Resumo:
O artigo analisa as repercussões e os sentidos implicados na divulgação jornalística dos encontros de cordões de boi-bumbá na primeira década após a Abolição da Escravidão na cidade de Belém. Encontros eram confrontos cantados e/ou físicos entre cordões nas ruas e praças da cidade, de modo ritualizado e com o objetivo de capturar o boi-artefato do grupo contrário. A nova ordem social marcada pelo trabalho livre, acompanhada pelo fim do Império e instituição da República, promoveu a redefinição da hierarquia entre setores dominantes e subalternos da sociedade. Nesse novo contexto, bumbás, sambas e batuques eram apresentados pela imprensa como casos de polícia e expressões da imoralidade e degeneração dos negros. O momento de mudança nesta conjuntura é marcado pela fundação do Boi Pai do Campo em 1908, que passou a receber atenção nos jornais como meio de entretenimento, junto a outras agremiações de sua época.
Palavras-chave: Belém; Boi-bumbá; Imprensa
Abstract:
This article deals with repercussions and senses related to announcements of the printing press concerning the clashes between boi-bumbá groups in Belém between the emancipation of slavery and 1908. These clashes were physical or chanted engagements between bands in procession through streets and squares in a ritual pattern, disposed to capture the ox-like-artifact owned by their challengers. The new social order defined by free labor, simultaneous to the decline the monarchy and the inauguration of the republic, endorsed the rearrangement of hierarchy regarding dominant and subordinate portions of the society. In this new context, bumbá troupes, samba and drumming events were disclosed by the press as police targets and examples of immorality and racial deterioration of black people. The changing moment in this situation was the creation of Boi Pai do Campo in 1908, which caught the press attention as an entertainment business, just as the other existing animals’ festive troupes.
Keywords: Belém; Boi-bumbá; The Press
No final do mês de junho de 1918, um articulista de O Estado do Pará protestava, apontando a necessidade de se abolir “hábitos coloniais, pouco civilizados” característicos daquele mês, como a presença dos grupos de bois-bumbás nas ruas durante as festas juninas. Além de interromper o “sossego das famílias”, os “bandos de indivíduos desclassificados, embriagados e de mulheres de baixa esfera”, segundo o autor, ofendiam a moral com seus “cânticos guerreiros, repletos de pornografia” (O Estado do Pará, 26 jun. 1918, p. 13).
O jornalista se referia às toadas de cordões de boi-bumbá, que se tornavam mais aguerridas quando se encontravam nas ruas dois grupos de bois vindos de bairros diferentes em direção a um local de apresentação: praças públicas, arraiais juninos e casas de particulares. Segundo o autor, os encontros de bois seriam quase sempre “premeditados” e resultavam em desordens. Personagens mascarados dos cordões, particularmente aqueles fantasiados de índios, tomariam os encontros como oportunidade para “desforras de ofensas do ano anterior”. Os enfrentamentos físicos, além da disputa corporal, poderiam ser agravados com o uso de facas e mesmo de revólveres. No desfecho do texto, o autor indica as apresentações limitadas às “casas de famílias” como contraponto dos encontros de boi. Por isso, em sua opinião, a polícia deveria limitar a exibição de grupos de boi nos espaços públicos (O Estado do Pará, 26 jun. 1918, p. 13).
O artigo publicado no final da segunda década do século XX se referia a eventos divulgados pela imprensa paraense desde meados do século XIX. Leal (2008, p. 178-179) afirma que, já em fins dos Oitocentos, os encontros de grupos de bumbá de bairros diferentes de Belém tendiam a produzir um enfrentamento ritualizado iniciado com toadas de pedido de “licença para passar”. A negação da permissão de passagem e os cantos de exaltação da força e do prestígio de cada grupo tendiam a precipitar enfrentamentos físicos encabeçados por capoeiristas defensores do boi.
Segundo Leal (2008, p. 187, 191), a hostilidade entre grupos de bois correspondia à animosidade existente entre participantes de cordões juninos e carnavalescos de diferentes bairros da cidade, especialmente Cidade Velha, Campina, Umarizal e Jurunas. As toadas de desafios se referiam, em geral, aos grupos rivais de boi como “contrário” e não admitiam a exibição desses adversários em seus bairros de origem, o que podia ocorrer vez ou outra.
O folclorista Vicente Salles (1970, p. 27) apresenta os cordões de boi-bumbá do século XIX na Amazônia, incluindo o estado do Maranhão, como “folguedo de escravos” típico dos festejos do período junino, apoiado por maltas de capoeiras. A prática crioula de luta desenvolveu-se no Brasil dos Oitocentos como meio de estreitamento de laços étnicos entre cativos e libertos (Brasil, 2011, p. 461). No pós-Abolição, capoeiristas tendiam a compor grêmios festivos ligados ao carnaval, às festas juninas e a outros tipos de festejos populares em grandes cidades do país, vez ou outra demonstrando suas habilidades de combate diante de adversários pertencentes a grupos rivais (Brasil, 2011, p. 462; Soares, 2002, p. 304).
Em Manaus e em Belém, segundo Salles (1970), as apresentações dos ranchos festivos desenvolveram vertentes mais propriamente teatrais (“farsa”), desde então adaptadas ao circuito de apresentações do teatro de revista. Esse desdobramento abriu caminho para o surgimento de ranchos centrados em outros “bichos” (onça, peixe, camarão etc.), mas especialmente companhias de“pássaros”, à semelhança dos bois (Salles, 1970, p. 28).
Da mesma forma que os cordões de bois, os de pássaros e de outros bichos tendiam a nutrir rivalidade entre si no final do século XIX. Os encontros de grupos pelas ruas da cidade ensejavam a ritualização da animosidade, pela qual códigos e regras (cantos, disposição dos componentes, dentre outros) organizavam o enfrentamento, sempre com a possibilidade de resultar em combate físico.1 As diferenças marcadas pela evocação de pertencimento a determinados bairros da cidade e a desigualdade dos vínculos relacionais de brincantes com representantes de outros setores da sociedade (agentes de segurança pública, políticos, jornalistas, por exemplo) tornavam o universo dos bumbás uma área heterogênea de alianças e oposições diversas (Barros, 2009, p. 17).
Agremiações de pássaros, de bichos e de boi-bumbá surgiam então a partir da iniciativa de núcleos familiares e de seus agregados, seus proprietários e brincantes,2 em várias cidades e localidades da Amazônia oitocentista. Tal como as pequenas sociedades carnavalescas cariocas do mesmo período, os cordões de boi e de bichos organizavam-se a partir de afinidades de vizinhança e parentesco (Cunha, 2002, p. 374). Suas apresentações tinham como cerne o tema da morte e ressurreição de um animal envolvido numa trama entre personagens do mundo rural brasileiro e de enredos românticos/fantásticos (Pinõn, 1988; Moura, 1997). À margem das apresentações, a movimentação de ranchos de boi e de bichos por Belém, desde meados do século XIX, era marcada pelo enfrentamento de capoeiristas, pela luta por capturar o boi-artefato do rival, pela repressão policial (Salles, 1970, p. 28) e por apelos da imprensa à intensificação da repressão.
