GRASSI, M. H.; MARCHI, M. I.; SCHUCK, R. J.; MARTINS, S. N. Docência em mestrado profissional: registros de percepções e práticas em (re) construção. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 21, n. 66, p. 681-698, 2016. https://doi.org/10.1590/S1413-24782016216635
https://doi.org/10.1590/S1413-2478201621...
, p. 696), que “[…] o mestrado profissional para formação de docentes é, por excelência, um espaço de docência em (re)construção.” e promove a conversa e a parceria entre escola básica e universidade.

A MANIFESTAÇÃO DE UM DESEJO DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA PELO MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO

Nóvoa (200719 NÓVOA, A. Desafios do trabalho do professor no mundo contemporâneo. São Paulo: SINPRO-SP, 2007. Disponível em: https://notasdeescuta.files.wordpress.com/2017/11/nc3b2voa-a-desafios-do-professor.pdf. Acesso em: 20 jan. 2019.
https://notasdeescuta.files.wordpress.co...
, p. 14), em seus vários escritos, tem insistido numa “formação mais centrada nas práticas e na análise das práticas”, ou seja, o autor indica a necessidade de se “refletir sobre as práticas e de trabalhar sobre as práticas”. Indo ao encontro de tal fundamento, o MPE oportuniza discussões relacionadas às práticas e o alinhamento de vozes entre a universidade e a escola (Silva, 201721 SILVA, W. R. Formação sustentável do professor no mestrado profissional. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiros, v. 22, n. 70, p. 708-731, 2017. https://doi.org/10.1590/S1413-24782017227036
https://doi.org/10.1590/S1413-2478201722...
). Nesse caso específico, as vozes estão representadas por professores da educação básica que lecionam em várias regiões do país e por professores universitários que atuam nos cursos de licenciatura e desenvolvem projetos de pesquisa e de extensão. Alguns desses projetos, como o PIBID e a Residência Pedagógica, são desenvolvidos, atualmente, por meio de parcerias compartilhadas entre as escolas e a universidade.

Talvez seja o clamor dessas vozes que tenha feito com que tanto os professores da educação básica, quanto os professores da universidade tenham sentido necessidade de iniciar uma conversa implicada entre a escola básica e a qualificação do trabalho dos professores, desde a criação do PPGPE, em 2013, até 2018. Esse clamor possibilitou que grande número de professores se interessasse pelo curso. Em 2013, quando ainda não havia pagamento das custas de inscrição, houve recorde de 400 inscritos e, nos anos subsequentes, apesar dos pagamentos das custas de inscrição serem necessários, acima de 100 professores participaram do processo seletivo. Ou seja, em cinco anos, há uma estimativa de que 1.000 professores da educação básica de todo o Brasil manifestaram interesse pelo programa. Nesse sentido, há de se concordar com Oliveira (201320 OLIVEIRA, M. A. B. Formação continuada de professores dos anos iniciais do ensino fundamental I: uma experiência com o Programa Escola que Vale. 2013. 182 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Educação) — Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa., p. 23) quando afirma que

[…] a valorização profissional do docente é um dos elementos mais importantes e básicos de qualquer sistema educacional, ressaltados por todo o movimento dos trabalhadores em educação, seja por meio da implantação de políticas públicas ou por programas de formação.

Além disso, entendemos que a formação continuada visa estar associada ao processo de análise das práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores em sua rotina de trabalho e em seu cotidiano escolar, no sentido de buscar entender o que acontece na sala de aula e os significados produzidos no processo de ensino e aprendizagem. Ou seja, “[…] constitui-se como um lócus privilegiado, não só para refletir e discutir sobre sua própria prática, mas também como para a criação e a implementação de proposições que possibilitem vislumbrar novos caminhos no contexto escolar.” (Canen e Xavier, 20116 CANEN, A.; XAVIER, G. P. M. Formação continuada de professores para a diversidade cultural: ênfases, silêncios e perspectivas. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 16, n. 48, p. 641-661, 2011. https://doi.org/10.1590/S1413-24782011000300007
https://doi.org/10.1590/S1413-2478201100...
, p. 641).

