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Curricularização da extensão: realidade da Regional Sul I da ABEPSS

Curricularization of extension: the reality of ABEPSS Southern Region I

Resumos

Resumo

Objetiva-se refletir sobre as particularidades do processo de curricularização da extensão nas Unidades de Formação Acadêmica (UFAs) do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Os dados ora analisados foram extraídos dos mapeamentos e das atividades organizadas pela Regional Sul I da ABEPSS, entre os anos de 2021 e 2023. Trata-se de um tema urgente diante dos inúmeros desafios e da necessidade de incorporar, de modo qualificado a extensão universitária nos currículos dos cursos de Serviço Social. Os resultados coletados sinalizam a sua importância no interior da formação e do trabalho profissionais; promover debates contínuos para que alcancemos práticas extensionistas que consolidem o tripé do ensino superior e respondam verdadeiramente às demandas sociais. Denotam também a necessidade de superar os processos burocráticos institucionais, no sentido de garantir uma concepção de extensão que seja vinculada às lutas e resistências instituídas pela classe trabalhadora.

Palavras-chave:
Extensão; Curricularização; Serviço Social; Regional Sul 1; ABEPSS


Abstract

The aim is to reflect on the particularities of the extension curricularization process in the Academic Training Units of Paraná, Santa Catarina and Rio Grande do Sul. The data analyzed here was extracted from the mappings and activities organized by the ABEPSS South I regional office between 2021 and 2023. This is an urgent issue given the numerous challenges and the need to incorporate university extension into the curricula of Social Work courses in a qualified manner. The results collected indicate its importance within professional training and work; promoting ongoing debates so that we can achieve extension practices that consolidate the tripod of higher education and truly respond to social demands. They also show the need to overcome institutional bureaucratic processes in order to guarantee a concept of extension that is linked to the struggles and resistance instituted by the working class.

Keywords:
Extension; Curricularization; Social Work; Southern Region 1; ABEPSS


Introdução

Parte-se do pressuposto de que a curricularização da extensão pode significar um avanço na consolidação da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, no entanto, ressaltamos que este processo não se faz sem contradições e dilemas, postos no âmbito das condições objetivas diante da precarização e desmonte da educação no Brasil, particularmente no ensino superior, diante da compulsoriedade no cumprimento dos 10% (dez por cento) do total de créditos curriculares exigidos para a graduação.

Objetiva-se neste artigo, portanto, analisar as particularidades da implantação do processo de curricularização da extensão, o qual se apresenta com inúmeros desafios diante da necessidade de incorporar, de modo qualificado, a extensão universitária nos currículos dos cursos de Serviço Social da Regional Sul 1 da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS)1 1 Foi no bojo desse debate que a ABEPSS, publicou, em maio de 2021, o Documento Preliminar acerca da Curricularização da Extensão, o qual socializa a pesquisa realizada pela Comissão Temporária de Trabalho (CTT) e busca reafirmar a concepção de universidade e extensão defendidas pela entidade. E, em 2023, a ABEPSS divulgou a versão final do documento “Curricularização da extensão e Serviço Social”. , ainda que, o reconhecimento do tripé do ensino superior e da importância de compreender uma universidade socialmente referenciada e em defesa dos interesses da classe trabalhadora, sejam defesas e debates constantes na nossa área.

As gestões da ABEPSS “Aqui se respira luta” (2021/2022) e “Em luta seguimos atentas e fortes, Luciana Cantalice presente!” (2023/2024) têm realizado espaços de diálogo com as Unidades de Formação Acadêmica (UFAs) com o objetivo de identificar como o processo de adequação tem sido feito pelos cursos de Serviço Social e como os “nós” deste processo têm aparecido em cada região do País.

Nessa direção, a aproximação à realidade vivida ora apresentada, sustenta-se a partir de mapeamentos e das diversas atividades organizadas pela Regional Sul I da ABEPSS junto às UFAs dos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul entre os anos de 2021 e 2023. O mapeamento foi efetuado por meio de questionário do Google forms e das rodas de conversa realizadas de forma remota, pela plataforma Google Meet. No mapeamento realizado em 2021, das 40 UFAs da região2 2 Em 2021, a região possuía 40 cursos de Serviço Social ativos, destes, 17 são filiadas à ABEPSS. , 16 responderam ao levantamento e em 2023, das 36 UFAs3 3 Em 2023, a região possuía 36 cursos de Serviço Social ativos, destes, 8 filiadas à ABEPSS. , obteve-se resposta de nove UFAs Nas rodas de conversas tivemos 60 participantes, em 2021; e, em 2023, 20 participantes.

Este estudo está estruturado, inicialmente, a partir da reflexão sobre as disputas e dilemas no enfrentamento à compulsoriedade da curricularização da extensão. Em seguida, faz-se uma aproximação ao projeto de formação profissional do Serviço Social e os desafios do processo de curricularização da extensão, trazendo à tona a análise dos dados levantados e, por fim, apresenta-se as considerações finais.

Disputas e dilemas no enfrentamento à compulsoriedade da curricularização da extensão

Ao discutir o processo de curricularização da extensão na Regional Sul I da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), é fundamental compreender que este processo é marcado por um cenário de disputa de concepção de educação, universidade e da extensão. Não é possível mencionar apenas aspectos normativos ao abordar este processo, pois ele envolve necessariamente disputas políticas.

