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Violência na velhice: representações sociais elaboradas por pessoas idosas

Violencia en la vejez: representaciones sociales elaboradas por personas mayores

Resumo

Objetivo

analisar as representações sociais, para homens e mulheres idosos, acerca da violência na velhice.

Método

estudo qualitativo baseado no referencial teórico-metodológico das representações sociais. Participaram 40 idosos usuários de Unidades de Saúde da Família em João Pessoa-PB, Brasil, através de entrevistas individuais, organizadas e submetidas ao software IRAMUTEQ, por meio da Classificação Hierárquica Descendente.

Resultados

a análise apontou cinco classes: Suscetibilidade da pessoa idosa; Prevenção da violência; Responsabilidade social; Expressão social da violência ao idoso; e Violência intrafamiliar. Os dados denotam que as representações da violência são expressas por fatores individuais, comunitários e relacionais/sociais, revelando algumas diferenças de gênero.

Conclusões e implicações para a prática

percebe-se que o gênero é elemento significativo nas representações. Enquanto os homens indicaram a necessidade de prevenção do fenômeno por meio da educação e responsabilização social, as mulheres apontaram noções subjetivas, incluindo abusos cometidos por familiares, e destacaram a relevância do profissional de saúde para a sua identificação. Tais aspectos apartam singularidades que carecem de um olhar apurado da enfermagem e demais profissionais das equipes da atenção básica, reconhecendo possíveis casos, notificando-os e agindo intersetorialmente para a interrupção das situações verificadas.

Palavras-chave:
Educação em Saúde; Envelhecimento; Fragilidade; Pessoa Idosa; Violência Contra o Idoso

Resumen

Objetivo

analizar las representaciones sociales, de hombres y mujeres mayores, sobre la violencia en la vejez.

Método

estudio cualitativo basado en el referencial teórico-metodológico de las representaciones sociales. Los participantes fueron 40 personas mayores usuarios de Unidades de Salud de la Familia en João Pessoa-PB, Brasil, a través de entrevistas individuales, organizadas y enviadas al software IRAMUTEQ, por medio de la Clasificación Jerárquica Descendente.

Resultados

el análisis evidenció cinco clases: Susceptibilidad de los mayores; Prevención de la violencia; Responsabilidad social; Expresión social de la violencia contra los mayores; y Violencia intrafamiliar. Los datos muestran que las representaciones de la violencia son expresadas por factores individuales, comunitarios y relacionales/sociales, revelando algunas diferencias de género.

Conclusiones e implicaciones para la práctica

se percibe que el género es un elemento significativo en las representaciones. Mientras los hombres señalaron la necesidad de prevenir el fenómeno a través de la educación y la responsabilidad social, las mujeres señalaron nociones subjetivas, incluyendo los abusos cometidos por familiares, y destacaron la relevancia del profesional de la salud para su identificación. Tales aspectos separan singularidades que carecen de una mirada certera por parte de la enfermería y demás profesionales de los equipos de atención primaria, reconociendo posibles casos, notificándolos y actuando intersectorialmente para interrumpir las situaciones verificadas.

Palabras clave:
Educación en Salud; Envejecimiento; Fragilidad; Anciano; Abuso de Ancianos

Abstract

Objective

to analyze the social representations, for elderly men and women, about violence in old age.

Method

qualitative study based on the theoretical-methodological framework of social representations. Participants were 40 elderly users of Family Health Units in João Pessoa-PB, Brazil, through individual interviews, organized and submitted to the IRAMUTEQ software, concluded by the Descending Hierarchical Classification.

Results

the analysis pointed to five classes: Susceptibility of the elderly; Violence prevention; Social responsibility; Social expression of violence against the elderly; and Intrafamily violence. The data show that the representations of violence are expressed by individual, community and relational/social factors, revealing some gender differences.

Conclusions and implications for practice

it is clear that gender is a significant element in representations. While men indicated the need to prevent the phenomenon through education and social accountability, women pointed to subjective notions, including abuses committed by family members, and highlighting the relevance of the health professional for its identification. Such aspects separate out singularities that lack an accurate look from nursing and other professionals of the primary care teams, recognizing possible cases, notifying them and acting intersectorally to interrupt the situations verified.

Keywords:
Health Education; Aging; Frailty; Aged; Elder Abuse

INTRODUÇÃO

Muitos países do mundo, incluindo o Brasil, têm se deparado com um novo cenário populacional: o envelhecimento. Estima-se que até 2050, uma em cada cinco pessoas terá 60 anos ou mais.11 World Health Organization. Integrated care for older people (ICOPE): guidance for person-centred assessment and pathways in primary care [Internet]. Geneva: WHO; 2019 [citado 2022 Jun 13]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-FWC-ALC-19.1
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Segundo avaliações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2031 o Brasil poderá ter seu número de jovens (0-14 anos) ultrapassado pelo número de idosos. Como consequência desse aumento, há também o crescimento da expectativa de vida, que eleva a média de idade da população.22 Bloom DE, Luca DL. The global demography of aging: facts, explanations, future. In: Piggott J, Woodland A, editores. Handbook of the economics of population aging. North-Holland: Elsevier; 2016. p. 3-56.

