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Sorofobia relacionada ao HIV e à Aids: o que se debate nas redes sociais digitais no Brasil?

Resumo

O objetivo do artigo é analisar o conteúdo sorofóbico explicitado nas publicações veiculadas nas redes sociais digitais no contexto do HIV e da Aids no Brasil. Trata-se de um estudo qualitativo do tipo exploratório descritivo, de base documental. Os dados obtidos foram avaliados utilizando a metodologia de análise documental por meio da análise de conteúdo temático com auxílio do software NVivo®12 Plus (Windows). Foram gerados 187 códigos, posteriormente agrupados conforme a semântica das palavras, originando cinco categorias temáticas: #VivendoComHIV, #PrecisamosFalarSobreIsso, #OQueÉSOROFOBIA, #SorofobiaéCrime e #SorofobiaNÃO. Os resultados evidenciaram as principais manifestações acerca da sorofobia relacionada ao HIV e à Aids nas redes sociais. O conteúdo compartilhado debateu as dificuldades de viver com uma doença que apresenta dimensões sociais; a relevância de falar e difundir conteúdo sobre o HIV e a Aids; os elementos que compõem o processo de estigmatização e, consequentemente, estruturam a sorofobia na sociedade; os direitos sociais e civis das pessoas vivendo com HIV; as medidas de combate à sorofobia nas instituições de saúde; e as implicações da sorofobia no âmbito da saúde pública.

Palavras-chave:
HIV; Aids; Redes sociais digitais; Saúde pública; Políticas públicas de saúde

Abstract

The aim of this article is to analyze the serophobic content explicit in the publications published in Digital Social Networks in the context of HIV and AIDS in Brazil. This is a qualitative study of the descriptive exploratory type, based on documents. The data obtained were evaluated using the methodology of documentary analysis through Thematic Content Analysis with the aid of NVivo®12 Plus (Windows). A total of 187 codes were generated, subsequently grouped according to the semantics of the words, originating five thematic categories: #LivingWithHIV, #WeNeedtoTalkAboutIt, #WhatISSEROPHOBIA, #SerophobiaIsACrime, and #NoSerophobia. The results showed the main manifestations of HIV and AIDS-related serophobia on social networks. The shared content discussed the difficulties of living with a disease that has social dimensions; the relevance of talking and disseminating content about HIV and AIDS; the elements that make up the stigmatization process and, consequently, structure serophobia in society; the social and civil rights of people living with HIV; measures to combat serophobia in health institutions; and the implications of serophobia in the field of public health.

Key words:
HIV; AIDS; Digital social networks; Public health; Public health policies

Introdução

O estigma, o preconceito e a discriminação contra as pessoas vivendo com HIV são denominados de sorofobia. Esse conceito é utilizado por movimentos sociais11 Lopes Junior A, Amorim APA, Stelet B, Teixeira DS, Antoniacomi G, Barbosa Junior M, Sarno MM, Vieira RC, Borret RH, Padilha W. Cartilha Mitos e Verdades sobre saúde da população LGBTIA+ [Internet]. 2020. [acessado 2021 nov 30]. Disponível em: https://www.sbmfc.org.br/wp-content/uploads/2020/07/Cartilha-LGBTIA.pdf
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e difundido nas redes sociais digitais (RSD), pretendendo descrever com mais especificidade a estigmatização concernente ao vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) e à síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids). A sorofobia é mecanicamente atrelada às populações comumente associadas ao HIV, como pessoas de orientação sexual e identidade de gênero não normativa, pois são involuntariamente colocadas à margem da sociedade quando o assunto é a Aids22 Ramos LS, Almeida MG, Ramos MVS, Machado EMC, Santos VO, Contarini MRF, Ramos GBF, Mantiolhe TSO, Ferreira TFS, Valim EN. A humanização da atenção básica a saúde brasileira no atendimento de travestis e transsexuais: uma revisão narrativa. Rev Eletr Acervo Saude 2020; 44:e2770..

Indivíduos fora das “normas” binárias de gênero e sexo que vivem com HIV sofrem excessivamente com processos estigmatizantes que afetam domínios da qualidade de vida. Na área de saúde, torna-se fundamental consolidar a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, pessoas Queer, Intersexuais, Assexuais, Pansexuais, Pessoas não Binárias e a pluralidade de orientações sexuais e variações de gênero (LGBTQIAPN+), tencionando gerar, em caráter coletivo e assistencial, um ambiente acolhedor, humanizado e liberto de discriminação11 Lopes Junior A, Amorim APA, Stelet B, Teixeira DS, Antoniacomi G, Barbosa Junior M, Sarno MM, Vieira RC, Borret RH, Padilha W. Cartilha Mitos e Verdades sobre saúde da população LGBTIA+ [Internet]. 2020. [acessado 2021 nov 30]. Disponível em: https://www.sbmfc.org.br/wp-content/uploads/2020/07/Cartilha-LGBTIA.pdf
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,33 Cruz MLS, Darmont MQR, Monteiro SS. Estigma relacionado ao HIV entre jovens em transição para a clínica de adultos num hospital público no Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet 2021; 26(7):2653-2662.,44 Francisco MTR, Fonte VRF, Spindola T, Pinheiro CDP, Costa CMA, Rocha FCS. Testagem para o HIV e profilaxia pós-exposição entre homens que fazem/não fazem sexo com homens. Esc Anna Nery 2021; 25(3):e20200236.. Logo, é essencial o envolvimento dos profissionais de saúde na condução de uma assistência centrada na mitigação da sorofobia33 Cruz MLS, Darmont MQR, Monteiro SS. Estigma relacionado ao HIV entre jovens em transição para a clínica de adultos num hospital público no Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet 2021; 26(7):2653-2662., que muito compromete o aperfeiçoamento das práticas de cuidado.

