Resumo
Este trabalho visou validar um brinquedo e história como tecnologia educacional direcionada à orientação de crianças que serão submetidas ao cateterismo cardíaco. A validação de conteúdo foi realizada por 23 juízes especialistas (contadores de história, educadoras infantis, enfermeiros, médicos, psicóloga, psicopedagogas e terapeutas ocupacionais) através da utilização de formulário considerando os domínios: objetivos, estrutura e apresentação além de relevância. Os dados quantitativos foram analisados por intermédio do Índice de Validação de Conteúdo (IVC) e adotado o ponto de corte 0,80. Os dados qualitativos foram submetidos à análise temática de conteúdo. O brinquedo é composto por bonecos representativos da criança, equipe de saúde e responsável, miniatura de angiógrafo e de aparelho de anestesia e objetos de uso hospitalar para indução anestésica e punção venosa. A história aborda de forma lúdica a estrutura física da sala de Hemodinâmica e todas as etapas que compreendem o pré, trans e pós-cateterismo cardíaco. A tecnologia foi validada pelos juízes com um IVC total de 0,95. O brinquedo e a história validados constituem um diálogo entre saúde, educação e arte que poderá contribuir para uma assistência integral e humanizada à criança.
Palavras-chave:
Tecnologia educacional; Jogos e brinquedos; Cateterismo cardíaco; Pediatria
Abstract
The scope of this work was to validate a toy and a narrative as an instructional tool to present to children who are to be submitted to cardiac catheterization. Content validation was performed by 23 specialist judges (storytellers, child educators, nurses, medics, educational psychologists, occupational therapists, and a psychologist), by using a form considering the following topics: goals, structure and presentation, as well as relevance. Quantitative data was analyzed through the Content Validation Index (CVI) and a cutoff of 0.80 was adopted. Qualitative data was then submitted to thematic content analysis. The toy is composed of: figurines representing the child, the healthcare team, and the person responsible for the child, prototypes of the angiography equipment and the anesthesia equipment, and objects used in hospital for anesthetic induction and vein puncture. The narrative addresses the physical structure of the Hemodynamics room and all steps comprising pre-, trans- and post-cardiac catheterization in a playful way. The technology was validated by the judges with a total CVI of 0.95. The validated toy and narrative constitute a dialog between health, education and art that may contribute to integral and humanized care to the child.
Key words:
Educational technology; Play and playthings; Cardiac catheterization; Pediatrics
Introdução
Crianças com cardiopatia congênita são submetidas frequentemente a procedimentos invasivos, para fins diagnósticos ou terapêuticos11 Mah DY, Porras D, Bergersen L, Marshall AC, Walsh EP, Triedman JK. Incidence of and risk factors for catheterization-induced complete heart block in the pediatric cardiac catheterization laboratory. Circ Arrhythm Electrophysiol 2014; 7(1):127-133., como o cateterismo cardíaco. A hospitalização configura uma agressão ao mundo lúdico e mágico da criança, por isso requer do profissional da equipe de saúde a elaboração de estratégias que favoreçam o enfrentamento, reduzam o medo e a ansiedade relacionados a esses procedimentos22 Melo LR, Petengill MAM. Dor na infância: atualização quanto a` avaliação e tratamento. Rev Soc Bras Enferm Pediatr 2010; 10(2):97-102.,33 Ribeiro CA, Borba RI, Rezende MA. O brinquedo na assistência à saúde da criança. In: Fujimori E, Ohara CV. Enfermagem e a saúde da criança na atenção básica. São Paulo: Manole; 2009. p. 287-327..
Para que a criança seja assistida de forma holística, o cuidado de enfermagem deve utilizar técnicas de comunicação e de relacionamento adequadas ao público infantil33 Ribeiro CA, Borba RI, Rezende MA. O brinquedo na assistência à saúde da criança. In: Fujimori E, Ohara CV. Enfermagem e a saúde da criança na atenção básica. São Paulo: Manole; 2009. p. 287-327.. Dentre estas, destaca-se o brinquedo terapêutico, que consiste em uma forma lúdica estruturada e apresenta objetivos específicos a serem alcançados. O seu uso possibilita o alívio da ansiedade causada por experiências atípicas para a idade que costumam se configurar como ameaçadoras. Consiste em um processo de brincar não direcionado que dá a criança a possibilidade de se expressar de forma não verbal ou verbal seus medos ou preocupação44 Steele S. Concept of communication. In: Steele S. Child health and the Family. New York: Massom; 1981. p. 710-38..
