O cuidado de enfermagem nas relações sorodiferentes: uma análise à luz de Imogene King

Cuidados de enfermería en las relaciones serias: un análisis a la luz de Imagen King

Resumo

Objetivo

refletir sobre a possibilidade de utilização dos pressupostos de Imogene King como fundamentação teórica para os cuidados de enfermagem a parceiros sexuais sorodiferentes ao HIV.

Método

estudo descritivo de caráter reflexivo, com o aporte teórico da Teoria do Alcance de Metas de Imogene King.

Resultados

as reflexões deram origem a dois eixos de análise: no primeiro, cumpre-se detalhar os pressupostos conceituais de Imogene King e o alcance de metas, e no segundo, explora-se a convergência da teoria de King no cuidado às relações sorodiferentes no que concerne aos seus limites, possibilidades e desdobramentos nos sistemas pessoal, interpessoal e social. Conceitos como percepção, interação e organização formam os eixos centrais dos sistemas e possibilitam a compreensão ampliada das demandas dos parceiros sorodiferentes com vistas ao equilíbrio dos fatores estressores à manutenção da saúde.

Considerações finais e implicações para a prática

o entendimento dos sistemas abertos aplicados à pessoa que vive com HIV individualmente e na díade com seu parceiro, ambos inseridos em grupos na sociedade, resulta em uma melhor compreensão de suas necessidades e, assim, contribuem com o planejamento de metas direcionadas.

Palavras-chave:
Cuidados de Enfermagem; Enfermagem; HIV; Parceiros Sexuais; Serviços de Saúde

Resumen

Objetivo

reflexionar sobre la posibilidad de utilizar los supuestos de Imogene King como base teórica para el cuidado de enfermería en parejas VIH-serodiferentes.

Método

estudio descriptivo de carácter reflexivo, con el aporte teórico de la Teoría del Logro de Metas de Imogene King.

Resultados

las reflexiones dieron lugar a dos ejes de análisis: en el primero, es necesario detallar los supuestos conceptuales de Imogene King y el logro de objetivos, y en el segundo, se explora la convergencia de la teoría de King en el cuidado de las relaciones serodiferentes en cuanto a sus límites, posibilidades y desarrollos en los sistemas personal, interpersonal y social. Conceptos como percepción, interacción y organización forman los ejes centrales de los sistemas y permiten una comprensión más amplia de las demandas de las parejas serodiferentes con vistas a equilibrar los factores de estrés para mantener la salud.

Consideraciones finales e implicaciones para la práctica

la comprensión de los sistemas abiertos aplicados a personas que viven con VIH individualmente y en pareja con su pareja, ambas insertadas en grupos de la sociedad, resulta en una mejor comprensión de sus necesidades y, así, contribuye a la planificación de objetivos específicos.

Palabras claves:
Atención de Enfermería; Enfermería; VIH; Parejas Sexuales; Servicios de Salud

Abstract

Objective

to reflect on the possibility of using Imogene King’s assumptions as a theoretical basis for nursing care in HIV-serodifferent partnerships.

Method

a descriptive study of a reflective nature, with the theoretical contribution of Imogene King’s Goal Attainment Theory.

Results

the reflections gave rise to two axes of analysis: in the first, it is necessary to detail Imogene King’s conceptual assumptions and goal attainment, and in the second, the convergence of King’s theory in caring for serodifferent relationships is explored with regard to their limits, possibilities and developments in the personal, interpersonal and social systems. Concepts such as perception, interaction and organization form the central axes of the systems and enable a broader understanding of serodifferent partners’ demands with a view to balancing stress factors for maintaining health.

Final considerations and implications for practice

the understanding of open systems applied to people living with HIV individually and in a dyad with their partner, both inserted in groups in society, results in a better understanding of their needs and thus contributes to planning targeted goals.