De todo, é importante pontuarmos as normativas que abordam o debate da extensão, de forma a expressar como a compulsoriedade da extensão nos currículos ocorre e quais processos e disputas ela envolve. Este estudo limita-se a pontuar marcos históricos a partir da Constituição Federal (CF) de 1988 (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 27 out. 2022.
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), por meio das análises de Bertollo (2021), aBERTOLLO, K. Extensão universitária e a curricularização da extensão: considerações sobre a formação em serviço social. Alemur, v. 6, p. 148–163, 2021. qual alude cinco pontos fulcrais a partir da nova carta magna brasileira, sendo eles:

A Constituição Federal (CF) de 1988 que no art. 207 estabelece o princípio da indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e Extensão;

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (Lei nº. 9.364/96) que apresenta uma concepção de currículo;

A Meta 23 do Plano Nacional de Educação (2001–2010) que indicou o percentual de 10% do total de créditos exigidos para a graduação no ensino superior a ser vivenciado pelos estudantes em atividades de Extensão (Lei nº 10.172/2001; Brasil, 2001BRASIL. Ministério da Educação. Lei n° 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Plano Nacional de Educação 2001–2010. 2001. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm. Acesso em: 27 set. 2023.
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);

A Meta 12, estratégia 12.7, do Plano Nacional de Educação (2014-2024), que estabeleceu o percentual de 10% do total de créditos curriculares exigidos para a graduação em programas e projetos de extensão universitária (Lei nº 13.005/2014); e

A Resolução 07, de 18 de dezembro de 2018 do Conselho Nacional de Educação/Ministério da Educação, que Estabeleceu as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira e regimentou o disposto na Meta 12.7 da Lei nº 13.005/2014 (Bertollo, 2021, pBERTOLLO, K. Extensão universitária e a curricularização da extensão: considerações sobre a formação em serviço social. Alemur, v. 6, p. 148–163, 2021.. 152, grifo nosso).

A referida autora destaca que o percurso legal-normativo em questão se refere ao processo de abertura democrática brasileira, após mais de 20 anos sob o regime militar. A aprovação da CF de 1988 no Brasil representa a luta por direitos, mas não a faz sem contradições. Recorrendo à Marini (1988)MARINI, R. M. A Constituição de 1988. 1988. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marini/1988/mes/constituicao.html. Acesso em: 27 out. 2022.
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, Bertollo (2021, pBERTOLLO, K. Extensão universitária e a curricularização da extensão: considerações sobre a formação em serviço social. Alemur, v. 6, p. 148–163, 2021.. 152) pontua que nesse período as pactuações possíveis e permitidas de serem materializadas no texto da Constituição Federal de 1988 em que “a influência da vertente democrática burguesa na CF de 1988, que representa sua maior novidade, não contraria em absoluto a sua essência liberal, determinação esta que ganhará novos contornos na década seguinte”.

Além do texto constitucional apontar para a indissociabilidade do tripé constitutivo da universidade pública: ensino, pesquisa e extensão, outra normativa merece destaque: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) — Lei nº 9.394, de 1996 —, que estabelece a extensão como uma das finalidades da universidade e, seguindo a orientação constitucional, faz a previsão de repasse financeiro para a extensão universitária em seu artigo IV, inciso 2: “as atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Público, inclusive mediante bolsas de estudo” (Brasil, 1996, pBRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 1996. Disponível em: https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2009/04/lei_diretrizes.pdf. Acesso em 10 out. 2023.
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. 2).

Ainda que este estudo não tenha como objetivo discorrer sobre a trajetória do Fórum Nacional de Pró-reitores de Extensão Universitária (FORPROEX) das universidades públicas brasileiras, insta destacar que este fórum foi responsável, junto ao Ministério da Educação (MEC), pela organização das políticas de extensão universitária. Entre elas, destacamos: o Programa de Fomento à Extensão Universitária (PROEXTE), de 1993; o Plano Nacional de Extensão, de 1998; e a Política Nacional de Extensão Universitária, de 2012. É salutar o protagonismo do FORPROEX na normatização de uma política cuja orientação esteja pautada na concepção de extensão como:

[...] processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre universidade e sociedade. A extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade da elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento (FORPROEX, 2012FORPROEX – Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. Política Nacional de extensão Universitária. 2012. Disponível em: https://proex.ufsc.br/files/2016/04/Pol%C3%ADtica-Nacional-de-Extens%C3%A3o-Universit%C3%A1ria-e-book.pdf. Acesso em: 09 set. 2023.
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).

Apesar da Constituição Federal de 1988 e da LDB já mencionarem a extensão como indissociável do ensino e pesquisa e prever orçamento para a execução da mesma e em que pese a trajetória do FORPROEX na defesa da extensão, a história mostra que a extensão foi o último elemento do tripé ensino, pesquisa e extensão, a ser regulamentado, ocorrendo de forma tardia, mesmo nas universidades públicas, e ainda, por meio de uma normatização “pelo alto” e sem o necessário debate acadêmico e com a sociedade.