Vygotsky afirma que, à medida em que os papéis e entendimentos são internalizados pela criança, vão sendo atribuídos significados aos objetos utilizados na brincadeira e, a partir desta representação na situação imaginária, estes assumem caráter simbólico. É através do brinquedo que a criança tem a oportunidade de observar e refletir o mundo ao seu redor55 Vygotsky LS. A formação social da mente. São Paulo: Livraria Martins Fontes; 2003..
Para a utilização do Brinquedo Terapêutico Instrucional (BTI), que visa preparar a criança para o procedimento a que será submetida66 Vessey JA, Mahon MM. Therapeutic play and the hospitalized child. J Pediat Nurs 1990; 5(5):328-333., o material selecionado deve estar relacionado ao procedimento que será demonstrado e recomenda-se também a utilização de um roteiro instrucional no formato de história infantil, que contextualize a situação a ser vivenciada33 Ribeiro CA, Borba RI, Rezende MA. O brinquedo na assistência à saúde da criança. In: Fujimori E, Ohara CV. Enfermagem e a saúde da criança na atenção básica. São Paulo: Manole; 2009. p. 287-327..
Revisão sistemática77 Godino-Iáñez MJ, Cabrera MBM, Martos NS, Urquiza JLG, Román KV, Jiménez MJM, García LA. Play therapy as an intervention in hospitalized children: a systematic review. Healthcare 2020; 8(3):239. que incluiu pesquisas publicadas de 2009 a 2019 com um total de 856 crianças, evidenciou que o Brinquedo Terapêutico, aplicado antes da cirurgia, aliviou a sensação de medo, ansiedade e insegurança; promoveu a redução da dor e a melhora da atitude das crianças em relação à doença e diante dos procedimentos a que seriam submetidas. Um outro achado importante foi que também favoreceu o relacionamento com os profissionais de saúde.
A Tecnologia educacional (TE) composta por brinquedo e a história, submetida a validação nesta pesquisa, foi elaborada seguindo as seguintes fases: 1) observação sistemática do atendimento à criança submetida ao cateterismo cardíaco; 2) entrevista semiestruturada com a equipe que atua antes, durante e após o procedimento (enfermeira, cardiologista intervencionista, anestesista, técnico de enfermagem e técnico de radiologia; 3) elaboração de um plano de trabalho para confecção do brinquedo; 4) planejamento para elaboração da história88 Silva RDM, Monteiro EMLM, Javorski M, Neves JR, Lima LS. Toy and story for therapeutic play sessions: the elaboration. Qual Primary Care 2017; 25(1):39-44..
Existe uma lacuna no desenvolvimento de estudos voltados para a humanização da assistência à criança em cardiologia intervencionista pediátrica, pois a maioria das pesquisas desenvolvidas é pautada em uma visão biológica e técnica11 Mah DY, Porras D, Bergersen L, Marshall AC, Walsh EP, Triedman JK. Incidence of and risk factors for catheterization-induced complete heart block in the pediatric cardiac catheterization laboratory. Circ Arrhythm Electrophysiol 2014; 7(1):127-133.. Diante disto, este estudo teve por objetivo validar um brinquedo e história como TE direcionada à orientação de crianças que serão submetidas ao cateterismo cardíaco.
Método
Este artigo apresenta a segunda etapa da pesquisa “Brinquedo Terapêutico uma TE no preparo da criança para o cateterismo cardíaco”, aprovada pelo Comitê de ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, sob CAAE nº 22327714.4.0000.5201.
