Open-access Diagnóstico e discussão sobre Planos Municipais de Redução de Riscos no Brasil

Diagnóstico y discusiones sobre Planes Municipales de Reducción de Riesgos en Brasil

Resumo

Em 2003, mediante o cenário de desastres associados a deslizamentos e inundações, o Governo Federal Brasileiro iniciou um programa de incentivo à elaboração de Planos Municipais de Redução de Riscos (PMRRs). Diante do ineditismo da ação e da variedade de instituições responsáveis pela sua execução, envolvendo diferentes recursos materiais e humanos, é importante dar-se a conhecer como os PMRRs vêm sendo construídos para, possivelmente, se buscar seu aperfeiçoamento. O presente trabalho realizou o levantamento de informações sobre os 33 PMRRs disponibilizados no site do Ministério do Desenvolvimento Regional, focando-se nos seguintes itens: composição da equipe técnica envolvida; participação popular; mapeamento de risco; tipologias e custos de ações estruturais propostas; ações não estruturais. Dentre as conclusões, destaca-se a observação de uma excessiva assimetria de abordagem dos PMRRs a favor dos aspectos físicos do problema em detrimento dos sociais, influenciando o método de estimativa do risco e as medidas mitigadoras propostas.

Palavras-chave:  Desastres; Deslizamentos; Inundações; Gestão de Riscos; Plano Municipal de Redução de Riscos

Resumen

En 2003, ante los escenarios de desastre asociados a deslizamientos e inundaciones, el Gobierno Federal de Brasil inició un programa para incentivar el desarrollo de Planes Municipales de Reducción de Riesgos (PMRRs). Dada la novedad de la acción y la variedad de instituciones responsables de su ejecución, que involucran diferentes recursos materiales y humanos, es importante dar a conocer cómo los PMRR se han construido para, posiblemente, buscar su mejoría. El presente trabajo investigó los documentos de los 33 PMRR disponibles en el sitio web del Ministerio de Desarrollo Regional, enfocándose en los siguientes ítems: composición del equipo técnico involucrado, participación popular, mapeo de riesgos, tipologías y costos de las acciones estructurales propuestas, y acciones no-estructurales. Entre las conclusiones, se destaca la observación de una excesiva asimetría en el abordaje de los PMRR a favor de los aspectos físicos del problema en detrimento de los sociales, influyendo en el método de estimación del riesgo y las medidas mitigadoras propuesta.

Palabras-clave:  Desastres; Deslizamientos de tierra; Inundaciones; Gestión de riesgos; Riesgos socioambientales

Abstract

The disasters associated with landslides and floods forced the Brazilian Federal Government to launch, in 2003, a program aimed at encouraging the development of Local Disaster Risk Reduction and Management Plans (PMRRs - Planos Municipais de Redução de Riscos). Given the uniqueness of this action and the variety of institutions accounting for executing these plans, which involve different material and human resources, it is important explaining how PMRRs have been built in order to, likely, improve them. The aim of the current study is to gather information about all 33 PMRRs available on the website of the Ministry of Regional Development by focusing on the following items: composition of the technical team involved in them, popular participation, risk mapping, typologies and costs of proposed structural and non-structural actions. Among the herein reached conclusions, it is worth emphasizing the excessive asymmetry observed in PMRRs’ approach to physical aspects of this issue to the detriment of its social aspects, a fact that affects both the risk estimation method and the proposed mitigating measures.

Keywords:  Disasters; Landslides; Floods; Risk Management; Local Disaster Risk Reduction and Management Plan

Introdução

O risco de desastre é o potencial de perdas e danos que podem ocorrer numa determinada comunidade e período de tempo, estimado em função do perigo, exposição, vulnerabilidade e capacidade de resposta / recuperação (UNDRR, 2022).

O Brasil sofreu uma rápida e intensa urbanização a partir do século XX, acompanhada da intensificação da ocupação irregular e precária em áreas impróprias, especialmente em encostas e planícies de inundação (QUEIROZ FILHO, 2011), principalmente por populações com maior vulnerabilidade socioeconômica. Esse ambiente de desigualdade social na ocupação do território potencializou a ocorrência dos desastres, entre os quais se destacam aqueles associados a movimentos de massa e inundações (DA SILVA ROSA et al., 2015; HOLCOMBE; ANDERSON, 2010).

Conforme levantamento feito por BRASIL (2022), entre 1991 e 2019 foram registrados oficialmente 1072 desastres associados a deslizamentos, 5309 a inundações graduais e 8887 a enxurradas (também conhecidas como inundações bruscas), com o total de 3052 mortes e aproximadamente 48,5 milhões de afetados. A partir da associação de dados do Censo Demográfico de 2010 e de mapeamentos de áreas de risco de 872 municípios brasileiros monitorados em 2018 pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, estima-se que a população em áreas de risco nestes municípios, em 2010, era de 8,3 milhões habitantes, aproximadamente (IBGE, 2018).

O Marco de Sendai (UNISDR, 2015) constitui-se, no âmbito internacional, no principal instrumento norteador das estratégias de ação de redução de risco de desastres para o período de 2015-2030, tendo sido adotado em assembleia da ONU, sucedendo o Marco de Hyogo (UNISDR, 2005) e a “Estratégia e Plano de Ação de Yokohama para um Mundo mais Seguro” (UN, 1994). O Marco de Sendai destaca a necessidade de uma abordagem mais ampla, intersetorial e interdisciplinar e mais centrada nas pessoas para a redução do risco de desastres (RRD), do esforço redobrado para reduzir a exposição e as vulnerabilidades das comunidades, de evitar a criação de novas situações de risco e de promover e exigir o engajamento e cooperação de toda a sociedade na implementação de políticas, planos, normas e ações.

