RESUMO
A carreira docente é objeto de estudo em diferentes áreas do conhecimento, no entanto a saída da carreira docente foi pouco explorada no contexto brasileiro. O objetivo deste estudo foi analisar a produção científica sobre a saída da carreira docente na Educação Básica. Utilizou-se uma revisão sistemática. A busca ocorreu nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), no período de 2000 a 2020. Observa-se que existe uma classificação dos tipos de saída que podem anteceder à saída definitiva. Identificam-se os motivos que podem levar o professor a sair da carreira, com ênfase na baixa remuneração e na falta de infraestrutura. Os resultados sugerem que a saída da carreira docente é um processo lento que pode passar por diferentes fases e que ocorre por motivos geralmente associados ao próprio sistema escolar.
Palavras-chave:
Saída da Carreira Docente; Escola; Valorização Profissional; Professores
ABSTRACT
The teaching career is an object of study in different areas of knowledge. However, the departure from the teaching career has been little explored in the Brazilian context. The objective of this study was to analyze the scientific production on leaving the teaching career in Basic Education. A systematic review was used. The search took place in the Scientific Electronic Library Online (SciELO) and Latin American and Caribbean Health Sciences Literature (LILACS) databases, from 2000 to 2020. A classification of the types of exit that may precede the final one can be observed. The reasons that can lead a teacher to exit the teaching career are identified, with emphasis on low remuneration and lack of infrastructure. The results suggest that leaving the teaching career is a slow process that can have different phases and that occurs for reasons generally associated with the school system itself.
Keywords:
Leaving the Teaching Career; School; Professional Appreciation; Teachers
RESUMEN
La carrera docente es objeto de estudio en diferentes áreas del conocimiento, sin embargo, la salida de la carrera docente ha sido poco explorada en el contexto brasileño. El objetivo de este estudio fue analizar la producción científica al egresar de la carrera docente en Educación Básica. Se utilizó una revisión sistemática. La búsqueda se realizó en las bases de datos SciELO y LILACS, de 2000 a 2020. Se observa que existe una clasificación de los tipos de salida que pueden preceder a la salida final. Se identifican los motivos que pueden llevar al docente a abandonar la carrera, con énfasis en la baja remuneración y falta de infraestructura. Los resultados sugieren que la salida de la carrera docente es un proceso lento que puede pasar por diferentes fases y que ocurre por razones generalmente asociadas al propio sistema escolar.
Palabras clave:
Salida de la Carrera Docente; Escuela; Apreciación Profesional; Maestros
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento da carreira docente vem ganhando notoriedade no campo da Educação desde a década de 1990, quando autores como Huberman (1992)HUBERMAN, Michaël. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, António (org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto, 1992., Gonçalves (1992)GONÇALVES, José Alberto M. A carreira das professoras do ensino primário. In: NÓVOA, António (org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto, 1992. e Nascimento e Graça (1998)NASCIMENTO, Juarez Vieira do; GRAÇA, Armando Braga Santos. A evolução da percepção de competência profissional de professores de Educação Física ao longo de sua carreira docente. In: CONGRESO DE EDUCACIÓN FÍSICA E CIENCIAS DO DEPORTE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA, 6.; CONGRESO GALEGO DE EDUCACIÓN FÍSICA, 7., La Coruña, 1998. Anais […]. La Coruña: INEF, Galícia, 1998. p. 320-335. sistematizaram uma série de reflexões para compreender as fases/estágios do ciclo de vida profissional de professores.
Huberman (1992)HUBERMAN, Michaël. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, António (org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto, 1992., que foi o autor pioneiro nesse debate, estudou o ciclo de vida dos professores utilizando questionários e entrevistas com 160 professores do ensino secundário. Até então, os trabalhos com foco na carreira docente tinham como base a idade cronológica do indivíduo, e o tempo de carreira era o elemento que definia as etapas. O estudo de Huberman (1992)HUBERMAN, Michaël. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, António (org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto, 1992. analisou de modo mais sistemático e amplo a carreira docente com base no tempo de atuação em anos e não mais na idade cronológica do indivíduo. Dessa análise surgiu o modelo de ciclo de vida profissional proposto pelo autor.
O trabalho de Huberman (1992)HUBERMAN, Michaël. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, António (org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto, 1992. identificou as etapas e/ou fases que o professor vivencia em sua carreira, classificando a carreira docente em: entrada na carreira (1 a 3 anos), estabilização (4 a 6 anos), diversificação (7 a 25 anos), serenidade e distanciamento afetivo (25 a 35 anos) e a fase de desinvestimento pedagógico (35 a 40 anos). Todavia, é importante salientar que tais fases podem não acontecer seguindo uma determinada ordem, como a apresentada por Huberman. É possível que alguma dessas fases ocorram em períodos menores ou simplesmente não ocorram. Mesmo sabendo que a carreira docente pode não seguir um padrão, essas fases/estágios são utilizadas como parâmetros/ferramentas que contribuem para compreender melhor a trajetória docente. O professor pode, por exemplo, entrar em uma fase de desinvestimento mesmo estando na etapa de entrada na carreira, ou pode conseguir a estabilidade nos primeiros anos de atuação.
Huberman (1992)HUBERMAN, Michaël. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, António (org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto, 1992. explica que, ao final da carreira, o docente entra na fase de desinvestimento, caracterizada pela falta de comprometimento pedagógico. Essa fase pode contribuir para a saída da carreira docente, independentemente se o professor passa por ela no início, no meio ou no fim de carreira. A fase de desinvestimento pode ocorrer de forma serena, se o professor se mostra satisfeito pelo trabalho exercido e transmite experiências para novos professores, ou pode acontecer de forma amarga, quando ele se sente frustrado e desacreditado na perspectiva de melhoria na educação.