O envelhecimento é uma realidade presente em diversos níveis sociais e apresenta influência direta na saúde. Dessa forma, problemas sociais antes solucionados passam a ser importante pauta de discussão, como forma de buscar melhor qualidade de vida para as pessoas mais velhas.33 Warmling D, Lindner SR, Coelho EBS. Prevalência de violência por parceiro íntimo em idosos e fatores associados: revisão sistemática. Cien Saude Colet. 2017 set;22(9):3111-25. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017229.12312017. PMid:28954161.
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Nesta perspectiva, a violência contra a pessoa idosa merece especial atenção devido aos traumas físicos e psicológicos que podem ser desenvolvidos por este grupo etário.44 Silva CFS, Dias CMSB. Violência contra idosos na família: motivações, sentimentos e necessidades do agressor. Psicologia. 2016;36(3):637-52. http://dx.doi.org/10.1590/1982-3703001462014.
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Diante do processo de envelhecimento, a população longeva se torna mais fragilizada e vulnerável à violência na medida em que carece de maiores cuidados ou apresentam dependência física ou mental. Sendo assim, quanto maior a sujeição, maior o grau de vulnerabilidade e, consequentemente, maior o índice de violência.55 Oliveira KSM, Carvalho FPB, Oliveira LC, Simpson CA, Silva FTL, Martins AGC. Violência contra idosos: concepções dos profissionais de enfermagem acerca da detecção e prevenção. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39(0):e57462. http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2018.57462. PMid:30043946.
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Por necessitar de outra pessoa para ajudar a cuidar de si, o idoso adquire o risco de sofrer algum tipo de violência advinda de seu cuidador, independente do seu grau de parentesco.66 Castro VC, Rissardo LK, Carreira L. Violence against the Brazilian elderlies: an analysis of hospitalizations. Rev Bras Enferm. 2018;71(Supl. 2):777-85. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0139. PMid:29791630.
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O fenômeno da violência contra o idoso é praticado independentemente do gênero, idade ou condição social, e se manifesta através de atos ou da ausência da pessoa responsável por cuidar, valorizar e entender o idoso.77 Colussi EL, Kuyawa A, Marchi ACB, Pichler NA. Perceptions of the elderly on aging and violence in intrafamily relationships. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2019;22(04):e190034. http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562019022.190034.
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Enquanto a dependência dos mais velhos aumenta as chances de abusos, a modernização da sociedade dificulta o vínculo social e familiar, elevando também o risco para a violência contra idosos, independentemente de qualquer diferencial entre as sociedades ao redor do mundo.88 Bajpai N, Kulshreshtha K, Dubey P, Sharma G. Getting the cues of elder abuse: an identification through dependency and modernization. J Adult Prot. 2020;22(3):119-39. http://dx.doi.org/10.1108/JAP-10-2019-0035.
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Existem diversos fatores que aumentam as possibilidades da violência.99 Bolsoni CC, Coelho EBS, Giehl MWC, D’Orsi E. Prevalência de violência contra idosos e fatores associados, estudo de base populacional em Florianópolis, SC. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(4):671-82. http://dx.doi.org/10.1590/1809-98232016019.150184.
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O perfil como maior chance é composto por mulheres, com idade avançada, solteiras, com baixa escolaridade, dependência física ou psicológica e vivendo com filhos, noras e netos, devido ao processo de submissão que estas vivenciam.66 Castro VC, Rissardo LK, Carreira L. Violence against the Brazilian elderlies: an analysis of hospitalizations. Rev Bras Enferm. 2018;71(Supl. 2):777-85. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0139. PMid:29791630.
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Os homens idosos, solteiros ou viúvos, com baixa escolaridade, também demonstraram maiores chances de sofrer agressões em comparação aos demais. Desse modo, a ausência de companheiro(a) é apontada como fator potencial para situações de negligência, assim como a escolaridade.99 Bolsoni CC, Coelho EBS, Giehl MWC, D’Orsi E. Prevalência de violência contra idosos e fatores associados, estudo de base populacional em Florianópolis, SC. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(4):671-82. http://dx.doi.org/10.1590/1809-98232016019.150184.
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Grande parte sente vergonha, medo e culpa, o que impede que relatem o abuso sofrido.66 Castro VC, Rissardo LK, Carreira L. Violence against the Brazilian elderlies: an analysis of hospitalizations. Rev Bras Enferm. 2018;71(Supl. 2):777-85. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0139. PMid:29791630.
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As mulheres, quando violentadas, procuram mais por atendimento do que os homens.1010 Guimarães DBO, Mendes PN, Rodrigues IS, Feitosa CDA, Sales JCS, Figueiredo MLF. Caracterização da pessoa idosa vítima de violência. Rev. Enferm. UFPE on line. 2016;10(Supl. 3):1343-50. Já estes apresentam mais chances do que elas de serem vítimas de agressões autoprovocadas e outras formas de abusos físicos, desconsiderando a busca por atendimento.1111 Hohendorff JV, Paz AP, Freitas CPP, Lawrenz P, Habigzang LF. Caracterização da violência contra idosos a partir de casos notificados por profissionais da saúde. Rev SPAGESP [Internet]. 2018; [citado 2022 Jun 13];19(2):64-80. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702018000200006&lng=es
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No Brasil, devido à importância da temática, ao ser promulgado o Estatuto do Idoso, tornou-se obrigatória para os profissionais de saúde a comunicação de suspeita ou confirmação de todas as formas de violência, com proposição de um Plano de Enfrentamento da Violência Contra a Pessoa Idosa.1212 Camacho ACLF, Alves RR. Mistreatment against the elderly in the nursing perspective: an integrative review. Rev. Enferm. UFPE on line. 2015;9(Supl. 2):927-35. Nesse contexto, a Atenção Primária à Saúde (APS), inserida no primeiro nível da rede de atenção, se destaca na assistência à população idosa.

Logo, a APS assume papel primordial na implementação das ações de saúde para tal população e na coordenação do fluxo de usuários idosos no sistema de saúde, com destaque para situações de violência, visto que atuam em proximidade com a população.1313 Coelho LP, Motta LB, Caldas CP. Rede de atenção ao idoso: fatores facilitadores e barreiras para implementação. Physis. 2018;28(04):e280404. http://dx.doi.org/10.1590/s0103-73312018280404.
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Desse modo, auxiliam para evitar possíveis hospitalizações e institucionalizações, que constituem alternativas mais caras de atenção à saúde e de maior vulnerabilidade.1414 Veras R. A contemporary and innovative care model for older adults. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2020;23(01):e200061. http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562020023.200061.
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Ademais, ressalta-se a importância de entender mais sobre o que pensam pessoas idosas acerca da violência dirigida a este público, elucidando questões relacionadas ao gênero, o que pode ser realizado por meio das Representações Sociais (RS). Com o intuito de compreender o olhar destes a respeito da temática, torna-se possível desvelar as suas construções simbólicas e contribuir no que tange ao seu enfrentamento.