Keywords:
Nursing Care; Nursing; HIV; Sexual Partners; Health Services

INTRODUÇÃO

O estabelecimento de relações afetivas sorodiferentes ao Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) tem se mostrado possível e cada vez mais passível de um prognóstico otimista quanto à manutenção do status sorológico misto dos parceiros sexuais.¹ Essa realidade é resultado do alcance promissor do tratamento medicamentoso e da adoção de tecnologias preventivas disponíveis nos serviços do Sistema Único de Saúde.²

O acompanhamento e a assistência à saúde prestados a essas parcerias contam com uma equipe multiprofissional que atua na Rede de Atenção à Saúde à pessoa que vive com HIV (PVHIV) por meio dos serviços especializados e da Atenção Primária à Saúde (APS). Entre os profissionais atuantes na equipe, estão as figuras do médico, psicólogo, farmacêutico, assistente social e enfermeiro.³

A enfermagem, ciência que traz em sua essência o cuidado, busca junto a parceiros sorodiferentes uma compreensão integral e humana de suas necessidades e promoção de cuidados que contemplem as diversas nuances que circundam relações dessa natureza.⁴ O desejo da fertilidade e reprodução segura, acesso ao tratamento e as profilaxias antirretrovirais, estratégias para a manutenção do sexo seguro, medos, dúvidas e angústias, entre outros, são demandas que requerem da prática profissional do enfermeiro um cuidado em saúde capacitado para atuar diante desses desafios.⁵

A fim de buscar melhorias para a prática visando à integralidade do cuidado, a enfermagem busca implementar pressupostos teóricos que fomentem um modelo de assistência humanístico e que valorize o paciente em suas dimensões biológica, psicológica e social. As teorias de enfermagem, sobretudo as de cunho interacionistas, como as de Imogene King, têm sido um forte alicerce nos âmbitos assistenciais e científicos para a compreensão e direcionamento de um cuidado de enfermagem que valorize essas dimensões e as relações humanas e seja, portanto, eficaz e resolutivo.⁴-⁶

A Teoria do Alcance de Metas proposta por King consiste em um referencial teórico que orienta as ações de enfermagem e pode revelar compreensões importantes quanto à perspectiva de sua aplicação no contexto da sorodiferença ao HIV, uma vez que a teórica refere que, por meio da interação entre o enfermeiro e o paciente, individualmente ou em grupos, torna-se possível estabelecer conjuntamente as necessidades de cada indivíduo e, assim, alcançar as metas estabelecidas, propiciando a manutenção ou melhoria das condições de saúde do paciente com vistas à sua autonomia.⁷

Essa interação acontece por meio de uma estrutura de sistemas abertos e interatuantes (sistema pessoal, interpessoal e social) que, segundo a teórica, traduzem o que os indivíduos são e reforçam a premissa de que sua teoria parte de uma compreensão do pessoal para o ambiente.⁷

Nesse sentido, por ser um contexto em que se evidenciam as necessidades da PVHIV enquanto sujeito que se possibilita vivenciar uma relação afetiva sorodiferente, de acordo com as necessidades dos parceiros enquanto uma díade e as necessidades dos parceiros inseridos na sociedade, a teoria de King pode representar um referencial valioso para direcionar condutas e lapidar a relação enfermeiro-parceiro para o alcance das metas traçadas.⁷

Portanto, este estudo tem o intuito de refletir sobre a possibilidade de utilização dos pressupostos de Imogene King como fundamentação teórica para os cuidados de enfermagem a parceiros sexuais sorodiferentes ao HIV.

MÉTODO

Trata-se de estudo de cunho descritivo de caráter reflexivo, que analisou os aspectos relacionados aos cuidados de enfermagem na sorodiferença ao HIV sob a égide dos pressupostos teóricos do alcance metas de Imogene King. Os resultados da reflexão foram apresentados mediante dois eixos de análise: no primeiro, cumpre-se detalhar os pressupostos conceituais de Imogene King e o alcance de metas, e no segundo, explora-se a convergência da teoria de King no cuidado às relações sorodiferentes no que concerne aos seus limites, possibilidades e desdobramentos nos sistemas pessoal, interpessoal e social.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O Alcance de Metas de King: um breve panorama

Imogene King nasceu em 1923 em West Point, Iowa, nos Estados Unidos, e foi a responsável pelo desenvolvimento da Teoria do Alcance de Metas. Sua teoria teve gênese a partir da década de 1960, com a evolução dos pressupostos conceituais que a teorista acreditava fundamentar as ações dos cuidados de enfermagem. A base conceitual de seu pensamento emergiu da relação entre enfermeiro e paciente com vistas ao alcance de objetivos, traçados e executados por meio do processo de interação entre os mesmos e do indivíduo com o ambiente.⁷