A validação de conteúdo foi realizada por juízes especialistas que atingiram, no mínimo, cinco pontos conforme os critérios de seleção adaptados do Modelo de Fehring99 Fehring R. Methods to validate nursing diagnoses. Heart Lung 1987; 16(6):625-629.. A partir do cálculo amostral1010 Lopes MVO, Silva VM, Araujo TL. Methods for Establishing the Accuracy of Clinical Indicators in Predicting Nursing Diagnoses. Int J Nurs Knowl 2012; 23(3):134-139. foi estimada uma amostra final de 22 especialistas. A escolha dos juízes foi realizada através da Plataforma Lattes e por “Bola de Neve” que consiste na seleção através de indicação ou recomendação de sujeitos anteriores1111 Sampieri RH, Collado CF, Lucio MPB. Metodologia da Pesquisa. 5ª ed. Porto Alegre: Penso; 2013..
Os juízes foram convidados a participar do estudo via e-mail. Aos que aceitaram participar foi enviado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e um formulário contendo: instrumento de caracterização dos juízes, material educativo a ser avaliado (imagens do brinquedo elaborado e a história) e o instrumento de validação de conteúdo. Os instrumentos foram enviados em formato eletrônico desenvolvido no aplicativo Google Forms® ou impresso, que foram entregues e recolhidos pela pesquisadora conforme a preferência de cada juiz.
A TE foi avaliada a partir do preenchimento de formulário de validação de conteúdo adaptado do modelo utilizado por Nascimento e Teixeira que permite a avaliação agrupada em três domínios: objetivos, estrutura e apresentação e relevância1212 Nascimento MHM, Teixeira E. Tecnologia para mediar o cuidar-educando no acolhimento de "familiares cangurus" em unidade neonatal: estudo de validação [dissertação]. Belém: Universidade do Estado do Pará; 2012.. Cada um dos critérios foi respondido a partir de uma escala do tipo Likert com cinco níveis de respostas: concordo totalmente (CT), concordo parcialmente (CP), nem concordo nem discordo (NCND), discordo parcialmente (DP) e discordo totalmente (DT). Ao final da avaliação de cada critério havia um espaço para os juízes realizarem observações e sugestões.
Foi realizado um pré-teste dos instrumentos a serem utilizados na coleta de dados (carta convite, imagens do brinquedo e história, instrumento de validação) com uma enfermeira, uma psicopedagoga e um psicólogo para avaliação quanto à aparência, organização, clareza, objetividade e adequação da apresentação do conteúdo1313 Medeiros AP. Validação de material educativo para homens com cateter vesical de demora no domicílio: estudo de validação [dissertação]. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos; 2012.. O instrumento foi considerado adequado em relação aos aspectos avaliados e para ser submetido ao processo de validação.
O brinquedo ilustrado na Figura 1 é constituído por sete bonecos sendo: dois figurativos de homem e mulher, para representar o responsável pela criança no dia do procedimento; cinco representativos da equipe, que atua no preparo e realização do cateterismo cardíaco (anestesista, cardiologista intervencionista, enfermeiro, técnico de enfermagem e técnico de radiologia) e dois figurativos de uma menina e um menino, para representar a criança; uma miniatura do angiógrafo (aparelho utilizado para realização do cateterismo cardíaco) e de um aparelho de anestesia com monitor multiparamétrico, e objetos de uso hospitalar para indução anestésica e punção venosa. A história, intitulada O filme do coração de Duda, aborda, de forma lúdica, a estrutura física da sala de Hemodinâmica e todas as etapas que compreendem o pré, trans e pós-cateterismo cardíaco88 Silva RDM, Monteiro EMLM, Javorski M, Neves JR, Lima LS. Toy and story for therapeutic play sessions: the elaboration. Qual Primary Care 2017; 25(1):39-44..