Certamente não podemos restringir a proposta do MP à formação continuada, pois, ao retornarem à academia, os mestrandos têm a oportunidade de rever seu trabalho docente, mas, para além disso, podem se apropriar de elementos novos de sua atuação.

A participação de professores na pesquisa de sua própria prática tem sido especialmente valorizada nos últimos anos, ganhando o professor vez e voz, exercendo o papel de ator coletivo social na transformação do cotidiano escolar e para além dele. (Carvalho, 20057 CARVALHO, J. M. O não-lugar dos professores nos entrelugares de formação continuada. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 28, p. 96-107, 2005. https://doi.org/10.1590/S1413-24782005000100008
https://doi.org/10.1590/S1413-2478200500...
, p. 97)

Alinhado a esse objetivo, a universidade pode assumir a função colaborativa, sendo esta entendida como “[…] um meio eficaz para o desenvolvimento do professor com impacto na qualidade das oportunidades de aprendizagem dos alunos e, assim, indireta ou diretamente, na sua motivação e desenvolvimento […]” (Hargreaves, 199816 HARGREAVES, A. Os professores em tempos de mudança: O trabalho e a cultura dos professores na Idade Pós-Moderna. Lisboa, Portugal: McGraw-Hill, 1998., p. 131) contribuir com a configuração da atividade de pesquisa por parte dos professores da educação básica.

Ademais, a universidade pode estimular o interesse dos professores pela articulação entre ensino e pesquisa, a fim de perceberem a relevância das pesquisas em ensino para a modificação de suas práticas e se beneficiarem de um envolvimento mais ativo na produção destas em sua área específica de conhecimento (Grassi et al., 201615 GRASSI, M. H.; MARCHI, M. I.; SCHUCK, R. J.; MARTINS, S. N. Docência em mestrado profissional: registros de percepções e práticas em (re) construção. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 21, n. 66, p. 681-698, 2016. https://doi.org/10.1590/S1413-24782016216635
https://doi.org/10.1590/S1413-2478201621...
).

A INTERAÇÃO ENTRE A UNIVERSIDADE E A EDUCAÇÃO BÁSICA

A partir do exposto até aqui, há de se considerar ainda que muitas são as discussões sobre os índices insatisfatórios dos cursos de formação de professores destinados à sua preparação tanto na formação inicial quanto na continuada. Uma das justificativas reside na pouca interação entre a universidade e as escolas da educação básica. Num contraponto, vimos discutir sobre a identidade do PPGPE que se expressa em sua única linha de pesquisa e proposta curricular, assim como nos trabalhos finais de conclusão, materializados no formato de dissertações. Concordamos com André e Princepe (20171 ANDRÉ, M.; PRINCEPE, L. O lugar da pesquisa no Mestrado Profissional em Educação. Educar em Revista, Curitiba, n. 63, p. 103-117, 2017. https://doi.org/10.1590/0104-4060.49805
https://doi.org/10.1590/0104-4060.49805...
, p. 105-106) que

[…] a pesquisa tem um importante papel na formação dos mestres profissionais em educação, pois lhes dá oportunidade de analisar a realidade em que se inserem, localizar áreas críticas que possam ser esclarecidas por um processo sistemático de coleta de dados e de referenciais teórico-metodológicos, que lhes permitam atuar mais efetivamente nessa realidade. A pesquisa quando promove a reflexão crítica sobre a prática profissional em educação possibilita o desenvolvimento de indivíduos críticos e criativos.

Nesse sentido, há de se considerar que, segundo a Ficha de Avaliação quadrienal da CAPES apresentada ao PPGPE da UFSCar, as “[…] dissertações defendidas mostram adequação aos objetivos e definições das linhas de pesquisa […]” e “[…] têm aplicabilidade na área da Educação.” (CAPES, 201710 COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR (CAPES). Plataforma Sucupira. Ficha de avaliação: Educação — UFSCar. PPGPE. 20 de setembro de 2017., p. 4). De forma geral, as pesquisas tiveram como foco de análise as atividades profissionais dos autores, enquanto professores polivalentes ou especialistas, coordenadores pedagógicos de escolas, supervisores ou diretores, em vários níveis de ensino, como educação infantil, anos iniciais e finais do ensino fundamental e ensino médio.