King fundamentou sua teoria no modelo de sistemas abertos de Ludwig von Bertalanffy, considerando que a ciência do todo que é abordada no modelo trouxe-lhe esperança de que a complexidade da enfermagem poderia ser analisada como “um todo organizado”. A teoria de King corroborou para fortalecer o ensino de enfermagem, servindo de estrutura para diversos programas de formação de enfermeiros.⁸

A teoria de King é considerada uma grande teoria dentro da estrutura holárquica do conhecimento em enfermagem, tendo servido de referência para pesquisadores ao redor do mundo no desenvolvimento de teorias de médio alcance e em situações de pesquisa empírica, assim como na própria prática de enfermagem.⁸

Em sua obra, “Toward a theory for Nursing: General Concepts of Human Behavior”, publicada em 1971, King propõe uma estrutura conceitual à enfermagem, conceito inicial fundamental que iluminou a autora a evoluir em direção à sua teoria. Logo após, King publicou “A Theory for Nursing” em 1981, obra que amplia seus conceitos iniciais e identifica a estrutura de sistemas abertos, conceito principal que configurou sua teoria.⁸

O modelo dos sistemas abertos pensado por King define a saúde como uma harmonia contínua a fatores estressores no ambiente, sejam eles internos ou externos ao sujeito. Esses sistemas, segundo a teórica, formam os indivíduos e se apresentam como dinâmicos e interatuantes na busca por garantir o equilíbrio e a saúde. King nominou os três sistemas de pessoal, interpessoal e social.⁷

O sistema pessoal consiste na visualização de características próprias de cada indivíduo que, segundo King, reagirão aos eventos vivenciados segundo suas percepções, expectativas e ansiedades. Por conseguinte, cada indivíduo tem seu sistema pessoal e detém consigo suas singularidades. Entre os principais conceitos que formam o sistema pessoal, estão a percepção, o ego, o crescimento e desenvolvimento, a imagem corporal, o espaço, o aprendizado e o tempo.⁷

O sistema interpessoal reflete um dos conceitos que fundamentam a teoria: a interação. Dessa forma, os seres humanos vivem em interação no ambiente, formando díades, tríades ou grupos à medida que se estabelecem relações humanas por meio da comunicação, outro conceito que figura nesse sistema, bem como transação, papel e estresse, que serão detalhados no próximo eixo.⁷

O sistema social abrange o viver do indivíduo em sociedade, no qual inclui o âmbito familiar, grupos religiosos, sistemas educacionais, sistemas de trabalho, entre outros. O principal conceito desse sistema está relacionado à organização, em que cada ser humano tem papéis e vive em sociedade a partir de regras sociais, comportamentos e práticas visando ao bem-estar dessa organização social, no qual está relacionado com o alcance de metas tanto pessoais quanto organizacionais.⁷ Além da organização, conceitos como autoridade, poder, status, tomada de decisão e controle também constituem esse sistema.⁷

É por meio desses três sistemas, segundo King, que o enfermeiro é capaz de interagir com os pacientes e chegar a uma compreensão de suas necessidades, nas quais cada um deles possui conceitos relevantes e que devem ser considerados no planejamento do cuidado.

A sorodiferença ao HIV nos sistemas pessoal, interpessoal e social

No contexto das relações sorodiferentes ao HIV, o sistema pessoal proposto por King pode ser visualizado na figura da PVHIV, na busca por compreender suas necessidades individuais partindo da ideia de como essas pessoas se veem, se desenvolvem e se percebem no ambiente em que vivem.

A percepção, principal conceito desse sistema, refere-se à representação daquilo que é real de cada ser humano, processada por seus sentidos e memória e, por fim, interpretada, ou seja, é subjetiva e pessoal.⁷ Tal conceito pode ser relacionado a como cada PVHIV entende e lida com a infecção, como seus sentimentos, o impacto do diagnóstico em sua vida e seu entendimento quanto às perspectivas de ter uma vida com qualidade.