É fundamental explanar sobre a concepção de extensão defendida neste trabalho, diante do cenário de disputas que caracterizam a política de educação e a universidade no país na conjuntura atual. Concordamos com o sentido atribuído à extensão no documento Curricularização da Extensão e Serviço Social, construído pela ABEPSS (2022), oABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Curricularização da extensão e Serviço Social. 2022. Disponível em: https://www.abepss.org.br/arquivos/anexos/curricularizacao-da-extensao-e-servico-social_final-202301261913054487670.pdf. Acesso em: 25 set. 2023.
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qual concebe a extensão como popular, comunicativa e orientada para processos de uma educação emancipatória:

Que se balize pelo método da educação popular pois coloca como ponto de partida a autonomia dos sujeitos e construção de alternativas junto com eles respeitando seus interesses;

Que reafirme a atualidade do significado da relação profissional com os movimentos sociais redimensionando criticamente a formação e o perfil profissional fortalecendo os processos de renovação profissional;

Que referencie práticas educacionais emancipadoras como forma de superar o enfoque de “difusão” atuando com maior inserção na realidade social e política brasileira (ABEPSS, 2022, pABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Curricularização da extensão e Serviço Social. 2022. Disponível em: https://www.abepss.org.br/arquivos/anexos/curricularizacao-da-extensao-e-servico-social_final-202301261913054487670.pdf. Acesso em: 25 set. 2023.
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. 27).

No que tange à compulsoriedade da incorporação da carga-horária de 10% em extensão, a Política Nacional de Extensão, destaca o avanço que esta acreditação significa, mas ao mesmo tempo reconhece a lentidão da implementação desse processo e atribui a isto ao “ranço conservador e elitista da universidade e à falta de recursos financeiros e organizacionais, dentre outros problemas” (ABEPSS, 2009, pABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Política Nacional de Estágio. (2009). Disponível em: https://www.abepss.org.br/arquivos/textos/documento_201603311145368198230.pdf. Acesso em: 25 set. 2023.
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. 26).

O novo Plano Nacional de Educação para o período de 2014 a 2024 dá sequência ao processo de curricularização da extensão e reforça a necessidade de “assegurar, no mínimo, 10% (dez por cento) do total de créditos curriculares exigidos para a graduação em programas e projetos de extensão universitária, orientando sua ação, prioritariamente, para áreas de grande pertinência social” (Brasil, 2014BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em: 27 out. 2022.
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).

A legislação que vai impulsionar esse processo em todo o país é a Resolução MEC nº 07/2018, que regulamenta as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior, estabelecendo seus fundamentos, princípios e procedimentos, dentre eles o necessário processo de curricularização da extensão universitária.

O FORPROEX (2019, pFORPROEX – Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. Plano Nacional de Extensão. 2019. Disponível em: http://www.prae.ufrpe.br/sites/prae.ufrpe.br/files/pnextensao_1.pdf. Acesso em: 08 out. 2023.
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. 2) entende que a normativa em questão é um avanço para a consolidação da extensão e que sua creditação “leva ao fortalecimento da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, previsto no Art. 207 da Constituição Federal”. No entanto, ressaltamos que este processo não se faz sem contradições e dilemas que ainda permanecem sem solução.

Consideramos que esta questão deve ser entendida e pautada a partir dos fundamentos da ordem social vigente e dos moldes de educação e de universidade requeridos para a sua perpetuação. Nessa perspectiva, se põe como tarefa imediata nos atentarmos às tentativas de deturpação do conceito de extensão definido pelo Forproex (2012)FORPROEX – Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. Política Nacional de extensão Universitária. 2012. Disponível em: https://proex.ufsc.br/files/2016/04/Pol%C3%ADtica-Nacional-de-Extens%C3%A3o-Universit%C3%A1ria-e-book.pdf. Acesso em: 09 set. 2023.
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, negarmos as intenções de reduzir a extensão à mera exigência curricular ofertada de forma flexibilizada, rechaçarmos a intenção de conformá-la prioritariamente em ações de ‘prestação de serviços’ realizadas em parceria com empresas e entidades cujos princípios orientadores são a privatização e o lucro, em detrimento de programas, projetos e cursos que tenham efetivo alcance e desencadeiem transformações sociais e culturais com perspectiva de emancipação da classe trabalhadora (Bertollo, 2021, pBERTOLLO, K. Extensão universitária e a curricularização da extensão: considerações sobre a formação em serviço social. Alemur, v. 6, p. 148–163, 2021.. 154).

Ainda de acordo com a autora, a exigência da curricularização da extensão expressa uma contradição, pois apresenta a possibilidade do desenvolvimento de atividades extensionistas na perspectiva da extensão como um “momento importante do processo de ensino-aprendizagem de novos/as assistentes sociais e que pode contribuir direta e significativamente no enfrentamento dos dilemas da sociedade brasileira, se assumir e se orientar pelo caráter popular e classista”. Por outro lado, a compulsoriedade do cumprimento dessa meta tem se colocado sem condições objetivas adequadas por parte das universidades devido ao contexto de aguda precarização e desmonte da educação (Bertollo, 2021, pBERTOLLO, K. Extensão universitária e a curricularização da extensão: considerações sobre a formação em serviço social. Alemur, v. 6, p. 148–163, 2021.. 150).