Na mesma direção, Miguez et al. (2018) apontam que a abordagem da gestão integral do risco de desastres deve ser baseada em uma visão sistêmica do ciclo de vida dos desastres envolvendo macroprocessos de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação. A complexidade da natureza dos desastres em função da combinação de processos físicos e sociais envolvidos (WISNER et al., 2003; MALAMUD; PETLEY, 2009) faz com que as tarefas de planejar, projetar e executar ações de RRD sejam igualmente complexas e inovadoras, requerendo uma abordagem intersetorial e interdisciplinar do problema. Este cenário evidencia a necessidade de uma gestão de riscos coordenada pelo poder público nos ecossistemas vulneráveis diante dos desastres.

Nesse sentido, a fim de auxiliar os municípios brasileiros mais vulneráveis na realização do planejamento e implementação de ações de prevenção e redução de riscos, o Governo Federal Brasileiro, por meio do então Ministério das Cidades (MCID), instituiu, em 2003, a Ação de Apoio à Prevenção e Erradicação de Riscos em Assentamentos Precários, no âmbito do Programa de Urbanização, Regularização e Integração de Assentamentos Precários. Esse instrumento articula um conjunto de ações visando à redução de riscos nas áreas urbanas, tais como: capacitação de equipes municipais no diagnóstico, prevenção e gestão de riscos; gerenciamento do risco; apoio financeiro tanto para elaboração dos Planos Municipais de Redução de Riscos (PMRRs) quanto para projetos de contenção de encostas em áreas de risco consideradas prioritárias nos planos (CARVALHO; GALVÃO, 2006; ALHEIROS, 2006; CAIXETA; MASIERO, 2016).

Constituindo-se em um dos principais mecanismos para mitigação do risco de desastres no Brasil, o Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR) é um dos produtos resultantes dessas ações do Governo Federal, que visa identificar e diagnosticar os riscos, assim como propor medidas estruturais (obras de engenharia) e não estruturais para sua redução. Através desse programa, diversos municípios elaboraram seus PMRRs mediante a contratação de instituições especializadas. Segundo o IBGE (2018), em 2017, 652 municípios (11,7% das cidades brasileiras) possuíam PMRR abordando os riscos relacionados a movimentos de massa, enxurradas e/ou inundações graduais. Em janeiro de 2019, com o início de um novo Governo Federal, o MCID foi extinto e os PMRRs passaram para o âmbito do recém-criado Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR, 2022).

O objetivo deste artigo é produzir um perfil dos conteúdos e metodologias de PMRRs elaborados por diferentes municípios, considerando-se uma amostra composta pelos 33 PMRRs disponibilizados como “exemplos” no site do antigo Ministério das Cidades entre os anos de 2016 a 2018. Vale ressaltar que não houve alteração no conjunto de PMRRs disponibilizados pelo atual Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR, 2022). Foram feitos levantamentos qualitativos e quantitativos, tendo em vista caracterizar tais planos, compará-los, discutir os resultados e apresentar sugestões de melhorias para o seu processo de construção. Mesmo com a limitação do recorte temporal, espera-se que as discussões deste trabalho possam servir de balizamento a gestores públicos envolvidos com a temática de riscos de desastres em todos os níveis da federação, seja na contratação, elaboração, fiscalização ou implementação de PMRRs.

Planos Municipais de Redução do Risco de Desastres

O instrumento do PMRR tem um papel essencial na gestão de riscos no âmbito municipal, uma vez que muda o foco da reconstrução pós-impacto para a redução do risco de desastres. Seguindo as orientações do Governo Federal, a elaboração deste documento é dividida em oito fases, a saber (ALHEIROS, 2006):

  • definição da metodologia da elaboração do PMRR: planejamento dos trabalhos, com a especificação dos métodos, processos, instrumentos e recursos técnicos e humanos a serem empregados em todas as demais fases, a partir da discussão com representantes do município que irão interagir com o PMRR;

  • mapeamento do risco: identificação dos riscos e sua delimitação espacial (zoneamento), a partir de métodos qualitativos ou quantitativos (CERRI, 2006);

  • proposição de ações estruturais: indicação de obras de engenharia para redução dos riscos, pelo menos, para os setores de risco alto e muito alto, buscando soluções com maior viabilidade técnica e financeira para execução pelo município, com possível participação da população local, como mão-de-obra auxiliar;

  • estimativa de custos das intervenções (obras de engenharia) propostas;

  • hierarquização das intervenções propostas: definição da ordem de prioridade dos setores de riscos para serem contemplados com as ações estruturais através de critérios de custo x benefício;

  • identificação de programas e fontes de recursos para a execução das medidas propostas: levantamento e definição de fontes de recursos, planos ou programas, nas três esferas de governo, relacionados direta ou indiretamente à redução de riscos;

  • proposição de medidas não estruturais: indicação de medidas, sem envolver obras de engenharia, utilizando-se de ferramentas de gestão e de mudanças de comportamento do poder público e da sociedade civil para a redução dos riscos;

  • compatibilização das ações propostas com outros programas governamentais e com questões legais, habitacionais e urbanísticas levantadas pelos planos diretores municipais;

  • realização de audiências públicas: reuniões públicas, incluindo a comunidade diretamente envolvida, representantes de setores organizados da sociedade, membros do legislativo, ministério público e órgãos públicos com interface com o PMRR, para a comunicação sobre a elaboração do PMRR, mobilização para a participação de todos durante sua elaboração, e, por fim, para a apresentação do plano elaborado.