Os dados obtidos neste estudo foram compilados em uma planilha do programa Microsoft Excel®, a qual foi exportada para o software Statistical Package for the Social Science (SPSS) version 20.0 for Windows onde foi realizada a análise. Os dados referentes à caracterização dos juízes foram analisados pela estatística descritiva1111 Sampieri RH, Collado CF, Lucio MPB. Metodologia da Pesquisa. 5ª ed. Porto Alegre: Penso; 2013.. Os dados resultantes da validação foram analisados de duas formas: os comentários e sugestões foram submetidos à análise de conteúdo temática1414 Gibbs G. Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Artmed; 2009. e para a avaliação da concordância em relação a cada item foi computado o Índice de Validade de Conteúdo (IVC) com o nível de concordância mínima de 0,80 para a validação1515 Polit D, Beck CT. The content validity index: are you sure you know what's being reported? Critique and recommendations. Res Nurs Health 2006; 29(5):489-497..
Resultados
O painel para validação de conteúdo foi composto por 23 juízes especialistas, sendo: três contadores de história, três educadoras infantis, cinco enfermeiros, cinco médicos (três cardiologistas intervencionistas pediátricos e dois anestesistas), uma psicóloga, três psicopedagogas e três terapeutas ocupacionais (Quadro 1). Esta multiplicidade de profissionais foi adotada pelo fato de cada um, de acordo com sua área, proporcionar uma avaliação criteriosa da TE.
O tempo de formação dos juízes variou entre quatro e 36 anos, com média de 16,1 (±8,9). Todos possuíam experiência na atuação com crianças de três a sete anos, sendo 15 por tempo superior a oito anos. Catorze possuíam especialização, 10 título de mestre, três doutores e 18 eram docentes.
A proporção dos itens do instrumento que atingiram total concordância (concordo totalmente e concordo parcialmente) por todos os juízes atingiu valor de 0,26. A média do IVC para todos os itens referentes a avaliação do brinquedo e da história, que representa a validade de conteúdo global da TE validada, foi igual a 0,95, ou seja, acima do IVC desejável. Observa-se na Tabela 1 o índice de validade quanto aos domínios objetivo, relevância, estrutura e apresentação.
O domínio objetivo refere-se aos propósitos, metas ou fins que se deseja atingir utilizando o brinquedo e a história1414 Gibbs G. Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Artmed; 2009., obteve uma concordância de 95%. Alguns juízes destacaram a importância de conferir dinamismo e objetividade à história a partir da substituição de narrativas por diálogos entre os personagens que representam a equipe e a criança bem como estimular a participação ativa da criança, manipulando os brinquedos e participando dos diálogos durante a sessão de brinquedo terapêutico. Destacaram ainda que a TE é um recurso que favorece a interação com a criança:
Manter uma linguagem sucinta e rápida. O diálogo entre os personagens pode ser mais resumido e lúdico (CH1).
Pode condensar as informações, deixar ainda mais sintética, alteraria o tempo verbal para deixá-la mais simples e clara (PS).
Tudo que for importante para a criança fixar é interessante colocar em fala. Para manter a atenção da criança de três anos a história tem que ser mais ativa. Para ficar mais dinâmica e atrativa a contação, a criança poderia participar do processo, manuseando os materiais (TO1).
É interessante que a história tenha mais falas, seja mais ilustrativa que narrativa (PS). Sugiro maior participação/envolvimento da criança nos diálogos e manipulação dos brinquedos (EF4).
Sugiro que enquanto a história seja contada, existam questionamentos, onde as crianças possam interagir com os personagens (PP1).
No que se refere à estrutura e apresentação que diz respeito à forma de apresentar as orientações1414 Gibbs G. Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Artmed; 2009., o percentual de concordância obtido foi igual a 95%. Neste domínio, foram abordados os aspectos relacionados à linguagem, sequência lógica da história e características do brinquedo elaborado quanto à atratividade, tamanho e adequação à faixa etária.
Os juízes recomendaram descrever com clareza na história sobre a presença da mãe junto à criança durante o procedimento e um juiz recomendou alterar a ordem dos fatos que ocorrerão durante o preparo para o cateterismo cardíaco:
Na história não está claro se a mãe da criança permanece junto dela durante o procedimento (ou até a anestesia). Sugiro que seja falado sobre isso (EF4).
A punção venosa normalmente é feita após a indução anestésica inalatória (MD2). Sobre a parte que a médica explica o cateterismo, dar essa informação antes de mostrar que a criança está dormindo pode causar medo. Melhor colocar fala da anestesista primeiro (TO1).