Entretanto, o trabalho de Huberman (1992)HUBERMAN, Michaël. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, António (org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto, 1992. deixa algumas lacunas: como ocorrem as diferentes formas de saída da carreira? Quais os fatores/motivos/circunstâncias que levam o professor a sair da carreira docente? A fase de desinvestimento, sereno ou amargo, é o fim da carreira? Deve-se considerar que a saída pode ocorrer no início, no decorrer da carreira e/ou com a aposentadoria docente.
Para Souza, Nascimento e Fensterseifer (2018)SOUZA, Sinara Pereira de; NASCIMENTO, Paulo Rogerio Barbosa do; FENSTERSEIFER, Paulo Evaldo. Atuação docente em Educação Física escolar: entre investimento e desinvestimento pedagógico. Motrivivência, v. 30, n. 54, p. 143-159. 2018. https://doi.org/10.5007/2175-8042.2018v30n54p143
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, o professor pode passar um período de desinvestimento e depois retornar à trajetória de investimento pedagógico sem necessariamente sair da carreira docente. Os autores afirmam que a cultura escolar pode influenciar significativamente nessa decisão, como exemplo o público que a escola recebe (educação infantil, fundamental ou médio), a localização da escola (centro ou periferia), bem como a relação com a gestão escolar e os colegas de trabalho.
Para Huberman (1992)HUBERMAN, Michaël. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, António (org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto, 1992., a carreira docente é permeada por diversas situações que influenciam na trajetória de vida do professor desde a infância até a vida profissional. O contato com a docência acontece, indiretamente, no decorrer da vida escolar do indivíduo, quando ele está no ensino básico. Isso possibilita experiências, boas e/ou ruins, que contribuem de forma positiva e/ou negativa para uma possível entrada na carreira docente. Uma criança, por exemplo, que convive com pais/familiares professores pode espelhar-se na vida deles ou pode não querer seguir essa carreira. Existem influências intrínsecas, como a afinidade pela profissão docente, e influências extrínsecas, como o apoio familiar e condições socioeconômicas que podem afetar a escolha do indivíduo.
A realidade escolar vivenciada pelo indivíduo durante o ensino básico é diferente de quando ele começa a atuar como docente. Na graduação o futuro professor vai se apropriando da realidade, do cotidiano escolar, observando os aspectos positivos e negativos da área. Entre os pontos negativos, destaca-se a desvalorização da função docente, que está relacionada com a pouca atratividade da carreira para jovens que ingressam no ensino superior (Tartuce, Nunes e Almeida, 2010TARTUCE, Gisela Lobo B. P; NUNES, Marina M. R.; ALMEIDA, Patrícia Cristina Albieri de. Alunos do ensino médio e atratividade da carreira docente no Brasil. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 40, n. 140, p. 445-477, ago. 2010. https://doi.org/10.1590/S0100-15742010000200008
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). As experiências vivenciadas pelo indivíduo no contexto escolar e na formação inicial podem afastá-lo da carreira docente e/ou gerar frustação quando ele entra na licenciatura e se depara com realidades diferentes das que foram almejadas.
Apesar de estudos como os de Goodson (1992)GOODSON, Ivor Frederick. Dar voz ao professor: as histórias de vida dos professores e o seu desenvolvimento profissional. In: NÓVOA, António (org.). Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1992. p. 63-78., Betti e Mizukami (1997)BETTI, Irene Conceição Rangel; MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. História de vida: trajetória de uma professora de educação física. Motriz, Rio Claro, v. 3, n. 2, p. 108-15, 1997. https://doi.org/10.5016/6568
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, entre outros, focarem na trajetória de vida dos professores, a saída da carreira docente no Brasil ainda é tema de poucas investigações. É nesse sentido que uma análise da saída da carreira docente favorece políticas públicas para compreender os diferentes motivos e efeitos dessa saída na trajetória de vida dos docentes. Além disso, ao entendermos esses motivos, podemos construir estratégias para aumentar a atratividade da carreira docente, que tem diminuído significativamente no Brasil. Segundo dados do relatório "A educação no Brasil: uma perspectiva internacional", apenas 2% dos alunos que realizaram o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) 2018 desejavam ser professores (Todos Pela Educação e OCDE, 2021ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Education in Brazil: an international perspective. Paris: OECD Publishing, 2021. https://doi.org/10.1787/60a667f7-en
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).
O Brasil, com territórios de dimensões continentais, possui diversas realidades; os docentes vivem e sobrevivem de maneira diferente na carreira docente, estando eles na rede pública ou na particular. Diferentes realidades significam diferentes carreiras que podem não ser atrativas para quem já está em sala ou para quem pretende ingressar na docência no ensino básico.
Estudar a saída da carreira docente torna-se elemento fundamental na busca de compreensão sobre como melhorar a trajetória do professor. Considerando-se a pouca atratividade da carreira, a desvalorização salarial e a falta de reconhecimento social, acredita-se que as políticas públicas educacionais de valorização da docência possam contribuir para que menos professores deixem a sala de aula. A saída de professores da carreira docente e a pouca atratividade da profissão podem provocar em médio e longo prazo a falta de professores para atuação no ensino básico.