Observa-se, diante das características que o PMRR e seu processo de elaboração devem ter, um alinhamento com os marcos internacionais supracitados. Cabe ressaltar que a lei 12.608/2012 (BRASIL, 2012), que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, não cita textualmente o PMRR, mas institui o Cadastro Nacional de Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos, estabelecendo a obrigatoriedade desses municípios de elaborar mapas de suscetibilidade e plano de implantação de obras e serviços para a redução de riscos de desastres relacionados a tais eventos..

As ameaças abordadas nos PMRRs estão relacionadas aos processos de movimentos de massa, inundações e enxurradas. Os movimentos de massa são processos geológicos exógenos que envolvem o deslocamento de solo, rocha e/ou detritos encosta abaixo em função da ação da gravidade, podendo ocorrer naturalmente ou serem induzidos pelo homem (CRUDEN; VARNES, 1996). As inundações, por sua vez, são eventos hidrológicos decorrentes do extravasamento de corpos d’água, para fora da sua calha secundária, podendo ser bruscas - enxurradas - ou graduais (MIGUEZ et al., 2018).

Metodologia da pesquisa

Apesar dos PMRRs serem documentos públicos, sua disponibilização, por parte dos municípios ou das empresas responsáveis pela sua elaboração, ainda é difícil. Diante desta limitação e procurando evitar o enviesamento da busca, considerou-se como amostra a ser estudada o conjunto de 33 PMRRs disponibilizado, por parte do então MCID, em seu site oficial no período entre os anos de 2016 e 2018. Em 2016, esta amostra representava cerca de 43% dos 77 municípios com planos apoiados por este órgão, que priorizava municípios de grande porte, sendo 84,4% deles com mais de 900 mil pessoas (CAIXETA; MASIERO, 2016). Acredita-se que esses documentos tenham sido considerados de bom padrão pelo Governo Federal, pois foram apresentados como “exemplos” no site. A amostra por conveniência representava 3,4% de um total de 959 municípios monitorados pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais em 2020, no escopo do Plano Nacional de Gestão de Riscos e Respostas a Desastres (CEMADEN, 2020). Como afirmado anteriormente, esse conjunto de PMRRs é o mesmo disponibilizado atualmente no site do Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR, 2022).

Os PMRRs dessa amostra foram concluídos entre 2004 e 2009 e correspondem aos municípios caracterizados na Tabela 1. Verifica-se uma predominância de municípios da região sudeste do país (SP: 40%; RJ: 15%, MG: 15%, ES: 3%), alguns da região nordeste (PE: 20%, AL: 3%, RN: 3%), enquanto municípios da região Centro-Oeste, Sul e Norte não estão representados na amostra (Figura 1).

Tabela 1
Dados básicos dos municípios que fizeram parte da amostra analisada (IBGE, 2018; CEPED/UFSC,2013)

C A = C T × ( C B R J 2020 C P U F D A T A )

Sendo:

CA: custo atualizado regional e temporalmente, tendo como referência de comparação os custos da construção civil no Estado do Rio de Janeiro em maio de 2020;

CT: custo total das intervenções apresentado no PMRR, ou seja, sem correção regional ou temporal;

CB_RJ_2020: custo médio do metro quadrado da construção civil no Estado do Rio de Janeiro em março de 2020, fornecido pelo SINAPI;

CP_UF_DATA: custo médio do metro quadrado da construção civil de acordo com o estado (UF) e com a data de publicação do plano pesquisado (DATA), fornecido pelo SINAPI.

Figura 1
Localização dos municípios que fizeram parte da amostra analisada

A partir da pesquisa documental da amostra, foram realizados levantamentos qualitativos e quantitativos referentes à metodologia e ao conteúdo dos planos. Após a análise e sistematização dos seus elementos constituintes e com base na relevância e na disponibilidade de informações, foram selecionadas as seguintes categorias de dados, as quais estão divididas em dois grupos:

  • - Quanto ao método empregado para a elaboração do PMRR:
    • profissionais participantes da equipe técnica;

    • participação popular na elaboração dos planos;

    • mapeamento do risco;

    • critérios para hierarquização dos setores de riscos a serem contemplados por intervenções de RRD.

  • - Quanto a resultados apresentados no PMRR:
    • extensão territorial dos setores de risco;

    • tipos de intervenções estruturais propostas;

    • estimativa de custo das intervenções estruturais propostas;

    • tipos de intervenções não estruturais propostas.

Para cada categoria de dados (ex.: profissionais participantes da equipe técnica) foi calculada a distribuição percentual de planos de acordo com os resultados encontrados para as diferentes classes daquela categoria (ex.: geólogos, arquitetos etc.). Para algumas categorias de dados não foi possível levar em conta toda a amostra de PMRRs, pois alguns planos não continham as informações necessárias. Neste caso, os percentuais apresentados foram relativos à quantidade de PMRRs que puderam ser considerados na respectiva categoria, e não calculados sobre a amostra total. Para algumas delas, quando cabível, foram calculadas médias aritméticas, valores mínimos e máximos dos respectivos resultados encontrados.