Este artigo se dedica a analisar as repercussões e os sentidos implicados na divulgação jornalística dos encontros de cordões de boi após a Abolição da Escravidão na cidade de Belém, até o ano de 1908, data do surgimento do mais divulgado grupo de bumbá da cidade das primeiras décadas do século XX: o Boi Pai do Campo, do bairro do Jurunas. Nesse período, a imprensa da capital paraense deu destaque aos desdobramentos trágicos desses eventos, dedicando-se a incentivar e a cobrar a repressão policial a esse tipo de manifestação. Ao relatar tais acontecimentos, as notas jornalísticas reportavam a presença da população negra nas ruas da cidade exercendo, a contrapelo, seu direito à mobilidade espacial, mediada por imposições hierárquicas e laços clientelísticos. Enfim, a ocorrência dessas manifestações revela um campo de produção de identidades e de luta em prol de cidadania no pós-Abolição (Rios, Mattos, 2004, p. 173, 174, 188, 191, 192).
As contendas entre bumbás por ruas e praças de Belém no limiar do século XX são tomadas aqui como exemplo revelador dos impasses e desafios vividos pela população afrodescendente no imediato período pós-Abolição, momento de grande desestabilização da ordem social (Albuquerque, 2009, p. 174). Isso é particularmente significante nesse período, posto que grande parte dos integrantes dos grupos era oriunda do centro ou das margens do universo do cativeiro, extinto a partir de 1888. A nova ordem social marcada pelo trabalho livre e acompanhada pelo fim do Império e instituição da República implicava a redefinição da hierarquia entre setores dominantes e subalternos da sociedade.
Ao mesmo tempo, a difusão crescente da noção de raça contribuiu para estabelecer distinções sociais derivadas da ordem hierárquica legada pelo regime escravocrata (Albuquerque, 2010, p. 100, 104). Por isso, a presença da população negra livre nas ruas, em eventos festivos, tendia a ser interpretada por setores das elites como manifestação de rebeldia, de modo que festas públicas poderiam tornar-se palco de disputas pelo uso e apropriação do espaço urbano (Albuquerque, 2010, p. 98; 1996, p. 107), conforme indicam registros jornalísticos dos primeiros vinte anos da República.
Notícias de jornal que denunciavam a violência dos encontros e que requisitavam a repressão policial fornecem pistas importantes dos sentidos associados às disputas entre os bumbás. Elas apresentam, indiretamente, a vívida expressão dos costumes populares em um contexto pós-Abolição marcado por ações do estado de repressão e cerceamento de festas, danças, músicas e demais encontros da população negra, mestiça e pobre, recorrentes pela cidade. O projeto civilizacional de intelectuais e de agentes do Estado, de conteúdo nacionalista e europeizante, se opunha aos costumes das classes trabalhadoras, assentando-se também em teorias raciológicas que afirmavam a inferioridade física e intelectual do negro e do mestiço (Abreu, 1998, p. 144; Schwarcz, 1993).
Em oposição a isso, nos primeiros anos do pós-Abolição, diferentes tipos de associações negras (como irmandades, grupos religiosos e cordões festivos, por exemplo) aumentaram sua visibilidade no espaço urbano, expressando publicamente formas de sociabilidade, de identidade e de ajuda mútua. O associativismo negro, nesse caso, pode ser interpretado como a promoção de uma consciência de grupo com interesses particulares, em ações como a ocupação de ruas e praças pelos cordões de bumbá, que destoavam do ideal civilizacional da Primeira República (Nascimento, 2016, p. 620, 621).
Esse contexto de reorganização e ressignificação das relações sociais ocorreu em meio à modificação da configuração socioeconômica da sociedade brasileira de então. A mundialização da economia capitalista, em fins do século XIX,promoveu a integração daAmazônia à rede de fornecimento de matérias-primas para a indústria, como região fornecedora de borracha. O mercado regional tornou-se também consumidor de artigos e serviços próprios do mundo industrializado. Ao lado de inovações como transportes a vapor, energia elétrica, sistema de fornecimento de água e saneamento público, símbolos distintivos da sociabilidade burguesa, afrancesada, eram almejados pelas elites regionais ascendentes no início da era republicana, como lazer em espaços públicos enobrecidos e consumo de arte erudita (Coelho, 1992, 2011, p. 141, 142).
Progresso e civilização eram então palavras-chave da utopia burguesa que aspirava o branqueamento e a europeização, em um país recém-saído do trabalho escravo e da hierarquia social institucionalizada pela monarquia. Naquele contexto, os homens de letras assumiram a dianteira na promoção da utopia civilizacional por meio de associações literomusicais, agremiações intelectuais, sociedades literárias e, particularmente, através de jornais e revistas (Coelho, 2011, p. 153).
As gazetas paraenses atuantes em Belém na década de 1890 dividiam-se em dois grupos característicos: os diários de firmas particulares com proprietários ligados à indústria e ao comércio; e os órgãos noticiosos de partidos políticos (Republicano, Republicano Democrático e Liberal). Neste trabalho, foram prioritariamente levantados oito diários, sendo cinco folhas de particulares3 e três veículos de partidos políticos.4 Tanto num caso como no outro, as linhas editorais dominantes das folhas vinculavam-se e adaptavam-se às intencionalidades de representantes da elite intelectual, empresarial e política (Cruz, Peixoto, 2007, p. 254).
Este artigo, portanto, segue as pistas dos interesses, valores e visões de mundo dos autores dos textos jornalísticos apresentados, tendo em vista o contexto de produção específico de notícias, crônicas, informes e denúncias (Cruz, Peixoto, 2007, p. 256). Os pontos de vista dos autores são aqui consideradoscomo resultantes de algum grau de intercâmbio entre os jornalistas e os sujeitos focalizados, mesmo que de modo indireto ou negativo. Afinal, a produção de matérias está condicionada a algum tipo de relação estável com fontes de informação, posto que os profissionais da imprensa também são agentes sociais (Darnton, 2010, p. 91) que acentuam temas de debate e mobilizam adesões, oposições e consensos (Cruz, Peixoto, 2007, p. 258).
Os dados selecionados nesta pesquisa foram preliminarmente coletados em um quadro maior em meio a registros jornalísticos das últimas décadas do século XIX e primeiras do século XX em Belém. Ao lado de assuntos políticos, crônicas, textos literários e anúncios de atividades comerciais e da administração governamental, os periódicos em foco reportavam negativamente, em grande medida, o que entendiam como “escombros da escravidão” na aurora republicana (Coelho, 2011, p. 156). Grande parte das notas e crônicas sobre batuques, sambas e bois-bumbás nas ruas da cidade, na década de 1890, já seguia a linha da notícia que abre esse texto e apresenta os grupos festivos e musicais como bandos “semisselvagens de indivíduos desclassificados”.
Apesar desse destaque, bumbás, sambas e batuques até então não despertavam interesse dos intelectuais regionais como objeto de estudo. Escritores paraenses da segunda metade do século XIX convergiam na tese de que era rarefeita a presença negra na Amazônia tanto em termos demográficos como culturais. Segundo Figueiredo (2008, p. 26, 27, 32, 33), escritos de autores dedicados ao folclore regional como José Veríssimo, Santa-Anna Nery, Juvenal Tavares e Pádua Carvalho concentravam-se no relato de mitos indígenas e de crenças e costumes populares do mundo rural.
