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ATENÇÃO PSICOSSOCIAL AO IDOSO EM ISOLAMENTO SOCIAL/COVID-19

CUIDADOS PSICOSOCIALES PARA LOS ANCIANOS EN AISLAMIENTO SOCIAL/COVID-19

RESUMO.

A pandemia da Covid-19 levou ao isolamento social grande contingente populacional no Brasil e no mundo. Conforme as mais altas autoridades de saúde internacionais, entre elas a Organização Mundial da Saúde (OMS), os idosos fazem parte do denominado ‘grupo de risco’ para a doença. Portanto, foram exigidos mais rigor e cuidado entre as pessoas com idade mais avançada, incluindo o isolamento social. Apesar da indiscutível importância dessa medida, os idosos em situação de isolamento social ficaram mais vulneráveis a uma série de agravos, principalmente os de ordem psíquica. O objetivo do presente trabalho é apresentar propostas de atenção psicossocial ao idoso em situação de sofrimento ou vulnerabilidade decorrente do isolamento social. As propostas buscam estimular a memória, a cognição e a psicomotricidade por meio de narrativas, recursos artísticos, Tecnologias da Informação e Comunicação e objetos autobiográficos como, por exemplo, realizar videochamadas, ler, ouvir músicas, contar e relembrar histórias. Em geral, as atividades propostas podem ser coordenadas por profissionais e familiares e adaptadas conforme as características de cada idoso.

Palavras-chave:
Idoso; isolamento social; atividades terapêuticas

RESUMEN.

La pandemia de COVID-19 llevó a un gran número de personas en Brasil y en todo el mundo al aislamiento social. Según las principales autoridades sanitarias internacionales, entre ellas la Organización Mundial de la Salud (OMS), las personas mayores forman parte del denominado ‘grupo de riesgo’ de la enfermedad. De esta forma, se requería más rigor y cuidado entre las personas mayores, incluyendo el aislamiento social. Como es sabido, a pesar de la indiscutible importancia de esta acción, las personas mayores aisladas socialmente fueron más expuestas a una serie de enfermedades, principalmente relacionadas con problemas psíquicos. El objetivo de este trabajo es presentar las propuestas de atención psicosocial para los ancianos en situación de sufrimiento o discapacidad debido al aislamiento social. Las propuestas buscan estimular la memoria, la cognición y la psicomotricidad a través de narraciones, recursos artísticos, tecnologías de la información y comunicación y objetos autobiográficos, como videoconferencias, lectura, escucha de música, narración y recordación de historias. En general, las actividades propuestas pueden ser coordinadas por profesionales y miembros de la familia y adaptadas según las características de cada persona mayor.

Palabras clave:
Ancianos; aislamiento social; actividades terapéuticas

ABSTRACT. The COVID-19 pandemic drove a large population contingent in Brazil and worldwide into social isolation. As reported by the highest international health authorities, including the World Health Organization (WHO), the elderly people are part of the so-called ‘risk group’ for the disease. Thus, more rigor and care were required among elderly people, including social isolation. It is well known that, despite the undeniable importance of this action, elderly people in social isolation were more exposed to a series of illnesses, mainly related to psychic problems. The goal of this paper is to propose psychosocial care for the elderly in a situation of distress, or vulnerability due to social isolation. The ideas seek to induce memory, cognition and psychomotricity through narratives, artistic resources, Information, Communication Technologies and autobiographical objects, such as video calls, reading, listening to music, storytelling and recalling. In general, the proposed activities can be coordinated by professionals and family members and adapted according to the characteristics of each elderly person.

Keywords:
Elderly; social isolation; therapeutic activities


Introdução

Em dezembro de 2019, foram diagnosticados os primeiros casos da doença causada pelo novo Coronavírus, conhecida como Covid-19. Os sintomas mais comuns, listados pela literatura especializada, são: febre acima de 37 graus Celsius, tosse, fadiga, falta de ar, dor muscular, nas articulações, de garganta e de cabeça, náuseas e redução de olfato e paladar, entre outros. Em um estágio avançado, pode levar a vítima a uma pneumonia grave, síndrome do desconforto respiratório agudo, sepse, choque séptico e óbito (Nunes et al., 2020Nunes, V. M. A. N., Machado, F. C. A., Morais, M. M., Costa, L. A., Nascimento, I. C. S., Nobre, T. T. X., & Silva, M. E. (2020). COVID-19 e o cuidado de idosos: recomendações para instituições de longa permanência. Natal, RN: EDUFRN. Recuperado de: https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/28754
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).

O rápido crescimento da doença em escala global levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a decretar pandemia no dia 11 de março de 2020. Dentre as medidas de prevenção ao avanço do contágio, destacou-se o isolamento social, já que a infecção pelo novo Coronavírus se propaga, principalmente, pela circulação de pessoas e pelo contato social (Organização Mundial da Saúde [OMS], 2020Organização Mundial da Saúde [OMS]. (2020). Coronavírus disease (COVID-19) pandemic. Recuperado de: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019
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). Entre os grupos mais vulneráveis aos agravos da Covid-19, conhecidos como ‘grupo de risco’, foram incluídos os portadores de doenças crônicas como ‘diabetes’, hipertensão, portadores de doenças cardiovasculares e renais, de neoplasias e idosos, pessoas com 60 anos ou mais (Liu, Chen, Lin, & Han, 2020Liu, K., Chen, Y., Lin, R., & Han, K. (2020). Clinical features of COVID-19 in elderly patients: a comparison with young and middle-aged patients. Journal of Infection, 80(6), e14-e18. https://doi.org/1016/j.jinf.2020.03.005
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). A idade é o principal e mais preocupante fator de risco, o qual se torna ainda mais grave quando acompanhado de outras comorbidades como doenças crônicas e obesidades (Mercês, Lima, & Vasconcellos Neto, 2020Mercês, S. O., Lima, F. L. O., & Vasconcellos Neto, J. R. T. (2020). Associação da COVID-19 com: idade e comorbidades médicas. Research, Society and Development, 9(10), 1-13. https://doi.org/33448/rsd-v9i10.8285
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).