Segundo Nóvoa (2017NÓVOA, António. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas), v. 47, n. 166, p. 1106-1133. out.-dez. 2017. https://doi.org/10.1590/198053144843
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, p. 1130), a profissão docente não se restringe ao espaço profissional, mas "continua pelo espaço público, pela vida social, pela construção do comum". O professor é agente colaborativo na construção de discussões dentro e fora do ambiente escolar, contribuindo para reflexões importantes na sociedade, que, sem o ambiente escolar e sem a figura do professor, poderiam ser suprimidas no meio social. A sociedade deve caminhar para uma educação social comum, no sentido de favorecer reflexões acerca da consciência de responsabilidade que a sociedade tem sobre a educação.
Diante dessa importância que o professor tem na construção de uma sociedade, os estudos sobre a carreira docente podem ajudar na compreensão do fenômeno da saída da carreira docente. Ao estudar esse momento da vida profissional dos professores, busca-se compreender os fatores que levam o professor a sair da sala de aula. Nesse sentido, este artigo tem como objetivo analisar a produção científica sobre a saída da carreira docente na Educação Básica, no período de 2000 a 2020.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foi realizada uma revisão sistemática da literatura sobre a saída da carreira docente. Esse tipo de pesquisa visa identificar, compreender e investigar as evidências na produção científica (Galvão e Pereira, 2014GALVÃO, Taís Freire; PEREIRA, Mauricio Gomes. Revisões sistemáticas da literatura: passos para sua elaboração. Epidemiologia Serviços de Saúde, Brasília, v. 23, n. 1, p. 183-184, jan.-mar. 2014. https://doi.org/10.5123/S1679-49742014000100018
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). Para Sampaio e Mancine (2007)SAMPAIO, Rosana Ferreira; MANCINI, Marisa Cotta. Estudos de revisão sistemática: um guia para síntese criteriosa da evidência científica. Revista Brasileira de Fisioterapia, São Carlos, v. 11, n. 1, p. 83-89, jan.-fev. 2007. https://doi.org/10.1590/S1413-35552007000100013
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, a revisão sistemática organiza as evidências utilizando-se de meios científicos organizados e sintetiza as informações criticamente.
A pergunta norteadora foi: como a literatura científica tem analisado o fenômeno da saída da carreira docente em docentes da Educação Básica no Brasil? Os dados foram levantados pelos indexadores eletrônicos Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). Utilizaram-se os filtros de texto completo, período de tempo, idioma e o operador booleano "and" para combinar termos na busca de dados. Esses indexadores foram escolhidos por possuírem um número significativo de pesquisas na área da educação e acesso livre aos periódicos e artigos indexados.
Os critérios de seleção adotados foram: trabalhos completos publicados em língua portuguesa; com foco na saída da carreira docente; no período de 2000–2020. Foram excluídos os artigos com duplicidade; resumos, dissertações, teses ou revisões; trabalhos cujo tema (após a leitura de título e resumo) não possuísse centralidade no debate; e artigos que tivessem seu objeto de investigação em nível superior ou em cursos de educação não formal.
A utilização de artigos somente em língua portuguesa justifica-se em consideração das características da carreira docente no Brasil. Empregamos o arco temporal de 21 anos, iniciando a partir de 2000, amparados no debate de Imbernón (2010)IMBERNÓN, Francisco. Formação continuada de professores. Porto Alegre: Artmed, 2010., que caracteriza este período como o início de uma "busca de novas alternativas". De acordo com o autor, a educação passa a ter novos horizontes na busca de qualidade educacional, questionando a própria área da formação de professores, seu papel na sociedade, e refletindo sobre a formação de novos professores.
A busca dos trabalhos ocorreu no mês de setembro de 2020. Foram utilizados os seguintes termos, acompanhados do operador booleano "and": abandono and docente, abandono and profissional and professores, abandono and carreira and docente, desinvestimento and pedagógico, desistência and magistério, evasão and magistério, evasão and professores, evasão and docente, mal and estar and docente, mal-estar and docente, ruptura and carreira and docente, ruptura and trabalho and docente, ruptura and docente, saída and carreira and docente, saída and trabalho and docente, saída and magistério (Tabela 1).
O levantamento foi realizado por dois pesquisadores independentes e, nos casos de conflito na decisão de incluir ou não o artigo, houve desempate por um terceiro pesquisador. Abaixo podemos observar o processo de seleção dos artigos (Figura 1).
Foram identificados e excluídos 224 artigos após a leitura de título e resumo, assim como depois da leitura na íntegra. Foram considerados os artigos que abordaram a saída do magistério e suas implicações na carreira docente (Tabela 2). A análise dos dados foi realizada pelo método de análise de conteúdo de Bardin (2016)BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2016., que consiste em três fases: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados, inferência e interpretações. A pré-análise é a organização e sistematização do material coletado. Nesse primeiro momento, faz-se uma leitura flutuante do material a fim de identificar e selecionar os documentos para as fases seguintes. Na fase de exploração do material os documentos são codificados e analisados conforme os critérios estabelecidos previamente. A terceira fase, denominada de tratamento dos resultados obtidos, inferências e interpretação, inclui operações estatísticas, sínteses, inferências e a interpretações dos resultados. As unidades de registro foram utilizadas para a elaboração das categorias de análise.
RESULTADOS
Neste tópico, apresentamos os resultados e a análise da literatura consultada. Após a apreciação dos artigos, identificaram-se duas categorias (Tabela 3).
CLASSIFICAÇÃO/TIPOS DE SAÍDA DA CARREIRA DOCENTE
Nesta categoria, encontram-se dois artigos sobre o processo de saída da carreira e suas diferentes classificações. Foram identificados e classificados três tipos de afastamento: a saída temporária, a remoção e a acomodação.