As reflexões de folcloristas sobre a música e a dança dos negros não chegavam às folhas da imprensa paraense em fins do século XIX. Nos jornais diários, boi-bumbá, sambas e batuques eram apresentados como casos de polícia ou como evento merecedor de algum grau de tolerância pelas autoridades. Ao expressar essas visões, os jornalistas produziram registros úteis aos historiadores do presente interessados em conhecer os obstáculos enfrentados e as brechas exploradas pela população negra, nos primeiros anos pós-Abolição, para o exercício cidadão de suas manifestações lúdicas, artísticas e festivas. É o que veremos a seguir.
Encontros de cordões de boi como ritual de rebelião
Vicente Salles encontrou o registro de boi-bumbá mais antigo na imprensa de Belém publicado em A Voz Paraense, em 3 de julho de 1859 (p. 1). O jornal informava que o “Boi Caiado” se apresentara nas ruas e praças dos bairros da “Cidade”5 e da Campina, com a participação de “mais de 300 moleques pretos, pardos e brancos”. A nota destacava que o desfecho do evento foram “facadas”, “pauladas” e “vivas atentatórios à moral e à segurança pública”. Por fim, aspirava o jornalista que a polícia acabasse com o Boi Caiado, para impedir que no “ruge, ruge” se formassem “cascavéis”.
Em suma, o repertório de danças, brigas e discursos dos participantes do grupo de boi, que reunia jovens negros e brancos ainda durante a vigência da escravidão, era considerado pelo jornalista como um atentado, um risco à moral e à segurança pública. A presença do folguedo que “por horas esquecidas atropelava as pedras e o capim de ruas e praças” podia ser tolerada pelos agentes policiais, particularmente no período junino, mas não deixava de ser vista como prática imoral por sujeitos da mesma extração social do jornalista de A Voz Paraense. A cobrança pela repressão policial assumia um caráter mais preventivo, no sentido de impedir que da simples brincadeira brotassem perigos maiores à segurança pública.
Vislumbra-se aqui a percepção das manifestações festivas como situação de perigo, especialmente num evento efervescente que reunia jovens negros e brancos numa sociedade escravocrata. Esse tipo de manifestação ganhou força e visibilidade no pós-Abolição, na medida em que o controle senhorial (e as cobranças do Estado sobre ele) deixaria de existir. A junção de festa e enfrentamentos (diretos ou indiretos) intensificava as preocupações de representantes dos setores dominantes que viam nessas ocasiões a oportunidade para desestabilizar-se a ordem vigente.
O que sabemos sobre as características gerais das apresentações de boi-bumbá da segunda metade do século XIX em Belém? As fontes jornalísticas referidas até agora apontam algumas pistas. Está claro que as exibições típicas de eventos juninos em ruas e praças, bem como em casas particulares, centravam-se no enredo sobre a morte e o renascimento de um boi, celebrado por personagens característicos dos tempos coloniais do Norte e do Nordeste brasileiro. De modo semelhante, cordões de pássaros e de outros bichos da fauna brasileira combinavam cantos, música percussiva, dança, personagens e texto dramático, que apresentavam algumas variações em função do contexto festivo.6 Junto ao repertório de cantos exibidos nas apresentações de cunho teatral, despontavam as toadas guerreiras, demarcadoras das pelejas em versos que, vez ou outra, ocorriam nos encontros de cordões pelas ruas da cidade.
O discurso jornalístico dos anos seguintes à Abolição manteve a tendência de condenar, como atentatórios à segurança pública, as festas e os batuques em que jovens negros eram a maioria nas ruas da cidade. Na edição de 10 de agosto de 1888 do Jornal das Novidades, quase três meses após a Abolição, divulgava-se a solicitação de um morador da rua Jerônimo Pimentel de que o subdelegado do 1º distrito “providenciasse sobre um grande batuque que fazem uns pretos moradores a mesma rua”. Sem poder denunciar senhores por não conterem seus escravizados, o solicitante obtinha na imprensa a divulgação de sua reclamação, de modo a acentuar a cobrança sobre a vigilância policial das manifestações festivas, musicais e religiosas da população negra. O “grande batuque de uns pretos” da rua Jerônimo Pimentel, sobre o qual nada sabemos, incomodava vizinhos não habituados à animação festiva de negros livres, talvez por seu reconhecido conteúdo efervescente e agonístico.
Mais importante a observar é que a denúncia publicada na imprensa assinala um aspecto fundamental das reivindicações de ordem e moralidade no pós-Abolição: a racialização. A definição de lugares e hierarquias sociais com base em critérios raciais era uma marca da nova ordem resultante do desmonte do escravismo (Albuquerque, 2010, p. 100, 104). Um morador da rua Jerônimo Pimentel, como indica a notícia acima, não identificado racialmente, considerava um festejo de pessoas negras, em sua rua, como um caso de polícia, provavelmente por conta da reunião de pessoas da mesma cor e da africanidade da música produzida.
O termo batuque era tomado, em grande medida, como sinônimo de desordem e subversão em notas de jornais nos primeiros anos pós-Abolição em Belém. Como resposta à solicitação publicada no Jornal das Novidades, O Liberal do Pará informou, em 12 de agosto do mesmo ano, que o 2º delegado de polícia do bairro de Nazaré determinara estacionar uma “patrulha noturna no local onde costuma haver o tal batuque”. Assim se restabeleceria a hierarquia entre brancos e negros da rua Jerônimo Pimentel quanto ao direito de se realizar festas particulares. A presença contínua da polícia sugere ser aquele endereço local de atividade musical constante, talvez uma sede de grêmio festivo (boi-bumbá, cordão de bicho) ou mesmo um centro afrorreligioso, onde o som dos tambores é fundamental para a condução da atividade ritual.
Esse sentido religioso do termo batuque, aliás, é insinuado ironicamente no texto do jornalista Silvério Sylvio Sênior, publicado em O Liberal do Pará em 4 de janeiro de 1889. O “batuque notívago e constante” da esquina da rua Riachuelo com a travessa do Passinho foi apresentado pelo periodista como “tangarafuso mefistofélico” e assemelhado a uma “infernal festança promovida por Belzebu em noites invernosas”. Além da invocação de imagens de convenção de bruxas, Silvério Sylvio destacava sarcasticamente o incômodo que o “mavioso fado” causava na vizinhança, o que para ele constituía uma “triste situação”. No texto, emerge o descontentamento moralista partilhado pelas elites da época quanto à presença de manifestações negras nos espaços públicos (como em uma esquina), quando reformadores republicanos advogavam a desafricanização das ruas (Albuquerque, 1996, p. 106, 112).
Diferentemente da imagem da assembleia noturna de feiticeiros atribuída ao batuque, o texto do jornalista Anselmo, publicado em A República, em 27 de junho de 1891, afirmava que, nas festas de São João, o boi (com seu batuque) e seus acompanhantes festejavam o santo católico. O artigo foi escrito em tom de queixa à proibição da polícia, naquele ano, às fogueiras juninas e ao bumbá, identificado como tradicional. Apesar do ponto de vista favorável ao “boi figurado da noite de S. João”, como característico dos “divertimentos populares”, o autor o apresenta como “costume dos antepassados”, tendente a desaparecer frente ao crescimento da civilização. A notícia aponta como resultado da proibição aos bumbás, a ocorrência de poucas brigas e, consequentemente, de poucos presos na Cadeia de São José.