Os juízes destacaram a importância de apresentar uma linguagem acessível à criança, preservando termos e situações reais a serem vivenciados por ela e a necessidade da capacitação do profissional para utilização do brinquedo e história em sessões de brinquedo terapêutico:
Comparar a dor que a criança vai sentir com algo familiar a ela (PS).
Usar as palavras corretas é muito importante. Quando a criança estiver sendo submetida ao procedimento acredito que irá ouvir palavras como eletrodo e oxímetro, então será importante estar familiarizada com estas palavras. Sugiro que a história seja contada numa linguagem acessível ao repertório da criança, mas que se utilize também as nomenclaturas corretas dos aparelhos (CH2).
Sugiro que todos os profissionais que vão atuar nessa atividade tenham momentos de formação no que se refere a “contar história” (PP2).
Sugiro um profissional específico para tal atividade, ou, que tenha uma capacitação/treinamento para realizá-lo (EI3).
Independente da área de atuação o profissional deve ter experiência com a população pediátrica e receber treinamento adequado para contar história e brincar (MD1).
Para que a história seja vivida prazerosamente, é necessário que o contador a vivencie como história e não como informação. Postura, envolvimento e expressão devem ser levados em consideração para que a história seja “aceita” (PP3).
O domínio relevância representa o grau de significação do material educativo apresentado1414 Gibbs G. Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Artmed; 2009.. O percentual de concordância obtido foi de 96%, o que ratifica a possibilidade de promover o aprendizado da criança sobre o cateterismo cardíaco e poder ser utilizado por profissional da área da saúde ou educadores devidamente capacitados.
No domínio relevância os juízes ressaltaram as potencialidades do brinquedo e história como TE que aproxima o lúdico do científico na humanização do cuidado à criança:
Os brinquedos e a história utilizados são capazes de informar claramente às crianças e os pais sobre todo o processo de realização de cateterismo (MD3).
Esse instrumento possibilita a interação da criança, família e equipe de saúde, permeia a comunicação e compreensão do procedimento (EF1).
O metadiscurso dos profissionais de saúde sobre o cateterismo cardíaco oportuniza uma interface entre os saberes do senso comum e o saber científico. A tecnologia educacional respeita a criança como cidadã de direitos, a partir da perspectiva biopsicossocial, ou seja, na sua integralidade (EI1).
O brinquedo terapêutico é de grande relevância, pois poderá desmistificar mitos e medos criados pelos pacientes e seus familiares (EF3).
Grandes contribuições deste instrumental é o processo de humanização, brincadeira como orientação (PS).
Como Psicóloga (Ludoterapeuta) e contadora de histórias há mais de 20 anos, tenho que parabenizá-la pelo lindo trabalho. A história está muito bem escrita e atinge o objetivo ao qual se propõe (CH2).
Discussão
Os resultados demonstram que a TE composta por brinquedo e história foi validada para ser utilizada na orientação de crianças para o cateterismo cardíaco, com elevado índice geral de concordância, uma vez que todos os itens e domínios avaliados - objetivo, relevância, estrutura e aparência - obtiveram um IVC igual ou superior a 0,95. Esta concordância foi delimitada pelos dados qualitativos da pesquisa.
Para garantir a eficácia dos materiais desenvolvidos destinado à educação em saúde é fundamental a realização do processo de validação, pois propicia a avaliação de se os objetivos e metas foram alcançados, se são acessíveis, apropriados para o público-alvo, relevante e aplicáveis na prática1616 Leite SS, A´fio ACE, Carvalho LV, Silva JM, Almeida PC, Pagliuca LMF. Construc¸a~o e validac¸a~o de instrumento de validac¸a~o de conteu´do educativo em sau´de. Rev Bras Enferm 2018; 71(Supl. 4):1732-1738..
O uso do BTI dialoga com a Teoria da Atividade, desenvolvida por Leontiev, que concebe o desenvolvimento do homem a partir de sua relação com o meio em que está inserido, objetivando a satisfação de alguma necessidade pessoal; concorrendo para o desenvolvimento das funções psíquicas decorrerá de um processo de apropriação de algum saber1717 Leontiev A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizontes; 1978..