A percepção está intimamente relacionada ao conceito de ego, tendo em vista que esse é composto de pensamentos e sentimentos que constituem a percepção que a pessoa tem de sua existência individual.⁷ Desde o acesso ao diagnóstico à constância da adesão ao tratamento antirretroviral (TARV), a PVHIV pode vivenciar percepções diferentes no que tange ao vírus e à possibilidade de se relacionar com um parceiro sorodiferente, como viver sob a ótica dos medos, a não aceitação do diagnóstico, adoção do sigilo, como proteção, fuga do tratamento, bem como a reprodução de estigmas relacionados à infecção.⁹-¹¹

Segundo a teórica, a percepção se forma a partir da disponibilidade de informações no momento presente.⁷ Assim, é comum os pacientes vivenciarem um momento crítico no início do diagnóstico, uma vez que os mesmos não detêm conhecimento suficiente e atualizado sobre os avanços da terapêutica relacionada ao HIV, como a importância do TARV na redução da carga viral a taxas indetectáveis e estratégias disponíveis para um planeamento familiar seguro.¹² Assim, o enfermeiro estabelece um elo colaborativo para a promoção da construção de uma base para a formação de percepções.

O crescimento e o desenvolvimento no sistema pessoal compreendem a evolução das pessoas ao longo da vida, bem como as mudanças que podem afetar suas metas e necessidades de cuidado.⁷ Ao se descobrir como uma PVHIV, sentimentos negativos podem reger esse momento, como medo da dor e da morte, angústia por achar que pode contaminar o parceiro, achar que sua vida afetiva/sexual está condenada, ou ainda acreditar na impossibilidade de gerar um filho saudável. Esses sentimentos se originam por se tratar de uma infecção sexualmente transmissível incurável e ainda consistir em um distúrbio socialmente estigmatizado e envolta em mitos e preconceitos.¹²,¹³

Essas demandas vão sendo ultrapassadas à medida que os sujeitos adentram os serviços de saúde, aderem ao tratamento e, sobretudo, estabelecem o vínculo com o enfermeiro que, ao identificar essas nuances, traçam as metas necessárias. Assim, a PVHIV passa por esse processo de construção e transformação, a fim de atualizar o self e ter uma visão de si como um ser humano que abriga em seu corpo um vírus, mas que pode ter uma expectativa de vida, além de poder vivenciar experiências, como se relacionar novamente com um parceiro que pode ter um status sorológico diferente.¹⁴,¹⁵

O sistema pessoal ainda destaca a imagem corporal, caracterizada pela maneira como os sujeitos conceitualizam não só a sua própria aparência, mas as reações dos outros a ela.⁷ A imagem corporal pode ser afetada por diversos fatores relacionados à infecção e, em muitos casos, pelos efeitos colaterais do tratamento que afetam o corpo, estando também relacionada à baixa autoestima por ter a percepção de si negativa e representar um risco ao seu parceiro com sorologia negativa.¹⁶ Tais aspectos podem acarretar mudanças na qualidade de vida e no bem-estar emocional.

O tempo em que ocorrem as mudanças de percepções e comportamentos é relacional e pode ser conforme as etapas da vida pessoal, como afirma a teórica. Por conseguinte, cada indivíduo vivencia seu processo de mudança conforme suas singularidades e acontecimentos.⁷ Essa compreensão é fundamental para que o enfermeiro entenda as necessidades da PVHIV, conforme o tempo que cada uma precisa, para construir novas percepções sobre a infecção e se desfazer das antigas, sobretudo aquelas que se configuram obstáculos para a adesão ao tratamento e adoção de comportamentos saudáveis.