O primeiro passo para expungir à sorofobia da saúde pública é compreender que a estigmatização que permeia a vida das pessoas que vivem com HIV, populações-chave e/ou em vulnerabilidade, constitui um grave problema social que afasta usuários dos serviços de saúde e promove o distanciamento das políticas públicas de combate à epidemia de HIV22 Ramos LS, Almeida MG, Ramos MVS, Machado EMC, Santos VO, Contarini MRF, Ramos GBF, Mantiolhe TSO, Ferreira TFS, Valim EN. A humanização da atenção básica a saúde brasileira no atendimento de travestis e transsexuais: uma revisão narrativa. Rev Eletr Acervo Saude 2020; 44:e2770.,44 Francisco MTR, Fonte VRF, Spindola T, Pinheiro CDP, Costa CMA, Rocha FCS. Testagem para o HIV e profilaxia pós-exposição entre homens que fazem/não fazem sexo com homens. Esc Anna Nery 2021; 25(3):e20200236.. As populações-chave em relação ao HIV - homossexuais e outros homens que fazem sexo com homens (HSH); profissionais do sexo e seus clientes; pessoas transgêneros; e pessoas que usam drogas injetáveis - ainda carecem de suporte social quanto ao enfrentamento de situações sorofóbicas55 Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS). Guia de Terminologia do UNAIDS [Internet]. 2017. [acessado 2021 nov 25]. Disponível em: https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2015/06/WEB_2018_01_18_GuiaTerminologia_UNAIDS.pdf
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, o que justifica a realização deste estudo, especialmente no que diz respeito à construção imagética e midiática em torno do fenômeno da sorofobia, em uma direção das ações de promoção da saúde e da prevenção, de proteção legal, comunicação assertiva, garantia de direitos sociais e práticas de cuidado integral à saúde66 Werle JE, Teston EF, Marcon SS, Cunha GH, Mandu JBS, Ferreira Junior MA. HIV/Aids em região de tríplice fronteira: subsídios para reflexões sobre políticas públicas. Esc Anna Nery 2021; 25(3):e20200320..

Diante da necessidade de responder às lacunas no conhecimento científico sobre essa temática no cenário midiático, este estudo foi guiado pela questão de investigação a seguir: “Como se configura o conteúdo produzido acerca do HIV e da Aids nas redes sociais digitais?” O objetivo é analisar o conteúdo sorofóbico explicitado nas publicações veiculadas nas redes sociais digitais no contexto do HIV e da Aids no Brasil.

Métodos

Estudo qualitativo subsidiado por fontes de dados documentais, estruturado em materiais formulados à priori que não receberam tratamento analítico77 Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas; 2018.,88 Lima Junior EB, Oliveira GS, Santos ACO, Schnekenberg GF. Análise documental como percurso metodológico na pesquisa qualitativa. Cad FUCAMP 2021; 20(44):36-51., que neste estudo são utilizados com a finalidade de analisar o fenômeno da sorofobia relacionada ao HIV e à Aids enquanto um debate público expresso nas RSD. A investigação nas RSD foi empregada em razão de sua significativa utilização na sociedade, pois proporciona comunicação global em tempo real e produz recursos de comunicação criativos e promissores99 Forte ECN, Pires DEP. Os apelos da enfermagem nos meios de comunicação em tempos de coronavírus. Rev Bras Enferm 2020; 73(Supl. 2):e20200225.. A base documental consistiu em postagens compartilhadas, em nível nacional (brasileiro), em três RSD: Instagram, Facebook e Twitter.

A coletada dos dados se deu por intermédio da ferramenta de busca presente nas próprias redes, através de uma hashtag (#) chave já predefinida, intitulada de “#Sorofobia”. A busca pelas publicações foi operacionalizada por meio de estratégias de busca: a) Instagram, busca no tópico “mais recentes”; b) Facebook, foi acessado o tópico “explorar”; c) Twitter, fez-se uma busca avançada e depois acessou-se o tópico “mais recentes”. O recorte temporal estabelecido foi de 1º de outubro de 2020 a 31 de outubro de 2021. Os dados disponíveis online totalizaram 750 publicações, sendo 679 (90,5%) no Instagram, 44 (5,9%) no Facebook e 27 (3,6%) no Twitter. Os dados obtidos foram analisados por meio da análise de conteúdo temático, a partir das etapas a seguir: a) pré-análise (organização de dados); b) exploração do material; e c) tratamento dos resultados (inferência e interpretação do conteúdo)1010 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016..

Neste estudo, a pré-análise foi conduzida pela aplicação dos critérios de exclusão: postagens repetidas e/ou fora do recorte temporal; publicações que não correlacionaram a sorofobia ao HIV e à Aids; postagens que diferiram da temática do estudo (uso da hashtag-chave apenas para interligar o conteúdo); publicações que não tinham conteúdo textual ou descrição (impossibilidade no processamento no software); e postagens constituídas apenas por imagens ou conteúdo de vídeo (inviabilização da transcrição). Dessa forma, foram excluídas 525 postagens.

Foram selecionadas 179 (79,5%) publicações no Instagram, 28 (12,5%) no Facebook e 18 (8%) no Twitter, totalizando 225 postagens com conteúdos relacionados à sorofobia. A transcrição do conteúdo (na íntegra) ocorreu manualmente por meio do Microsoft Office Word 2013 (58,7%); e por meio da importação das publicações com extensão NCapture (41,3%) presente no Google Chrome e disponibilizada pelo software NVivo 12 Plus (Windows). Na transcrição manual do conteúdo, fez-se um processo de refinamento textual (exclusão de palavras incompreensíveis/abreviaturas/emoticons).

Na etapa de exploração do material, inseriu-se o arquivo de edição de texto com as postagens no software NVivo 12 Plus (Windows) - seleção de trechos/criação de códigos representados por uma palavra e/ou um conjunto palavras que sintetizassem o trecho da publicação1111 Edhlund B, Mcdougall A. NVivo 12 Essentials. Carolina do Norte: Lulu Press; 2019.. No tratamento dos resultados e na interpretação do conteúdo, os códigos foram agrupados conforme a semântica das palavras, o que resultou em 12 grupos de códigos associados a cinco categorias temáticas: #VivendoComHIV; #PrecisamosFalarSobreIsso; #OQueÉSOROFOBIA; #SorofobiaéCrime; e #SorofobiaNÃO. A categorização no software propiciou a análise de 1.087 trechos das postagens, com 1.805 referências vinculadas a 187 códigos. Ressalta-se que algumas publicações compreenderam simultaneamente mais de uma categoria, em razão da associação de múltiplos códigos a determinados trechos.