Os trabalhos de Lapo e Bueno (2002LAPO, Flavinês Rebolo; BUENO, Belmira Oliveira. O abandono do magistério: vínculos e rupturas com o trabalho docente. Psicologia USP, v. 13, n. 2, p. 243-276, 2002. https://doi.org/10.1590/S0103-65642002000200014
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; 2003LAPO, Flavinês Rebolo; BUENO, Belmira Oliveira. Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, n. 118, p. 65-68, mar. 2003. https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100004
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) foram publicados em revistas diferentes, mas ambas as publicações têm os mesmos dados de pesquisa. Os artigos buscam delimitar e caracterizar a evasão dos professores no estado de São Paulo, tentando compreender as relações entre os diferentes determinantes desse fenômeno. Utilizaram os registros de pedidos de exoneração fornecidos pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, referentes aos anos de 1990 a 1995. Identificaram 158 ex-professores da rede estadual da 14ª delegacia de ensino, onde havia maior número de pedidos de exoneração. Apenas 29 questionários foram devolvidos. Em seguida, realizaram uma entrevista com 16 ex-professores, com foco nas histórias de vida.
Lapo e Bueno (2002LAPO, Flavinês Rebolo; BUENO, Belmira Oliveira. O abandono do magistério: vínculos e rupturas com o trabalho docente. Psicologia USP, v. 13, n. 2, p. 243-276, 2002. https://doi.org/10.1590/S0103-65642002000200014
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; 2003LAPO, Flavinês Rebolo; BUENO, Belmira Oliveira. Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, n. 118, p. 65-68, mar. 2003. https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100004
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) apontam para além dos motivos que desencadeiam a saída da carreira, enfocando a construção do processo de saída com base nas histórias de vidas relatadas. Para as autoras, a saída da carreira não acontece repentinamente, mas é o resultado de um acúmulo de situações vividas após tentativas de minimização que não foram bem-sucedidas. Elas identificaram três tipos de saídas que antecedem a saída definitiva: a saída temporária, a remoção e a acomodação.
A saída temporária é caracterizada por licenças e afastamentos não remunerados, por tempo indeterminado, para dedicar-se a atividades fora do ambiente de trabalho. "O afastamento físico do ambiente de trabalho permite ao professor equilibrar-se pelo distanciamento das dificuldades geradoras dos conflitos que está vivenciando" (Lapo e Bueno, 2003LAPO, Flavinês Rebolo; BUENO, Belmira Oliveira. Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, n. 118, p. 65-68, mar. 2003. https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100004
https://doi.org/10.1590/S0100-1574200300...
, p. 80). Nesse tipo de saída, o professor ausenta-se temporariamente da docência e da escola e, em muitos casos, "ao retornar, o professor, que saiu esperando que as coisas melhorassem, encontra a mesma situação, o que acaba por gerar insatisfação ainda maior" (Lapo e Bueno, 2003LAPO, Flavinês Rebolo; BUENO, Belmira Oliveira. Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, n. 118, p. 65-68, mar. 2003. https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100004
https://doi.org/10.1590/S0100-1574200300...
, p. 81). Nesse afastamento também se pode implementar a formação pedagógica em cursos de pós-graduação.
O segundo tipo de saída é a remoção, quando os professores decidem trocar de ambiente de trabalho ou trocar de instituição. A remoção pode ocorrer por diversos motivos, como situações conflitantes entre os colegas de trabalho, com os gestores, o público atendido, com os alunos indisciplinados, por motivos pessoais e pelo próprio sistema educacional. Um dos fatores que levam à remoção é que, no início de carreira, o docente pode ser lotado em uma região distante de sua residência, e alguns meses/anos depois ele solicita a remoção para se aproximar do bairro em que mora.
[…] as remoções realizadas pelos professores deste estudo, que é a comodidade e a segurança de trabalhar em local próximo ao que reside. Mudar de escola para fugir de situações e ambientes desagradáveis ou para obter uma maior facilidade de locomoção, ou ainda para diminuir a distância entre a casa e o trabalho, acaba por provocar uma grande rotatividade dos professores. E, além disso, nem sempre a remoção é um recurso eficiente, pois a mesma situação conflitiva pode ser encontrada nas outras escolas. (Lapo e Bueno, 2002LAPO, Flavinês Rebolo; BUENO, Belmira Oliveira. O abandono do magistério: vínculos e rupturas com o trabalho docente. Psicologia USP, v. 13, n. 2, p. 243-276, 2002. https://doi.org/10.1590/S0103-65642002000200014
https://doi.org/10.1590/S0103-6564200200... , p. 269)
O terceiro tipo de saída é a acomodação, caracterizado por destinar o docente a outra função no sistema educacional, como um cargo de coordenação, por exemplo. Geralmente a acomodação está relacionada com o acometimento de algum estresse laboral como a síndrome de burnout. Ressalta-se que muitos professores podem estar com síndrome de burnout e nunca abandonar o trabalho pedagógico, e em outros casos podem abandonar a vida docente sem ter passado pelo processo ou pela síndrome de burnout (Lapo e Bueno, 2003LAPO, Flavinês Rebolo; BUENO, Belmira Oliveira. Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, n. 118, p. 65-68, mar. 2003. https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100004
https://doi.org/10.1590/S0100-1574200300...
). Em algumas regiões, esse tipo de afastamento de sala de aula também é chamado de "readaptação de professor".