Todo este processo ganha ainda mais complexidade dado o prazo de três anos4 4 Esse prazo foi prorrogado em um ano por conta do período pandêmico e suas implicações, sendo assim, as universidades brasileiras para estarem em conformidade com a resolução, deveriam ter realizado o processo de curricularização da extensão até dezembro de 2022. , imposto pela Resolução MEC nº 07/2018, para as instituições de educação atenderem às exigências de curricularização da extensão5 5 Está em tramitação no Conselho Nacional de Educação – Câmara de Educação Superior, o processo nº: 23001.000696/2020-11, que propõe uma revisão dos artigos 9º e 12 Resolução MEC nº 07/2018. Em síntese esta revisão indica i) a possibilidade de realização de um percentual da carga horária de atividades extensionistas de forma remota, síncrona ou assíncrona, ii) estabelece 12% (doze por cento) do total da carga horária curricular dos cursos de graduação como o limite máximo de atividades extensionistas. Se aprovada, esta resolução revogará à sua antecessora e dará às instituições um novo prazo de três anos, a contar da data de sua homologação, para adequação. , período que foi extremamente atravessado pela Pandemia da Covid-19.

A avaliação deste cenário indica o enorme desafio que é o de incorporar de modo qualificado a extensão universitária nos currículos dos cursos de Serviço Social, ainda que o reconhecimento do tripé do ensino superior e da importância de compreender uma universidade socialmente referenciada e em defesa dos interesses da classe trabalhadora sejam defesas e debates constantes na nossa área.

O Projeto de Formação Profissional do Serviço Social e os desafios do processo de curricularização da extensão

Marilda Iamamoto (2000)IAMAMOTO, M. V. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional! 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000., aponta que as condições que expressam o trabalho do assistente social expressam também a dinâmica das relações sociais vigentes na sociedade e ele participa tanto dos mecanismos de exploração e dominação, quanto, ao mesmo tempo e pela mesma atividade, dá resposta às necessidades de sobrevivência da classe trabalhadora.

Como a sociedade é portadora de projetos sociais distintos — projeto de classes para a sociedade —, tem-se um terreno histórico aberto à construção de projetos profissionais também diversos, indissociáveis de projetos mais amplos para a sociedade. É essa presença de forças sociais e políticas reais — e não mera ilusão — que permite à categoria profissional estabelecer estratégias político-profissionais no sentido de reforçar interesses das classes subalternas, alvo prioritário das ações profissionais.

O projeto de profissão construído pelo Serviço Social nos últimos 40 anos de forma coletiva, denominado por Paulo Netto (1999) como Projeto Ético-Político do Serviço Social, forjou-se nas lutas dos movimentos sociais e está articulado a um projeto societário anticapitalista. Foi edificado no movimento da história, tensionado pelos movimentos sociais, inicialmente latino-americano nos meados da década de 1960 e, posteriormente, na efervescência social brasileira da década de 1980.

No âmbito da formação, os fundamentos do Projeto Ético-Político do Serviço Social, vão legitimar um perfil profissional comprometido com o aperfeiçoamento intelectual constante e comum à formação acadêmica de qualidade6 6 Profissional que atua nas expressões da questão social, formulando e implementando propostas para seu enfrentamento, por meio de políticas sociais públicas, empresariais, de organização da sociedade civil e movimentos sociais. Profissional dotado de formação intelectual e cultural generalista crítica, competente em sua área de desempenho, com capacidade de inserção criativa e propositiva, no conjunto das relações sociais e no mercado de trabalho. Profissional comprometido com os valores e princípios norteadores do Código de Ética do Assistente Social (ABESS, 1997, p. 27). . Pretende-se, pois, a constituição de um conjunto de mediações entendida nas Diretrizes Curriculares7 7 A lógica curricular proposta para formar este perfil de assistente social está alicerçada em uma perspectiva inovadora, orientada por princípios que traçam as competências e as habilidades necessárias para sua consolidação demarcando a “questão social” como a base de fundação do Serviço Social na sociedade e base articuladora dos conteúdos da formação. Nesse sentido, do ponto de vista do currículo, a sua unidade gravita em torno da concepção do Serviço Social como trabalho e do seu objeto como sendo as diversas expressões da “questão social”. Para garantir o desenvolvimento de competências nas dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa a nova lógica curricular estrutura o conjunto de conhecimentos necessários à formação dos/as assistentes sociais como relação teoria-prática que ao permear toda a formação profissional, possibilita a articulação entre ensino-pesquisa-extensão, articulação que figura como um dos princípios que fundamentam a formação profissional (ABESS, 1997ABESS – Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social. Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social. 1997 Disponível em: https://www.abepss.org.br/arquivos/textos/documento_201603311138166377210.pdf. Acesso em: 25 set. 2023.
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). É exatamente esta lógica curricular inovadora de interação entre as disciplinas e outros componentes curriculares, presentes nas diretrizes da ABEPSS que podem facilitar o processo de curricularização da extensão.