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi disponibilizado no SciELO Data e pode ser acessado em https://doi.org/10.48331/scielodata.M1OA0T. O presente estudo, por ter como fonte da coleta de dados publicações disponíveis em redes sociais de livre acesso, dispensou a aprovação em Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). No entanto, o anonimato de todos os autores das publicações foi garantido1212 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Institui as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União 2013; 13 jun.,1313 Brasil. Secretaria Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos (SAJ). Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Dispõe sobre a proteção de dados pessoais e altera a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet). Diário Oficial da União 2018; 15 ago.. A identificação das postagens se deu pela utilização das siglas “PF” (Publicação Facebook), “PT” (Publicação Twitter) e “PI” (Publicação Instagram).

Resultados

O conteúdo dos dados configurou o perfil dos usuários que publicaram a temática nas RSD (quatro grupos): Pessoas vivendo com HIV - usuários com sorologia pública; Perfis de conteúdo de saúde - contas de profissionais, instituições e serviços de saúde; Perfis de conteúdo LGBTQIAPN+ - indivíduos da comunidade (influenciadores, militantes, ativistas e a população); e o grupo Outros perfis - demais usuários das RSD.

Entre as 225 publicações utilizadas na análise, 89 são de componentes do grupo Perfis de conteúdo LGBTQIAPN+ e 76 do grupo Perfis de conteúdo de saúde. Os integrantes desses grupos foram responsáveis por criar a maior quantidade de conteúdo (65,8%) relativo à sorofobia nas RSD; 27 (12%) são referentes ao grupo Pessoas vivendo com HIV e 50 (22,2%) a Outros perfis. Dezessete perfis utilizaram a hashtag-chave da pesquisa, enquadrados entre dois grupos de usuários concomitantes (Perfis de conteúdo LGBTQIAPN+ e Perfis de conteúdo de saúde). A categorização dos dados obedeceu o número de postagens em ordem decrescente e são apresentadas a seguir.

Categoria temática 1: #VivendoComHIV

O eixo temático #VivendoComHIV apresentou 87 (46,5%) códigos, quantidade expressiva, justificada pelo fato de a categoria abranger o maior número de postagens utilizadas na análise (73 publicações). Os usuários manifestaram, por meio do conteúdo compartilhado em suas redes, o impacto de viver com uma doença socialmente estigmatizada e a necessidade de compreender que pessoas vivendo com HIV “estão ao nosso lado”:

[...] medos, culpas e inseguranças começam a te assombrar mesmo que você já saiba que é cientificamente comprovado que, fazendo o tratamento com capricho, você terá sua qualidade de vida igual ou melhor que qualquer pessoa que não viva com HIV (PI55).

[...] já ouvi declarações absurdas sobre HIV em rodinhas de amigos, sendo que, na mesma roda, havia pessoas vivendo com HIV que com certeza ouviram aquilo e ficaram abaladas [...] você precisa começar a enxergar o HIV como algo próximo [...] são pessoas que estão do seu lado, na sua casa, na sua cama, no seu trabalho e que, muitas vezes, vivem acorrentadas pelo medo e pelo estigma que nós mesmos ajudamos a alimentar (PF8).

É plausível pontuar que 20 (23%) códigos que compuseram o eixo abordavam direta ou indiretamente questões correlacionadas à comunidade LGBTQIAPN+, dado justificado por essa população ser cotidianamente afetada pela sorofobia, e consequentemente publicar o maior número de conteúdo relacionado à temática nas RSD. Fotos e vídeos (Figura 1) circularam nas RSD com muita frequência, veiculando que o HIV e a Aids não são uma exclusividade de pessoas LGBTQIAPN+.

Figura 1
“O HIV não é uma doença gay”. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. 2021.

As postagens da categoria temática #VivendoComHIV também levantaram reflexões sobre a importância de discutir o HIV e a Aids como um problema político, equivalendo a 16,1% dos códigos desse eixo, visto que a sorofobia está presente na estrutura política brasileira e desencadeia retrocessos na atenção integral à saúde de pessoas vivendo com HIV. Os assuntos prevalecentes nas publicações foram os avanços e a regressão da Política Nacional de HIV e Aids; o desempenho do governo federal no enfrentamento da epidemia de HIV; e a sorofobia sofrida nas instituições de saúde.

[...] entenda o HIV como uma pauta política, não biológica [...] chega de morte física, mas também chega de morte social (PT18).

[...] o Brasil já foi referência na construção de políticas públicas de HIV e Aids. Já foi, hoje há um desfinanciamento das políticas e o aumento das pressões políticas para incluí-lo na agenda de privatizações. Outro desafio é o avanço do conservadorismo, que reforça a discriminação pela sorofobia e contribui para silenciar o estigma da discussão sobre sexualidade e prevenção na formação dos/as jovens e nas relações afetivas e conjugais em todas as gerações (PI113).

[...] o prontuário médico é DOCUMENTO. Compactuar com quebra de sigilo e fofoca irresponsável é compactuar com a morte e o sofrimento SIM! (PF11).

Categoria temática 2: #PrecisamosFalarSobreIsso

Com base no conteúdo compartilhado nas RSD, a segunda categoria é #PrecisamosFalarSobreIsso (54 publicações), esse eixo conteve 32 (17,1%) códigos. Os perfis/contas expressaram a relevância de discutir e propagar informações relativas ao HIV e à Aids, almejando quebrar tabus sociais. As postagens compartilhadas (Figura 2) procuraram conscientizar outros usuários quanto à importância de “normalizar” o falar de HIV e Aids.

Figura 2
“A luta é de todes”. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. 2021.

As publicações dessa categoria buscaram transmitir informações pouco difundidas por órgãos públicos de saúde e destacaram a nítida evolução no regime terapêutico do HIV. Os conteúdos divulgados abordaram autocuidado, relações sorodiferentes, prevenção combinada, principalmente a profilaxia pré-exposição (PrEP) e profilaxia pós-exposição ao HIV (PEP), e supressão viral. Como ponto forte, as postagens explanaram a necessidade de disseminar o conceito “Indetectável = Intransmissível” (I=I):

[...] tô cansaids de tanta sorofobia, até de infectologistas que não assumem o consenso científico que “I=I” é ZERO TRANSMISSÃO DE HIV! [...] alguns profissionais de saúde ainda evitam corrigir essa desinformação para evitarem que as pessoas com HIV se envolvam mais em relações sexuais sem preservativo ou tenham mais parceiros sexuais ao aprenderem que “I=I” [...] os profissionais de saúde e a comunidade de saúde pública, em geral, têm a responsabilidade ética de abordar ativamente a desinformação sobre a transmissão do HIV e disseminar a mensagem “I=I” a todas as pessoas [...] (PF17).