Apesar de ter sido uma medida necessária durante a pandemia, o isolamento social é um fator de risco à saúde física e mental de pessoas idosas (Costa, 2019Costa, S. M. M. (2019). Mais além da vida orgânica: a convivência como fator de prevenção do isolamento social dos idosos e de promoção da saúde (Dissertação de Mestrado). Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. Recuperado de: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/39502
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; Rozendo & Justo, 2012Rozendo, A. S., & Justo, J. S. (2012). Institucionalização da velhice e regressão: um olhar psicanalítico sobre os asilos de velhos. Revista Kairós Gerontologia, 15(8), 25-51. Recuperado de: https://revistas.pucsp.br/kairos/article/viewFile/17078/12682
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). Dessa forma, os idosos tornaram-se duplamente vulneráveis durante a quarentena, tanto por ser grupo de risco da Covid-19 - o que demandou adesão às medidas de isolamento - quanto pela vulnerabilidade psicossocial desencadeada pela própria situação de se manterem isolados.

Há também idosos que vivem em situação de isolamento nas Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) que, a depender do modelo institucional, podem sofrer com restrições de convivência social (Goffman, 2010Goffman, E. (2010). Manicômios, prisões e conventos. São Paulo, SP: Perspectiva. Trabalho originalmente publicado em 1961.; Rozendo & Justo, 2012Rozendo, A. S., & Justo, J. S. (2012). Institucionalização da velhice e regressão: um olhar psicanalítico sobre os asilos de velhos. Revista Kairós Gerontologia, 15(8), 25-51. Recuperado de: https://revistas.pucsp.br/kairos/article/viewFile/17078/12682
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). Tais restrições - oriundas de modelos asilares correspondentes às instituições totais apregoadas por Goffman (2010) -, atreladas às medidas de limitação à circulação de pessoas nessas instituições durante a pandemia, tornaram o sofrimento mais agudo nos idosos institucionalizados nesse período (Nunes et al., 2020Nunes, V. M. A. N., Machado, F. C. A., Morais, M. M., Costa, L. A., Nascimento, I. C. S., Nobre, T. T. X., & Silva, M. E. (2020). COVID-19 e o cuidado de idosos: recomendações para instituições de longa permanência. Natal, RN: EDUFRN. Recuperado de: https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/28754
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).

O último levantamento sobre as ILPIs no Brasil, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apontou que há 3.548 instituições em funcionamento, abrigando cerca de 0,8% da população idosa do país (Camararo & Barbosa, 2016Camarano, A. A., & Barbosa, P. (2016). Instituições de longa permanência para idosos no Brasil: do que se está falando? In O. A. Alcântara, A. A. Camarano, & K. C. Giacomin (Orgs.), Política Nacional do Idoso: velhas e novas questões (p. 479-514). Rio de Janeiro, RJ: IPEA.). Considerando-se a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de que existam cerca de 28 milhões de idosos no Brasil e aplicando-se o percentual de residentes em ILPIs indicado pelo Ipea, o total de idosos institucionalizados passaria dos 220 mil na atualidade (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2019Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]. (2019). Idosos indicam caminhos para uma melhor idade. Recuperado de: https://censo2020.ibge.gov.br/2012-agencia-de-noticias/noticias/24036-idosos-indicam-caminhos-para-uma-melhor-idade.html
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).

Conforme ressaltam Nunes et al. (2020Nunes, V. M. A. N., Machado, F. C. A., Morais, M. M., Costa, L. A., Nascimento, I. C. S., Nobre, T. T. X., & Silva, M. E. (2020). COVID-19 e o cuidado de idosos: recomendações para instituições de longa permanência. Natal, RN: EDUFRN. Recuperado de: https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/28754
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), a situação de isolamento de pessoas idosas pode provocar efeitos como ansiedade, depressão, pânico, alteração de hábitos de sono, frustração, aborrecimento, desesperança e compulsão por consumo de álcool, medicamentos e alimentos. No Brasil, uma série de materiais foram produzidos por grupos de pesquisa, associações e instituições ligadas a categorias profissionais, com informações e orientações sobre saúde mental no contexto da pandemia, incluindo atenção especial ao idoso (Lima, 2020Lima, C. R. (2020). Distanciamento e isolamento sociais pela Covid-19 no Brasil: impactos na saúde mental. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 30(2), 1-10. Recuperado de: https://scielosp.org/article/physis/2020.v30n2/e300214/pt/
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). Em geral, sugerem estratégias que visam à promoção de saúde mental e redução de estresse e ansiedade decorrentes do isolamento social. Por exemplo, organizar o espaço doméstico, ouvir músicas, ver filmes e fotografias, ler livros e aprender a tocar algum instrumento, além de jogos, artesanato, cursos online e conexão virtual com pessoas de fora de casa se incluem entre as medidas recomendadas (Cachioni & Batistoni, 2020Cachioni, M., & Batistoni, S. S. T. (2020). Envelhecimento saudável em tempos de Pandemia. São Paulo, SP: EACH/USP. ; Fundação Oswaldo Cruz, 2020Fundação Oswaldo Cruz. (2020). Saúde mental e atenção psicossocial na Pandemia COVID-19: recomendações gerais. Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz.; Khoury et al., 2020Khoury, H. T. T., Moraes, N. S., Dias, L. M., Rodrigues, L. B., Alves, W. C. B., Costa, M. F. C. M., ... Maués, C. R. (2020). Como se proteger do Coronavírus e lidar com o isolamento social. Belém, PA: Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.).