As saídas temporárias por remoção ou acomodação são estratégias que os professores podem utilizar para evitar a saída definitiva, porém, na maioria dos casos, a saída temporária, a remoção ou a acomodação podem potencializar o desejo de sair da carreira. Esses casos podem anteceder e retardar a decisão de saída definitiva, caracterizada pelo afastamento do professor das funções docentes (Lapo e Bueno, 2002LAPO, Flavinês Rebolo; BUENO, Belmira Oliveira. O abandono do magistério: vínculos e rupturas com o trabalho docente. Psicologia USP, v. 13, n. 2, p. 243-276, 2002. https://doi.org/10.1590/S0103-65642002000200014
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; 2003LAPO, Flavinês Rebolo; BUENO, Belmira Oliveira. Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, n. 118, p. 65-68, mar. 2003. https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100004
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).
A saída definitiva acontece, geralmente, quando as saídas temporárias e especiais (remoção e acomodação) não são mais suficientes para melhorar momentaneamente a situação vivenciada pelo professor, e ele decide sair da carreira docente definitivamente.
Lapo e Bueno (2002LAPO, Flavinês Rebolo; BUENO, Belmira Oliveira. O abandono do magistério: vínculos e rupturas com o trabalho docente. Psicologia USP, v. 13, n. 2, p. 243-276, 2002. https://doi.org/10.1590/S0103-65642002000200014
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; 2003LAPO, Flavinês Rebolo; BUENO, Belmira Oliveira. Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, n. 118, p. 65-68, mar. 2003. https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100004
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) sublinham que, nos relatos dos professores, podem-se notar situações corriqueiras da realidade docente, e aos poucos a opção da saída da carreira docente vai se concretizando como se fosse uma luz ao final do túnel. Mesmo após algumas medidas para conter o desejo de saída da carreira, alguns professores permanecem insatisfeitos, haja vista os problemas nas escolas, que continuam a ser frequentes.
MOTIVOS PARA A SAÍDA DA CARREIRA DOCENTE
Nesta categoria, encontram-se quatro artigos que analisam os motivos que influenciam a tomada de decisão no processo de saída da carreira docente (Lapo e Bueno, 2003LAPO, Flavinês Rebolo; BUENO, Belmira Oliveira. Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, n. 118, p. 65-68, mar. 2003. https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100004
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; Souto, 2016SOUTO, Romélia Mara Alves. Egressos da licenciatura em matemática abandonam o magistério: reflexões sobre profissão e condição docente. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 42, n. 4, p. 1077-1092, out.-dez. 2016. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702201608144401
http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022016...
; Carlotto, Câmara e Oliveira, 2019CARLOTTO, Mary Sandra; CAMARA, Sheila Gonçalves; OLIVEIRA, Michelle Engers Taube de. Intenção de abandono profissional entre professores: o papel dos estressores ocupacionais. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 24, e240028, 2019. https://doi.org/10.1590/S1413-24782019240028
https://doi.org/10.1590/S1413-2478201924...
; Favatto e Both, 2019FAVATTO, Naline Cristina; BOTH, Jorge. Motivos para abandono e permanência na carreira docente em educação física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 41, n. 2, p. 127-134. https://doi.org/10.1016/j.rbce.2018.05.004
https://doi.org/10.1016/j.rbce.2018.05.0...
).
Lapo e Bueno (2003)LAPO, Flavinês Rebolo; BUENO, Belmira Oliveira. Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, n. 118, p. 65-68, mar. 2003. https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100004
https://doi.org/10.1590/S0100-1574200300...
buscaram compreender a evasão de professores no estado de São Paulo entre os anos de 1990 e 1995. Entre os principais motivos alegados para o pedido de exoneração, destacam-se baixa remuneração; péssimas condições de trabalho; oportunidade de emprego mais rentável; necessidade de tempo livre para concluir a pós-graduação; e falta de perspectiva de crescimento profissional.
O trabalho de Souto (2016)SOUTO, Romélia Mara Alves. Egressos da licenciatura em matemática abandonam o magistério: reflexões sobre profissão e condição docente. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 42, n. 4, p. 1077-1092, out.-dez. 2016. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702201608144401
http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022016...
identificou as dificuldades encontradas pelos egressos do curso de Matemática no exercício da docência na Educação Básica e os motivos apontados para a saída da carreira docente. A amostra foi de 114 egressos do curso de licenciatura em Matemática da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Foram aplicados questionários com 12 perguntas, sendo duas abertas e dez fechadas, dos quais 89 (78%) foram devolvidos. Com relação às dificuldades relatadas, pode-se destacar o relacionamento com os alunos e os familiares. Isso acontece em meio à indisciplina e ao desinteresse por parte dos alunos. Sobre os motivos que levam o professor a sair da carreira, a ênfase recai sobre a desvalorização do professor e as más condições de trabalho.
Favatto e Both (2019)FAVATTO, Naline Cristina; BOTH, Jorge. Motivos para abandono e permanência na carreira docente em educação física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 41, n. 2, p. 127-134. https://doi.org/10.1016/j.rbce.2018.05.004
https://doi.org/10.1016/j.rbce.2018.05.0...
analisaram os motivos que influenciam os professores de Educação Física a permanecer e a sair da docência no início da carreira. Foram entrevistados 16 professores de Educação Física que tinham até quatro anos de magistério e atuavam nas escolas municipais e/ou estaduais de Maringá/PR. Os resultados atestam que 11 professores investigados tinham o desejo de sair da carreira docente em razão da desvalorização financeira, da indisciplina dos alunos, do desacordo com as redes de ensino, da agressão física e do estresse no desempenho da atuação docente.