Categoria temática 3: #OQueÉSOROFOBIA

A categoria temática #OQueÉSOROFOBIA dispôs de 50 publicações que originaram 27 (14,4%) códigos. Entre as postagens que utilizaram a hashtag de estudo, poucas apresentavam material visual propriamente focado em conceituar o termo sorofobia, representando apenas 4,8% dos códigos gerados. Os conteúdos divulgados, como demonstra a Figura 3, procuraram definir e impor relevância do termo, expor como a sorofobia é prejudicial para as pessoas vivendo com HIV e destacar expressões sorofóbicas.

Figura 3
“Precisamos falar sobre... SOROFOBIA”. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. 2021.

Entre os conteúdos propagados nas postagens, destacam-se os debates em torno da interseccionalidade, ou seja, das articulações entre machismo, discriminação de gênero, LGBTfobia, etarismo e racismo, opressões comuns no contexto da sorofobia. As publicações analisadas também construíram diálogos acerca de expressões sorofóbicas, evidenciando que falas sorofóbicas são produzidas e reproduzidas com a intenção de estigmatizar pessoas vivendo com HIV, e/ou devido à falta de informação, à sorofobia velada e à utilização de terminologias antiquadas.

[...] SOROFOBIA E RACISMO, O QUE ESSAS OPRESSÕES PODEM TER EM COMUM? […] é necessário afirmar que muitas pessoas pretas são esquecidas desse debate e, ainda, silenciadas. Sendo assim, não é de estranhar que o enfrentamento ao HIV e à Aids entre a população negra seja uma das demandas do movimento negro vezes que atua na área da saúde [...] (PI178).

[...] não sou sorofóbico, mas: [...] você confia mesmo nesse negócio de indetectável? eu não vou fazer exame para HIV porque eu só transo com meu namorado; pegou, agora aguenta, né? [...] quem mandou não se cuidar! essa menina tem cara de aidética; gente velha não tem essas coisas; eu transei sem camisinha porque ela tinha cara de limpinha; é doença de gay, né? (PI155).

Outro tema discutido foi: reflexos da sorofobia na saúde pública, correspondendo a cinco (18,5%) códigos do eixo temático #OQueÉSOROFOBIA. É possível identificar no conteúdo publicado que a sorofobia implica o enfrentamento da epidemia do HIV, pois constitui barreiras de acesso a tecnologias de prevenção combinada e aos serviços de testagem para HIV, assim como atrasos na adesão e vinculação ao regime de tratamento do HIV.

[...] a sorofobia [...] é um dos principais fatores para diagnóstico tardio, já que a violência relacionada ao estigma é tão grande que acaba fazendo muitas pessoas evitarem o teste de HIV por medo de procurar [...] o exame, de ser visto nos serviços de referência ou encontrar conhecidos trabalhando lá, sofrer fofocas, entre outros; o que impede o diagnóstico e o tratamento, descobrindo a doença [...] já numa fase mais avançada [...] (PI160).

Categoria temática 4: #SorofobiaéCrime

Essa quarta categoria temática resultou em 30 (16%) códigos, extraídos de trechos de 47 publicações. As postagens referentes ao eixo #SorofobiaéCrime abordaram a violação dos direitos civis na vivência do HIV, destacando o crime de discriminação a partir de discursos sorofóbicos (Figura 4), inclusive os verbalizados por sujeitos políticos, e por conseguinte contextualizando a sorofobia como prática criminosa.

Figura 4
“Temos de tudo aqui”. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. 2021.

[...] a declaração foi dada [...] em 2016, mas ganhou grande repercussão em setembro deste ano, depois que o vídeo foi publicado e difundido nas redes. ISSO NÃO É NORMAL, disse ela referindo-se à união homoafetiva [...] a Bíblia chama, qualquer opção contrária ao que Deus determinou, de pecado. E o pecado tem uma consequência que é a MORTE. Está aí a Aids para mostrar que a união sexual entre dois homens causa uma enfermidade que leva à morte e contamina as mulheres [...] (PF13).

O conteúdo publicado, em sua maior parte, teve o objetivo de informar outros usuários sobre a legislação vigente, a fim de fomentar intervenções de combate à sorofobia. Os perfis/contas das RSD manifestaram também a premência de a sociedade compreender os direitos humanos assegurados pela Constituição Federal na vivência do HIV, tais como o sigilo sorológico, a aposentadoria por invalidez e a garantia de acesso ao tratamento.

[...] DIREITOS DA PESSOA VIVENDO COM HIV: sigilo no trabalho e sigilo médico [...] auxílio-doença e aposentadoria por invalidez [...] todas as pessoas vivendo com HIV têm direito ao tratamento gratuito segundo a Lei n° 9.313, em caso de restrição ao acesso, recomenda-se procurar os Conselhos Municipais de Saúde e, em último caso, entrar com processo judicial [...] Lei nº 12.984, define o crime de discriminação das pessoas vivendo com HIV [...] (PI108).

[...] nenhuma pessoa vivendo com HIV [...] tem obrigação de contar sua sorologia. É um direito que nós temos (PI89).

Categoria temática 5: #SorofobiaNÃO

A categoria #SorofobiaNÃO comportou o menor número de postagens, 41 publicações, e consequentemente a menor quantidade de códigos (6%), devido ao fato de o eixo abordar apenas uma temática central. As publicações desse eixo buscaram evidenciar as intervenções de combate a atitudes estigmatizantes nas RSD e a importância dos movimentos sociais e das instituições de saúde na luta contra a sorofobia.

[...] para encerrar as ações de junho, o Grupo de Afinidade Orgulho+ pegou carona no tema da Parada LGBTI+ 2021 de São Paulo/SP e vamos aprender mais sobre pessoas que vivem com HIV e como não perpetuarmos a sorofobia. Vamos eliminar tabus, dúvidas, estigmas e preconceitos sobre a pauta. O tema tem ganhado espaço, em prol de uma sociedade inclusiva (PI53).

Observa-se entre as postagens que cinco (45,5%) códigos que compuseram esse eixo mencionaram os serviços de saúde, dado justificado por constituírem elementos indispensáveis na vivência do HIV, como ações de promoção da saúde e medidas de prevenção. Em contraponto, as publicações evidenciaram a necessidade de combater a sorofobia presente nas instituições (Figura 5).

Figura 5
“Zero discriminação”. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. 2021.