Assim, compreendemos que o processo de curricularização da extensão pode potencializar a formação de maneira a colocar o conjunto dos estudantes em relação direta com a realidade brasileira em suas diversas expressões, com contornos cada vez mais imbricados e indissociáveis na relação teoria e prática, o que já se constitui como importante para todas as áreas de formação.

A extensão pode se configurar como espaço de compromisso com as lutas, contra as formas de preconceito, por meio de ações que venham fortalecer a luta dos trabalhadores/as, que atue junto aos Movimentos Sociais organizados, que seja gratuita, socialmente referenciada. Uma extensão em sintonia com os princípios e valores do Projeto Ético-Político do Serviço Social.

Como já mencionado, a adequação à normativa que regulamenta o processo de curricularização da extensão dá-se em um cenário de disputas, na política de educação, nas universidades e na própria concepção de extensão no país.

Sobre os “nós” desse processo, a ABEPSS (2021)8 8 O documento publicado pela gestão da ABEPSS “Aqui se respira Luta” (2021/2022), elaborado a partir da Comissão Temporária de Trabalho (CTT) criada pela gestão anterior da ABEPSS, “Resistir e Avançar na Ousadia de Lutar” (2019/2020), para conhecer as experiências que já estavam em processo e propor um documento preliminar como subsídio para o debate entre as Unidades de Formação Acadêmica, consubstancia-se como base para os debates realizados pelas regionais da ABEPSS desde então. destaca aspectos nos quais orienta que as Unidades de Formação Acadêmica (UFAs) tenham atenção especial como: 1. Concepção de extensão; 2. Cômputo da carga horária docente; 3. Especificação do tipo de atividade a ser creditada como extensão; 4. Perfil dos estudantes de serviço social; 5. Fontes de financiamento; 6. Relação entre extensão e outros componentes curriculares como Estágio e; 7. A relação entre extensão e as Atividades Acadêmicas Complementares (AAC).

No que tange à concepção de extensão, as UFAS da região SUL I apontaram estar alinhadas à concepção de extensão acumulada pelo Serviço Social e expressa no documento orientador da ABEPSS. Nos relatos e nas informações das rodas de conversa, as UFAS mencionam:

[...] a extensão nos processos formativos da Universidade é a atividade que se integra à matriz curricular e à organização da pesquisa, constituindo-se processo interdisciplinar, político educacional, social, cultural, científico, tecnológico, que promove a interação transformadora entre as instituições de ensino superior e os demais setores da sociedade, por meio da produção e da socialização do conhecimento, em articulação permanente com o ensino e a pesquisa (UFA 3).

As tensões apresentadas pelas UFAs nesses espaços referem-se à forma como as universidades têm orientado o processo de adequação, o que tem dificultado a ratificação de uma concepção de extensão popular, comunicativa e orientada para os processos de emancipação humana, que contribua com a indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão na universidade.

Tem sido recorrente, conforme relato das UFAs, a compreensão da extensão reduzida a uma exigência burocrática e institucional, desvinculada da defesa de uma educação laica, presencial, gratuita e socialmente referenciada.

No tocante ao cômputo da carga horária docente, conforme a normativa, as atividades de extensão devem compor, no mínimo, 10% da carga curricular. A preocupação da ABEPSS no documento orientador é de que se essa adequação não for cuidadosamente implantada pode significar menor demanda de professores em sala de aula e, portanto, diminuição do quadro docente das universidades.

O mapeamento realizado em 2021 mostrou que, naquele momento, para contemplar essa exigência, 50% das UFAs da Regional Sul I que responderam ao questionário, optaram em diminuir a carga-horária de outros componentes curriculares, 37% ainda não tinham decidido e apenas 12% UFAs optaram por acrescentar a carga horária de extensão à carga-horária total do curso.

Já no mapeamento realizado em 2023, ou seja, após o prazo de adequação dos cursos e revisão dos Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC), 88% das UFAS respondentes indicaram a redução da carga-horária de outros componentes curriculares; e 22,2% optaram pelo acréscimo da carga horária de extensão à carga-horária total do curso. Entre as UFAs que optaram por reduzir componentes curriculares, ao serem questionados sobre a redução da carga-horária de Estágio, apenas 1 UFA indicou alterar a carga-horária de Estágio Supervisionado, no entanto, ressaltou que o curso possuía uma carga-horária acima da recomendada pelas Diretrizes da ABEPSS de 19969 9 Compreendido pelas Diretrizes Curriculares da ABEPSS como umas das atividades indispensáveis integradoras do currículo, o Estágio Supervisionado deve ser acompanhado de supervisão direta e sistemática, tanto pela assistente social docente quanto pela profissional do campo de Estágio. Recomenda-se que a realização do Estágio tenha carga horária mínima de 15% da carga horária do curso. Em 2010, a ABEPSS publicou a Política Nacional de Estágio, que após debate coletivo, aprofunda as reflexões e orientações acerca do Estágio. e que adequou a exigida.

Nesse sentido, constatamos que ao realizar a adequação à curricularização da extensão, as UFAs da Região Sul I não comprometeram a carga-horária mínima de Estágio recomendada pela ABEPSS.