Quanto aos dados de custos de execução de ações estruturais (obras de engenharia), adotou-se um processo de correção em função de sua variação temporal e regional, visando permitir uma análise do conjunto dos planos. Como base para a correção monetária, foram escolhidos os valores do custo médio do metro quadrado de construção fornecidos pelo Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (SINAPI) do IBGE e Caixa Econômica Federal para o Estado do Rio de Janeiro em março de 2020 (IBGE, 2020). Os preços do Estado do Rio de Janeiro foram adotados como referência devido à facilidade de acesso a esta informação e à familiaridade dos autores com os preços praticados na construção civil deste Estado, o que possibilitou uma melhor avaliação da coerência dos valores obtidos dos cálculos. A correção foi feita da seguinte forma:

Resultados e análises

Apesar de seguirem uma diretriz nacional para sua elaboração (ALHEIROS, 2006), era de se esperar que os PMRRs tivessem características diferentes em função das especificidades locais quanto aos condicionantes dos riscos e dos métodos empregados pelas instituições contratadas para a elaboração dos planos. São apresentados, a seguir, os resultados e discussões de forma separada por categoria de dados.

Quanto ao método empregado para a elaboração do PMRR

a) Profissionais participantes da equipe técnica

Nas equipes técnicas envolvidas na elaboração dos planos, notou-se uma presença predominante de profissionais das ciências exatas e da terra frente aos das áreas de humanas e sociais, sendo o geógrafo, em geral, um profissional com habilidades ambivalentes (Figura 2). Tendo em mente o escopo do trabalho necessário à elaboração de um PMRR, essa preponderância era esperada. No entanto, os resultados indicam que o foco na elaboração dos planos foi dado excessivamente aos processos físicos e muito pouco aos sociais, sabendo que ambos são participantes da construção dos riscos. Ressalta-se que somente 27%, 9% e 6% dos PMRRs tiveram assistentes sociais, psicólogos e sociólogos em suas equipes, respectivamente, profissionais indispensáveis para uma abordagem humana integrada (MALAMUD; PETLEY, 2009; MARCHEZINI, 2017; ROBINSON, 2018; DUTRA, 2021).

Figura 2
Distribuição de PMRRs de acordo com a formação dos profissionais membros da equipe de elaboração

A necessidade de uma maior participação dos profissionais de ciências humanas e sociais nos PMRRs - em estreita cooperação com os profissionais de ciências exatas e da terra - segue as orientações do Marco de Sendai (UNISDR, 2015) de se ter, nas políticas de RRD, uma abordagem mais ampla e centrada nas pessoas e uma compreensão interdisciplinar dos fatores subjacentes ao risco, que inclui, além do perigo e da exposição, as diversas dimensões de vulnerabilidade das comunidades.

b) Participação popular na elaboração dos planos

A participação da população nos PMRRs foi dividida em:

envolvimento da população durante a elaboração dos planos, referindo-se, basicamente, ao processo de consulta em audiências públicas;

apresentação dos resultados dos PMRRs à população, para se ter uma validação dos planos por parte deles.

Ainda que não seja possível afirmar que houve planos construídos sem a participação popular, pôde-se perceber, de uma forma geral, pouca preocupação em mencioná-la, sobretudo durante a construção dos planos, pois somente 36% deles continham informações a esse respeito. Já quanto à apresentação dos resultados do PMRR à população, tal participação foi citada em 61% dos casos, sem abordar a efetividade dessa comunicação, ou seja, sem informações sobre o acesso, o alcance, a compreensão pela população e a interatividade entre técnicos e população.

Esses resultados apontam para a importância secundária dada à participação da população na elaboração dos planos, contrariando um dos princípios norteadores do Marco de Sendai (UNISDR, 2015) que consiste na necessidade de engajamento e cooperação de toda a sociedade na concepção e implementação de políticas, planos e normas para a redução de riscos de desastres. Vários estudos têm apontado a necessidade de envolvimento da população nas decisões relacionadas à gestão de riscos de desastres, cuja prática é ainda um desafio (WEHN, 2015; BEGG, 2018; KLIMES et al., 2019; FORREST et al. 2021). No entanto, em muitos casos de políticas públicas, a população, principalmente a moradora de áreas de risco, é equivocadamente desprezada na concepção de planos governamentais, sendo comumente considerada “ignorante” (VALÊNCIO, 2009).

Destaca-se a necessidade do conhecimento e da consideração da percepção de risco dos moradores no planejamento de diferentes ações de gestão de riscos (ALCÁNTARA-AYALA; MORENO, 2016; MENDONÇA et al., 2018; MENDONÇA; GULLO, 2020), devendo se constituir em uma das etapas que caracteriza a participação da população na elaboração dos PMRRs.

c) Mapeamento do risco

O levantamento desse item foi desmembrado nos seguintes tópicos:

método de mapeamento;

método de seleção das áreas mapeadas;

escala da base cartográfica;

extensão territorial dos setores de risco.

c.1) Método de mapeamento

Calculou-se a distribuição dos PMRRs de acordo com a menção ao método utilizado para a realização do mapeamento, ou seja: heurístico (baseado na atribuição de parâmetros e suas respectivas ponderações de acordo com a visão e a experiência dos profissionais que elaboram o plano), probabilístico (baseado numa abordagem estatística do inventário de ocorrências espacializadas e na série histórica de chuvas) e determinístico (baseado em modelagens numéricas dos processos físicos). Detectou-se que a maioria dos municípios utilizou o método heurístico por meio de trabalhos de campo (73%), enquanto apenas dois (Petrópolis e Rio de Janeiro - 6%) relataram que usaram métodos probabilísticos associados a análises multicritério e geoprocessamento, e nenhum baseado em método determinístico. Em 21% dos PMRRs não havia menção ao método de mapeamento utilizado.