Entre a população institucionalizada, podem ser observados outros efeitos ainda mais graves, além dos já citados por Nunes et al. (2020Nunes, V. M. A. N., Machado, F. C. A., Morais, M. M., Costa, L. A., Nascimento, I. C. S., Nobre, T. T. X., & Silva, M. E. (2020). COVID-19 e o cuidado de idosos: recomendações para instituições de longa permanência. Natal, RN: EDUFRN. Recuperado de: https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/28754
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), tais como afastamento da realidade, regressão, perda de autonomia e incapacitação para realização de atividades básicas da vida diária (Goffman, 2010Goffman, E. (2010). Manicômios, prisões e conventos. São Paulo, SP: Perspectiva. Trabalho originalmente publicado em 1961.; Rozendo & Justo, 2012Rozendo, A. S., & Justo, J. S. (2012). Institucionalização da velhice e regressão: um olhar psicanalítico sobre os asilos de velhos. Revista Kairós Gerontologia, 15(8), 25-51. Recuperado de: https://revistas.pucsp.br/kairos/article/viewFile/17078/12682
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).

Importa ressaltar que não se pretende igualar a situação de isolamento domiciliar à de isolamento institucional, pois existem diferenças vertiginosas entre as duas - que podem ser discutidas em outro momento (Goffman, 2010Goffman, E. (2010). Manicômios, prisões e conventos. São Paulo, SP: Perspectiva. Trabalho originalmente publicado em 1961.; Zimerman, 2000Zimerman, G. I. (2000). Velhice: aspectos biopsicossociais. Porto Alegre, RS: Artmed.) -, tampouco afirmar que a situação de isolamento irá, necessariamente, causar sofrimento, seja em domicílio, seja em ILPIs. Por isso, tratar-se-á, aqui, de possíveis intervenções que podem trazer benefícios aos idosos em situação de isolamento domiciliar e estendê-las aos idosos institucionalizados, que representam grande quantitativo de cidadãos brasileiros, ou mesmo aos idosos em geral, a depender da pertinência e do interesse deles.

O objetivo principal deste artigo é propor atividades que tendem a preservar e/ou reabilitar as habilidades cognitivas e psicossociais como autonomia, memória, senso de realidade, capacidade de convivência, vínculos afetivos e interação com o outro que podem ficar vulneráveis, ou em risco, por conta do isolamento. Busca-se estimular cognitivamente o idoso, compreendendo tais atividades como fatores protetivos para o retardo do aparecimento e progresso de demências.

Método

As propostas de atividades aqui descritas são fundamentadas por algumas teorias clássicas e experiências cotidianas. Grosso modo, o Grupo Operativo (Pichon-Rivière, 1983Pichon-Rivière, E. (1983). O processo grupal. São Paulo, SP: Martins Fontes. ) e o Psicodrama (Moreno, 1983Moreno, J. L. (1983). Fundamentos do psicodrama. São Paulo, SP: Summus. ) revelam a importância e o papel do(s) coordenador(es) na realização de dinâmicas, assim como a função terapêutica das trocas de experiências e da expressão subjetiva compartilhadas com o outro por meio de tarefas. A psicodinâmica (Dejours, 1994Dejours, C. (1994). A carga psíquica do trabalho. In C. Dejours, A. Abdoucheli, & C. Jayet (Orgs.), Psicodinâmica do Trabalho (p. 21-32). São Paulo, SP: Atlas.), por seu turno, analisa a relação subjetiva do sujeito com a arte, atividades laborativas, tarefas materiais e imateriais e com os respectivos conteúdos significativos, movimentos, objetos envolvidos, relação com o outro e processo criativo. Nesse sentido, a escolha dos objetos e das atividades apropriadas às características de cada sujeito pode ser fonte de prazer, saúde mental, realização pessoal e, portanto, ter propriedades terapêuticas.

Serão apresentados relatos de experiências e estratégias previamente vivenciadas pelo autor desde a graduação em psicologia até o presente momento como docente, extensionista e pesquisador de uma universidade pública. Nesse período, foram desenvolvidos trabalhos com grupos de idosos em ILPIs de dentro e de fora do Brasil, assim como com grupos de ‘terceira idade’3 3 Terceira idade é um termo comumente empregado pelo senso comum e pela mídia para designar pessoas idosas em geral. Entretanto, academicamente, ele designa pessoas idosas que estão inseridas em um processo de envelhecimento ativo e saudável, e é adotado internacionalmente por diversas escolas da gerontologia. Comumente, os idosos que se enquadram nesse perfil participam de programas, serviços e outras ações coordenadas, principalmente, pelo estado e orientadas pela gerontologia e geriatria. Como, por exemplo, citam-se os denominados ‘grupos de terceira idade’, bastante difundidos no Brasil na rede de atenção básica em saúde e assistência social, mas também no SESC, universidades públicas e privadas, igrejas, associações privadas e outras. Portanto, o termo ‘terceira idade’ está sendo empregado para referir-se a essa parcela específica da população idosa que adere a esse estilo de vida. Já o termo idoso está sendo utilizado como referência a idosos em geral, independentemente do estilo de vida e das experiências vivenciadas no processo de envelhecimento. Sobre isso, ver Debert (1999). de diferentes cidades e instituições, distribuídas entre alguns estados brasileiros. No decorrer desses anos, houve ainda o exercício da presidência do Conselho Municipal do Idoso de um município de médio porte; de membro do Conselho Estadual do Idoso de um grande estado do país; de membro do Conselho Municipal do Idoso de uma cidade de grande porte; e de membro da Associação Internacional das Universidades da Terceira Idade. Nessas oportunidades, foi possível acompanhar o trabalho de especialistas de diversas áreas e escolas da psicologia e da gerontologia e geriatria de todo o mundo e, consequentemente, envolver-se em discussões e trocas de conhecimentos sobre atividades com idosos de distintas características, regiões e nacionalidades.