No que diz respeito aos “produtos educacionais”, estes merecem atenção especial, pois, segundo o documento da CAPES (20139 COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR (CAPES). Documento de Área 2013. Brasília: CAPES, 2013. Disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/Educao_doc_area_e_comisso_21out.pdf. Acesso em: 18 abr. 2019.
https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-...
, p. 24-25), “O mestrando deve desenvolver um processo ou produto educativo e utilizá-los em condições reais de sala de aula ou de espaços não formais ou informais de ensino, em formato artesanal ou em protótipo […]”. Entretanto, cabe-nos concordar com os autores Bomfim, Vieira e Deccache-Maia (20182 BOMFIM, A. M.; VIEIRA, V.; DECCACHE-MAIA, E. A crítica da crítica dos mestrados profissionais: uma reflexão sobre quais seriam as contradições mais relevantes. Ciência & Educação, Bauru, v. 24, n. 1, p. 245-262, 2018. https://doi.org/10.1590/1516-731320180010016
https://doi.org/10.1590/1516-73132018001...
, p. 249) quando afirmam que

[…] não há em momento algum a pretensão de elaborar um produto que se pretende aplicável em todo o território nacional, ainda que acreditemos que as ideias possam ser trocadas e impulsionar soluções em outros cantos […]. Não depositamos nos produtos esse potencial abrangente e de cunho salvacionista da educação brasileira, até porque não o percebemos como a única contribuição prestada pelos MP.

Dentre as produções do MPE da UFSCar, o Quadro 3 contempla 12 das 48 dissertações defendidas no período de 2014 a 2018 e materializa o clamor dos professores por compreender questões sobre o ensino das diversas áreas de conhecimento e sobre a gestão escolar. As vozes dos professores, juntamente com as dos pesquisadores, compõem as 48 dissertações e os respectivos produtos educacionais que estão integrados a elas. Assim como Silva (2017, p. 710),

Quadro 3
Dissertações defendidas no período de 2014 a 2018.

[…] numa perspectiva indisciplinar, utilizamos referenciais teórico-metodológicos de origens diversas, o que é justificado pela complexidade do objeto de investigação construído. Focalizar a formação continuada do professor sem perder de vista o campo de forças que circunda os pontos de contato entre universidade e escola inevitavelmente demanda a interação com referenciais diversos, mesmo que estejamos lidando diretamente com o professor de uma disciplina escolar específica.

Assim, há de se chamar atenção para o fato de que o desenvolvimento de pesquisas com os professores, a partir de situações didáticas situadas, contextualizadas e de caráter interdisciplinar, objetiva estabelecer parcerias entre universidade e escola, de forma que os professores da educação básica possam ser reconhecidos socialmente como produtores de conhecimento e, ao mesmo tempo, a escola possa ser também reconhecida como mais um lócus de produção de conhecimentos e formadora de professores.

Destacamos, então, o potencial dos MPE no sentido de oportunizar encontros com os pares e favorecer a troca de experiências em realidades diversas,

[…] o questionamento, a participação e a decodificação de teorias, conceitos, discursos e mensagens que compõem o currículo e as práticas em sala de aula e que muitas vezes se apresentam impregnados de preconceitos, estereótipos, silêncios e omissões. Para tanto, o diálogo apresenta-se como um instrumento indispensável, a partir do qual professores e alunos possam estabelecer uma dinâmica de entendimento e reflexão, em que as “vozes” de todos sejam ouvidas, consideradas e debatidas (Canen e Xavier, 20116 CANEN, A.; XAVIER, G. P. M. Formação continuada de professores para a diversidade cultural: ênfases, silêncios e perspectivas. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 16, n. 48, p. 641-661, 2011. https://doi.org/10.1590/S1413-24782011000300007
https://doi.org/10.1590/S1413-2478201100...
, p. 643).