Temos nesse registro jornalístico uma leitura evolucionista do desenvolvimento dos costumes populares no campo das narrativas sobre a civilização. Nesse caso, os bumbás dos tempos dos avôs e avós do autor tendiam a desaparecer com o declínio da popularidade das festas juninas, com a impossibilidade de instalação de fogueiras em ruas pavimentadas e com a ação policial pouco tolerante aos divertimentos (e às brigas) populares.
Trata-se de uma impressão que corresponde, grosso modo, a uma interpretação seminal do “bumba meu boi”, considerado como expressão de teatro popular no mundo rural brasileiro. O ensaio de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1967, p. 88) sustenta que o conteúdo das apresentações de boi, a “farsa”, como “pequenos quadros teatrais em torno da história de um boi”, dramatiza mecanismos de controle social do comportamento de acordo com a moral tradicional vigente entre seus participantes e espectadores.
Nesse caso, a morte e o retorno do boi à vida envolvem personagens do contexto rural brasileiro, pertencentes a posições desiguais na escala social, mas reunidos em torno da crítica às autoridades da sociedade tradicional (Queiroz, 1967, p. 92). A apresentação da farsa teria, assim, a função de reforçar a solidariedade do grupo local, em todos os seus estratos. Com a dissolução da ordem social tradicional, as exibições de boi perderiam a prerrogativa de controle social em favor da ênfase no entretenimento, típico das formas de arte da sociedade moderna (Queiroz, 1967, p. 95-96).
A autora apoia sua tese na análise de Max Gluckman sobre os rituais de rebelião no sudeste da África. Seu estudo sobre ritos propiciatórios de povos bantos do sudeste africano os identifica como expressão institucionalizada de protesto, como moldura que abriga o questionamento da distribuição particular de instâncias de poder (por exemplo, entre plebeus e nobres, entre homens e mulheres). Gluckman (1963) vislumbra nisso um meio de renovar a unidade do sistema de relações sociais ao desnudar os conflitos e as tensões latentes. Por conta do teor cerimonial, os rituais de rebelião não atentariam contra a ordem social dominante. Ao contrário, eles funcionariam como meio de reivindicar a tradição e denunciar o risco de ações causadoras de desequilíbrio nas relações de poder.
Portanto, tais rituais apenas aparentariam rebelião, por se limitarem à simulação de revolta contra a ordem estabelecida. No caso do ensaio de Queiroz (1967, p. 93), a crítica às autoridades locais nas apresentações de boi teria a função de reforçar a obediência a valores tradicionais, diante dos apelos da moral popular e religiosa. A expressão dramática do bumba meu boi é apresentada como ritualização da tradição, mantenedora da coesão social. No entanto, ocorrências externas ao enredo das apresentações, como os encontros de bumbás no final do século XIX em Belém, quedar-se-iam fora do quadro de reforço da solidariedade grupal.
Se ampliarmos o foco de estudo para além do script executado nas performances e tratarmos da presença dos grupos de boi nos espaços públicos de Belém no pós-Abolição, encontraremos um campo de relações sociais onde se produziram sentidos sobre as práticas dos sujeitos vinculados aos cordões. Trata-se de um período em que as notícias de jornais sobre o boi-bumbá se limitavam a denúncias de desordem, imoralidade e conflitos. Por isso, tomo aqui a fundação da agremiação Boi Pai do Campo, em 1908, como marco final do que podemos chamar de uma primeira fase de debate público sobre a atividade dos cordões de boi na cidade. O grupo festivo do bairro do Jurunas passou a receber atenção da imprensa local a partir da década seguinte, não limitada aos informes de teor policial.7
Os membros da Missão de Pesquisas Folclóricas, que estiveram em Belém em junho de 1938 a serviço do Departamento de Cultura de São Paulo, recortaram uma nota do jornal paraense Folha do Norte que, na edição de 23 de junho de 1938 (sob o título: “As tradições populares na reportagem da Folha”), informava que o Pai do Campo existia então havia 30 anos. O subtítulo da matéria certamente atraiu a atenção dos leitores paulistas: “ritmo africano das músicas e danças do Boi-Bumbá”. O cordão foi escolhido para registro pelos membros da missão por meio de indicação do contato de Mário de Andrade (então diretor do Departamento de Cultura) em Belém, o médico e jornalista Gastão Vieira.
O médico paraense havia conhecido o ilustre modernista de São Paulo quando de sua viagem à Amazônia em 1927. No ano seguinte, Vieira enviou ao amigo escritor uma coleção de cânticos com o título “Toadas avulsas do Grupo Pai do Campo”, que foram publicadas em 1959 em livro póstumo de Mário de Andrade intitulado Danças dramáticas do Brasil (t. 3), organizado por Oneyda Alvarenga. Os cantos coletados em 1928 mantinham, certamente, ligação com a fundação do bumbá no bairro do Jurunas (em 1908) e com outros grupos de boi mais antigos conhecidos pelos brincantes do Pai do Campo.
Os versos apontam um sentido de solidariedade grupal (e guerreira) em cantos executados durante cortejos pelas ruas: “Tu aqui não passas, eu quero ver, se tentar passar, vem arriscar morrer”; “hoje eu quero ver se ele é guerreiro, se ele tem coragem de pisar no meu terreiro”; “eu sou preto mal [sic] pra branco, quebro rei quebro animal”; “levanta a poeira, povo de fora não pode falar mal da nossa brincadeira” (Andrade, 1959, p. 175-177). Essas toadas eram cantadas como desafio em encontros de bois diferentes pelas ruas. O enfrentamento físico, nesses momentos, era uma possibilidade decorrente do acirramento das tensões na troca versejada.
Brincantes de boi oriundos de bairros como Jurunas, Umarizal e São João do Bruno partilhavam alianças profundas em suas vizinhanças, baseadas em condições semelhantes de trabalho e de moradia, imbricadas com a vida familiar. Eventos festivos, como os do período junino, punham em evidência o senso de pertencimento socioespacial dos brincantes, de modo que tanto os desafios de toadas, como o esmero nas apresentações, manifestavam-se como elementos de celebração da consciência de grupo. É o que declara este cântico do Boi Pai do Campo: “Minha gente venham ver, Pai do Campo como está, este nosso Pai do Campo, campeão do Boi-Bumbá, é campeão do Jurunas, São João e Umarizal” (Andrade, 1959, p. 177-178).
Nos desafios entre bois contrários, o atrevimento ritualizado dos versos (e provavelmente dos gestos) significava movimentos em um jogo de roteiro já conhecido pelos brincantes. Personagens diversos compunham esse arranjo, tais como os capoeiristas fantasiados de índios, o grupo musical de percursionistas, o boi-artefato movimentado pelo “tripa” (também capoeirista), o pai Francisco, a mãe Catirina, o pajé (ou feiticeiro indígena), o médico, o fazendeiro, dentre outros, todos chefiados pelo “amo do boi”.