Outro aspecto fundamental nesse debate é o risco da redução da carga-horária docente devido a redução dos componentes curriculares. É fundamental que os cursos tensionem as universidades para que as atividades extensionistas sejam computadas como carga horária docente.

Ao responderem o mapeamento, no início do processo de adequação, 80% das UFAs indicaram que havia previsão de garantia do cômputo da carga-horária docente, já indicando como estratégia dispor da extensão em formato de disciplina; 20% informaram estar em negociação. Esta perspectiva é ratificada no mapeamento de 2023, na qual, após a adequação, 89% das UFAs informaram que a carga horária docente será computada ao professor extensionista e 11% informaram ainda estar em negociação com a universidade.

Em relação à especificação do tipo de atividade a ser creditada como extensão, a Resolução MEC nº 07/2018 estabelece as seguintes modalidades de extensão: programas, projetos, cursos e oficinas, eventos e prestação de serviços. O documento da ABEPSS considera fundamental que as normativas elaboradas pelas UFAs explicitem quais modalidades serão ofertadas para realização das atividades extensionistas, a fim de garantir que as mesmas sejam atividades contínuas e vinculadas às lutas e resistências instituídas pela classe trabalhadora, contrapondo-se à proliferação das parcerias público-privadas que levam à privatização “por dentro” das UFAs.

Os mapeamentos de 2021 e de 2023 convergem para o fato de que as UFAs não priorizam a opção da modalidade da prestação de serviços, corroborando a perspectiva de extensão alinhada ao acumulado pelo Serviço Social na sua trajetória crítica. O mapeamento de 2021 indica que 86% das UFAs optaram pela modalidade de programas; 100% no formato de projetos; 65% em cursos e oficinas; 81% em eventos; e apenas 45% na modalidade de prestação de serviço. Os dados do mapeamento de 2023 validam essa tendência, diminuindo para 11% a opção pela prestação de serviços; sendo 67% pelo formato de programas; 89% em projetos; 89% em cursos e oficinas e 44% em eventos.

Dessa forma, um dos grandes desafios no processo de curricularização da extensão é sem dúvidas a prestação de serviços, pois geralmente é por meio desta modalidade que as maiores investidas do setor privado. Sobre a universidade é fundamental que

[...] a prestação de serviços seja compreendida como produto de interesse acadêmico, científico, filosófico, tecnológico e artístico do Ensino, Pesquisa e Extensão, devendo ser encarada como um trabalho social [...] produzindo conhecimentos que visem à transformação social (FORPROEX, 2012, pFORPROEX – Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. Política Nacional de extensão Universitária. 2012. Disponível em: https://proex.ufsc.br/files/2016/04/Pol%C3%ADtica-Nacional-de-Extens%C3%A3o-Universit%C3%A1ria-e-book.pdf. Acesso em: 09 set. 2023.
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. 38).

A respeito do perfil dos estudantes de Serviço Social, a ABEPSS reforça que é essencial que os cursos mapeiem a realidade das/dos estudantes trabalhadoras/es podendo vinculá-los a atividades de extensão que garantam a sua efetiva participação, construindo estratégias que devem dialogar com a realidade. Não é possível pensar um currículo ideal para estudantes ideais, mas uma proposta de extensão embasada em uma realidade histórica e concreta. Nesse sentido, uma estratégia importante apontada pela ABEPSS e pelas próprias UFAs é a distribuição da carga-horária de extensão nos períodos iniciais, de forma a não coincidir com o período do Estágio Supervisionado, considerando a dificuldades dos estudantes, em especial, dos estudantes dos cursos noturnos e estudantes trabalhadores.

Acerca dessa informação, o mapeamento de 2023 indica que a estratégia apontada acima foi adotada por parte das UFAs, no entanto, mais de 60% destas optaram por ofertar as atividades extensionistas em períodos de concomitância com o Estágio.

Questionados sobre as estratégias para oferta da extensão aos estudantes trabalhadores e/ou do período noturno, as UFAs relataram no mapeamento de 2023:

Estamos iniciando este semestre a primeira curricularização, optamos por neste momento trabalharmos com oficinas, as demais estaremos organizando atividades em campo em horário noturno e sábado a partir de projetos (UFA 1).

1) Inserção de parte da carga horária de extensão, a ser cumprida para a integralização curricular, no âmbito das disciplinas (306h) e parte da carga horária em programas, projetos e/ou eventos de extensão (58h);

2) Distribuição da carga horária ao longo dos 4 anos de formação (UFA 9).

Oferta vinculada a componentes que ocorrem em horários já estabelecidos de aula, conforme matrícula em cada semestre (UFA 5).

A totalidade das UFAs consultadas informaram que optaram por oferecer a extensão dentro da grade horária do curso, como disciplina, de forma a facilitar a participação do estudante. No entanto, no relato das UFAs nas Rodas de Conversa e na Oficina Regional da ABEPSS ficou nítida a dificuldade dos cursos em promover atividades no período noturno de aula. Essa foi a maior dificuldade apontada pelas UFAs no que tange à adequação da curricularização da extensão, as quais apontaram algumas questões: como ofertar a extensão no período noturno, sem descaracterizar a concepção de extensão defendida pelo serviço Social? Como envolver a comunidade em atividades extensionistas à noite? Quais atividades são possíveis de serem realizadas?