Ao tecer um diálogo com a teoria da Afetividade1717 Leontiev A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizontes; 1978., a sessão de BTI objetiva transformar a atividade externa em atividade interna, que acontece em um meio social através de uma atividade mediada nas relações entre os sujeitos, como na realização do exame de cateterismo cardíaco em crianças.
Nesta perspectiva de alcançar o objetivo de preparar a criança para um procedimento invasivo, os juízes sugeriram que a história infantil deveria ser mais objetiva, requerendo serem considerados os seguintes requisitos gramaticais: dar preferência a utilização de verbos e frases mais curtas; usar linguagem coloquial adequada a faixa etária do público ao qual se destina, evitar emprego de rimas e advérbios1818 Cowley J. Escrevendo com o coração: como escrever para crianças. 1ª ed. Rio de Janeiro: Gryphus; 2014.,1919 Bussato C. Contar e encantar: pequenos segredos da narrativa. 8ª ed. Rido de Janeiro: Vozes; 2012..
Emerge que na construção da história infantil deve-se também evitar a utilização de uma fala infantil com uso de palavras no diminutivo, ao invés disso, recomenda-se utilizar uma linguagem clara de forma correta para que a criança se aproprie do vocabulário de maneira adequada1818 Cowley J. Escrevendo com o coração: como escrever para crianças. 1ª ed. Rio de Janeiro: Gryphus; 2014..
Quanto à estrutura da história, os seguintes aspectos devem ser considerados: ser centrada na criança, respeitar a singularidade dos personagens e do contexto; ter início, meio e fim bem definidos; ter a ideia principal e um fio condutor bem delimitado; os personagens e cenário devem ser apresentados no início; a trama deve possuir uma estrutura simples de causa e efeito, e o discurso dos personagens deve ser associado à ação1818 Cowley J. Escrevendo com o coração: como escrever para crianças. 1ª ed. Rio de Janeiro: Gryphus; 2014..
Os juízes destacaram também, que a história deveria ser menos narrativa e mais dialógica, de forma a possibilitar o protagonismo da criança no momento da utilização desta TE. A centralidade na utilização durante a sessão de brinquedo terapêutico deve estar na criança que brinca, portanto deve-se dar preferência ao diálogo em relação à narrativa. Esta apreciação converge com a literatura que ressalta uma atenção em relação à montagem do enredo e dinamicidade, que devem encantar a criança1919 Bussato C. Contar e encantar: pequenos segredos da narrativa. 8ª ed. Rido de Janeiro: Vozes; 2012..
A dialogicidade compõe a estrutura mediadora da prática educativa freireana2020 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra; 1996. e possibilita um movimento dinâmico e recíproco na intencionalidade de um processo educativo que respeite o protagonismo e a autonomia dos sujeitos envolvidos. Esse protagonismo é vivenciado pela criança a partir de uma abordagem lúdica, que possibilita o brincar, estabelecendo uma interação mediante o manuseio dos personagens, em um cenário semelhante à realidade.
Destarte, assegurar a criança uma orientação acerca do procedimento ao qual será submetida, como o cateterismo cardíaco, consiste em uma prática essencial para um cuidado ético-humanizado, requerendo para tanto a preparação dos profissionais e disponibilização de tecnologias educacionais
Em se tratando do público infantil, que tem suas particularidades, o desafio é intensificado, pois a ação educativa requer uma ponte entre o profissional e a criança, estabelecida através da construção de um diálogo no qual ocorra intercâmbio entre o conhecimento científico e a linguagem infantil. A comunicação com as crianças tem papel fundamental na mediação das suas experiências e nas ideias que elaboram em relação ao processo saúde/doença2121 Peña ALN, Juan LC. The experience of hospitalized children regarding their interactions with nursing professionals. Rev Lat Am Enferm 2011; 19(6):1429-1436..