Discussão

Viver com HIV perpassa aspectos fisiológicos e psicológicos característicos do processo saúde-doença, consequentes ao cenário histórico e social da Aids. Qualidade de vida, adaptação ao regime terapêutico, desenvolvimento de relações interpessoais e preconceito no ambiente familiar e laboral podem gerar dificuldades acentuadas às pessoas vivendo com HIV1414 Primeira MR, Santos WM, Paula CC, Padoin SMM. Qualidade de vida, adesão e indicadores clínicos em pessoas vivendo com HIV. Acta Paul Enferm 2020; 33:eAPE20190141., o que se reverte em agenda de saúde pública de magnitude global. Os dados centrais encontrados em nosso estudo corroboram tais aspectos e avançam na produção do conhecimento científico sobre a temática ao explorar o contexto do interesse midiático acerca da sorofobia nas RSD, aspecto útil para uma análise em saúde coletiva.

A sorofobia relacionada ao HIV e à Aids, por instaurar desafios diários, também provoca inúmeros sentimentos negativos e efeitos deletérios que interferem diretamente na qualidade de vida dos indivíduos acometidos. Tal circunstância é deflagradora de sofrimento, medo, tristeza, angústia, opressão, culpabilização e invisibilidade, resultando em isolamento social e na omissão do status sorológico1515 Brandão BMG, Angelim RCM, Marques SC, Oliveira DC, Oliveira RC, Abrão FMS. Representações sociais de idosos soropositivos acerca do HIV/Aids. Rev Bras Enferm 2019; 72(5):1349-1355.

16 Gomes MP, Barbosa D, Gomes AMT, Silva G, Souza FA, Silva ALB. A vivência do preconceito após a revelação da soropositividade para o HIV. Rev Rede Cuid Saude 2021; 15(1):47-56.
-1717 Fonseca LKS, Santos JVO, Araújo LF, Sampaio AVFC. Análise da estigmatização no contexto do HIV/Aids: concepções de pessoas que vivem com HIV/Aids. Gerais 2020; 13(2):e14757.; que também se configura na estratégia de defesa e gestão do autocuidado, na tentativa de diminuir percepções negativas e consolidar relacionamentos socioafetivos e deve se tornar objeto da prática profissional no setor saúde1717 Fonseca LKS, Santos JVO, Araújo LF, Sampaio AVFC. Análise da estigmatização no contexto do HIV/Aids: concepções de pessoas que vivem com HIV/Aids. Gerais 2020; 13(2):e14757., a fim de conferir apoio social ao enfrentamento.

Nossos achados reforçam as proposições, devido ao número reduzido de publicações acerca da temática das pessoas que vivem com o HIV, exprimindo a força da estigmatização e da representação social negativa em torno dessa vivência1717 Fonseca LKS, Santos JVO, Araújo LF, Sampaio AVFC. Análise da estigmatização no contexto do HIV/Aids: concepções de pessoas que vivem com HIV/Aids. Gerais 2020; 13(2):e14757., ainda vista de forma estereotipada - “de risco” e/ou “perigosa” e “marcadas” como “transmissoras”1818 Silva LAV, Duarte FM, Lima M. "Eu acho que a química entrou em reprovação": relações afetivo-sexuais de homens jovens vivendo com HIV/Aids e com carga viral indetectável. Sex Salud Soc (Rio J.) 2020; 1(34):25-45., o que impacta no protagonismo, na autonomia e na expressão das identidades no contexto da soropositividade. Além disso, a veiculação de conteúdo nas RSD traz à tona o debate envolvendo a população LGBTQIAPN+1919 Sousa AR, Cerqueira CFC, Porcino C, Simões KJF. Pessoas LGBTI+ e a COVID-19: para pensarmos questões sobre saúde. Rev Baiana Enferm 2021; 35:e36952.,2020 Silva PDR, Gomes IM. Disputas pela significação no discurso do HIV/Aids: um percurso na ciência, na literatura, na militância LGBTI e nos canais do YouTube. Rev Electron Comun Inf Inov Saude 2020; 14(4):857-869. na conjuntura da sorofobia relacionada ao HIV e à Aids, e ainda fazem ressoar a presença de rótulos estigmatizantes, mostrando a necessidade de revisitar concepções midiáticas, visto que os discursos produzidos nas esferas de comunicação são vinculados às representações primárias, o que indica a desinformação, a negligência e/ou o empobrecimento de informações2020 Silva PDR, Gomes IM. Disputas pela significação no discurso do HIV/Aids: um percurso na ciência, na literatura, na militância LGBTI e nos canais do YouTube. Rev Electron Comun Inf Inov Saude 2020; 14(4):857-869..

O HIV e a Aids não são uma exclusividade das populações-chave e/ou vulneráveis, em virtude de atingir a sociedade de maneira ampla como qualquer infecção sexualmente transmissível (IST). Tal informação é validada no relatório UNAIDS Global Aids Update 20222121 Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS). UNAIDS Global Aids Update 2022 [Internet]. 2022. [acessado 2023 jul 13]. Disponível em: https://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/2022-global-aids-update_en.pdf
https://www.unaids.org/sites/default/fil...
e pela análise do perfil das pessoas vivendo com HIV no Brasil em 2021 - indivíduos de cor parda (48,1%), entre 25 e 29 anos (20,7%), com ensino médio completo (25,9%) e do sexo masculino (73,9%), sendo 26,7% heterossexuais e 48,7% homossexuais; entre o sexo feminino, 86,6% eram heterossexuais2222 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DATHI). Boletim Epidemiológico HIV/Aids 2022 [Internet]. 2022. [acessado 2023 jul 13]. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/centrais-de-conteudo/boletins-epidemiologicos/2022/hiv-aids/boletim_hiv_aids_-2022_internet_31-01-23.pdf/view
https://www.gov.br/aids/pt-br/centrais-d...
. Nesse sentido, entende-se o porquê da desinformação em relação ao HIV e à Aids originar problemáticas sociais graves, pois alicerça elementos da estigmatização e institui barreiras de acesso à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento, além de contribuir para a deterioração da imagem e da identidade da pessoa vivendo com HIV em dada sociedade1717 Fonseca LKS, Santos JVO, Araújo LF, Sampaio AVFC. Análise da estigmatização no contexto do HIV/Aids: concepções de pessoas que vivem com HIV/Aids. Gerais 2020; 13(2):e14757.,2323 Cota VL, Cruz MM. Barreiras de acesso para homens que fazem sexo com homens à testagem e tratamento do HIV no município de Curitiba (PR). Saude Debate 2021; 45(129):393-405..