O poeta e memorialista De Campos Ribeiro (2005, p. 100) reporta conflitos de grupos de bumbás em 1905: um em que o “brincante tradicional de boi” e capoeirista famoso, Golemada, foi morto; outro, que resultou na incineração pela polícia dos bois-artefatos dos grupos envolvidos, em frente ao hospital onde foram atendidos os feridos no encontro de cordões. As toadas registradas por Gastão Vieira em 1928 enfatizam essa disposição guerreira: “Olha lá povo contrário; mete a faca na bainha; o teu couro é como o meu; a tua vida é como a minha” (Andrade, 1959, p. 175).
Ao mesmo tempo, os cantos insinuavam o direito dos cordões ao livre trânsito pela cidade, o que abria a possibilidade de encontros de contrários. O seguinte cântico do Boi Pai do Campo sugere a dificuldade do grupo de se apresentar nas ruas: “Rapaziada eu não quero assim; ensaiar boi pra não comparecer; mas este ano eu estou disposto amor; ensaiar boi pra contrário ver” (Andrade, 1959, p. 178). Noutra toada, o Pai do Campo impunha sua presença na praça ao boi contrário, que por isso se retirava: “Gente venham ver; o contrário vai correndo; dizendo que o Pai do Campo; está na praça aborrecendo” (Andrade, 1959, p. 182).
Representar papéis na farsa e brincar o boi publicamente significava também defender sua condição de pertencimento socioespacial. O desafio na brincadeira do boi instaurava uma ordem de realidade pautada na performance ritual (Cavalcanti, 2012, p. 366), com a qual os participantes se envolviam até às últimas consequências. Isso se devia, provavelmente, ao fato dos brincantes identificaram-se com o cordão de boi como “uma organização local [...] de um bairro e seus arredores [...] em que rivalizar é parte importante da brincadeira” (Cavalcanti, 2013b, p. 8). É o que ressalta a seguinte toada do Pai do Campo: “Icei minha bandeira; na rua dos Caripunas; mandei avisar o contrário; que não pise no Jurunas” (Andrade, 1959, p. 180).
Mais que criticar as autoridades da sociedade tradicional, os brincantes dos bumbás representavam seus bairros de origem e defendiam seu direito ao livre trânsito em cortejo pela cidade. A prévia preparação para os confrontos físicos e a ritualização dos duelos (pedido de passagem, desafio de toadas, foco na captura do boi adversário, capoeiristas preferencialmente fantasiados de índios) indica sentidos do “brincar o boi” externos à farsa performatizada nas apresentações.
Os conflitos recorrentes entre cordões nas ruas da cidade, como apontam as fontes jornalísticas, expõem a tensa coexistência entre os grupos de diferentes bairros. Isso, ao mesmo tempo, assinala um elemento de unidade entre os brincantes em cada cordão, como a coesão diante da possibilidade de conflito com agentes externos. Nesse sentido, o grupo de boi poderia ser assumido como “emblema de identidade”, na medida em que a ritualização da segmentação social permitia a liberação e a performatização de conflitos latentes (Gusfield, Michalowicz, 1984, p. 427).
Noutros termos, o brincar (o boi, nas ruas e praças) tornava-se sempre um risco em função da complexidade das relações travadas entre participantes e apreciadores de diferentes estratos sociais. As alianças cruzadas, as animosidades e as hostilidades entre pessoas envolvidas com festejos populares e com agentes de segurança pública eram balizadas por reivindicações de territorialidade, justificadas por laços de vida comunitária vigentes em bairros de origem e em espaços de vizinhança. Ao lado da exibição da farsa, os confrontos ritualizados apontam a existência de um universo simbólico em que o conflito era operatório na construção da unidade de grupo.
Aqui encontramos confluência com o argumento de Queiroz (1967), embora não se entreveja o declínio da função social de reforço da solidariedade por conta da dissolução de uma suposta ordem tradicional. A confluência está na hipótese de que a exposição de conflitos latentes nos confrontos ritualizados de grupos de boi “trabalhava em prol da construção da unidade” dos coletivos (Cavalcanti, 2013a, p. 422), pois assim se assumia o pertencimento aos cordões como emblema identitário.
Jornalistas e suas versões sobre os encontros de bumbás
Dezenove anos antes da Abolição, atendendo a pedido dos moradores da travessa do Passinho, o redator do jornal O Liberal do Pará (12 fev. 1869, p. 2) interpelou o chefe da polícia da capital paraense sobre denúncia de que ele concedera licença para a ocorrência de um batuque naquela rua. No dia seguinte, uma nota de agradecimento foi enviada pelos mesmos moradores ao Diário de Belém (13 fev. 1869), pela divulgação que compeliu a polícia a extinguir “uma senzala que havia na dita travessa”. A carta informava que lá se “reuniam muitos pretos a dançarem o batuque até alta noite” e que, portanto, seria dever das autoridades de segurança pública impedir “divertimentos bárbaros” e não os apoiar.
A denúncia de conivência policial com festejos de negros era claramente associada ao estigma da escravidão (“senzala”), num momento de vigência do cativeiro.Nos primeiros anos pós-Abolição em Belém, avultavam notícias nas folhas jornalísticas que relacionavam batuques de negros a desordens com enfrentamentos físicos. Nesses relatos, o conteúdo racial era dissimulado pela ironia e por acusações de desordem e vagabundagem (Brasil, 2011, p. 459). O Liberal do Pará, em edição de 10 de setembro de 1889, falava ironicamente da prisão de “damas e cavalheiros” que fizeram um “torneio obrigado a cacete, navalha” na rua São Vicente, em um sábado à noite, e que, por isso, seguiram “todos escoltados pela cavalaria” para o quartel de polícia.
É possível que o suposto torneio, na rua, chamado de “batuque” pelo jornalista, tenha sido um encontro de cordões de boi, que costumavam deslocar-se para pontos de apresentação nos finais de semana. Em outros casos, os relatos na imprensa associam batuques a sambas, especificamente, como uma modalidade de festa e de desordem. O artigo de Zé Mimoso na edição de 13 de setembro de 1893 do Correio Paraense descreve a descoberta do jornalista de um batuque na travessa Dr. Moraes. Quando de sua chegada, o “samba estava no auge”, com a presença de “homens e mulheres de todas as cores e feitios” praticando “embigadas furiosas”. O ponto alto do relato foi um rápido desentendimento entre os presentes, descrito pelo autor como “charivari medonho”. A narrativa jornalística destacava, portanto, o que era visto como lascívia, desordem e confusão típica dos batuques/sambas onde se reuniam pessoas de “todas as cores e feitios”.
Outros relatos de “fortes sambas”, como do jornal A República, de 3 de junho de 1892 e de 13 de julho de 1892, seguem a mesma linha de relacionar o batuque à desordem, ao abuso da cachaça e aos confrontos físicos. Nos dois casos, um samba no bairro do Umarizal e outro em um cortiço na rua São Vicente, as notas na imprensa tinham como objetivo despertar a atenção dos agentes de segurança pública para intensificar as ações de repressão. A visibilidade e a sonoridade desses eventos atestavam um novo tempo em que moradores de cortiço e pessoas de “todas as cores” praticavam livremente seus batuques e se defrontavam com a pressão de vizinhos e com a repressão policial. A figura do “negro destemido e abusado” despontava como marca de autodeterminação num contexto de reordenamento das relações sociais (Brasil, 2011, p. 464).