Carlotto, Câmara e Oliveira (2019)CARLOTTO, Mary Sandra; CAMARA, Sheila Gonçalves; OLIVEIRA, Michelle Engers Taube de. Intenção de abandono profissional entre professores: o papel dos estressores ocupacionais. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 24, e240028, 2019. https://doi.org/10.1590/S1413-24782019240028
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identificaram o poder preditivo dos estressores ocupacionais para a tendência ao abandono/saída em professores. A pesquisa utilizou um questionário de avaliação de tendência de abandono e outro de estressores ocupacionais em docentes, com amostra de 376 professores da rede municipal da região metropolitana de Porto Alegre. Os resultados demonstram que os preditores com maior destaque foram a multiplicidade de papéis que o docente desempenha, as dificuldades de conciliar trabalho e lazer e a relação professor/aluno, características que podem influenciar a saída da carreira docente. As autoras sugerem uma intervenção pedagógica e administrativa a fim de diminuir os fatores relacionados aos estressores ocupacionais e consequentemente ao abandono profissional. Tais intervenções podem ocorrer com equipes multiprofissionais, assim como grupos de reflexão e trocas de vivências pedagógicas.
DISCUSSÃO
Os artigos analisados apresentam os tipos de saída da carreira docente e os motivos que colaboram para essa saída, entre os quais se destacam a baixa remuneração; as más condições de trabalho; a desvalorização do professor; a indisciplina e a violência; o estresse; a multiplicidade de papéis; e a relação professor/aluno (Lapo e Bueno, 2003LAPO, Flavinês Rebolo; BUENO, Belmira Oliveira. Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, n. 118, p. 65-68, mar. 2003. https://doi.org/10.1590/S0100-15742003000100004
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; Souto, 2016SOUTO, Romélia Mara Alves. Egressos da licenciatura em matemática abandonam o magistério: reflexões sobre profissão e condição docente. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 42, n. 4, p. 1077-1092, out.-dez. 2016. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702201608144401
http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022016...
; Carlotto, Câmara e Oliveira, 2019CARLOTTO, Mary Sandra; CAMARA, Sheila Gonçalves; OLIVEIRA, Michelle Engers Taube de. Intenção de abandono profissional entre professores: o papel dos estressores ocupacionais. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 24, e240028, 2019. https://doi.org/10.1590/S1413-24782019240028
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; Favatto e Both, 2019FAVATTO, Naline Cristina; BOTH, Jorge. Motivos para abandono e permanência na carreira docente em educação física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 41, n. 2, p. 127-134. https://doi.org/10.1016/j.rbce.2018.05.004
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).
A decisão de saída da carreira docente não acontece repentinamente, mas é resultado de um processo que pode culminar no afastamento definitivo da sala de aula. Observa-se na literatura que, antes da saída definitiva, podem acontecer saídas temporárias, o pedido de remoção ou de acomodação. Tais saídas são acompanhadas, frequentemente, por relatos negativos do trabalho escolar, como a desvalorização, a falta de condições mínimas de trabalho, a indisciplina e a violência em sala de aula.
A desvalorização é um tema bastante discutido no campo da carreira docente. Masson (2017)MASSON, Gisele. Requisitos essenciais para a atratividade e a permanência na carreira docente. Educação & Sociedade, v. 38, n. 140, p. 849-864, 2017. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302017169078
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afirma que a amplitude das ações a serem desenvolvidas pelos órgãos competentes dificulta a valorização docente no Brasil. Este aspecto está presente em toda a carreira docente, desde as condições de trabalho e o salário até a formação inicial e continuada. Os diferentes estados e municípios têm liberdade jurídica/governamental para construir seus próprios planos de carreira docente, respeitando os limites trabalhistas. A base jurídica deveria ratificar a valorização docente; no entanto, observa-se que alguns municípios/estados não conseguem atender algumas demandas, a exemplo do piso nacional dos professores. Isso coloca em evidência a desvalorização profissional.
No Brasil, essa desvalorização é percebida na remuneração dos docentes, que em algumas regiões o salário pode ser menor que o piso nacional. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA (2020)INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Indicadores da política salarial das administrações públicas estaduais brasileiras (2004–2018). Carta de Conjuntura, 47, 2° trimestre de 2020. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/2020/04/indicadores-da-politica-salarial-das-administracoes-publicas-estaduais-brasileiras-2004-2018/. Acesso em: 05 jan. 2022.
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mostram que em 2016 havia uma mediana de remuneração de R$ 1.757,00 no estado de Alagoas, enquanto a mediana do Distrito Federal era de R$ 8.494,00, o que mostra valores discrepantes e gera uma mediana nacional de R$ 3.666,00. Em 2016 o piso nacional era de R$ 2.135,64. A remuneração faz parte da atratividade e valorização de todas as carreiras e deve ser considerada na hora de escolher uma profissão, assim como o ambiente de trabalho e o reconhecimento social.
Segundo Puente (2021)PUENTE, Beatriz. Brasil tem o menor salário inicial para professores entre 40 países, diz OCDE. CNN Brasil Business, 17 set. 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/brasil-tem-o-menor-salario-inicial-para-professores-entre-40-paises-diz-ocde. Acesso em: 17 set. 2021.
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, dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) confirmam que, entre 40 países avaliados, o Brasil tem a menor média de remuneração para início de carreira nos anos finais do ensino fundamental. Enquanto em outros países a média é de US$ 35,6 mil por ano, no Brasil essa média cai para US$ 13,9 mil.
Nessa perspectiva, o trabalho de valorização deve ser realizado em diferentes frentes de atuação, na melhoria do salário-base, da infraestrutura escolar, na formação docente e na formação continuada. As modificações nessas áreas poderão contribuir para a valorização e a atratividade da carreira docente.