Apesar de o Governo Federal (BRASIL, 2011) ter incentivado o uso do geoprocessamento para a integração de dados para a estimativa de risco, somente dois dos 33 dos PMRRs aludiram expressamente à utilização dessa tecnologia. Não se faz uma crítica aos métodos heurísticos, mas intenta-se destacar o geoprocessamento como ferramenta que, cada vez mais, vem contribuindo para otimizar os processos de levantamento e integração de dados com seus respectivos pesos para a estimativa da suscetibilidade e risco, reduzindo a subjetividade e erros inerentes a ela nas avaliações. Deve-se ressaltar, entretanto, que essa integração de dados não prescinde a obtenção de informações sobre feições que são obtidas in loco como detalhes geológicos, surgências de água, sinais de iminência de ocorrência de deslizamentos (ex: trincas e depressões nos terrenos) e ações antropogênicas que contribuem para o aumento da suscetibilidade.

Além da variedade de métodos de mapeamento, observa-se na literatura uma diversidade de dados considerados neste processo (GUZZETTI et al., 1999; FELL et al., 2008; BITAR, 2014). É possível agrupar estes dados, basicamente, nas seguintes categorias: inventário de deslizamentos; condicionantes de instabilidade naturais e antropogênicos; sinais de instabilidade. O conhecimento do conjunto de dados levados em conta na elaboração do mapeamento é um item extremamente importante para a avaliação da qualidade do produto gerado. A Figura 3 apresenta os parâmetros mencionados pelos PMRRs nas estimativas dos riscos.

Figura 3
Distribuição dos PMRRs segundo os condicionantes considerados na classificação do risco

É elevado o percentual de 24% dos PMRRs que não citam os condicionantes considerados no mapeamento, portanto, de qualidade duvidosa segundo esse critério. Observa-se que dados importantes, tais como a presença de aterros, blocos de rocha e surgências de água no terreno para riscos geodinâmicos, distância da margem do rio e altura de cheias para os hidrológicos, e histórico de acidentes e densidade de ocupação para ambos os riscos, não são considerados em mais do que 50% dos PMRRs, mostrando uma deficiência de uma parcela elevada de planos.

Apesar de muitas áreas pré-selecionadas para mapeamento normalmente integrarem áreas vulneráveis do ponto de vista socioeconômico, verifica-se que um percentual muito baixo de planos atenta, explicitamente, para a vulnerabilidade. A consideração desta vulnerabilidade em parâmetros que reflitam seus diferentes aspectos é necessária para que se possa gerar mapas de riscos temáticos (p. ex. risco sob os aspectos físico, funcional, econômico, patrimonial, sociocultural), a partir da combinação com o perigo, tendo um espectro amplo de aplicações em diversas fases da gestão integral do risco (MIGUEZ et al., 2018).

c.2) Método de seleção das áreas a serem mapeadas

A seleção prévia das áreas a serem contempladas pelo mapeamento é uma etapa importante para direcionar espacialmente todas as atividades do plano.

Existem municípios que utilizaram mais de um método de seleção, sendo que 42% tiveram como critério o histórico de eventos e 39% a indicação da prefeitura / Defesa Civil. O Governo Federal (CARVALHO; GALVÃO, 2006) determina que a escolha das áreas seja feita a partir da análise prévia do histórico de eventos do município (inventário de ocorrências), selecionando os assentamentos com o maior número de registros. O baixo percentual de planos que consideraram o inventário de eventos (42%) reflete a deficiência na criação e manutenção de banco de dados sobre tais eventos, o que é comumente observado em grande parte dos municípios brasileiros. As indicações feitas exclusivamente pelas prefeituras, sem especificação dos critérios técnicos utilizados, que no presente levantamento corresponderam a 21% dos PMRRs, deve ser evitada por possibilitar vieses de interesses políticos e econômicos no trabalho (VALÊNCIO, 2009), comprometendo a diretriz de atender a população de modo justo.

c.3) Escala da base cartográfica

Apenas 19 dos PMRRs pesquisados (57,6%) citaram informações sobre as bases cartográficas usadas. Dentre estes, a maioria (79%) utilizou bases em escalas iguais ou maiores que 1:5.000, considerada satisfatória para mapeamentos com a finalidade de gestão de risco em nível local (FELL et al., 2008). Escalas menores devem ser evitadas, por perderem detalhes dos condicionantes considerados e não serem adequados para diversas ações de gestão local, como a indicação das ações de RRD. Os resultados encontrados evidenciam, portanto, uma deficiência significativa neste quesito.

d) Critérios para hierarquização dos setores de riscos a serem contemplados por intervenções de RRD

A Figura 4 mostra a distribuição dos PMRRs segundo os critérios para a hierarquização dos setores de risco quanto à prioridade para a execução das intervenções mitigadoras. De todos os 33 planos, 23 apresentaram tais critérios, notando-se uma grande variação entre eles. Como esperado, todos os 23 PMRRs consideraram, pelo menos, o grau de risco como critério de hierarquização, além de outros associados a este, principalmente os relacionados aos custos das intervenções propostas e o número de moradias em risco.