Podemos dizer que os encontros de cordões de bumbá seriam, na visão dos jornalistas aqui mencionados, apenas uma versão mais ressaltada da desordem e da violência supostamente inerente aos batuques. Por certo, os bumbás eram percebidos por muitos periodistas como uma espécie de batuque mais evidente, por percorrer em cortejo as ruas da cidade e desafiar tanto as reclamações de importunação de moradores dos trajetos percorridos, quanto a ação repressiva da força policial.
Por outro lado, o tema poderia ser invocado pela imprensa com outras finalidades. É o caso da exaltação à Constituição republicana associada à lei de extinção da escravidão, publicada pelo autor de pseudônimo “Aprendiz” na coluna “Notas do Dia”, da edição de 27 de junho de 1890 de O Democrata. O órgão do Partido Republicano Democrático era o espaço propício para esse tipo de apologia política. Mas o que chama a atenção no texto é a associação entre o enaltecimento da República, o fim da monarquia e a alforria geral dos escravizados, representada pela dança do boi-bumbá: “Viva! Viva nossa alforria!; Eh Bumbá! Olha o boi como dança!; Eh Bumbá; Estamos libertos do jugo férreo da ditadura; Eh! Bumbá”. Segue o texto simulando um canto responsorial a estilo dos batuques afro-brasileiros. Por fim, o autor equipara a “carta de alforria” dos escravizados à constituição da República, que “veio-nos em véspera de São João” durante as “folganças do Boi-Bumbá”.
Apesar do evidente interesse do articulista em ressaltar um posicionamento político partidário coerente com a folha para qual trabalhava, sobressai a percepção do boi-bumbá como “folgança” típica da população negra tiranizada durante a monarquia. A alegoria escolhida pelo jornalista para representar a adesão popular à comemoração da República fora o canto e a dança de um cordão de bumbá nas festas de São João. Nesse caso, um tema associado à negritude foi vinculado à celebração da nova ordem política, marcada pela possibilidade de exercício de cidadania por negros livres e libertos (Pinto, 2014, 208).Mas a desconfiança dos opositores do abolicionismo de que os emancipados não se prestariam ao trabalho livre ou de que precisariam ser tutelados, ganharia novos contornos após 1888 com a prática da racialização (Albuquerque, 2010, p. 96, 97), que associava pessoas negras à vadiagem e à desordem.
É certo que, do ponto de vista da população liberta e de demais setores populares, o 13 de Maio8 representava o início de uma nova era, seguramente mais importante que o advento da República (Costa, 2013, p. 7). Talvez isso explique a afirmação de Fraga Filho (2010, p. 88) de que as autoridades republicanas buscaram “esvaziar o 13 de Maio de seu sentido reivindicativo e cessar a possibilidade de se tornar a grande data nacional”, posto que a Abolição fora realização da monarquia. O fato é que, apesar dos posicionamentos dos republicanos sobre a questão, a população negra libertada ou já livre antes da Abolição também festejava a liberdade em seus batuques naqueles anos. Por exemplo, Abreu (2017) relata que desde maio de 1888 os tambores seguiram retumbando por dias e semanas no Rio de Janeiro e em todo o Sudeste cafeeiro em comemoração à Abolição.
Para as vozes da imprensa, homens e mulheres tornados livres pela Abolição deveriam passar por uma reforma moral que os habilitassem a se tornarem cidadãos. Na edição de 22 de maio de 1888 do Diário de Notícias, o artigo “O epílogo” celebrava o momento final da luta contra a escravidão com a divulgação do discurso do abolicionista Cordeiro de Castro, que definia a liberdade dos cativos como a “redenção de Belém”. Castro, em seu discurso, exortava os novos trabalhadores livres, homens e mulheres, a respeitar e cumprir as leis, obedecer às autoridades e constituir famílias legítimas, de modo a corresponder à ordem moral que deveria vigorar.
Os batuques, as festas e os cordões divulgados na imprensa belenense, nos primeiros anos pós-Abolição, pareciam destoar desse projeto de reforma de valores dedicado a transformar homens livres em “prestantes cidadãos”. Além do mais, a população negra era comumente vista com desconfiança por parcela significativa de intelectuais e jornalistas locais. Por exemplo, o escritor paraense José Veríssimo afirmava, em texto divulgado originalmente em 1878,9 que as populações vindas da África para a Amazônia haviam concorrido para a degradação moral do país (Veríssimo, 1970, p. 25).
Poucos anos depois, os jornais da capital paraense publicavam semelhantes visões depreciativas de homens e mulheres negros. Gomes (2017, p. 116) aponta, em seu estudo sobre a imprensa no cotidiano de Belém entre 1897 e 1910, a recorrência de relatos sobre negros como ameaçadores, obscenos, perigosos, vadios, desocupados, suspeitos de crimes e dotados de maus instintos.
O autor anônimo da coluna “Indiscrições”, na edição de 26 de maio de 1891 do jornal A República, elogiava o procedimento do chefe de polícia do estado de proibir as apresentações públicas de bois-bumbás. Mais interessante é que o jornalista ironicamente chamava tais exibições de “pândega tradicional”, termo provavelmente invocado no sentido de farra antiga, de baderna. Por ser “tradicional”, a manifestação estaria “em completo desacordo com os nossos dias”, por se tratar de prática “anticivilizadora”. A marca maior dessa expressão anacrônica seria, na visão do jornalista, a tendência de os eventos acabarem em “distúrbios e conflitos”.
Já o cronista Juca Sete de O Pará, na edição de 7 de janeiro de 1898 do jornal, em texto intitulado “Compotas”, afirmava não compreender “porque é que a imprensa e a polícia fazem guerra ao boi, ao batuque”. A crônica relata um passeio do autor pelas ruas da cidade após sair em meio à madrugada da redação de O Pará, chamada por ele de “fábrica de compotas”. O pensamento sobre a injustiça da guerra dos jornais e da polícia aos bois e aos sambas, segundo o texto, veio à mente do colunista quando se deparou com um batuque em “certa praça”. Em sua percepção, o que presenciava ali era “um divertimento como outro qualquer” com um “bocadinho mais de cachaça”, por ser essa “bebida de gente pobre”.
O caminhante noturno afirmava ter se interessado pela “brincadeira”, especialmente por conta da “rapaziada” que “berrava” e “saracoteava”. Num dado momento, o curioso jornalista teria se dirigido, em seus termos, a um “pretalhão que parecia ser o chefe do divertimento”. Deste ponto em diante, a descrição do diálogo ganha ares irreverentes e preconceituosos, ao seguir o estilo de uma comédia de erros: o jornalista pergunta, em linguagem culta, sobre o motivo do ensaio do cordão e o “chefe do divertimento” fala, com vocabulário pobre, sobre a comemoração da vitória eleitoral do político Cypriano José dos Santos,10 a ser celebrada com apresentação de boi. O texto termina com a transcrição da toada cantada pelo grupo, ressaltando a homenagem ao chefe político: “O coroné é eleito? É sim, senhô! Ele é senadô? É sim senhô! E dá chumbo pra gente? Dá, sim senhô! Seu Cypi está contente? Está, sim senhô! Bum, bum, bum”.