Para Tartuce, Nunes e Almeida (2010)TARTUCE, Gisela Lobo B. P; NUNES, Marina M. R.; ALMEIDA, Patrícia Cristina Albieri de. Alunos do ensino médio e atratividade da carreira docente no Brasil. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 40, n. 140, p. 445-477, ago. 2010. https://doi.org/10.1590/S0100-15742010000200008
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, a diminuição da procura por licenciaturas tem sido debatida na academia e na mídia. As autoras, apoiadas em entrevista com estudantes do ensino médio, explicam que a maioria não deseja ser professor, o que implica menos jovens que ingressarão na licenciatura e consequentemente menos docentes para as escolas brasileiras. Compreender os aspectos da saída da carreira docente contribui para políticas públicas que visam evitar a saída do professor e criar iniciativas que atraiam o jovem para a carreira docente. Lemos (2009)LEMOS, José Carlos Galvão. Do encanto ao desencanto, da permanência ao abandono: o trabalho docente e a construção da identidade profissional. 2009. 315 f. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009., ao entrevistar professores, observou que o desempenho educacional pode ter relação direta com a remuneração docente, destacando que a qualidade do trabalho desempenhado pode ser diferente em relação a professores com melhores salários.
As boas condições passam pela valorização da carreira e vão ao encontro das políticas de remuneração, de formação inicial e continuada (Oliveira, 2020OLIVEIRA, Dalila Andrade. Condições de trabalho docente e a defesa da escola pública: fragilidades evidenciadas pela pandemia. Revista USP, n. 127, p. 27-40, 2020. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.i127p27-40
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), além de instalações físicas adequadas e das condições materiais e estruturais de uso diário no trabalho que, de modo geral, são deficitárias.
Outro aspecto apontado pela literatura é a indisciplina dos alunos. Para Boarini (2013)BOARINI, Maria Lucia. Indisciplina escolar: uma construção coletiva. Psicologia Escolar e Educacional, v. 17, n. 1, p. 123-131, 2013. https://doi.org/10.1590/S1413-85572013000100013
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, o problema da indisciplina escolar vem há várias décadas ultrapassando os limites da escola, levando a discussão à sociedade. Os professores que resolvem sair da carreira docente e alegam a indisciplina dos alunos, como por exemplo a que se manifesta em xingamentos, mau comportamento, falta de atenção e falta de respeito, são atos que podem acarretar, em último grau, atos violentos.
Nesse sentido, a violência em escolas é destaque na literatura, sendo caracterizada como tipos de violência física e psicológica que estão presentes no contexto escolar, no entanto são pouco monitorados pelos sistemas de informação das instituições competentes. Os diferentes tipos de violência, como agressões, ameaças, insultos, racismo, preconceitos, discriminações e sensação de insegurança, tornam-se invisíveis até mesmo na literatura científica (Melanda et al., 2018MELANDA, Francine Nesello; SANTOS, Hellen Geremias dos; SALVAGIONI, Denise Albieri Jodas; MESAS, Arthur Eumann; GONZÁLEZ, Alberto Durán; ANDRADE, Selma Maffei de. Violência física contra professores no espaço escolar: análise por modelos de equações estruturais. Cadernos Saúde Pública, v. 34, n. 5, 2018. https://doi.org/10.1590/0102-311X00079017
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).
A falta de valorização do trabalho docente, as condições de trabalho, a indisciplina e a violência contra professores são apontadas como eventos que levam o docente a pensar sobre a saída da carreira, o que influencia diretamente na organização educacional.
Uma reportagem do site Metrópoles (Marchesini, 2019MARCHESINI, L. Em cinco anos, Brasil perdeu 49,3 mil professores concursados. Metrópoles. 17/12/2019 5:30, atualizado 17/12/2019 6:39. Disponível em: https://www.metropoles.com/brasil/educacao-br/em-cinco-anos-brasilperdeu-493-mil professores concursados. Acesso em: 29 maio 2021.
https://www.metropoles.com/brasil/educac...
) apontou diminuição de 49,3 mil professores concursados nos estados e municípios do Brasil, número que vem sendo monitorado desde 2015. A reportagem comenta que o número de contratos temporários tem aumentado com o passar do tempo, e um dos motivos é que o professor temporário é mais "barato" para o poder público. A consequência disso é a rotatividade de professores nas escolas, que está relacionada com a perda de vínculo profissional, social e afetivo com o ambiente escolar, dificultando projetos educacionais de longo prazo.
Dados no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas — Inep (2021)INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Censo da Educação Básica 2020: notas estatísticas. Brasília: INEP, 2021. Disponível em: https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/notas_estatisticas_censo_escolar_2020.pdf. Acesso em: 22 nov. 2021.
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mostram que existem no Brasil 2,2 milhões de professores no ensino básico, entretanto esses dados não são estratificados por matrículas efetivas e/ou temporárias. Em publicação do Inep, no documento "Perfil do professor da Educação Básica" (Carvalho, 2018CARVALHO, Maria Regina Viveiros. Perfil do professor da Educação Básica. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2018. 67 p. (Série Documental. Relatos de Pesquisa). Disponível em: https://cadernosdeestudos.inep.gov.br/ojs3/index.php/cadernos/article/view/1005. Acesso em: 20 jan. 2022.
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), afirma-se com base em dados de 2017 que o Brasil possui 1,207 milhão de professores concursados. O mesmo documento aponta 500 mil temporários e 493 mil com dados não informados.