A partir desta perspectiva, o presente estudo teve como objetivo analisar as representações sociais, para homens e mulheres idosos, acerca da violência na velhice.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório e de abordagem qualitativa, no qual foi empregado o referencial teórico-metodológico das Representações Sociais.1515 Moscovici S. A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis: Vozes; 2017. Baseou-se nos critérios consolidados para relatos de estudos qualitativos (COREQ).1616 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. http://dx.doi.org/10.1093/intqhc/mzm042. PMid:17872937.
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,1717 Souza VR, Marziale MH, Silva GT, Nascimento PL. Tradução e validação para a língua portuguesa e avaliação do guia COREQ. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE02631. http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631.
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A pesquisa foi realizada com pessoas idosas de ambos os sexos. Todos os participantes eram usuários de Unidades Básicas de Saúde de João Pessoa-PB, Brasil. A amostra foi escolhida por meio da indicação feita por profissionais da unidade, desde que obedecessem aos seguintes critérios de inclusão: ser usuário(a) cadastrado(a) em uma das unidades em que ocorreu a seleção da amostra; ter idade mínima de 60 anos; estar em boa condição de saúde cognitiva/mental. Informa-se que não houve restrições quanto à idade máxima para participação.

A abordagem se deu através de ligações telefônicas e por mensagens via aplicativo (WhatsApp) devido ao período de pandemia da COVID-19, o que impossibilitou a sua realização de maneira presencial. Excluíram-se aqueles que tivessem déficit cognitivo e/ou dificuldades de comunicação pela fala/escuta, assim como quem não pudesse participar de chamada de vídeo por aplicativo remoto.

O déficit cognitivo foi avaliado utilizando o Mini Exame do Estado Mental (MEEM). A variável tem como escore final a soma da pontuação nas categorias das funções cognitivas. Para cada uma das 30 questões do MEEM, existe um padrão de resposta que recebe uma pontuação entre 0 e 5. Ao final, é apresentado o escore total, resultado da soma de cada uma das sete categorias. Neste estudo, como recomendado pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade e pela Academia Brasileira de Neurologia, foi utilizado o escore de 24 pontos no MEEM, sendo estabelecido menor ou igual a 24 pontos = com déficit cognitivo, e maior que 24 = sem déficit cognitivo. Apenas um idoso apresentou escore menor que 24 pontos e, por isso, foi desconsiderado pelas pesquisadoras.

Participaram 40 idosos, sendo 22 mulheres e 18 homens. O período da coleta de dados se deu nos meses de novembro/2020 a fevereiro/2021, através de entrevista semiestruturada, no intuito de responder o seguinte questionamento: Para você, o que representa a violência contra a pessoa idosa?

As entrevistas foram aplicadas individualmente para cada participante, com tempo médio de 30 minutos, tendo sido o conteúdo armazenado por meio de aplicativo interno para gravação de tela em smartphone. Todo o material foi transcrito na íntegra. Para o encerramento da coleta de dados, utilizou-se como critério a saturação teórica, a partir da recorrência de ideias e respostas sobre a temática.

O trabalho de campo foi conduzido por três moderadoras, acadêmicas de enfermagem (segunda, terceira e quarta autora), treinadas pela orientadora (primeira autora), com o auxílio de duas observadoras (demais autoras), que deram suporte às demais para a transcrição e análise dos dados.

O estudo respeitou os aspectos éticos preconizados na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. A coleta de dados somente foi iniciada após aprovação pelo Comitê de Ética (CAAE 30672120.5.0000.5188; Parecer 4.003.212), em 02 de maio de 2020. Os participantes foram codificados de forma aleatória (P1 a P40) para a garantia do anonimato.

Para tratamento dos dados, elaborou-se um corpus de análise das entrevistas, construído em arquivo único de texto, utilizando-se o software IRAMUTEQ - Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (Versão 0.7 alpha 2). Este tem como funcionalidade analisar os conteúdos textuais e organizar os elementos relevantes. Foi escolhida a Classificação Hierárquica Descendente (CHD) para apresentação dos dados, que tende a estabelecer as classes de palavras após a análise através de um dendrograma.1818 Camargo BV, Justo AM. IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas Psicol. 2013 dez;21(2):513-8. http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.2-16.
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O relatório gerado pelo IRAMUTEQ classificou o material como relevante 76,87%. Para garantir a estabilidade dos resultados, é aceitável a classificação acima de 75%, que assegura um bom aproveitamento dos dados.1919 Souza MAR, Wall ML, Thuler ACMC, Lowen IMV, Peres AM. O uso do software IRAMUTEQ na análise de dados em pesquisas qualitativas. Rev Esc Enferm USP. 2018;52(0):e03353. http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2017015003353. PMid:30304198.
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Foram geradas cinco classes, as quais apresentam relações estabelecidas entre si, representando o conteúdo lexical prevalente nas entrevistas. Procedeu-se a Análise de Conteúdo2020 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2017. para a interpretação e discussão dos resultados gerados.