Muitos critérios utilizados pareceram levar em conta a exposição e vulnerabilidade da população, o que, conceitualmente, já deveria ter sido considerado na própria avaliação do risco. Somente 4% dos planos examinados levaram em conta a relação custo-benefício como critério de priorização, o que é fundamental em uma ótica de racionalização na aplicação dos recursos públicos.

Nesse sentido, defende-se que, a partir da identificação das áreas de perigo alto e muito alto, seja efetuada uma priorização com fundamento na exposição, vulnerabilidade e na relação custo-benefício. O uso de métodos de priorização a partir da matriz GUT (gravidade, urgência, tendência - DAYCHOUM, 2007), incorporando, ao mesmo tempo, o elemento “custo” nas análises (não observado entre os PMRRs), também parece ser promissor. Deve-se, por fim, buscar uma padronização do critério de hierarquização, principalmente quando a execução de tais intervenções depende de recursos de esferas governamentais superiores, visando um atendimento mais justo à população e evitar vieses que favoreçam interesses políticos e econômicos.

Figura 4
Distribuição dos PMRRs de acordo com os critérios utilizados para a priorização das intervenções estruturais propostas

Quanto a resultados apresentados no PMRR

a) Extensão territorial dos setores de risco

O setor de risco é uma delimitação espacial de uma porção da área mapeada que apresenta certa homogeneidade quanto ao grau de risco, sendo este, normalmente, qualificado em baixo, médio, alto e muito alto. Alguns PMRRs só identificaram os setores de risco alto e muito alto. Os resultados desta categoria foram obtidos somente para as áreas de risco de deslizamentos. Áreas de risco hidrológico (inundações graduais e enxurradas) não foram abordadas por estarem associadas a um comportamento de bacia, com variabilidade muito maior, o que dificulta comparações.

A Figura 5-1 apresenta a área média dos setores de risco relacionados a deslizamentos, calculada através da razão entre a área total de setores e sua quantidade. Apenas sete dos 33 PMRRs forneceram informações para esse cálculo. A Figura 5-2 mostra os resultados dos cálculos da área total de setores de risco alto ou muito alto relacionados a deslizamentos e a relação percentual entre esse valor e a área total de cada município (IBGE, 2018). Observa-se que a média das áreas de cada setor de risco foi de 2,79 ha com desvio padrão de 3,31 ha para grau médio, e média de 0,94 ha para o grau alto ou muito alto com desvio padrão de 0,26 ha. Se for desconsiderado o valor máximo encontrado para o grau médio, por estar muito acima dos demais, a média das áreas de cada setor de risco é de 1,47 ha para este grau.

Mesmo com dados de somente oito municípios vale examinar alguns aspectos. A área territorial média por setor diminuiu com o aumento do grau de risco. Verifica-se, também, que o somatório das áreas dos setores de risco alto ou muito alto por município variou entre 0,20 km2 e 5,65 km2, o que correspondeu a percentuais aproximados entre 0,1% e 1,2% da área total do município. O conhecimento desses valores é relevante para servir de referência para planos de outros municípios e para se poder acompanhar a evolução deles ao longo do tempo.

Figura 5
Área dos setores de risco. 1) Distribuição dos PMRRs de acordo com a área média individual dos setores de risco de deslizamentos; 2) áreas totais dos setores de risco de deslizamento nos graus alto e muito alto e a sua porcentagem em relação à extensão total do município

b) Tipos de intervenções estruturais propostas

As tipologias de intervenções propostas pelos PMRRs pesquisados e as formas com que elas foram apresentadas nos respectivos planos estão na Figura 6.

Figura 6
Distribuição de aspectos relacionados às ações estruturais propostas 1) tipologias de ações estruturais; 2) forma de apresentação das ações.

Os resultados indicam uma preponderância de intervenções voltadas para deslizamentos, o que aponta uma maior demanda dos municípios estudados para esse tipo de ameaça, em termos de ações estruturais. Percebe-se que, além de intervenções tradicionais que promovem a estabilização imediata de encostas, como as obras de contenção, são propostas ações que visam a tratar fatores subjacentes, como a implantação de rede de esgoto e pavimentação, o que denota um avanço por abordar o problema físico de forma mais abrangente. Destaca-se, também, que, apesar de terem sido previstas remoções de moradias por, aproximadamente, 50% dos PMRRs, somente 6% previram a construção de domicílios. Tal constatação sinaliza uma abordagem fragmentada do que deveria ser a gestão integral do risco, com reflexos em atrasos na provisão habitacional para as famílias desabrigadas, levando a sérias consequências sociais (MARCHEZINI, 2011).