Observando os dados dos artigos desse estudo, vê-se que os professores insatisfeitos com a carreira passam por determinadas situações no ambiente escolar, como casos de violência, desvalorização, falta de infraestrutura e indisciplina dos alunos. Os trabalhos apontam uma relação com problemas que, na maioria das vezes, não são gerados no ambiente escolar, mas são elementos sociais trazidos para dentro da escola.
Para contornar isso, os professores optam por estratégias que visem minimizar essa situação e diminuir a pressão da convivência com esses elementos. Nesses casos o professor solicita uma licença médica por problemas de saúde ou uma remoção para outro ambiente escolar. Em alguns casos, o professor que sai da carreira docente pode antes optar por licenças não remuneradas, licenças médicas, acomodações no próprio sistema escolar e remoções. Essas situações podem ser consideradas, em alguma medida, o início de uma saída da carreira docente.
Com base nas reflexões propostas pelos artigos, pode-se ratificar a importância de discutir a carreira docente, especialmente a saída da carreira. Tais reflexões podem influenciar na busca pela melhoria de salário, condições de trabalho no campo educacional, assim como atrair jovens para carreira docente. Os dados também sugerem a importância de um olhar para a indisciplina e violência presentes na sociedade em geral e que influenciam o trabalho pedagógico no ambiente escolar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo analisou a produção científica sobre a saída da carreira docente na Educação Básica por meio de uma revisão sistemática da literatura. Foram identificados cinco artigos, o que permite afirmar que esse tema se encontra no seu despontar na literatura científica, e isso agrega maior importância para discussão.
Após a análise da produção, observa-se que a literatura classifica os tipos de saída que antecedem a saída definitiva em saídas temporárias, remoção e acomodação.
Os principais motivos da saída definitiva da carreira docente foram identificados como desvalorização da carreira, más condições de trabalho, indisciplina e violência.
Nesse sentido, observam-se dois caminhos de ação para carreira docente; o primeiro relacionado a questões profissionais da vida docente (salário e condições de trabalho) e o segundo relacionado a questões sociais que interferem na ação pedagógica (indisciplina, violência).
Os dados mostram que o desafio para políticas públicas na valorização da carreira docente não é apenas do ponto de vista econômico, pois a complexidade das ações sugeridas diz respeito a questões de médio e longo prazo e que envolvem setores da educação, economia e política.
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Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.
REFERÊNCIAS
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- BETTI, Irene Conceição Rangel; MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. História de vida: trajetória de uma professora de educação física. Motriz, Rio Claro, v. 3, n. 2, p. 108-15, 1997. https://doi.org/10.5016/6568
» https://doi.org/10.5016/6568 - BOARINI, Maria Lucia. Indisciplina escolar: uma construção coletiva. Psicologia Escolar e Educacional, v. 17, n. 1, p. 123-131, 2013. https://doi.org/10.1590/S1413-85572013000100013
» https://doi.org/10.1590/S1413-85572013000100013 - CARLOTTO, Mary Sandra; CAMARA, Sheila Gonçalves; OLIVEIRA, Michelle Engers Taube de. Intenção de abandono profissional entre professores: o papel dos estressores ocupacionais. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 24, e240028, 2019. https://doi.org/10.1590/S1413-24782019240028
» https://doi.org/10.1590/S1413-24782019240028 - CARVALHO, Maria Regina Viveiros. Perfil do professor da Educação Básica Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2018. 67 p. (Série Documental. Relatos de Pesquisa). Disponível em: https://cadernosdeestudos.inep.gov.br/ojs3/index.php/cadernos/article/view/1005 Acesso em: 20 jan. 2022.
» https://cadernosdeestudos.inep.gov.br/ojs3/index.php/cadernos/article/view/1005 - FAVATTO, Naline Cristina; BOTH, Jorge. Motivos para abandono e permanência na carreira docente em educação física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 41, n. 2, p. 127-134. https://doi.org/10.1016/j.rbce.2018.05.004
» https://doi.org/10.1016/j.rbce.2018.05.004 - GALVÃO, Taís Freire; PEREIRA, Mauricio Gomes. Revisões sistemáticas da literatura: passos para sua elaboração. Epidemiologia Serviços de Saúde, Brasília, v. 23, n. 1, p. 183-184, jan.-mar. 2014. https://doi.org/10.5123/S1679-49742014000100018
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» https://doi.org/10.1590/ES0101-73302017169078 - MELANDA, Francine Nesello; SANTOS, Hellen Geremias dos; SALVAGIONI, Denise Albieri Jodas; MESAS, Arthur Eumann; GONZÁLEZ, Alberto Durán; ANDRADE, Selma Maffei de. Violência física contra professores no espaço escolar: análise por modelos de equações estruturais. Cadernos Saúde Pública, v. 34, n. 5, 2018. https://doi.org/10.1590/0102-311X00079017
» https://doi.org/10.1590/0102-311X00079017 - NASCIMENTO, Juarez Vieira do; GRAÇA, Armando Braga Santos. A evolução da percepção de competência profissional de professores de Educação Física ao longo de sua carreira docente. In: CONGRESO DE EDUCACIÓN FÍSICA E CIENCIAS DO DEPORTE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA, 6.; CONGRESO GALEGO DE EDUCACIÓN FÍSICA, 7., La Coruña, 1998. Anais […]. La Coruña: INEF, Galícia, 1998. p. 320-335.
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» https://doi.org/10.1590/198053144843 - OLIVEIRA, Dalila Andrade. Condições de trabalho docente e a defesa da escola pública: fragilidades evidenciadas pela pandemia. Revista USP, n. 127, p. 27-40, 2020. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.i127p27-40
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Ago 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
18 Jul 2022 -
Revisado
07 Jun 2023 -
Aceito
15 Jun 2023