No entanto, cabe-nos alertar que a divulgação das pesquisas desenvolvidas pelos professores da educação básica, no âmbito dos MPE, em eventos acadêmicos, ainda é muito tímida, considerando-se que boa parte das Secretarias de Educação e órgãos de fomento ainda não se atentou para o fato de que, para atender a essa demanda, os professores necessitam de financiamento e de tempo hábil para preparar e se deslocar para as várias regiões do país e fora do país a fim de apresentar e refletir sobre os resultados de suas pesquisas com outros pares nos vários congressos nacionais e internacionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao retomar a questão inicial — há mesmo o necessário clamor de conversa implicada entre a escola básica e a qualificação do trabalho de professores? — e as discussões feitas até então, podemos responder, de forma categórica, que sim, pois tal conversa favorece:

  • a sensibilização de professores e gestores para o “[…] caráter híbrido, sempre inacabado das identidades, evitando o congelamento […]” (Canen e Xavier, 20116 CANEN, A.; XAVIER, G. P. M. Formação continuada de professores para a diversidade cultural: ênfases, silêncios e perspectivas. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 16, n. 48, p. 641-661, 2011. https://doi.org/10.1590/S1413-24782011000300007
    https://doi.org/10.1590/S1413-2478201100...
    , p. 645) de práticas e concepções pedagógicas;

  • a troca de saberes no contexto da formação continuada;

  • a reflexão sobre e das práticas a partir da articulação entre ensino e pesquisa, uma vez que o trabalho de conclusão, na maioria das vezes, diz respeito a uma intervenção em sua própria prática pedagógica;

  • a apropriação dos resultados da pesquisa e não apenas o acesso a ela;

  • um novo/outro olhar sobre a natureza dos conhecimentos profissionais;

  • a escrita de textos acadêmicos tais como trabalhos de conclusão e artigos científicos destinados tanto a periódicos quanto a eventos;

  • o estabelecimento de “[…] relações entre as universidades e setores governamentais, não-governamentais e sobretudo empresariais. São fatos sociais, não há como negá-los.” (Gatti, 200114 GATTI, B. A. Reflexão sobre os desafios da pós-graduação: novas perspectivas sociais, conhecimento e poder. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 18, p. 108-116, 2001. https://doi.org/10.1590/S1413-24782001000300010
    https://doi.org/10.1590/S1413-2478200100...
    , p. 111).

Assim, “[…] uma prática de colaboração construída na interface entre universidade e escola básica […]” (Foerste, 200512 FOERSTE, E. Parceria na formação de professores. São Paulo: Cortez, 2005., p. 8) fortalece o debate, a conversa sobre os momentos de formação e o exercício da atividade de ensino.

Ademais, concordamos com Nacarato (201617 NACARATO, A. M. A parceria universidade-escola: utopia ou possibilidade de formação continuada no âmbito das políticas públicas?. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 21, n. 66, p. 699-716, 2016. https://doi.org/10.1590/S1413-24782016216636
https://doi.org/10.1590/S1413-2478201621...
, p. 713) que “[…] a parceria universidade-escola precisa ser uma construção coletiva, pautada no respeito e na abertura ao diálogo. Não há manual de orientação para fazê-la acontecer; ela é construída no processo.”.

No contexto específico do foco de análise deste estudo — o PPGPE da UFSCar —, destacamos que o número expressivo de professores desejosos de compor o quadro daqueles selecionados reflete seu interesse no desenvolvimento profissional pautado em uma prática de questionamento.

Os professores inseridos no programa, por sua vez, ao longo do período de cinco anos, na sua grande maioria, não desistiram; ao contrário, persistiram, superaram obstáculos diversos e, ao se familiarizarem com a prática de pesquisa, puderam privilegiar vozes e indagações marcadas pela particularidade da reflexão sobre a prática profissional.

  • Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Jan 2021
  • Aceito
    14 Jul 2022
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