Estes aspectos foram ressaltados na validação quanto à estrutura e apresentação na qual os juízes recomendaram associar a linguagem lúdica aos termos técnicos reais e assim aliar conhecimento científico à linguagem infantil (por exemplo: anel que brilha que se chama oxímetro de pulso). A história deve viabilizar o encontro entre o imaginário e o real e configurar um solo de descobertas2222 Lemos AC, Silva NCG. A função terapêutica da arte de contar histórias. Intersemiose 2012; 1(1):7-23..
A diversidade de brinquedos que podem ser utilizados com crianças no ambiente hospitalar tem aumentado no decorrer dos anos e constitui um eficiente aliado para redução de ansiedade, estresse e comportamento negativo em crianças no perioperatório. Este fato mostra-se de grande relevância, visto que a pré-medicação, que tem como objetivo reduzir a ansiedade, paradoxalmente, configura uma grande fonte de estresse na pediatria2323 Meira ECL, Duarte AGG, Melo TO, Cyrino CMS, Florentino AO. A necessidade da introdução do brinquedo terapêutico no perioperatório. Glob Acad Nurs 2021; 2(1):e81..
O BTI é um recurso terapêutico que pode proporcionar uma interação entre a criança, seus familiares e profissionais da equipe de saúde favorecendo a humanização da assistência2424 Sousa CS, Costa BB, Santana GAS, Miguel JVF, Souza BL, Lima LN, Melo MC. O brinquedo terapêutico e o impacto na hospitalização da criança: revisão de escopo. Rev Soc Bras Enferm Ped 2021; 21(2):173-180.. Pesquisa que utilizou o BTI no preparo para a Terapia Intravenosa com crianças de três a 11 anos proporcionou entendimento em relação ao procedimento que contribuiu para redução parcial do medo e favoreceu a expressão dos sentimentos quanto à dor que sentiram2525 Coelho HP, Souza GDSDD, Freitas VHDS, Santos IRAD, Ribeiro CDA, Sales JKDD, Castro APRD. Percepção da criança hospitalizada acerca do brinquedo terapêutico instrucional na terapia intravenosa. Esc Anna Nery 2021; 25(3):1-10.. As crianças preparadas para a Terapia Intravenosa por meio do BTI sentem-se mais tranquilas, passam a lidar e a colaborar com o tratamento e têm a oportunidade de dramatizar o procedimento ao qual serão submetidas, reduzindo, assim, os níveis de estresse2626 Gomes ACDA, Silva ATMF, Santos CM, Palermo TADC. Brinquedo terapêutico no alívio da dor em crianças hospitalizadas. Perspect Online Biol Saude 2019; 9(29):33-42..
Neste estudo o brinquedo e a história infantil foram validados para serem aplicados com crianças na faixa etária de três a sete anos em sessão de BTI, que, de acordo com as fases de desenvolvimento propostas por Piaget2727 Piaget JA. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar; 1976., corresponde ao estágio pré-operacional que é marcado pelo uso de símbolos para representar objetos e acontecimentos.
Todos os juízes concordaram em relação à relevância do brinquedo e história, reconhecendo a contribuição da utilização do BTI, como recurso lúdico, no preparo da criança para o procedimento. Constituiu um requisito evidenciado pelos juízes a necessidade de capacitação do profissional, levando-se em consideração que condições como entonação de voz, estabelecimento de uma relação empática e a forma de abordagem da criança pelo profissional podem interferir nos resultados esperados com a utilização desta TE desenvolvida para público infantil.
Considerações finais
A TE composta por brinquedo e história foi validada pelos juízes especialistas neste estudo em relação aos seus objetivos, relevância, estrutura e apresentação para a orientação de crianças que serão submetidas a cateterismo cardíaco. Foi evidenciado que oportuniza uma interface entre os saberes do senso comum e científico, de forma a respeitar a criança como cidadã de direitos, a partir da perspectiva biopsicossocial, contribuindo para uma assistência integral e humanizada.
A avaliação interdisciplinar criteriosa agregou experiências de diferentes campos do saber, aspecto favorável à ampliação do processo de validação. Os juízes ainda contribuíram para o aprimoramento da TE desenvolvida mediante maior dinamismo, objetividade, ampliação da interação com a criança, adequação da linguagem e ordenação dos fatos.