RESULTADOS

A faixa etária dos participantes variou entre sessenta (60) e oitenta (80) anos. A média de idade entre as mulheres foi de 69,2 anos, enquanto os homens, pouco mais velhos, apresentaram média de 69,5 anos. Quanto à escolaridade, 38,9% dos homes e 41% das mulheres concluíram o ensino médio, enquanto para o ensino superior esses índices foram de 22,2% e 13,6%, respectivamente. Sobre o estado civil, 59,1% das mulheres viviam sem companheiros, enquanto 72,2% dos homens possuíam cônjuge. Grande parte das mulheres relataram morar só (45,4%); já no grupo masculino, apenas 22,2% residiam sozinhos. Destaca-se que 52% das idosas referiram participação em grupos de idosos das Unidades de Saúde da Família (USF), enquanto apenas 11% dos idosos envolviam-se com esta ação.

De acordo com a análise do corpus pelo software IRAMUTEQ, baseada nas 40 unidades de contexto iniciais (UCI), foram verificadas 9962 ocorrências de palavras, sendo 1403 formas distintas. O corpus foi dividido em 281 unidades de contexto elementar (UCE) e, destas, 216 (76,87% do total de palavras) foram equiparadas por meio de classificações hierárquicas descendentes, indicando o grau de semelhança dos temas das cinco classes resultantes, as quais deram origem ao dendrograma (Figura1). Logo após a identificação das formas reduzidas e a leitura das UCE, realizou-se a análise de especificidades através do mesmo programa, identificando quais termos apareciam mais comumente para cada gênero.

Figura 1
Distribuição das representações sociais da violência contra pessoas idosas elaboradas por homens e mulheres gerontes através das classes apresentadas no dendrograma. João Pessoa, PB, Brasil, 2022.

Em sua primeira partição, o material analisado foi dividido em dois sub-corpus, desmembrando a classe 2 das demais. A segunda partição fragmentou o sub-corpus maior, originando a classe 3. A terceira trouxe à tona a classe 5; e a última partição deu origem às classes 1 e 4. Ressalta-se que o software apresenta os trechos de maior relevância para cada classe, que serão dispostos no decorrer da apresentação das mesmas.

A Classe 2, denominada Suscetibilidade da pessoa idosa, é a maior das classes, contemplando 22,2% do total de UCE. Os termos mais importantes foram “Aproveitar” (mulheres), “Envelhecer” (homens), “Sexualmente” (homens), “Dinheiro” (mulheres), “Ameaçar” (homens) e “Psicologicamente” (mulheres). O experimento exprimiu conteúdos voltados para possíveis situações que aumentam as chances de a pessoa idosa sofrer violência, estando ela mais suscetível que outros grupos, de acordo com os(as) participantes. Conforme os resultados apontados, tais representações podem ser observadas nos discursos elencados adiante:

Conheço alguém que passa por isso, uma conhecida. Todos da família ficam de olho no dinheiro da senhora, parecem uns urubus (P12, feminino).

Depois de envelhecer, algumas vezes me ameaçaram psicologicamente, como me proibir de fazer as coisas, dizendo que não sei fazer e por isso não posso fazer (P1, feminino).

Conheço uma pessoa que, depois de envelhecer, sofreu ameaças da própria família. Filhos, netos e noras que agrediram com palavras. Pessoas jovens! (P30, masculino).

Como pode ser notado, os participantes exprimem em seus relatos que, devido a singularidades, pessoas com idade cronológica avançada parecem estar mais vulneráveis a sofrerem situações violentas em seu cotidiano. Embora nem sempre sejam de ordem física, os abusos podem causar diversos transtornos para as vítimas. Sendo assim, as representações sociais se organizam a partir das ideias acerca das diversas formas de violência existentes, indo além do senso comum que liga o tema à agressão física.

A Classe 3, Prevenção da violência, abrangeu 18,5% das UCE, tendo como termos de maior relevância “Profissionais da saúde” (homens), “Ajudar” (ambos os sexos), “Unidade de Saúde” (mulheres), “Diminuir” (homens), “Estudo/conhecimento” (homens) e “Casa” (mulheres). Apontou a percepção dos idosos sobre a importância de agentes capazes de atuarem para a prevenção da violência, dentre os quais, os profissionais alocados nas Unidades de Saúde da Família. Os idosos descreveram que os profissionais possuem papel fundamental para ajudar na identificação e denúncia de casos de violência ao idoso, sendo substancial a educação em saúde na comunidade, o que pode ser melhor visualizado nos recortes que se sucedem:

Os profissionais de saúde da unidade de saúde podem ir na casa dos idosos e observar como eles estão dentro de casa, se se sentem bem ou não (P12, feminino).

Os profissionais de saúde da unidade de saúde têm uma responsabilidade com os seus usuários, principalmente com os idosos. É dever dos profissionais cuidar de forma completa desses idosos para tentar identificar se eles sofrem violência, para que possam agir (P31, masculino).

Para evitar a violência contra o idoso, é preciso educar as pessoas. Também deveria ser exposto na televisão o quanto é grave agredir um idoso. Os profissionais de saúde e a unidade de saúde são importantes para diminuir a violência porque eles podem ensinar os idosos a se defenderem (P37, masculino).

Conforme o conteúdo semântico dos trechos apresentados, as representações sociais expostas nessa classe organizam-se em torno do papel dos profissionais de saúde, ancorando-se na prevenção da violência a partir do vínculo estabelecido entre esses e a comunidade adscrita. Enfatizam, ainda, a necessidade de ações intersetoriais para providências no que tange ao atendimento e identificação de possíveis vítimas, protegendo idosos e garantindo a tomada de providências adequada.

Foi possível inferir, a partir dos termos que formam a Classe 5 - Responsabilidade social, que a percepção dos participantes acerca da violência contra a pessoa idosa aponta o fenômeno como um fator que requer um compromisso de toda a coletividade, especialmente por ocasionar revolta e comoção quando ocorre. Sendo assim, propuseram que ações punitivas deveriam ser adotadas mais fortemente contra quem pratica atos violentos através de órgãos designados para tal. Os temos que compõem esta classe são “Gerar” (homens), “Contribuir” (homens), “Sofrer” (homens), ‘Tristeza” (mulheres) e “Justiça” (homens). É possível observar a seguir alguns trechos para exemplificar tais representações.