As atividades têm como público-alvo idosos em situação de vulnerabilidade e/ou sofrimento, sobretudo em decorrência de situação de isolamento social, os quais podem ser favorecidos ainda mais. Elas também podem ser realizadas com idosos em geral, tendo potencial de proporcionar benefícios psicossociais, cognitivos, comportamentais e físicos em qualquer momento de suas vidas. Em caso de recusa e resistência persistente a essas iniciativas, deve-se buscar outras estratégias. As atividades podem ser coordenadas por familiares, profissionais de diversas áreas e cuidadores formais ou informais. Podem ser adaptadas a idosos acometidos por demência, ou comprometimento cognitivo, físico e até mesmo de fala, por meio de recursos de comunicação corporal, gestual, visual e expressões faciais capazes de expressar desde emoções básicas às complexas como alegria, surpresa, tristeza, satisfação, diversão, atenção e admiração (Corrêa et al., 2020Corrêa, L., Caparrol, A. J. S., Martins, G., Pavarini, S. C. I., & Gratão, A. C. M. (2020). Efeitos da música nas expressões corporais e faciais e nos sintomas psicológicos e comportamentais de idosos. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(2), 539-553. https://doi.org/4322/2526-8910.ctoAO1889
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).

Orientações gerais, descrição e discussão das atividades

Os coordenadores deverão selecionar, adaptar e aplicar as atividades conforme a realidade dos participantes, para que sejam exequíveis e também prazerosas ao idoso e a quem está coordenando. É sabido, por exemplo, que idosos do sexo masculino apresentam maior resistência em aderir a algumas delas, ao passo que o sexo feminino as assimila facilmente (Debert, 1999Debert, G. G. (1999). A reinvenção da velhice: socialização e processos de reprivatização do envelhecimento. São Paulo, SP: Fapesp.). É importante que haja periodicidade e que as atividades façam parte de uma rotina (diária, intercalada, semanal etc.) que deve ser estabelecida entre os envolvidos. Pode haver revezamento da coordenação das atividades entre familiares, mas prioriza-se a manutenção do(s) mesmo(s) coordenador(es) em caso de profissionais, pois a adesão do idoso pode estar associada ao vínculo que estabelece com este(s). Os coordenadores podem ser qualquer pessoa que tenha acesso e frequente a instituição asilar, como cuidadores, auxiliares, dirigentes, assistentes sociais, psicólogos, voluntários, estagiários etc.

Não existe um tempo determinado de duração para as atividades, mas recomenda-se que se estendam entre 40 e 120 minutos. Além desse limite, pode haver dispersão, desengajamento, desmotivação e, no caso de idosos institucionalizados, choque com horários e rotinas institucionais. Em geral, deve-se dar prioridade àquelas atividades que empreguem um conjunto maior de capacidades psíquicas, como criatividade, imaginação, expressão de subjetividade, identificação, idealização e sublimação em relação às tarefas e aos objetos envolvidos (Dejours, 1994Dejours, C. (1994). A carga psíquica do trabalho. In C. Dejours, A. Abdoucheli, & C. Jayet (Orgs.), Psicodinâmica do Trabalho (p. 21-32). São Paulo, SP: Atlas.).

A depender do grau de complexidade do que for realizado, a organização pode basear-se em modelos clássicos de dinâmicas de grupo. A proposta de Moreno (1983Moreno, J. L. (1983). Fundamentos do psicodrama. São Paulo, SP: Summus. ), usualmente aplicada em grupos terapêuticos, pode ser adaptada, mesmo para atividades com a participação de apenas um idoso e um coordenador. Conforme Moreno (1983Moreno, J. L. (1983). Fundamentos do psicodrama. São Paulo, SP: Summus. ), as funções em uma dinâmica devem ser divididas em: protagonista (o alvo da ação, nesse caso, o idoso); coordenador (aquele que elabora e coordena a ação); observador (o público, aquele que observa e contempla a atividade, que pode participar opinando, por exemplo); e auxiliar (aquele que auxilia, que está em conexão com a dinâmica e dá suporte ao idoso, quando necessário) (Miranda, Vidal, & Castro, 2020Miranda, T., Vidal, G. P., & Castro, A. (2020). E quando um papel morre? Contribuição do psicodrama para a ressignificação do luto de papéis por idosos. Revista Psicologia & Saberes, 18(9), 45-60. Recuperado de: https://revistas.cesmac.edu.br/index.php/psicologia/article/view/1184
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).

No caso de apenas uma pessoa poder coordenar a atividade, ela pode assumir todas as outras funções da equipe (coordenador, observador e auxiliar). Vale ressaltar que as interferências do auxiliar devem ser pontuais e restritas a alguma situação de impedimento, bloqueio ou dificuldade por parte do participante (idoso) durante a realização da tarefa. Importante frisar que o resultado final não é tão importante quanto o processo de execução em si; o meio é mais importante que o fim, pois é no decorrer da tarefa que ocorrem os processos terapêuticos. Independentemente do contexto e do número de envolvidos, deve-se prezar sempre pelo protagonismo do idoso na concepção da atividade, na seleção de temas e de materiais e assim por diante.

A sutileza na proposição das tarefas é algo muito relevante nesse tipo de atividade, pois, dependendo de como ser feito o convite à participação, podem ser ativados conteúdos reprimidos e inconscientes. Situações em que o idoso se sinta desafiado, testado ou intimidado podem levar a impedimentos, apatia e abstenção. Ao dirigir-se a ele, deve-se prezar por uma abordagem mais lúdica e informal, independentemente do método de aplicação da atividade a ser empregado pelo coordenador. A seguir, buscou-se descrever as atividades possíveis, as técnicas e materiais a serem empregados.

Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs)

O uso de ferramentas associadas às TICs, tais como computador pessoal, smartphone, aplicativos, internet, redes sociais digitais e outras, é internacionalmente reconhecido como forma de inclusão e participação social do idoso, sobretudo no contexto do isolamento social como na pandemia da Covid-19 (Seifert, Cotton, & Xie, 2020Seifert, A., Cotton, S. R., & Xie, B. (2020). A double burden of exclusion? Digital and social exclusion of older adults in times of COVID-19. The Journals of Gerontology. Series B, 76(3), e-99-e103. https://doi.org/1093/geronb/gbaa098
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). No Brasil, isso vem tornando-se rotina para parte da população idosa, alcançando 85% dos idosos com nível superior, ante 71% da população em geral (Fernández-Ardèvol, 2019Fernández-Ardèvol, M. (2019). Práticas digitais móveis das pessoas idosas no Brasil: dados e reflexões. Panorama Estendido, 11(1), 1-20. Recuperado de: https://www.cetic.br/media/docs/publicacoes/1/panorama_estendido_mar_2019_online.pdf
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).

Nos últimos anos houve grande aliciamento, propagado pela mídia, que buscou a dissipação e naturalização das TICs entre pessoas idosas. As propagandas na televisão, principalmente de instituições financeiras, vêm dirigindo-se especificamente a essa clientela, estimulando diariamente a realização de diversas operações bancárias por meio de aplicativos de smartphones ou do computador (Santos et al., 2019Santos, P. A., Heidemann, I. T. S. B., Marçal, C. C. B., & Arakawa-Belaunde, A. M. (2019). A percepção do idoso sobre a comunicação no processo de envelhecimento. Audiology - Communication Research, 24, e2058. Recuperado de: https://www.scielo.br/pdf/acr/v24/2317-6431-acr-24-e2058.pdf
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). De maneira semelhante, ações de atenção ao idoso - como os grupos de terceira idade das universidades e da atenção básica em saúde e assistência social - também buscam promover as TICs como estratégia de atualização, integração ou reintegração social nos mais diferentes contextos (Rozendo, 2015Rozendo, A. S. (2015). Entrevista com o Professor François Vellas, Ph.d. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 18(1), 213-217. https://doi.org/1590/1809-9823.2015.0057
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). Esses e outros agenciamentos têm aproximado a população idosa das redes sociais digitais, possibilitando conexões virtuais com referências afetivas e ao mundo, mesmo em situação de isolamento (Costa, 2019Costa, S. M. M. (2019). Mais além da vida orgânica: a convivência como fator de prevenção do isolamento social dos idosos e de promoção da saúde (Dissertação de Mestrado). Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. Recuperado de: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/39502
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; Fernández-Ardèvol, 2019Fernández-Ardèvol, M. (2019). Práticas digitais móveis das pessoas idosas no Brasil: dados e reflexões. Panorama Estendido, 11(1), 1-20. Recuperado de: https://www.cetic.br/media/docs/publicacoes/1/panorama_estendido_mar_2019_online.pdf
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).

Nesse mesmo sentido, é possível refletir sobre as videoconferências. As diversas plataformas gratuitas - algumas de fácil acesso e utilização - podem ser empregadas com aqueles idosos para os quais as TICs estão disponíveis. Chamadas e videoconferências podem ser realizadas a convite do coordenador e, até mesmo, ser utilizadas para a coordenação das demais atividades (listadas a seguir), no caso de impossibilidade de acompanhá-las presencialmente. Idosos com limitações na fala e cognição podem se beneficiar das TICs com auxílio de terceiros, estabelecendo comunicação corporal, gestual e facial em videochamadas, além de se criarem perfis em redes sociais digitais para que parentes e conhecidos distantes retomem contato. Soma-se a isso o uso das ferramentas de busca de imagens, músicas e vídeos na internet para estimular memórias ou despertar novos interesses, independentemente da condição do idoso. Navegando na internet, nas redes sociais digitais ou por meio das videoconferências (ou mesmo chamadas telefônicas), tem sido recomendado o uso dessas ferramentas para redução dos efeitos do isolamento social (Cachioni & Batistoni, 2020Cachioni, M., & Batistoni, S. S. T. (2020). Envelhecimento saudável em tempos de Pandemia. São Paulo, SP: EACH/USP. ; Fundação Oswaldo Cruz, 2020; Khoury et al., 2020Khoury, H. T. T., Moraes, N. S., Dias, L. M., Rodrigues, L. B., Alves, W. C. B., Costa, M. F. C. M., ... Maués, C. R. (2020). Como se proteger do Coronavírus e lidar com o isolamento social. Belém, PA: Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.; Seifert et al., 2020Seifert, A., Cotton, S. R., & Xie, B. (2020). A double burden of exclusion? Digital and social exclusion of older adults in times of COVID-19. The Journals of Gerontology. Series B, 76(3), e-99-e103. https://doi.org/1093/geronb/gbaa098
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).

Atividades psicomotoras, artísticas e lúdicas

Essas atividades auxiliam na ocupação do tempo livre, no exercício da memória, na expressão de subjetividades e no emprego de capacidades psíquicas que possibilitam a sensação de realização pessoal e bem-estar psicossocial. Deve ser assegurada a participação ativa dos idosos no processo de escolha da tarefa e na seleção de materiais, para garantir o seu envolvimento com o conteúdo e o significado da atividade (Dejours, 1994Dejours, C. (1994). A carga psíquica do trabalho. In C. Dejours, A. Abdoucheli, & C. Jayet (Orgs.), Psicodinâmica do Trabalho (p. 21-32). São Paulo, SP: Atlas.). Em ambientes domésticos ou institucionais, a maioria dos materiais necessários para tais propostas costuma fazer parte da rotina, como recursos dispositivos de imagem e som, ferramentas básicas, tinta, papel, tesoura, chave de fenda, linha, agulha, tinta, cola etc.