Em um contexto de ultraliberalismo, com o acirramento da privatização da educação, compreendemos que a questão do financiamento terá impacto sobre o processo de curricularização da extensão. Nesse sentido, torna-se estratégico pactuar junto à universidade as fontes de financiamento para as novas atividades de extensão que serão propostas, assim como reivindicar financiamento público para todas as ações propostas.

O mapeamento demonstra que apenas 11% das UFAs informaram que já existe a previsão orçamentária para as atividades extensionistas; 33% declararam que não há qualquer menção a orçamento para este fim e 56% informam que está em negociação com a universidade.

A defesa da concepção de uma extensão popular comunicativa e orientada para os processos de uma educação emancipatória passa pela disputa e discussão democrática nas universidades e nos cursos acerca do financiamento e acesso a recursos para a implementação das atividades extensionistas.

Por fim, a relação entre extensão e outros componentes curriculares com o Estágio Supervisionado e Atividade Acadêmica Complementar (AAC) é preciso evitar duas problemáticas essenciais: a descaracterização das atividades de Estágios, das atividades de extensão e a dupla creditação. A Política Nacional de Estágio (2010) específica em que condições um projeto de extensão pode ser considerado campo de Estágio Supervisionado em Serviço Social. É fundamental que os PPC diferenciem as atividades de extensão e Estágio e não convalidem duplamente a mesma atividade.

Da mesma forma, a atenção deve ser dada à relação entre Atividades Acadêmicas Complementares e a extensão. As atividades extensionistas são de ação contínua, previstas como parte integrante no currículo é componente curricular e não atividade esporádica. Essas atividades são aquelas que ocorrem regularmente como parte integrante de disciplinas; projetos de extensão de ação contínua realizados por estudantes por um período ininterrupto.

Ademais, diante do exposto, é possível identificar que o processo de adequação à normativa que estabelece a curricularização da extensão é ainda um desafio para os cursos de Serviço Social da Regional Sul I da ABEPSS. O processo se mostra incipiente e marcado por dúvidas e dificuldades.

Além das questões apresentadas, os espaços de reflexão proporcionados pela gestão da ABEPSS na Regional Sul I constituem um elemento importante: todas as UFAs relataram que este processo se deu por meio de amplo debate entre o corpo docente, tendo como base o documento produzido pela ABEPSS; 88% das UFAs afirmam utilizar-se desse documento para a organização e debate da extensão na revisão curricular. Fica nítido ainda o protagonismo dos Núcleos Docentes Estruturantes (NDEs), na condução do processo, apontado pelas UFAs nas rodas de conversa. Em relação à participação do corpo discente nos debates, 66% das UFAs informaram propiciar espaços de diálogo que envolvessem os estudantes e 11% mencionaram que o assunto foi abordado de forma indireta em alguns momentos.

Considerações Finais

Sem qualquer pretensão de esgotar o debate e tampouco apresentar respostas e modelos prontos, concluímos este texto indicando que a análise da experiência da Regional Sul I da ABEPSS, reforça a importância do debate coletivo e permanente, que precisa envolver docentes, discentes, técnicos, supervisoras de campo, toda a comunidade e as entidades representativas da categoria profissional.

No interior das UFAs, as reflexões acerca da curricularização da extensão exigem especial atenção e formação continuada, articulação com outras unidades para conhecimento e troca de experiências e, ainda, um destaque para o trabalho desenvolvido pelos Núcleos Docentes Estruturantes (NDEs), na proposição de respostas capazes de atender as particularidades e especificidades regionais.

Nesse sentido, o planejamento da operacionalização da extensão como componente curricular é essencial, desde a criação de Coordenações de Extensão e elaboração de um regulamento específico para os cursos de Serviço Social — a exemplo do que já temos no que diz respeito ao Estágio Supervisionado — onde sejam apontadas: a concepção, formas de convalidação, modalidades e formas de registro das atividades. Trata-se, portanto, de se construir um processo de sistematização — que não deve ser confundido com um movimento de burocratização — das atividades de extensão.

Sabemos, portanto, que as condições que atravessam o ensino superior brasileiro, inunda o processo de curricularização da extensão de desafios e contradições. Ao mesmo tempo que a maioria das UFAs na Regional Sul I da ABEPSS não tenha optado pela prestação de serviço, há uma recorrente oferta da extensão em formato de disciplina (com carga horária teórica e prática), isso garante carga horária docente, mas que pode levar a uma descaracterização da extensão, “reduzindo-a à sala de aula”.

Alertamos que a curricularização da extensão também pode contar como parte da carga horária em sala de aula, mas não deve se restringir a ela, pois, de acordo com a concepção aqui defendida, ela envolve o trabalho externo à universidade.

Diante dessas reflexões, pairam ainda algumas questões, tais como: qual a concepção de extensão presente nos cursos de Serviço Social? As instituições de ensino dialogam com esta concepção e oferecem condições para que as ações nesta direção sejam realizadas? Quais atividades podem ser — estão sendo — ofertadas levando em consideração o perfil discente e as frágeis políticas de assistência estudantil? Como pensar as ações extensionistas diante de um cenário de forte desfinanciamento das universidades?