Não faz parte do escopo dos PMRRs a elaboração de projetos básicos das intervenções estruturais propostas, mas projetos conceituais, informando o tipo, a localização e dados básicos que permitam uma estimativa orçamentária. Entretanto, nota-se que menos de 50% dos PMRRs apresentam croquis das intervenções, menos de 25% mostram a localização das obras em planta e somente 25% apresentam a composição orçamentária, abrindo margem a incertezas de ordens técnica e econômica das intervenções (Fig. 6-2). Tais incertezas prejudicam as etapas seguintes do processo, especialmente na provisão, obtenção e uso de recursos para a elaboração dos projetos executivos e das obras, assim como na contratação, execução e fiscalização das intervenções a serem construídas.

c) Estimativa de custo das intervenções estruturais propostas

A estimativa dos custos das intervenções estruturais é importante não só para conhecer o montante necessário para a execução deste tipo de ação de RRD, mas, também, para constituir um dos critérios de hierarquização da prioridade dos setores, conforme abordado anteriormente.

Para tornar exequível a comparação entre municípios com diferentes quantidades de moradias e setores de risco, foram estabelecidos indicadores relativos que consistiram no custo total das intervenções dividido pelo número de moradias nos setores. Esse cálculo foi feito para 19 municípios cujos PMRRs continham as informações necessárias (Figura 7). Destes municípios, cinco apresentavam riscos de ordem geodinâmica e hidrológica (MM+EN+IN: movimentos de massa, enxurradas e inundações), enquanto os outros 14 apresentavam riscos somente relacionados a processos geodinâmicos (MM). Não foi possível separar o custo das medidas para mitigação dos riscos geodinâmicos e hidrológicos nos municípios que apresentavam os dois tipos de processos. Conforme mencionado, com vistas a uma análise conjunta dos PMRRs, os valores foram corrigidos, tendo como referência os preços do Estado do Rio de Janeiro de março de 2020.

Conforme o resumo comparativo apresentado na Figura 7, percebe-se que, quando se trata de riscos a movimentos de massa o custo médio das intervenções por moradia (R$ 15.383,08) é significativamente menor do que para riscos a movimentos de massa e hidrológicos (R$ 53.767,28). Assumindo que o valor médio das intervenções por moradia em áreas de risco somente a movimentos de massa seja igual em ambas as áreas, o valor médio das intervenções por moradia em áreas de risco hidrológico pode ser estimado como sendo a diferença entre os valores citados anteriormente, ou seja, R$ 38.384,20. Por esta estimativa, observa-se que o custo médio das intervenções estruturais propostas para áreas de riscos hidrológicos por moradia é cerca de 2,5 vezes o custo médio para riscos geodinâmicos. Ressalta-se, ainda, a elevada variação do custo das intervenções estruturais por moradia entre os municípios, com desvio padrão superior ao valor das médias. As causas para esta variação podem ser devidas às diferenças entre as especificidades fisiográficas locais, as tipologias de soluções adotadas pelos projetistas, as densidades de domicílios das áreas de risco, imprecisões no levantamento de custos das intervenções, entre outras.

Figura 7
Custo médio das intervenções estruturais por moradia localizada em área de risco geodinâmico e/ou hidrológico (referência preços RJ março 2020)

Estes cálculos foram executados visando também retratar parâmetros de custo conforme os graus de risco. Foi possível obter tais parâmetros para somente cinco PMRRs por constarem como os únicos a fornecerem informações sobre custos separadamente por grau de risco (Figura 7). Por se tratar de uma amostra pequena, incluíram-se no mesmo levantamento os municípios com processos geodinâmicos e/ou hidrológicos, em que apenas dois deles possuíam ambas as tipologias de processos (Belford Roxo e Caeté). Pôde-se observar, entretanto, que estes dois municípios revelaram custo por moradia significativamente superior aos dos municípios com processos exclusivamente geodinâmicos, para todos os graus de risco, como era esperado a partir dos resultados anteriores. O valor médio das intervenções estruturais por moradia foi de, aproximadamente, R$ 14,7 mil nos setores de risco alto e muito alto a movimentos de massa, bem próximo da média encontrada na amostra de 19 municípios. Já para os setores de risco alto e muito alto a processos geodinâmicos e hidrológicos, o valor médio obtido foi de R$ 63,2 mil por moradia, 18% maior do que a média achada na referida amostra.

Verifica-se também, em todos os casos, que o custo das intervenções por moradia nos setores de risco muito alto é maior do que nos de risco alto, tendo uma relação variando de 1,7 a 3,1. No entanto, detectou-se que o custo das intervenções por moradia em áreas de risco médio (seja somente geodinâmico ou geodinâmico e hidrológico) pode igualar ou superar o custo em área de risco alto (Aracruz e Caeté). Além disso, em Itapecerica da Serra as intervenções em áreas de risco baixo superaram as de risco alto.

Os resultados obtidos permitem uma estimativa de ordem de grandeza de custos por moradia em diferentes condições de risco. Por outro lado, a variação observada entre tais custos é mais um resultado que indica a necessidade de se aprimorar e padronizar os critérios técnicos de mapeamento de risco e de concepção das intervenções estruturais.

d) Tipos de intervenções não estruturais propostas

Na Figura 8 está exposta a distribuição dos tipos de intervenções não estruturais propostas. Quase um terço dos PMRRs não citou essas ações das quais depende a redução das vulnerabilidades das comunidades, sendo, portanto, tão necessárias quanto às intervenções estruturais. Apesar de 67% dos PMRRs mencionarem uma ampla variedade de tais ações, quando se analisa isoladamente cada uma dessas ações, os percentuais de PMRRs que as propõe são muito baixos. Nenhum PMRR apresentou os custos estimados para a execução de ações não estruturais, evidenciando uma precariedade na forma de proposição de tais ações frente às estruturais.