Enfatizando a ocorrência das consequências da desinformação e/ou a negligência de informações, situam-se os “debates” em torno da carga viral indetectável, aspecto ainda tímido, confuso e pouco propagado nas redes investigadas em nosso estudo. O conceito “I=I” é um assunto problemático e controverso nas RSD no país, apesar de aproximadamente 990 mil brasileiros viverem com HIV, dos quais 81% estão em tratamento e, entre eles, 95% têm sua carga viral suprimida2424 Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS). Relatórios e publicações [Internet]. 2023. [acessado 2023 jul 15]. Disponível em: https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2023/07/JC3082_GAU2023-ExecSumm_v2_embargoed_PT_VF_Revisada-EA.pdf
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; e também se perpetua nos serviços de saúde, o que gera falhas comunicacionais e morais significativas à vida das com o HIV1818 Silva LAV, Duarte FM, Lima M. "Eu acho que a química entrou em reprovação": relações afetivo-sexuais de homens jovens vivendo com HIV/Aids e com carga viral indetectável. Sex Salud Soc (Rio J.) 2020; 1(34):25-45., muitas vezes descredibilizadas. O Ministério da Saúde, por meio de protocolos/diretrizes clínicos/terapêuticas ratifica a veracidade do termo “I=I”, descrevendo que a pessoa vivendo com HIV com carga viral indetectável e sustentada não transmite o HIV através de relações sexuais2525 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI). Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para atenção integral às pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) [Internet]. 2020. [acessado 2021 out 15]. Disponível em: http://www.saude.gov.br/bvs
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.

As motivações das práticas sorofóbicas se fundamentam em um conceito polissêmico e interseccional, que transcende e/ou nega conhecimento científico e aspectos sociopolíticos em razão da conspiração depreciativa, sendo caracterizado por manifestações de estigmas2626 Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS). Evidências para eliminar estigma e discriminação relacionados ao HIV [Internet]. 2020. [acessado 2021 nov 22]. Disponível em: https://www.unaids.org/sites/default/files/media/documents/eliminating-discrimination-guidance_pt.pdf
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que comprometem o diagnóstico de infecção por HIV1515 Brandão BMG, Angelim RCM, Marques SC, Oliveira DC, Oliveira RC, Abrão FMS. Representações sociais de idosos soropositivos acerca do HIV/Aids. Rev Bras Enferm 2019; 72(5):1349-1355. e produzem julgamentos sociais errôneos e arcaicos, baseados no conservadorismo e na heteronormatividade, além de estruturar concepções midiáticas e discursos sorofóbicos na ambiência virtual. Sobre essa problemática, a literatura tem apontado para a existência de um conjunto de crenças irracionais, e discriminatórias e de medos infundados acerca do HIV, o que pode implicar ações violentas, inclusive dentro das instituições2727 Barbosa Filho EA, Vieira ACS. A expansão da sorofobia no discurso político brasileiro. Argumentum 2021; 13(3):134-147.; e que a interseccionalidade identifica as dificuldades presentes na sociedade afetada pela própria construção estrutural, que é preconceituosa2828 Collins PH, Bilge S. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo; 2021..

Dessa forma, chama-se a atenção para as pessoas públicas com influência digital, uma vez que podem emitir discursos sorofóbicos nos meios de comunicação e produzir efeitos deletérios irreparáveis, quando considerado o impacto da disseminação de informações falsas nas RSD. Entre os discursos sorofóbicos recentes, o nosso estudo destacou a associação do HIV à vacinação contra a COVID-19 no segundo semestre de 2021, até mesmo por parte de sujeitos políticos, o que fortaleceu o movimento antivacina, caracterizando um desserviço à saúde pública brasileira2929 Brotas AMP, Costa MCR, Ortiz J, Santos CC, Massarani L. Discurso antivacina no YouTube: a mediação de influenciadores. Rev Electron Comun Inf Inov Saude 2021; 15(1):72-91..

Entende-se que a sorofobia foi produzida no arsenal discursivo de respostas neoliberais e conservadoras ao HIV e à Aids, tendo se manifestado fortemente no Brasil desde o ano 20122727 Barbosa Filho EA, Vieira ACS. A expansão da sorofobia no discurso político brasileiro. Argumentum 2021; 13(3):134-147., quando ocorreu uma guinada conservadora no discurso político do governo federal2727 Barbosa Filho EA, Vieira ACS. A expansão da sorofobia no discurso político brasileiro. Argumentum 2021; 13(3):134-147.,3030 Chioro A, Costa AM. A reconstrução do SUS e a luta por direitos e democracia. Saude Debate 2023; 47(136):5-10., resultando na desarticulação de táticas de combate ao HIV e à Aids, e na censura de campanhas e programas fundamentados na pedagogia da prevenção2727 Barbosa Filho EA, Vieira ACS. A expansão da sorofobia no discurso político brasileiro. Argumentum 2021; 13(3):134-147.,3030 Chioro A, Costa AM. A reconstrução do SUS e a luta por direitos e democracia. Saude Debate 2023; 47(136):5-10.