Mesmo com a crítica inicial ao combate da imprensa e da polícia aos bumbás e aos batuques, Juca Sete insinua em sua crônica a prática de chefes políticos de manipular os “divertimentos” de “gente pobre”, como aquele batuque de boi dirigido por um homem negro. Não podemos tomar a narrativa dessa crônica como testemunho fiel de um acontecimento vivido pelo jornalista e relatado com exatidão. O texto é uma construção literária, claramente racializada, em diálogo com a experiência, mas enquadrada nos interesses e condicionantes editoriais e políticos que envolviam o trabalho do cronista. Nessa perspectiva, mais importante é destacar a postura condescendente e paternalista do autor perante a “rapaziada” do boi, que se punha a serviço de um cacique político local em plena madrugada de Belém com seus “batuques, berros e saracoteios”.
Tanto nas notas recriminatórias de batuques e bumbás quanto no texto de Juca Sete, que denunciava a pressão da imprensa e da polícia contra essas manifestações, o que está em jogo é a oposição entre a utopia civilizatória de representantes das elites e as práticas festivas de gente negra e pobre. Na mesma senda analítica de Abreu (1998, p. 144), pode-se afirmar a existência de outros exemplos, em capitais brasileiras em fins do século XIX, de atitudes de cerceamento e repressão a festas populares por suas danças, músicas e práticas religiosas,por estarem ligadas à esfera dos costumes do povo. Os representantes das elites partidárias de ideais nacionalistas e civilizatórios, quer na imprensa ou em órgãos do Estado, tendiam ao alinhamento com teorias cientificistas que identificavam sintomas de inferioridade racial nos costumes de negros e mestiços (Abreu, 1998, p. 160).
A ação policial contra as manifestações culturais negras na primeira década pós-Abolição expressava, em última instância, a manutenção da hierarquia social que separava membros das elites brancas, em seus direitos de cidadãos, da população pobre negra e mestiça, na prática, sem direitos. A linha divisória, nos primeiros anos da República, não poderia ser mais o cativeiro. Em seu lugar, as teorias raciais justificavam uma ação política mantenedora de clivagens raciais (Costa, 2013, p. 6), expressas de modo velado e indireto por atos de repressão e restrição a possibilidades de exercício da cidadania11 por pessoas negras. Exemplo disso está na nota publicada por A República, em 16 de junho de 1899, informando que o chefe de segurança pública do Pará, dr. Santos Estanisláu, havia indeferido todas as petições de “licença para os cordões de bois-bumbás e seus congêneres”. O autor da nota arremata no final: “parecendo assim ficar proibido este divertimento. Boa medida”.
O século XIX se encerrava em Belém com a proibição policial às apresentações de cordões de boi e de outros bichos. Mas já no ano seguinte, um articulista de O Pará tratava da polêmica relativa à prisão de um (possível) dono de bumbá, Antonio de Moraes, quando promovia um ensaio de boi em sua casa ao som de carimbó. A controvérsia envolveu o diário do articulista e o jornal Folha do Norte e girou em torno de versões conflitantes sobre o fato: enquanto a Folha denunciava a prisão como ação arbitrária da polícia, o jornalista de O Pará (28 jul. 1900), em texto intitulado “O órgão dos carimbós”, culpava o acusado de promover “batuque infernal, intolerável e insuportável” em uma “capital civilizada”, “armando desordens e ofendendo a moral com palavras”.
O título do artigo tencionava depreciar a Folha do Norte ao identificá-la com o instrumento que também poderia significar um tipo de festa ou uma modalidade musical: o carimbó. O “ensurdecedor carimbó” de Antonio Moraes, que acompanhava um ensaio de boi bumbá nas vésperas do encerramento do período de festas juninas, terminou com invasão policial em sua residência e prisão de todos os presentes. A intervenção da polícia não ocorreu sem resistência dos que ensaiavam: o texto reporta que um agente de segurança foi “desrespeitado, agredido e se não entraram em exercício as facas e os cacetes [...] foi porque se fez panos”. O jornalista de O Pará encerra o artigo chamando os aprisionados de desordeiros e acusando-os de estarem com “alta pressão alcoólica” quando da ação policial.
Para o autor da matéria, mais importante que relatar a prisão de um promotor de boi- bumbá era, neste caso, enfrentar uma empresa jornalística rival que aparentemente não tomava partido da defesa da ordem, da moral e da civilização. Por isso, aos seus olhos, a Folha do Norte nada mais era que o “órgão dos carimbós”, por se mostrar favorável a festas e batuques de “indivíduos desocupados” que ensaiavam bois-bumbás. Não que a Folha assumisse ou postulasse efetivamente essa posição, mas é provável que sua versão dos fatos tenha incomodado as autoridades policiais envolvidas no caso. O importante é observar a ocorrência de disputa de versões entre agentes da imprensa em torno de ensaios de bumbás e batuques de carimbó. A contenda entre representantes de setores das elites em torno de episódios como esse indicava a projeção social alcançada por festas de gente pobre e negra (Abreu, 1996, p. 299). Assim, os festejos de afrodescendentes ganhavam territórios simbólicos com sua divulgação nas páginas da imprensa no pós-Abolição (Brasil, 2014, p. 296).
De todo modo, a versão predominante era a que vinculava as práticas festivas negras, como o boi-bumbá e o carimbó, à desordem. Assim, as pessoas envolvidas com esses eventos, negras na maioria, eram associadas pela polícia e pela imprensa à subversão, tornando-se suspeitas em potencial, sem haver necessidade de racializar abertamente o discurso formulado em nome da civilização (Brasil, 2016, p. 266). A intervenção policial nos batuques e nas exibições de bois significava a criminalização das manifestações festivas como um todo e não apenas a repressão pontual a ocorrências específicas. De fato, como afirma Abreu (1996, p. 118-119), batuques (e cordões de boi) ainda eram vistos por representantes das elites como manifestações demasiadamente africanas para serem integradas no quadro de componentes culturais da nacionalidade.
Brincar e brigar pelo direito à cidade
A cidade onde pululavam os batuques denunciados nas folhas jornalísticas era a mesma em que avançavam as fortunas na esteira dos ganhos diretos ou indiretos com a exportação de borracha para países industrializados. Era a mesma cidade onde, em fins do século XIX, irromperam muitas obras de remodelação urbana aliadas à ampliação da rede de serviços públicos e à criação de espaços de lazer devotados às elites locais, tais como teatros, clubes recreativos, cassinos, cafés, livrarias, confeitarias e hotéis de luxo (Costa, 2016, p. 76). Na época em que, nos ambientes da elite política belenense, prosperavam os ideais republicanos de progresso e de civilização (Sarges, 2004), a imprensa denunciava batuques e bois-bumbás como manifestações incivilizadas. A prova disso, para os periodistas, seriam os encontros violentos de cordões e as altercações em batuques intensificadas pelo consumo da cachaça.
A percepção sobre o mundo de participantes de batuques e de brincantes de boi externada pela imprensa local assentava-se no estranhamento dos jornalistas, muitos deles aspirantes a escritores, oriundos das camadas médias da capital do estado. As visões sobre o boi-bumbá como divertimento popular arcaico ou como desordem imoral denuncia a distância social que havia entre esses sujeitos e o mundo das vizinhanças de bairros pobres, onde brincar e brigar poderiam ser dois lados da mesma moeda de celebração e reforço da solidariedade de grupo. Em ambos os casos (brincar e brigar), fantasias, bois-artefatos, toadas e danças eram manejados como símbolos em ação (Cavalcanti, 2013a, p. 423) e reivindicados nos encontros como performatização de territorialidades pontuais.