Artesanato, tricô, bordado, costura, pintura, música, cinema e leitura são exemplos de atividades amplamente utilizadas em grupos de terceira idade e que podem ser empregadas com idosos em situação de isolamento (Cunha, 2015Cunha, E. C. A. (2015). Vive mais a terceira idade: uma iniciativa de educação ao longo da vida. (Dissertação de Mestrado). Universidade do Minho, Braga. Recuperado de: https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/45285/1/Eug%c3%a9nia%20Catarina%20Ara%c3%bajo%20da%20Cunha.pdf
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). Cada uma delas atende a uma ou mais vias preferenciais de descarga e de realização psíquica dos participantes (Dejours, 1994Dejours, C. (1994). A carga psíquica do trabalho. In C. Dejours, A. Abdoucheli, & C. Jayet (Orgs.), Psicodinâmica do Trabalho (p. 21-32). São Paulo, SP: Atlas.) e podem ser alternadas a cada encontro a fim de evitar a perda de interesse do idoso.

Atividades manuais como tricô, bordado, costura e pintura contemplam as vias de descargas psíquicas e motoras, dando emprego a um conjunto maior de capacidades laborais na execução da tarefa. Entretanto, aquelas que exigem movimentos repetitivos devem ser antecedidas de um período de reflexão e planejamento por parte do idoso, com vistas a possibilitar a idealização e o investimento objetal sobre aquilo que será produzido (Rodrigues, Faiad, & Facas, 2020Rodrigues, C. M. L., Faiad, C., & Facas, E. P. (2020). Fatores de risco e riscos psicossociais no trabalho: definição e implicações. Psicologia, Teoria e Pesquisa, 36, 1-9. https://doi.org/1590/0102.3772e36nspe19
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). Dessa forma, busca-se o emprego da criatividade, da imaginação e o investimento afetivo do idoso sobre o objeto, como estratégia de promoção de bem-estar psicossocial, conforme apregoa a psicodinâmica de Dejours (1994Dejours, C. (1994). A carga psíquica do trabalho. In C. Dejours, A. Abdoucheli, & C. Jayet (Orgs.), Psicodinâmica do Trabalho (p. 21-32). São Paulo, SP: Atlas.). As referidas atividades manuais devem ser empregadas com parcimônia, pois podem desencadear ou potencializar o sofrimento psíquico caso se convertam em algo repetitivo, monótono e sem sentido (Dejous, 1994).

Em instituições de longa permanência ou no domicílio do idoso pode-se pensar na construção de um espaço físico e simbólico, como um ateliê ou oficina, criando um setting de elaboração e criação artística. Idosas autônomas, por exemplo, adaptam bem a produção de artesanato em geral. Novos desafios na produção desses materiais podem ser lançados e tutoriais da internet podem auxiliar coordenadores e idosos a assimilarem novas técnicas, materiais e produções. Idosos do sexo masculino, por seu turno, podem se interessar por algo mais objetivo e pragmático, mas que se ajuste ao devir artístico como, por exemplo, restauração, conserto e manutenção de objetos antigos, móveis, carro, moto, máquinas e utensílios em geral; nesses casos, é possível também contar com a ajuda de tutoriais na internet.

Já atividades como música, cinema, leitura e escrita têm a via psíquica como descarga preferencial, mas, ao associarem-se com movimentos, contemplam igualmente a via motora (Dejours, 1994Dejours, C. (1994). A carga psíquica do trabalho. In C. Dejours, A. Abdoucheli, & C. Jayet (Orgs.), Psicodinâmica do Trabalho (p. 21-32). São Paulo, SP: Atlas.). O simples fato de ouvir músicas agradáveis pode estar relacionado com a melhoria de condições básicas de saúde e bem-estar em idosos em situação de isolamento (Rocha, 2020Rocha, L. A. (2020). Efeitos da música clássica sobre a cognição, parâmetros fisiológicos e psicológicos em idosos com demência institucionalizados (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. Recuperado de: https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/12435/DISSERTA%c3%87%c3%83O%20LUANA_%20M%c3%9aSICA.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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). A música popular brasileira, por exemplo, tem grande potencial de evocação e representatividade de histórias de vida, emoções e sentimentos em pessoas idosas, podendo propiciar satisfação, recordações e alegria em viver (Corrêa et al., 2020Corrêa, L., Caparrol, A. J. S., Martins, G., Pavarini, S. C. I., & Gratão, A. C. M. (2020). Efeitos da música nas expressões corporais e faciais e nos sintomas psicológicos e comportamentais de idosos. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(2), 539-553. https://doi.org/4322/2526-8910.ctoAO1889
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). Música e canto possibilitam interação social, bem-estar, desenvolvimento da memória, além de despertar emoções (Souza et al., 2020Souza, J. B., Campagnoni, J. P., Reinaldo, R. D., Urio, A., Barbosa, S. S. P., Martins, E. L., ... Celich, K. L. S. (2020). Envelhecer cantando: música como possibilidade para promover a saúde do idoso. Enfermagem Brasil, 19(2), 115-122. https://doi.org/10.33233/eb.v19i2.2910
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). Espera-se que o idoso tenha participação ativa nas atividades musicais, se possível com auxílio de um instrumento, executando movimentos que ampliem as possibilidades de benefícios da atividade (Dejours, 1994; Mello, Haddad, & Dellaroza, 2011Mello, B. L. D., Haddad, M. C. L., & Dellaroza, M. S. G. (2011). Avaliação cognitiva de idosos institucionalizados. Acta Scientiarum. Health Sciences, 34(1), 95-102. https://doi.org/4025/actascihealthsci.v34i1.7974
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). Tais atividades podem, ainda, ser propostas em forma de oficina organizada, permeada por uma tarefa como, por exemplo, trabalhar a memória ao solicitar ao idoso que diga o nome de determinada música ou gênero musical ou pedir-lhe que dê continuidade a uma música pausada pelo coordenador.