Alguns fatores contribuem para gerar a violência contra o idoso, como a impunidade. Na justiça, não há uma providência séria, e pensar em um idoso sofrendo violência traz muita tristeza! Eu queria ser autoridade para punir severamente! (P35, masculino).

Precisa chamar a justiça para mostrar o sofrimento dele. Acredito que o idoso que sofre com fome, dorme no chão, sem lençol, sem alimentação, tem muito sofrimento. É muita judiação! (P2, masculino).

Quando penso num idoso sofrendo violência me dá uma tristeza, uma revolta! Impossibilidade de eu não poder resolver esse problema. Dá vontade de denunciar! (P23, feminino).

As informações expostas nos relatos destacam a falha da proteção social à pessoa idosa, o que contribui para a manutenção e agravamento dos casos de violência contra este público. Ademais, as representações revelam limitações no que concerne à denúncia, impedindo a execução de ações que visem a interrupção da situação. Entretanto, de acordo com os participantes, a impunidade do agressor pode ser algo que contribui para que as denúncias não ocorram.

  • Na Classe 1, Expressão social da violência ao idoso, os termos que mais se destacaram foram “Tipos de violência” (homens), “Maldade” (mulheres), “Falta de respeito” (mulheres), “Desprezo” (mulheres), “Psicológico” (mulheres), “Físico” (homens), “Falta de amor” (mulheres) e “Família” (mulheres). Evidenciam, assim, na visão dos respondentes, a maneira como ocorrem violências contra a pessoa idosa, seus tipos e quem as pratica, o que pode ser evidenciado a partir dos recortes selecionados:

Os tipos de violência são maus-tratos, bater, espancar, tirar dinheiro do idoso, estupro... acredito que as pessoas que agridem os idosos sejam drogadas para tamanha maldade. (P33, masculino)

Acredito que a violência contra o idoso seja falta de amor, falta de respeito e falta de solidariedade ao idoso. Tenho muita revolta e indignação... Não sabemos o dia de amanhã, mas peço a Deus que nunca ocorra comigo, que não chegue em mim e na minha família, pois é muito triste a ignorância e a falta de compaixão. (P3, feminino)

Na violência contra o idoso, muitos filhos se aproveitam da situação e a família explora o idoso de toda forma. Isso é falta de respeito, e o desrespeito é pela própria família. (P5, feminino).

Constata-se, através dos trechos apresentados, que a temática violência contra a pessoa idosa vem sendo representada em suas variadas dimensões. Desse modo, identificar possíveis vítimas, particularidades e agressores são informações essenciais para a interrupção do ciclo de violência, estimulando ainda a criação de políticas públicas voltadas para a garantia dos direitos de gerontes.

Na Classe 4, Violência intrafamiliar, as palavras mais apreciadas foram “Filho” (mulheres), “Querer” (mulheres), “Mãe/Pai” (homens), “Maltratar” (mulheres), “Aposentadoria” (mulheres) e “Velho” (homens). Esta categoria se caracteriza como uma categoria que retrata a violência realizada no ambiente familiar, a qual geralmente ocorre de forma silenciosa e é encoberta pelas vítimas devido as relações de proximidade com o autor da agressão, conforme pode ser observado nos trechos adiante:

A minha vizinha tem um filho com envolvimento com drogas. Ela acabou descobrindo, era a única da família que sabia. O filho ficava ameaçando para que ela não contasse a ninguém, eram ameaças fortes, de dar medo! (P17, feminino).

Tem idoso sofrendo violência na família, onde não tem direito de saber nem o dia que recebeu a aposentadoria porque o cartão é administrado por filhos, netos... isso deveria ser fiscalizado e punido para não ocorrer! (P11, feminino).

Tem filho que ameaça nunca mais ir na casa dos pais se ele não der o que ele quer, e isso perturba o idoso. É uma forma de violência... (P28, masculino).

Os relatos evidenciam a fragilidade nas relações entre muitos idosos e seus parentes. Nesse sentido, as representações expõem modificações na hierarquia familiar, com pessoas mais jovens assumindo o controle, o que pode acarretar em conflitos intergeracionais para além da violência sofrida.

DISCUSSÃO

Embora algumas dissimilitudes sejam marcantes no que tange ao gênero, as representações sociais de homens e mulheres idosos acerca da violência dirigida a este público apresentam semelhanças em seus discursos. Destaca-se a interpretação dada ao fenômeno, por ambos os sexos, como sendo este um acontecimento motivado pelo declínio funcional oriundo do envelhecimento, tornando o idoso mais suscetível à sua ocorrência, conforme expões a Classe 2.

Não há como contestar o olhar mítico lançado sobre a velhice pelos participantes, perpetuando atitudes que distanciam os mais velhos de grande parte da sociedade. Homens e mulheres compartilharam destas noções, traçando paralelos sobre as situações sofridas por outrem; quase nunca referiram ter vivenciado algum tipo de violência. Encararam o tema como uma ocorrência vivenciada por muitos, inclusive pessoas conhecidas, manifestada de diversas maneiras, buscando justificar as ações impetradas como sendo motivadas pela chegada da velhice, etapa tão significativa e, de certa forma, limitante.