Essas questões sinalizam a importância de trazermos o debate da curricularização da extensão para o interior da formação e do trabalho profissionais, promover debates contínuos para que alcancemos práticas extensionistas que consolidem o tripé do ensino superior e respondam verdadeiramente às demandas sociais. Além disso, devemos superar os processos burocráticos institucionais, no sentido de garantir uma concepção de extensão que seja vinculada às lutas e resistências instituídas pela classe trabalhadora. Numa reafirmação permanente de uma concepção popular, comunicativa e orientada para os processos de uma educação emancipatória, defendida pela ABEPSS.

Notas:

  • 1
    Foi no bojo desse debate que a ABEPSS, publicou, em maio de 2021, o Documento Preliminar acerca da Curricularização da Extensão, o qual socializa a pesquisa realizada pela Comissão Temporária de Trabalho (CTT) e busca reafirmar a concepção de universidade e extensão defendidas pela entidade. E, em 2023, a ABEPSS divulgou a versão final do documento “Curricularização da extensão e Serviço Social”.
  • 2
    Em 2021, a região possuía 40 cursos de Serviço Social ativos, destes, 17 são filiadas à ABEPSS.
  • 3
    Em 2023, a região possuía 36 cursos de Serviço Social ativos, destes, 8 filiadas à ABEPSS.
  • 4
    Esse prazo foi prorrogado em um ano por conta do período pandêmico e suas implicações, sendo assim, as universidades brasileiras para estarem em conformidade com a resolução, deveriam ter realizado o processo de curricularização da extensão até dezembro de 2022.
  • 5
    Está em tramitação no Conselho Nacional de Educação – Câmara de Educação Superior, o processo nº: 23001.000696/2020-11, que propõe uma revisão dos artigos 9º e 12 Resolução MEC nº 07/2018. Em síntese esta revisão indica i) a possibilidade de realização de um percentual da carga horária de atividades extensionistas de forma remota, síncrona ou assíncrona, ii) estabelece 12% (doze por cento) do total da carga horária curricular dos cursos de graduação como o limite máximo de atividades extensionistas. Se aprovada, esta resolução revogará à sua antecessora e dará às instituições um novo prazo de três anos, a contar da data de sua homologação, para adequação.
  • 6
    Profissional que atua nas expressões da questão social, formulando e implementando propostas para seu enfrentamento, por meio de políticas sociais públicas, empresariais, de organização da sociedade civil e movimentos sociais. Profissional dotado de formação intelectual e cultural generalista crítica, competente em sua área de desempenho, com capacidade de inserção criativa e propositiva, no conjunto das relações sociais e no mercado de trabalho. Profissional comprometido com os valores e princípios norteadores do Código de Ética do Assistente Social (ABESS, 1997, pABESS – Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social. Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social. 1997 Disponível em: https://www.abepss.org.br/arquivos/textos/documento_201603311138166377210.pdf. Acesso em: 25 set. 2023.
    https://www.abepss.org.br/arquivos/texto...
    . 27).
  • 7
    A lógica curricular proposta para formar este perfil de assistente social está alicerçada em uma perspectiva inovadora, orientada por princípios que traçam as competências e as habilidades necessárias para sua consolidação demarcando a “questão social” como a base de fundação do Serviço Social na sociedade e base articuladora dos conteúdos da formação. Nesse sentido, do ponto de vista do currículo, a sua unidade gravita em torno da concepção do Serviço Social como trabalho e do seu objeto como sendo as diversas expressões da “questão social”. Para garantir o desenvolvimento de competências nas dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa a nova lógica curricular estrutura o conjunto de conhecimentos necessários à formação dos/as assistentes sociais
  • 8
    O documento publicado pela gestão da ABEPSS “Aqui se respira Luta” (2021/2022), elaborado a partir da Comissão Temporária de Trabalho (CTT) criada pela gestão anterior da ABEPSS, “Resistir e Avançar na Ousadia de Lutar” (2019/2020), para conhecer as experiências que já estavam em processo e propor um documento preliminar como subsídio para o debate entre as Unidades de Formação Acadêmica, consubstancia-se como base para os debates realizados pelas regionais da ABEPSS desde então.
  • 9
    Compreendido pelas Diretrizes Curriculares da ABEPSS como umas das atividades indispensáveis integradoras do currículo, o Estágio Supervisionado deve ser acompanhado de supervisão direta e sistemática, tanto pela assistente social docente quanto pela profissional do campo de Estágio. Recomenda-se que a realização do Estágio tenha carga horária mínima de 15% da carga horária do curso. Em 2010, a ABEPSS publicou a Política Nacional de Estágio, que após debate coletivo, aprofunda as reflexões e orientações acerca do Estágio.
  • Agência financiadora Não se aplica.
  • Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para participação Não se aplica.
  • Consentimento para publicação Os autores consentem a publicação do presente manuscrito.

Referências

Editado por

Editores Responsáveis

Michelly Laurita Wiese – Editora-chefe
Tânia Regina Krüger – Comissão Editorial

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    01 Nov 2023
  • Aceito
    08 Dez 2023
  • Revisado
    04 Abr 2024
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