No mesmo sentido, a leitura e a escrita apresentam resultados significativos na manutenção ou reabilitação do desempenho cognitivo da pessoa idosa em situação de isolamento (Mello et al., 2011Mello, B. L. D., Haddad, M. C. L., & Dellaroza, M. S. G. (2011). Avaliação cognitiva de idosos institucionalizados. Acta Scientiarum. Health Sciences, 34(1), 95-102. https://doi.org/4025/actascihealthsci.v34i1.7974
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). Um romance, por exemplo, possibilita o desmembramento de uma atividade em vários encontros focados na leitura e discussão de cada capítulo. Semelhantemente, a escrita de memórias por capítulos, etapas ou fases da vida pode engajar o idoso em múltiplos encontros.

A adoção de sessões de filmes, na atenção à pessoa idosa, foi associada a processos psíquicos como a identificação com os personagens e motivação para as práticas cotidianas inspiradas nos personagens e nos enredos (Carmo, 2020Carmo, E. G. (2020). Efeitos da intervenção de sessões de mídias cinematográficas nos estados de humor em idosos (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Rio Claro. Recuperado de: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/192290
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). Da mesma maneira, a memória e o humor podem ser ativados pelas películas. Os filmes têm impacto sobre o comportamento das pessoas idosas ao apresentar imagens, sons e acontecimentos que podem levar à reflexão de temas não habituais, contribuindo assim para novas experiências, mesmo em situação de isolamento (Carmo, 2020).

Memória

A memória talvez seja a habilidade mais requisitada por todas as atividades supracitadas. A partir deste ponto, pretende-se discutir estratégias que a trabalhem direta e profundamente. Ela é compreendida como um mecanismo de adaptação do sujeito diante do sofrimento, tal como aquele, eventualmente, desencadeado pela situação de isolamento (Bosi, 1979Bosi, E. (1979). Memória & sociedade: lembrança de velhos. São Paulo, SP: T. A. Editor.). Pode ser modificada, recriada e adaptada pelo sujeito na busca de realização e conforto psíquico, mesmo que não intencionalmente, além de possibilitar a evocação de vínculos afetivos e de referência, ainda que ausentes fisicamente (Bosi, 1979).

Nesse sentido, a memória é uma função cognitiva sine qua non para o alívio de tensão, sofrimento e para o assentamento do sujeito na realidade. Isso porque os mecanismos de defesa que dela os afastam são também bastante comuns em situações de sofrimento psíquico desencadeado por isolamento social, por perda de funções psicossociais e por medo da morte (Rozendo & Justo, 2012Rozendo, A. S., & Justo, J. S. (2012). Institucionalização da velhice e regressão: um olhar psicanalítico sobre os asilos de velhos. Revista Kairós Gerontologia, 15(8), 25-51. Recuperado de: https://revistas.pucsp.br/kairos/article/viewFile/17078/12682
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).

No caso dos idosos, o conjunto primordial de elementos para trabalhar direta e profundamente a memória pode estar ao próprio encalce, na própria casa, entre seus objetos de investimento afetivo. Conforme Zimerman (2000Zimerman, G. I. (2000). Velhice: aspectos biopsicossociais. Porto Alegre, RS: Artmed.), a casa é um lugar onde a pessoa idosa se sente segura e amparada afetivamente por memórias - em alguns casos, de uma vida inteira. Cada idoso guarda um conjunto de elementos materiais e imateriais que formam grande estojo de memórias e identidade que pode ser explorado em situações de isolamento. Mesmo entre aqueles que vivem em ILPIs e que, eventualmente, estejam destituídos de seu estojo objetal e de identidade (Goffman, 2010Goffman, E. (2010). Manicômios, prisões e conventos. São Paulo, SP: Perspectiva. Trabalho originalmente publicado em 1961.) é possível trabalhar a memória evocando lembranças e histórias pessoais.

Objetos dos idosos: baú de memórias

Idosos costumam guardar objetos de grande significado simbólico, considerados autoevocativos, que podem auxiliar na estimulação da memória (Zimerman, 2000Zimerman, G. I. (2000). Velhice: aspectos biopsicossociais. Porto Alegre, RS: Artmed.). Existe uma variedade de objetos autobiográficos e carregados de histórias que trazem memórias e podem, facilmente, levar a narrativas, conforme a predisposição de cada idoso. Fotos (e, menos frequentemente, vídeos), usualmente presentes nas casas deles, guardam a memória de fatos e acontecimentos. A fotografia é uma grande companheira e aliada na trajetória da vida e auxilia na reelaboração do passado e no planejamento do futuro (Justo & Justo, 2012Justo, J. S., & Justo, J. S. (2012). Tempo, finitude, velhice e fotografia. Revista Kairós Gerontologia, 15(4), 101-116. Recuperado de: https://revistas.pucsp.br/kairos/article/view/17039/12645
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). Considerando-se que até algumas décadas atrás os registros de imagem não eram tão acessíveis e que as fotografias eram utilizadas apenas em ocasiões especiais, para alguns idosos, elas tratam, sempre, de um momento especial a ser evocado, narrado e, se necessário, ressignificado. Basta abrir um álbum de fotografias, que, sem necessidade de intermediação, se iniciam as narrativas e o exercício da memória (Justo & Justo, 2012).

Outros objetos que assumem importância específica, conforme o sexo do idoso. Homens costumam evocar e narrar memórias a partir de objetos e lembranças antigas ligados ao trabalho e às façanhas de tempos passados, tais como ferramentas, machado, foice, facão, uniformes e carteiras de identificação de trabalho etc. (Debert, 1999Debert, G. G. (1999). A reinvenção da velhice: socialização e processos de reprivatização do envelhecimento. São Paulo, SP: Fapesp.). Existe ainda a predileção a temas que podem estar materializados em objetos associados à política e à economia, como cartazes antigos de campanha, recortes de jornal, cédulas e moedas antigas, entre outras possíveis coleções (Debert, 1999). Alguns programas voltados à terceira idade, que costumam ter poucos frequentadores do sexo masculino no Brasil (Debert, 1999), notaram o particular interesse de homens idosos em temas associados às tecnologias e meios de transporte como carros, caminhões e aviões (Schoene, 2014Schoene, R. (2014). Education for the elderly and for young people in Germany. In Trabalho apresentado na Conferência Coopération internationale et U3A. Toulouse, FR. Recuperado de: http://docplayer.fr/67264282-Cooperation-internationale-et-u3a-international-cooperation-and-u3a.html
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).