Os idosos se tornam mais suscetíveis à violência na medida em que necessitam de maiores cuidados físicos ou apresentam algum grau de dependência. Logo, a vulnerabilidade pode influenciar em suas relações pessoais, familiares e sociais, tornando-os mais fragilizados e com maior tendência a sofrer algum tipo de abuso.2121 Cesari M, Prince M, Thiyagarajan JA, Carvalho IA, Bernabei R, Chan P et al. Frailty: an emerging public health priority. J Am Med Dir Assoc. 2016;17(3):188-92. http://dx.doi.org/10.1016/j.jamda.2015.12.016. PMid:26805753.
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Todavia, estudos ao redor do mundo acrescentam que a violência ocorre também em idosos com bom estado cognitivo e independentes para a realização de suas atividades diárias, havendo uma ligação direta à renda. Quanto mais pobre, maior a possibilidade de abusos e agressões, esclarecendo que não é apenas a condição física que determina tais atos contra idosos.2222 Hazrati M, Mashayekh M, Sharifi N, Motalebi SA. Screening for domestic abuse and its relationship with demographic variables among elderly individuals referred to primary health care centers of Shiraz in 2018. BMC Geriatr. 2020;20(1):1-8. http://dx.doi.org/10.1186/s12877-020-01667-9. PMid:32807091.
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,2323 Sinha D, Mishra PS, Srivastava S, Kumar P. Socio-economic inequality in the prevalence of violence against older adults: findings from India. BMC Geriatr. 2021;21(1):1-12. http://dx.doi.org/10.1186/s12877-021-02234-6. PMid:33388045.
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Os abusos mais comuns dirigidos aos idosos são de ordem física, psicológica, sexual e financeira. Os homens participantes deste estudo identificaram mais comumente as situações ligadas à agressão física e sexual como sendo violência. Já as mulheres parecem associá-las habitualmente aos aspectos de ordem psicológica e financeira. Tais achados podem ser verificados na Classe 1.

No que se relaciona à tipologia da violência contra os idosos, predominam a negligência/abandono, seguida da violência psicológica e financeira que, juntas, responderam por cerca de 80% de agressões denunciadas. Vale destacar que a violência física é mais praticada contra homens idosos, enquanto a psicológica e sexual está presente em maior número nos casos notificados em mulheres.2424 Rocha RC, Cortês MCJW, Dias EC, Gontijo ED. Violência velada e revelada contra idosos em Minas Gerais-Brasil: análise de denúncias e notificações. Saúde Debate. 2018;42(spe4, Supl. 4):81-94. http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042018s406.
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Embora não seja unicamente determinante para as representações, tais constatações auxiliam em dissemelhanças de gênero percebidas neste estudo. Além disso, o abandono foi pouco citado, não tendo significância no corpus analisado. Compreende-se, desse modo, que a negligência, embora frequente, tem comprovação mais complexa, o que dificulta a sua investigação e visibilidade.2525 Pillemer K, Burnes D, Riffin C, Lachs MS. Elder abuse: global situation, risk factors, and prevention strategies. Gerontologist. 2016;56(Supl. 2):S194-205. http://dx.doi.org/10.1093/geront/gnw004. PMid:26994260.
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Conforme apresentado inicialmente, os homens eram pouco mais escolarizados que as mulheres. Esse fator pode contribuir com a percepção deles acerca da necessidade de ações para prevenção da violência, como mostrado pela Classe 3, com destaque para a educação da população pelos mais diversos meios, discutindo a gravidade do problema na tentativa de sensibilizar a sociedade. Não obstante, as mulheres enfatizaram as unidades de saúde como potencialidades para interrupção do ciclo de violência contra a pessoa idosa, evidenciando o atendimento em saúde e as visitas domiciliares como ferramentas significativas de combate, ao possibilitarem a convivência diária com a realidade enfrentada nas famílias, reconhecendo situações de perigo ou risco.

Com efeito, o profissional de saúde, mais precisamente a equipe de enfermagem, tem papel importante na identificação de casos de abusos, o que pode ocorrer através do contato direto com o usuário. A partir das visitas domiciliares e dos atendimentos individualizados, é possível conhecer melhor essa pessoa e o seu domicílio. Em casos identificados, as ações implementadas por enfermeiros consistem na orientação aos idosos, familiares e/ou cuidadores por meio de ações educativas, além de acionamento das autoridades competentes e encaminhamento para o serviço social disponível.66 Castro VC, Rissardo LK, Carreira L. Violence against the Brazilian elderlies: an analysis of hospitalizations. Rev Bras Enferm. 2018;71(Supl. 2):777-85. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0139. PMid:29791630.
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Um estudo realizado com idosos revelou que as práticas desenvolvidas por serviços destinados à terceira idade permitem a construção de novos conhecimentos e a aproximação entre o usuário e o profissional, sendo o enfermeiro o propulsor de um modelo de atenção em saúde direcionado às necessidades deste grupo, garantindo-lhes atenção integral.2626 Silva JB, Lima CM, Vicente JTS, Silvestre GCSB, Vechia ADRD, Castelli LS. Percepção dos idosos sobre o papel do enfermeiro em um centro de convivência. Estud. Interdiscipl. Envelhec. 2020;25(2):95-106. http://dx.doi.org/10.22456/2316-2171.86693.
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Soma-se a isso o fato de que as mulheres, ao buscarem com maior frequência o serviço de saúde, aparentam maior proximidade com os profissionais que atuam nele, demonstrando confiança para a resolução de casos complexos e/ou passíveis de prevenção, o que torna possível entender as ideias que compartilham sobre o tema.