O discurso jornalístico predominantemente denunciador da desordem de grupos de boi em Belém contribuiu para transformar a aparente “pândega incivilizada” dos bumbás em tema de debate público. Jornalistas se posicionavam mais ou menos combativamente contra os brincantes, neles identificando atavismos coloniais e supostas inclinações raciais à desordem, à imoralidade e à delinquência. Involuntariamente, as matérias jornalísticas reconheciam batuques e bumbás como tópico inerente à lúdica negra, requerente de atenção das autoridades públicas, mesmo que para proibi-las. Os bumbás poderiam ser vistos, ao mesmo tempo, como “primitivo e encantador folguedo desvirtuado pela civilização” (Folha do Norte, 24 jun. 1890, p. 1) e como bandos de jovens imorais e vagabundos dedicados à subversão.
A leitura pelo avesso das matérias depreciadoras das manifestações festivas negras na imprensa, como as apresentadas linhas atrás, revela o reconhecimento parcial da legitimidade dessas manifestações para além do rótulo anticivilizacional. Os bumbás poderiam ser: identificados como meio de festejar santos católicos no período junino;12 reconhecidos como festejo tradicional, antigo;13 associados à festa em homenagem à abolição da escravidão;14 empregados como recurso para promover a imagem de políticos;15 qualificados como simples divertimento de pessoas negras e pobres.16 Portanto, o bumbá, como modalidade de expressão da negritude, apresentava-se aos seus participantes como um espaço estratégico de contestação (Assunção, Abreu, 2018, p. 25).
O tratamento, nas folhas jornalísticas, das controvérsias em torno da presença de cordões de boi promovidos por brincantes negros pelas ruas da cidade, em meio a batuques e a capoeiristas, abriu caminho indireto para o reconhecimento da relevância social desses eventos. Houve então a emergência dissimulada e minoritária, nesses escritos, do tema da negritude, como identificação de expressões culturais negras enquanto pertencentes ao universo do “popular”. Embora generalizante, esse qualificativo reconhecia um lugar social para práticas festivas de sujeitos negros e mestiços pertencentes às classes trabalhadoras.
Os jornalistas paraenses de fins do século XIX chamavam essas práticas de devoção ao santo, batuque, tradição e divertimento. Os participantes dos bumbás, mais do que meras vítimas da segregação e da exclusão, as viam como territorialidade de bairro, direito ao uso do espaço urbano e excepcionalidade diante de seus opositores. São alguns indícios que as toadas do Boi Pai do Campo nos oferecem sobre como pensavam os brincantes do pós-Abolição. Abria-se assim espaço para uma modalidade de reivindicação de cidadania pelos agentes dos bumbás, em meio às suas brincadeiras e confrontos, diante da ordem social excludente que se impunha no início da República.
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- SOARES, Carlos Eugênio. Festa e violência: os capoeiras e as festas populares na corte do Rio de Janeiro (1809-1890). In: CUNHA, Maria Clementina Pereira(Org.). Carnavais e outras f(r)estas: ensaios de história social da cultura Campinas: Editora da Unicamp/Cecult, 2002, p. 281-310.
- VERÍSSIMO, José. Estudos Amazônicos Belém: Universidade Federal do Pará, 1970.
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É provável que os duelos físicos fossem também ritualizados, posto que a luta aberta entre capoeiristas, naquele período, tendia a respeitar a hierarquia entre os lutadores (Soares, 2002, p. 304).
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Integrantes regulares dos grupos de boi-bumbá, que se dedicam aos ensaios, à preparação das fantasias, da coreografia e assumem personagens específicos nas apresentações. Em geral, a atividade dos cordões de boi e de bichos é chamada de “brincadeira” pelos integrantes dos coletivos e por seus apreciadores. Sobre isso ver Carvalho (2011).
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A Pátria Paraense: diário noticioso, comercial e literário, propriedade de uma associação anônima, fundado em 1894; Correio Paraense: diário noticioso, comercial e literário, proprietário e redator: Bento Aranha, fundado em 1892; Jornal das Novidades, fundado em 1888; O Pará, propriedade de uma associação, fundado em 1898; O Industrial, proprietário e fundador Joaquim Malcher, fundado em 1893.
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A República: órgão do Partido Republicano, fundado em 1890; O Democrata: órgão do Partido Republicano Democrático, fundado em 1890; O Liberal do Pará: órgão do Partido Liberal, fundado em 1870.
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Que corresponde, aproximadamente, ao bairro da “Cidade Velha”, nos dias atuais.
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Por exemplo, a presença marcante de capoeiristas que compunham a “maloca dos índios”, em grupos de bumbás que exaltavam sua peculiaridade guerreira. Já em concursos ou em exibições particulares, a performance aguerrida dos capoeiras (também chamados de balizas) poderia ser atenuada ou perder importância. É o caso do “Boi Anizeta”, reportado nas memórias de infância do poeta De Campos Ribeiro, que remontam à década de 1910. O escritor relata a existência de um cordão de “boi de mulheres negras”, sem balizas, que trabalhavam como vendedoras ambulantes de comida no bairro do Umarizal e que exibiam o seu bumbá para as famílias do bairro (Ribeiro, 2005, p. 102).
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Como exemplifica a crônica “O bumbá”, de Roberto d’Azevedo, publicada na edição de 29 de agosto de 1915 n’O Estado do Pará, em que relata reminiscências de infância “de vinte anos atrás” (então, por volta de 1895) sobre as “toadas nostálgicas” nos ensaios noturnos do Boi Estrella, do amo “Bahia”, do bairro do Jurunas. Notícias diversas também eram publicadas sobre o Boi Pai do Campo nessa década: exibição em sua sede (O Estado do Pará, 24 jun. 1917); ocorrência de ensaios (O Estado do Pará, 16 jun. 1917) e participação em concursos (O Estado do Pará, 8 jul. 1917).
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Antes da Abolição da Escravidão, essa data era comemorada pela elite política do Pará como o dia da vitória das forças imperiais sobre o movimento da Cabanagem, com a tomada de Belém pelas tropas do general Soares Andrea em 13 de maio de 1836.
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Ensaio publicado inicialmente no livro Primeiras páginas, lançado por Veríssimo em 1878 com o título “Raças cruzadas do Pará”.
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Político do Partido Republicano. Foi deputado e senador da Câmara Estadual na década de 1890. Seu pai foi proprietário dos diários 13 de Maio e Jornal do Pará, no mesmo período.
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Isto é, inexistência de qualquer tipo de impedimento legal baseado na cor da pele quanto ao exercício de direitos iguais para todos em sociedade.
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A República, 27 jun. 1891.
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A República, 26 maio 1891, coluna “Indiscrições”;
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O Democrata, 27 jun. 1890, coluna “Notas do Dia”.
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O Pará, 7 jan. 1898, título: “Compotas”.
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O Pará, 7 jan. 1898, título: “Compotas”.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
27 Ago 2021 -
Data do Fascículo
May-Aug 2021
Histórico
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Recebido
11 Out 2019 -
Aceito
30 Abr 2020