A mulher idosa, por seu turno, costuma interessar-se mais por objetos que dizem respeito à família, aos filhos, netos etc. Portanto, uma simples caixa de ferramenta, ou de roupas antigas de bebês, ou ainda brinquedos antigos, livros e tantos materiais, podem ser valiosos baús de memória, com potencial para trazer conforto em tempos de isolamento (Zimerman, 2000Zimerman, G. I. (2000). Velhice: aspectos biopsicossociais. Porto Alegre, RS: Artmed.).

Apesar de, usualmente, tais objetos serem autoevocativos e incentivarem naturalmente a memória e o estabelecimento de narrativas, em alguns casos talvez sejam necessários estímulos mais diretos por meio de perguntas. Por exemplo, diante de um álbum de fotografias, pode-se indagar ao idoso: “De que época é esta foto?”, “Onde foi tirada?”, “Quem são estas pessoas na foto?”. Ou, ainda, diante de uma caixa de ferramentas, pode-se questionar: “O que é este objeto?”, “De que época é?”, “Para que serve?”. No caso de instituições asilares, em que objetos pessoais podem estar ausentes, a coordenação da atividade pode selecionar uma série de materiais antigos, recortes de jornais, fotos de personalidades do passado e utilizar a mesma dinâmica: “O que é isso?”, “Para que serve?”, “Alguém sabe quem é essa pessoa?”, “O que essa pessoa fazia?”.

Além de fotografias, vídeos e objetos autobiográficos, as histórias são registros infinitos de memória (Bosi, 1979Bosi, E. (1979). Memória & sociedade: lembrança de velhos. São Paulo, SP: T. A. Editor.). Histórias pessoais, histórias bíblicas, lendas e assim por diante podem ser amplamente exploradas em simples conversas informais, presencialmente, ou por meio das TICs. Diga-se de passagem, a função de contador de histórias, por parte dos membros mais velhos de uma sociedade, é uma tradição milenar de atribuição de função social ao ancião (Beauvoir, 2018Beauvoir, S. (2018). A velhice (2a ed., M. H. F. Monteiro, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira. Trabalho originalmente publicado em 1970.). As histórias são registros mnêmicos, imateriais, mas que podem ser resgatadas e/ou estimuladas por meio de materiais comuns nas casas e instituições de idosos - como bíblias, livros, fotografias, jornais e revistas antigos, álbuns de música etc. - ou mesmo por evocações dirigidas pelo coordenador, que pode traçar roteiros sobre narrativas de histórias de vida. Por exemplo: “Como e onde foi sua infância?”, “Qual foi sua profissão?”, “Por onde viajou?” e assim por diante.

Considerações finais

O presente trabalho apresentou reflexões e propostas em atenção psicossocial que não encerram o universo de atividades possíveis de serem realizadas com idosos em situação de isolamento domiciliar ou institucional. Tantas outras podem ser pensadas como instrumentos terapêuticos em situações análogas, como cuidar de plantas, horta, animais etc. Existe ainda um vasto campo de atividades em áreas mais focadas na saúde física do idoso, igualmente pertinente à situação de isolamento, como atividades físicas e exercícios voltados à saúde, ao fortalecimento e à reabilitação muscular os quais não foram discutidos por estar fora da alçada dessa proposta.

A discussão buscou, sobretudo, disparar reflexões em profissionais e familiares no que concerne ao cuidado aos idosos em situação de isolamento e ao apoio àqueles que estejam sofrendo com efeitos negativos da institucionalização. Por não se pretender que as atividades propostas fossem aplicadas ipsis litteris, não foram detalhadamente descritas como em exemplos de manuais e cartilhas; elas devem ser repensadas, adaptadas e recriadas durante a intervenção. Esse processo pode ser substituído pelo cotidiano de convivência comum do idoso, ao término da situação de isolamento e no retorno às funções psicossociais usuais.

Apesar de a psicodinâmica de Dejour (1994) estar mais comumente associada a contextos laborativos sob análise da psicologia do trabalho, acredita-se que ela possa propor reflexões e benefícios para possíveis intervenções com idosos fora do universo do trabalho. Na mesma linha de raciocínio, métodos, técnicas e dinâmicas pensadas para grupos de mais de um coordenador podem ser adaptadas para atividades com um coordenador e um participante, presencialmente ou de forma remota.

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    Terceira idade é um termo comumente empregado pelo senso comum e pela mídia para designar pessoas idosas em geral. Entretanto, academicamente, ele designa pessoas idosas que estão inseridas em um processo de envelhecimento ativo e saudável, e é adotado internacionalmente por diversas escolas da gerontologia. Comumente, os idosos que se enquadram nesse perfil participam de programas, serviços e outras ações coordenadas, principalmente, pelo estado e orientadas pela gerontologia e geriatria. Como, por exemplo, citam-se os denominados ‘grupos de terceira idade’, bastante difundidos no Brasil na rede de atenção básica em saúde e assistência social, mas também no SESC, universidades públicas e privadas, igrejas, associações privadas e outras. Portanto, o termo ‘terceira idade’ está sendo empregado para referir-se a essa parcela específica da população idosa que adere a esse estilo de vida. Já o termo idoso está sendo utilizado como referência a idosos em geral, independentemente do estilo de vida e das experiências vivenciadas no processo de envelhecimento. Sobre isso, ver Debert (1999).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Jun 2020
  • Aceito
    02 Fev 2021
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