Cabe enfatizar as recomendações propostas apresentadas em diálogo dos juízes com a literatura, de modo a considerar, na construção da história, uma construção dialógica dos personagens com linguagem clara, adequada a sua fase de desenvolvimento, capaz de propiciar um entendimento lúdico de uma situação que retrata um contexto real.
As recomendações relacionadas à elaboração da história e do brinquedo deste estudo podem ser aplicadas para o desenvolvimento de outras TE lúdicas destinadas à orientação de crianças em outras áreas de cuidado.
Constitui limitação deste estudo a necessidade de validação da TE com o público-alvo. Cabe ressaltar que a execução desta etapa para comprovar a efetividade da TE com as crianças encontra-se em consolidação e constituirá uma publicação futura.
Espera-se que este estudo possa inspirar outros profissionais a desenvolverem e validarem tecnologias educativas lúdicas voltadas ao preparo de crianças em sessão de Brinquedo Terapêutico, capazes de estabelecer um diálogo entre saúde, educação e arte, mediante uma interação entre o profissional da saúde, criança e familiares.
Agradecimentos
Aos juízes especialistas que participaram da pesquisa. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento deste estudo.
Referências
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1Mah DY, Porras D, Bergersen L, Marshall AC, Walsh EP, Triedman JK. Incidence of and risk factors for catheterization-induced complete heart block in the pediatric cardiac catheterization laboratory. Circ Arrhythm Electrophysiol 2014; 7(1):127-133.
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2Melo LR, Petengill MAM. Dor na infância: atualização quanto a` avaliação e tratamento. Rev Soc Bras Enferm Pediatr 2010; 10(2):97-102.
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3Ribeiro CA, Borba RI, Rezende MA. O brinquedo na assistência à saúde da criança. In: Fujimori E, Ohara CV. Enfermagem e a saúde da criança na atenção básica. São Paulo: Manole; 2009. p. 287-327.
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4Steele S. Concept of communication. In: Steele S. Child health and the Family. New York: Massom; 1981. p. 710-38.
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5Vygotsky LS. A formação social da mente. São Paulo: Livraria Martins Fontes; 2003.
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6Vessey JA, Mahon MM. Therapeutic play and the hospitalized child. J Pediat Nurs 1990; 5(5):328-333.
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7Godino-Iáñez MJ, Cabrera MBM, Martos NS, Urquiza JLG, Román KV, Jiménez MJM, García LA. Play therapy as an intervention in hospitalized children: a systematic review. Healthcare 2020; 8(3):239.
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8Silva RDM, Monteiro EMLM, Javorski M, Neves JR, Lima LS. Toy and story for therapeutic play sessions: the elaboration. Qual Primary Care 2017; 25(1):39-44.
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9Fehring R. Methods to validate nursing diagnoses. Heart Lung 1987; 16(6):625-629.
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10Lopes MVO, Silva VM, Araujo TL. Methods for Establishing the Accuracy of Clinical Indicators in Predicting Nursing Diagnoses. Int J Nurs Knowl 2012; 23(3):134-139.
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11Sampieri RH, Collado CF, Lucio MPB. Metodologia da Pesquisa. 5ª ed. Porto Alegre: Penso; 2013.
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12Nascimento MHM, Teixeira E. Tecnologia para mediar o cuidar-educando no acolhimento de "familiares cangurus" em unidade neonatal: estudo de validação [dissertação]. Belém: Universidade do Estado do Pará; 2012.
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13Medeiros AP. Validação de material educativo para homens com cateter vesical de demora no domicílio: estudo de validação [dissertação]. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos; 2012.
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14Gibbs G. Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Artmed; 2009.
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15Polit D, Beck CT. The content validity index: are you sure you know what's being reported? Critique and recommendations. Res Nurs Health 2006; 29(5):489-497.
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Editores-chefes:
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
29 Maio 2023 -
Data do Fascículo
Jun 2023
Histórico
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Recebido
11 Mar 2022 -
Aceito
03 Nov 2022 -
Publicado
05 Nov 2022