31 Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA). Política de morte: o fim do departamento de AIDS [Internet]. 2019. [acessado 2021 nov 20]. Disponível em: https://abiaids.org.br/politica-de-morte-o-fim-do-departamento-de-aids/32852
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-3232 Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS). Relatório Global do UNAIDS mostra que a pandemia de aids pode acabar até 2030 e descreve o caminho para alcançar esse objetivo [Internet]. 2023. [acessado 2023 jul 15]. Disponível em: https://unaids.org.br/2023/07/relatorio-global-do-unaids-mostra-que-a-pandemia-de-aids-pode-acabar-ate-2030-e-descreve-o-caminho-para-alcancar-esse-objetivo/
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. Desde então, tem sido amplificada por atores políticos de extrema direita e se apoia em discursos e dispositivos de poder que envolvem tutela, interdição, segregação, punição e controle dos corpos soropositivos, chegando ao extremo de reduzir vidas humanas a meros custos que devem ser evitados pelo Estado2727 Barbosa Filho EA, Vieira ACS. A expansão da sorofobia no discurso político brasileiro. Argumentum 2021; 13(3):134-147.. Tal fato é reiterado quando pensamos que o atraso na resposta brasileira ao HIV e à Aids está interligado à limitação de gastos com saúde e educação2424 Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS). Relatórios e publicações [Internet]. 2023. [acessado 2023 jul 15]. Disponível em: https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2023/07/JC3082_GAU2023-ExecSumm_v2_embargoed_PT_VF_Revisada-EA.pdf
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e à multiplicação de Projetos de Lei (PLs) que buscam criminalizar pessoas que vivem com HIV3232 Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS). Relatório Global do UNAIDS mostra que a pandemia de aids pode acabar até 2030 e descreve o caminho para alcançar esse objetivo [Internet]. 2023. [acessado 2023 jul 15]. Disponível em: https://unaids.org.br/2023/07/relatorio-global-do-unaids-mostra-que-a-pandemia-de-aids-pode-acabar-ate-2030-e-descreve-o-caminho-para-alcancar-esse-objetivo/
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33 Agência de Notícias da Aids. O retorno do fantasma do clube do carimbo e a fala do presidente [Internet]. 2021. [acessado 2023 jul 15]. Disponível em: https://agenciaaids.com.br/artigo/o-retorno-do-fantasma-do-clube-do-carimbo-e-a-fala-do-presidente/
https://agenciaaids.com.br/artigo/o-reto...
-3434 Simões JA. Gerações, mudanças e continuidades na experiência social da homossexualidade masculina e da epidemia de HIV-Aids. Sex Salud Soc (Rio J) 2018; 29(1):313-339..

Assim, torna-se primordial fazer jus aos direitos civis e humanos pertinentes ao HIV e à Aids. A Lei nº 12.984, de 2 de junho de 2014, legitima os direitos civis das pessoas vivendo com HIV. Definiu a discriminação como crime punível, com reclusão de um a quatro anos e multa3535 Brasil. Presidência da República. Lei nº 12.984, de 2 de junho de 2014. Define o crime de discriminação dos portadores do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e doentes de Aids. Diário Oficial da União 2014; 3 jun.,3636 Souza D, Pereira C, Raxach, J. Relatos sobre um livro com experiências de estigma/discriminação de Pessoas Vivendo com HIV/Aids no Brasil. Saude Debate 2022; 46(Esp. 7):264-276., as seguintes condutas sorofóbicas: recusar, procrastinar, cancelar ou segregar a inscrição ou impedir que permaneça como aluno em creche ou estabelecimento de ensino em grau público ou privado; negar emprego ou trabalho; exonerar/demitir de seu cargo ou emprego; segregar no ambiente de trabalho ou escolar; divulgar a condição sorológica com o intuito de ofender a dignidade; e recusar ou retardar atendimento de saúde3535 Brasil. Presidência da República. Lei nº 12.984, de 2 de junho de 2014. Define o crime de discriminação dos portadores do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e doentes de Aids. Diário Oficial da União 2014; 3 jun..

No campo dos direitos humanos concernentes às pessoas vivendo com o HIV, ressalta-se que há problemáticas a serem superadas, que se entrelaçam com um cotidiano sorofóbico que afeta o bem-estar psicossocial da população acometida. Dessa forma, destacam-se as fragilidades na manutenção do regime terapêutico e a falta de medicamentos, insumos de prevenção e acesso a profissionais de saúde especializados, o que configura uma violação de direitos humanos essenciais3737 Parker R. Estigmas do HIV/Aids: novas identidades e tratamentos em permanentes sistemas de exclusão. Rev Electron Comun Inf Inov Saude 2019; 13(3):618-633.. Do mesmo modo, o avanço da extrema direita ultraneoliberal no Brasil, que de maneira antidemocrática, irracionalista e anticientífica2727 Barbosa Filho EA, Vieira ACS. A expansão da sorofobia no discurso político brasileiro. Argumentum 2021; 13(3):134-147.,3131 Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA). Política de morte: o fim do departamento de AIDS [Internet]. 2019. [acessado 2021 nov 20]. Disponível em: https://abiaids.org.br/politica-de-morte-o-fim-do-departamento-de-aids/32852
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colabora com a desestruturação de políticas públicas2727 Barbosa Filho EA, Vieira ACS. A expansão da sorofobia no discurso político brasileiro. Argumentum 2021; 13(3):134-147.,3030 Chioro A, Costa AM. A reconstrução do SUS e a luta por direitos e democracia. Saude Debate 2023; 47(136):5-10.

31 Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA). Política de morte: o fim do departamento de AIDS [Internet]. 2019. [acessado 2021 nov 20]. Disponível em: https://abiaids.org.br/politica-de-morte-o-fim-do-departamento-de-aids/32852
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, e por conseguinte provoca o declínio das ações de promoção, prevenção, diagnóstico (oferta de exames)2424 Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS). Relatórios e publicações [Internet]. 2023. [acessado 2023 jul 15]. Disponível em: https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2023/07/JC3082_GAU2023-ExecSumm_v2_embargoed_PT_VF_Revisada-EA.pdf
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,3838 Rocha KB, Silveira ACT, Gazzola AFG, Silva DV, Eifler RP. O trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) na política de HIV/Aids. Psicol Conocimiento Soc 2020; 10(3):19-33., tratamento (antirretrovirais - ARV)3838 Rocha KB, Silveira ACT, Gazzola AFG, Silva DV, Eifler RP. O trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) na política de HIV/Aids. Psicol Conocimiento Soc 2020; 10(3):19-33. e reabilitação direcionadas ao HIV e à Aids, o que desperta incertezas no viver com a condição crônica de saúde.