Nos planos que contemplaram as ações não estruturais, a mais citada (45%) refere-se à estruturação organizacional e física de órgãos de Defesa Civil. Destaca-se a relevância desta instituição, pois na gestão do risco local, âmbito para o qual o PMRR é direcionado, “cabe ao órgão central do Sistema Municipal de Proteção e Defesa Civil gerenciar as demandas de proteção e defesa civil e articular-se aos órgãos setoriais, com o objetivo de planejar e definir sua atuação dentro das ações integradas de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação” (BRASIL, 2017). Vale enfatizar, ainda, o baixo percentual de indicação de ações educativas (21%), instrumento vital para o engajamento da população na redução de riscos de desastres (MENDONÇA; VALOIS, 2017; MARCHEZINI et al., 2019), fortemente preconizado pelo Marco de Sendai.

Figura 8
Distribuição dos PMRRs de acordo com o tipo de intervenções não estruturais propostas

Conclusões e considerações finais

O trabalho possibilitou traçar um perfil típico dos Planos Municipais de Redução de Riscos (PMRRs), um dos principais instrumentos de gestão de riscos no Brasil, evidenciando características típicas e lacunas. A despeito do recorte temporal e do número limitado de documentos analisados (33 PMRRs disponibilizados no site do Ministério do Desenvolvimento Regional), acredita-se que as conclusões da pesquisa possam ser aproveitadas por gestores públicos e empresas especializadas para a elaboração de PMRRs.

Observa-se um enviesamento na abordagem dos riscos pelos planos ao focarem prioritariamente em questões relacionadas ao processo físico das ameaças, em detrimento dos aspectos sociais. Com efeito, nota-se uma grande predominância de profissionais que atuam sobre os processos físicos (susceptibilidade) em detrimento dos que exercem atividade na área social (vulnerabilidades). Com efeito, uma quantidade significativa de planos não cita ações não estruturais para a redução de riscos e, quando o fazem, são pouco detalhadas e não têm seus custos de implementação estimados. Destaca-se, também, a baixa participação da população no processo de construção dos planos.

Quanto ao método de mapeamento de risco, verifica-se pouca menção à escala cartográfica, baixa utilização do inventário de ocorrências de deslizamentos e inundações, grande variação do conjunto de condicionantes físicos considerado, rara inclusão da componente de vulnerabilidade e uma variedade de critérios de hierarquização de setores de riscos.

Quanto à proposição de ações de redução de risco, constatou-se uma grande preponderância de planos com pouco detalhamento dessas ações.

Mesmo com grande variação entre os PMRRs, o trabalho encontrou alguns parâmetros quantitativos relacionados às áreas de risco que podem contribuir para estimativas diversas em políticas públicas, a saber: a extensão territorial dos setores de risco alto e muito alto de processos geodinâmicos (deslizamentos) e/ou hidrológicos (enxurradas e inundações graduais) variou de 0,1% a 1,2% da área total dos municípios; o custo médio das intervenções estruturais por moradia nas áreas de risco geodinâmico foi da ordem de R$ 15 mil, enquanto nas áreas de risco somente hidrológico foi de, aproximadamente, 2,5 vezes este valor; o custo médio de intervenções estruturais por moradia foi de, aproximadamente, R$ 63,2 mil para as áreas de riscos geodinâmico e hidrológico de grau alto ou muito alto.

A partir das observações acima, os autores consideram que os PMRRs podem ser melhorados através:

  • - da exigência de que a equipe elaboradora dos planos seja composta por profissionais capazes de abordar de forma balanceada os aspectos físicos e sociais para a estimativa e a redução dos riscos e que garantam a incorporação da visão e das necessidades da população durante o processo;

  • - da padronização e normatização do método de mapeamento de risco;

  • - do incentivo de uso de ferramentas de geoprocessamento para a espacialização e integração dos dados dos diferentes condicionantes do risco, associados preferencialmente a métodos quantitativos, reduzindo subjetividades;

  • - da obrigatoriedade, por parte dos municípios, de construção e manutenção de um banco de dados de ocorrência de tais eventos, independentemente de seus impactos;

  • - da exigência de maior detalhamento das intervenções estruturais e, principalmente, das não estruturais;

  • - da exigência de estimativa orçamentária de intervenções estruturais e não estruturais separadas por setor de risco;

Apesar da importância do PMRR na gestão integral do risco de desastres, destaca-se que o mesmo deve dialogar com outros instrumentos igualmente importantes, tais como a Carta Geotécnica de Aptidão à Urbanização, o Plano de Contingências / Plano de Operações de Resposta, o Plano de Recuperação Pré/Pós-Desastre, o Plano Diretor, o Plano de Desenvolvimento Integrado da Metrópole (se for o caso), dentre outros.

Por fim, diante do carácter inovador do PMRR na política pública brasileira, do desafio da prática da interdisciplinaridade exigida pelo tema e das mudanças de cenários de desastres geodinâmicos e hidrológicos que vem sendo percebidas ao longo do tempo, recomenda-se que levantamentos como o do presente trabalho sejam feitos frequentemente e que seus resultados sejam discutidos com os diferentes atores envolvidos pela temática, visando, assim, o aprimoramento da elaboração dos planos.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2020
  • Aceito
    07 Dez 2022
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