Sobre isso, é sabido que o profissional da atenção primária está em posição relevante para prevenir o abuso de idosos, já que atuam em todos os níveis de cuidados para a população em geral.1717 Souza VR, Marziale MH, Silva GT, Nascimento PL. Tradução e validação para a língua portuguesa e avaliação do guia COREQ. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE02631. http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631.
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Em face do exposto, é necessário não somente conscientizar homens e mulheres idosos sobre as formas de abuso/violência que ocorrem na sociedade e são dirigidas a eles, mas também habilitar profissionais para identificá-las mesmo quando o próprio idoso não reconhecer a situação vivenciada como tal.1111 Hohendorff JV, Paz AP, Freitas CPP, Lawrenz P, Habigzang LF. Caracterização da violência contra idosos a partir de casos notificados por profissionais da saúde. Rev SPAGESP [Internet]. 2018; [citado 2022 Jun 13];19(2):64-80. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702018000200006&lng=es
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Complementarmente, o fenômeno da violência, por ser grave e preocupante, ainda mais quando direcionada aos idosos, necessita de mobilização da sociedade em geral para ser interrompido, o que foi revelado pela Classe 5. Esse tema, inclusive, foi apontado como de suma necessidade pelos participantes, sobretudo os homens. Eles, por sua vez, ancoram as representações na concepção de que é preciso cobrar as autoridades a aplicação de leis/sanções mais severas aos agressores, com fiscalizações e justiça social. Atribuíram a continuidade da violência ao fato de que as punições não ocorrem como deveriam.

Tais achados são de fundamental importância para o momento atual. Em todo o mundo, vive-se um período de descrença da seriedade do Estado enquanto promotor de ações de infraestrutura e políticas de bem-estar social. Contudo, não há como pensar na melhoria dos fatores que interferem na qualidade de vida na terceira idade, dentre eles a violência, sem o Estado estar diretamente envolvido. Mesmo que tenham sido implementadas diversas políticas públicas inclusivas e positivas quanto ao fenômeno do envelhecimento populacional, é necessária maior participação da população nas suas formulações e reformas, dirimindo noções negativas sobre a ação dos órgãos competentes.2727 Ferreira VHS, Leão LRB, Faustino AM. Ageísmo, políticas públicas voltadas para população idosa e participação social. Rev. Eletrôn. Acervo Saúde. 2020;42(42):1-7. http://dx.doi.org/10.25248/reas.e2816.2020.
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As situações de violência no interior da família foram expostas pela Classe 4. Combinadas com a omissão do Estado em seu dever constitucional de amparo ao idoso, se torna mais difícil o fomento a ações que interrompam a ocorrência da violência. Como efeito, há a criminalização de quem agride ou negligencia, desvinculada das políticas sociais pensadas para a velhice (fragilizada). Assim, urge que seja fortalecida a rede de cuidados e a captação de denúncias e notificações, garantindo agilidade na proteção das vítimas.2424 Rocha RC, Cortês MCJW, Dias EC, Gontijo ED. Violência velada e revelada contra idosos em Minas Gerais-Brasil: análise de denúncias e notificações. Saúde Debate. 2018;42(spe4, Supl. 4):81-94. http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042018s406.
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Se não houver um sistema que as acolha, as ocorrências continuarão acobertadas devido ao medo do abandono, dentre outras questões.

As mulheres destacaram aspectos subjetivos ocasionados não somente em quem é violentado, mas na sociedade em geral, apelando à responsabilidade individual no que concerne à denúncia de casos suspeitos. Corroborando com esta perspectiva, um estudo2828 Rodrigues RAP, Giacomini SBL, Silva LM, Fhon JRS, Almeida VC, Seredynskyj FL. Violência contra mulheres idosas segundo o modelo ecológico da violência. Av Enferm. 2019;37(3):275-83. http://dx.doi.org/10.15446/av.enferm.v37n3.73702.
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defende que, embora seja um ato individual, a violência reflete a postura da sociedade, que desvaloriza o idoso. Considerando o ambiente familiar como o local de maior acontecimento destas situações, a violência impõe danos sociais aos que compartilham desse cotidiano. É preciso, então, ofertar apoio psicológico a todos: vítimas, agressores, familiares e demais envolvidos.

A forma através da qual a violência se expressa revela o descaso com idosos. Fatores sociais, de gênero e idadismo, que perpetuam no senso comum a visão do envelhecimento como fase de declínio e inutilidade, ocasionam opressão. Mesmo com a promulgação do Estatuto do Idoso, que aponta novas perspectivas de vida às pessoas idosas, suprimindo mitos e tabus desfavoráveis, o processo de transformação destas representações ainda se encontra em decurso, demandando tempo para o entendimento e consolidação de novos aspectos.

O cuidado e a responsabilidade sobre dificuldades enfrentadas por idosos aparecem, em muitas civilizações, como dever da geração mais jovem, que não reconhece os mais velhos pelas suas experiências de vida.88 Bajpai N, Kulshreshtha K, Dubey P, Sharma G. Getting the cues of elder abuse: an identification through dependency and modernization. J Adult Prot. 2020;22(3):119-39. http://dx.doi.org/10.1108/JAP-10-2019-0035.
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Entretanto, relatos de resultados positivos no que está relacionado à desconstrução de falsas crenças sobre o envelhecimento já estão postos, reforçando a necessidade de diálogo sobre as relações intergeracionais e o respeito aos mais velhos.1717 Souza VR, Marziale MH, Silva GT, Nascimento PL. Tradução e validação para a língua portuguesa e avaliação do guia COREQ. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE02631. http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631.
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Destaca-se que a velhice ativa permite que o idoso desempenhe papel decisivo nas escolhas da família.2929 Araújo LF, Castro JLDC, Santos JVDO. A família e sua relação com o idoso: um estudo de representações sociais. Psicol Pesqui. 2018;12(2):14-23. http://dx.doi.org/10.24879/2018001200200130.
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Sendo esta a principal fonte de agressões e maus-tratos, o acompanhamento do núcleo familiar por parte de serviços sociais, de saúde e justiça, pode, também, contribuir positivamente para a diminuição de ações e atos violentos.

As idiossincrasias presentes neste estudo demonstram que a conotação dada à violência contra a pessoa idosa sofre influência de gênero, especialmente no que se refere a sua ocorrência no lar. As mulheres aparentam maior entendimento sobre este tipo de conflito, declarando que muitas vítimas mascaram a realidade daquilo que vivenciam no contexto familiar pela dependência de cuidados ou mesmo pelo medo da solidão.