No âmbito do desmantelamento das políticas públicas de saúde brasileiras, os impactos da sorofobia também afetam significativamente os serviços de saúde, em termos de acesso, singularização e produção do cuidado2323 Cota VL, Cruz MM. Barreiras de acesso para homens que fazem sexo com homens à testagem e tratamento do HIV no município de Curitiba (PR). Saude Debate 2021; 45(129):393-405.,3030 Chioro A, Costa AM. A reconstrução do SUS e a luta por direitos e democracia. Saude Debate 2023; 47(136):5-10.. Problemáticas como assistência diferenciada ou condicional, violação de confidencialidade, atitudes negligenciais e recusa de assistência2626 Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS). Evidências para eliminar estigma e discriminação relacionados ao HIV [Internet]. 2020. [acessado 2021 nov 22]. Disponível em: https://www.unaids.org/sites/default/files/media/documents/eliminating-discrimination-guidance_pt.pdf
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podem ser observadas com maior frequência nos espaços institucionais e merecem atenção emergencial. Nossos resultados demonstram a necessidade do trabalho de sensibilização junto aos profissionais de saúde em relação ao combate à sorofobia, uma vez que os serviços dispõem de estratégias reduzidas de conhecimento e enfrentamento da expressão da sorofobia institucional2626 Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS). Evidências para eliminar estigma e discriminação relacionados ao HIV [Internet]. 2020. [acessado 2021 nov 22]. Disponível em: https://www.unaids.org/sites/default/files/media/documents/eliminating-discrimination-guidance_pt.pdf
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,3939 Leão A, Lussi IAO. Estigmatização: consequências e possibilidades de enfrentamento em Centros de Convivência e Cooperativas. Interface (Botucatu) 2021; 25:e200474..

Nesse sentido, é imprescindível que haja engajamento e investimento público e privado no desenvolvimento de ações intersetoriais com vistas a combater a sorofobia nos espaços de convivência social, com a inclusão dos ambientes virtuais, a fim de garantir a proteção à vida4040 Silva IBN, Patrício ACFAP, Leite MAP, Santos TD, Ferreira MAM, Silva RAR. Esperança de vida e depressão pessoas vivendo com HIV/Aids. Rev Fun Care Online 2020; 12(1):124-129.. Na literatura, entre as recomendações para a mitigação da prática sorofóbica estão: a) integrar técnicos jurídicos, buscando conscientizar o usuário quanto a direitos e a padrões de qualidade no acesso aos serviços; b) analisar/revisar políticas de saúde; c) desenvolver/defender políticas públicas não discriminatórias; d) estabelecer sistemas de monitoramento da discriminação/estigma e violações de direitos nas instituições; e) integrar/sensibilizar acerca do viver com HIV no âmbito da formação em saúde2323 Cota VL, Cruz MM. Barreiras de acesso para homens que fazem sexo com homens à testagem e tratamento do HIV no município de Curitiba (PR). Saude Debate 2021; 45(129):393-405.,2626 Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS). Evidências para eliminar estigma e discriminação relacionados ao HIV [Internet]. 2020. [acessado 2021 nov 22]. Disponível em: https://www.unaids.org/sites/default/files/media/documents/eliminating-discrimination-guidance_pt.pdf
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,3939 Leão A, Lussi IAO. Estigmatização: consequências e possibilidades de enfrentamento em Centros de Convivência e Cooperativas. Interface (Botucatu) 2021; 25:e200474.. Acrescenta-se ainda a premência de empregar esforço em medidas educativas e de reparação dos impactos derivados da sorofobia em públicos historicamente afetados pelas iniquidades sociais em saúde, a exemplo da população LGBTQIAPN+1818 Silva LAV, Duarte FM, Lima M. "Eu acho que a química entrou em reprovação": relações afetivo-sexuais de homens jovens vivendo com HIV/Aids e com carga viral indetectável. Sex Salud Soc (Rio J.) 2020; 1(34):25-45.

19 Sousa AR, Cerqueira CFC, Porcino C, Simões KJF. Pessoas LGBTI+ e a COVID-19: para pensarmos questões sobre saúde. Rev Baiana Enferm 2021; 35:e36952.
-2020 Silva PDR, Gomes IM. Disputas pela significação no discurso do HIV/Aids: um percurso na ciência, na literatura, na militância LGBTI e nos canais do YouTube. Rev Electron Comun Inf Inov Saude 2020; 14(4):857-869., migrante4141 Alvim, FLK, Jezus SVD, Silva AID, Leão AC, Zambonin F, Maciel ELN, Arcêncio, RA. Enfrentamento de HIV/Aids e sífilis em mulheres venezuelanas migrantes na perspectiva de gestores de saúde no Norte do Brasil. Rev Panam Salud Publica 2023; 47:e83., prisional4242 Oliveira JA, Sousa AR, Araújo IFM, Almeida LCG, Almeida MS, Borges CCL, Pereira Á. Infecções sexualmente transmissíveis em homens no sistema prisional: revisão integrativa. Rev Baiana Enferm 2022; 36:e38071. e em situação de rua4343 Gioseffi JR, Batista R, Brignol SM. Tuberculose, vulnerabilidades e HIV em pessoas em situação de rua: revisão sistemática. Rev Saude Publica 2022; 56:43..

Este estudo apresenta limitações: escolha das RSD, que pode ter reduzido o potencial de localização da ocorrência do fenômeno investigado, e o emprego dos critérios e das estratégias de busca, que podem ter limitado o alcance das publicações sobre a temática. Contudo, há contribuições significativas, por se tratar de um estudo que explorou o mundo digital e os veículos de comunicação acessados em larga escala pela população brasileira, que expressa as dimensões da determinação social no processo saúde-doença e envolve o contexto do viver com o HIV. Nessa direção, o estudo contribui para o avanço no conhecimento acerca da estigmatização e da expressão da sorofobia nas RSD, indicando o perfil da produção de conteúdo veiculado no virtual e as estratégias de enfrentamento da sorofobia.

Considerações finais

As manifestações acerca da sorofobia relacionada ao HIV e à aids nas RSD reafirmaram a importância de explorar as postagens difundidas no meio online, pois as RSD proporcionam aos usuários maior liberdade de expressão, o que possibilita explicitar concepções, inquietações e fenômenos atinentes ao conceito no corpo social.

O conteúdo compartilhado evidenciou/debateu as dificuldades de viver com uma doença que apresenta dimensões sociais, a relevância de falar e propagar conteúdo sobre HIV e Aids, os elementos que compõem o processo de estigmatização e estruturam a sorofobia, os direitos sociais e civis das pessoas vivendo com HIV, as medidas de combate à sorofobia nas instituições de saúde e as implicações da sorofobia na saúde pública.

Sugere-se o desenvolvimento de novas pesquisas que abordem as problemáticas causadas pela sorofobia no âmbito da saúde pública, bem como suas interferências na sociedade, a fim de impulsionar políticas públicas e construir referencial teórico acerca do HIV e da Aids e, por conseguinte, novos saberes em saúde.

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Editores-chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    Maio 2024

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2023
  • Aceito
    07 Ago 2023
  • Publicado
    09 Ago 2023
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