Confirmando o caráter de proximidade entre vítima e agressor, um estudo reconheceu que idosos que moram com filhos ou netos, mulheres na maioria dos casos, apresentam chance duas vezes maior de sofrer violência, sendo os laços familiares um dos maiores motivos para a subnotificação de casos.99 Bolsoni CC, Coelho EBS, Giehl MWC, D’Orsi E. Prevalência de violência contra idosos e fatores associados, estudo de base populacional em Florianópolis, SC. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(4):671-82. http://dx.doi.org/10.1590/1809-98232016019.150184.
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Soma-se a isso o fato de as agressões/ameaças normalmente serem praticadas por filhos, cônjuges, netos, irmãos, parentes, vizinhos próximos ou conhecidos da vítima.3030 Campbell AM. An increasing risk of family violence during the Covid-19 pandemic: strengthening community collaborations to save lives. Forensic Sci Int. 2020;2:100089. http://dx.doi.org/10.1016/j.fsir.2020.100089.
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Entretanto, a denúncia é a peça-chave para a interrupção dos maus-tratos e/ou outras ações,3131 Leindecker CR, Bennemann RM, Macuch RS. Idoso no Brasil: agressões, políticas e programas públicos. Revisão de literatura. Aletheia. 2020;53(2):116-29. http://dx.doi.org/10.29327/226091.53.2-9.
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inclusive àquelas referentes a negociações financeiras para extorquir o idoso.3232 Irigaray TQ, Esteves CS, Pacheco JTB, Grassi-Oliveira R, Argimon IIL. Maus-tratos contra idosos em Porto Alegre, Rio Grande do Sul: um estudo documental. Estud Psicol. 2016;33(3):543-51. http://dx.doi.org/10.1590/1982-02752016000300017.
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Urge fortalecer os programas e setores de Assistência Social, Segurança Pública, Educação, Saúde e Cidadania, buscando integrá-los a fim de que sejam mais efetivos na defesa e na proteção de pessoas idosas em risco, rompendo o silêncio e revelando as várias facetas da violência. Ademais, conscientizar o idoso, as famílias e a sociedade sobre o resgate da cidadania destas pessoas, com o apoio do poder público, possibilitará o direito de viver melhor, conforme estabelecido pela legislação.2424 Rocha RC, Cortês MCJW, Dias EC, Gontijo ED. Violência velada e revelada contra idosos em Minas Gerais-Brasil: análise de denúncias e notificações. Saúde Debate. 2018;42(spe4, Supl. 4):81-94. http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042018s406.
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É premente um trabalho intersetorial para o acompanhamento de vítimas e agressores, incluindo a saúde mental, bem como o planejamento de políticas públicas para toda a população, abrangendo a educação cidadã desde a mais tenra idade.

Como limitações do estudo, aponta-se o fato de que, no contexto da pandemia da COVID-19, o distanciamento social impossibilitou a abordagem direta aos participantes e a ocorrência presencial das entrevistas, o que restringiu a amostra. O desconhecimento sobre o uso da tecnologia foi um obstáculo considerável para que mais pessoas idosas pudessem participar, uma vez que este público tem menor afinidade com os meios digitais.

CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

Os dados obtidos acerca da violência contra a pessoa idosa revelam que os participantes a concebem como inerente à terceira idade devido à fragilidade decorrente do envelhecimento. Essa noção é influenciada pelo senso comum e não reflete diferenças de gênero. Entretanto, denota-se discrepâncias no tocante aos demais discursos dos distintos sexos.

Os homens evidenciaram mais fortemente o fenômeno enquanto passível de prevenção através de medidas educativas à população, com necessidade de ações punitivas severas para os agressores, descrevendo a violência física e sexual como as principais formas ocorridas na sociedade. O universo reificado foi mais prevalente em seus discursos, elucubrando o conhecimento como fonte de libertação do ciclo violento impetrado. Além disso, acrescentam a responsabilidade social como corresponsável na modificação do quadro atual.

Já as mulheres enumeraram os aspectos subjetivos ligados à violência, mais frequentemente ao exaltar a denúncia de casos suspeitos como uma postura necessária e de suporte às vítimas. Revelaram ser o profissional de saúde, especialmente a equipe da atenção básica, de extrema relevância para a identificação de sinais de agressões, elencando as visitas domiciliares e o atendimento individual como fontes propulsoras de cuidado ao idoso.

O domicílio foi representado como lócus principal de agressões. Esse resultado revela implicitamente a complexidade da família e as vulnerabilidades sociais a que estão expostas, embora os participantes não tenham se dado conta deste aspecto.

As representações encontradas são ancoradas nos fatores individuais (Classe 2), especialmente no que tange à vulnerabilidade deste grupo etário, que os torna mais indefesos; nos fatores comunitários (Classe 3), estabelecidos através das relações com os equipamentos sociais disponíveis; e nos fatores relacionais e sociais (Classes 5, 1 e 4), traduzidos pelas ligações familiares e políticas direcionadas ao tema.

Por fim, apesar da implementação das ações para proteção do idoso, é necessário repensar a prática dos diversos atores envolvidos, visando o cumprimento dos direitos garantidos por lei a este grupo etário. Nesse sentido, destaca-se a capacitação profissional, notadamente da enfermagem, para que atuem na prevenção de ações violentas, identificação dos casos e encaminhamento aos setores competentes.

AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio.

  • FINANCIAMENTO O presente estudo teve o apoio da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) através do custeio de bolsas de Iniciação Científica (PVG12453-2020) concedidas, respectivamente, à Emília Carolina Félix Rosas de Vasconcelos e Maria Joycielle de Lima Maciel.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2022
  • Aceito
    28 Out 2022
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