Desse modo, à medida que o processo de crescimento e desenvolvimento acontece, as metas traçadas pelo enfermeiro mudam e acompanham esse processo de transformação, mediados pelas necessidades do paciente. Portanto, as metas estabelecidas mudam com o passar do tempo.⁷

O sistema interpessoal formado pelo agrupamento de indivíduos pode ser materializado na PVHIV em uma relação afetiva com seu parceiro soronegativo, bem como uma relação estabelecida entre profissional (enfermeiro) e parceiro. Nesse contexto, os casais sorodiferentes enfrentam mudanças e adaptações no relacionamento fomentadas pelo caráter transmissível e incurável do HIV.¹⁷ Essas mudanças causam impacto no relacionamento e no comportamento afetivo-sexual do casal, que pode levar desde a abstinência sexual entre eles até atitudes de negação do risco de aquisição e transmissão do vírus.¹²

O conceito de interação está pautado no desempenho de papéis individuais entre os envolvidos durante o processo de comunicação para elaborar metas e desenvolver meios para alcançá-las.⁷ Dessa forma, a interação acontece na tríade enfermeiro, PVHIV e parceiro soronegativo, esse último também deve ser alvo das ações de cuidados, a fim de potencializar o alcance de metas, posto que a terapêutica no contexto da sorodiferença deve ser encarada como uma díade, a fim de fortalecer a prevenção dos riscos e atuar nos desafios e elucidação sobre o convívio com a infecção.¹⁷

A comunicação, em suas múltiplas manifestações, consiste na permuta de pensamentos e opiniões entre indivíduos, bem como prescinde do conhecimento e habilidades do enfermeiro para uma assistência de enfermagem de qualidade.⁷ O cerne da comunicação entre parceiros sorodiferentes e enfermeiro não está limitado apenas às questões clínicas, mas deve estar direcionado também à promoção da escuta qualificada, educação em saúde e suporte emocional.¹² Vale ressaltar a importância de uma comunicação acolhedora e sem preconceitos para propiciar a criação do vínculo e confiança entre parceiros e profissional.¹⁴-¹⁸

As transações constituem as complexas interações entre os sujeitos incluídos no cuidado à saúde e meio ambiente, no qual o enfermeiro detém a incumbência de mediar esse processo contínuo de ação e reação, ou seja, trata-se do processo de superação das dificuldades.⁷

Nesse sentido, a concretude da transação está alicerçada na efetivação das metas acordadas, envolvendo a tríade (enfermeiro-PVHIV-parceiro) durante as interações, como nas consultas de enfermagem no que tange ao diálogo a respeito da adesão aos antirretrovirais, seja como tratamento ou profilaxia, ao método preventivo mais seguro, ao planejamento familiar consoante aos aspectos culturais e psicossociais do casal, bem como ao gerenciamento dos riscos existentes de acordo com as vulnerabilidades dos parceiros.¹⁴-¹⁸

O conceito de papel atribuído por King reforça a importância de o enfermeiro e os parceiros reconhecerem que, em um momento, encontrar-se-ão na função de doador e, em outro, de receptor, a depender do espaço e da situação.⁷

O enfermeiro detém consigo uma gama de conhecimentos e habilidades que se transformam em referências para os parceiros aderirem às condutas promotoras de bem-estar, que vão desde os cuidados voltados às medicações (TARV, profilaxia pré-exposição e profilaxia pós-exposição) até os comportamentais. Na figura de receptor, a escuta sensível e acolhedora do enfermeiro fomenta o papel de doador dos parceiros ao levantar suas dúvidas, questões, medos e ansiedades quanto à vivência da sorodiferença.¹⁹,²⁰ Tal conceito permeia os três sistemas e, quando não há adequação do “eu” ao papel a ser desempenhado, resulta em estresse no ambiente.

O estresse corresponde a um estado de dinamicidade entre o sujeito e o ambiente, que pode alcançar os segmentos fisiológico, psicológico e social, na perspectiva de regular e controlar fatores estressores, no qual, sendo positivo ou negativo, interfere no estado emocional do indivíduo, suas interações e no desenvolvimento do seu papel.⁷ Na sorodiferença, fatores estressores podem ser marcados pela adoção do sigilo do diagnóstico entre os parceiros,⁹,¹⁰ parceiros com níveis de conhecimento sobre a infecção diferentes, enfermeiros com déficit de conhecimento sobre sua atuação diante da sorodiferença, sobretudo em relação às estratégias preventivas para uma gestação e concepção segura.¹²

Em relação ao sistema social, a teórica o caracteriza como uma organização de grupos que possuem interesses e necessidades especiais compondo sociedades, em que atividades constantes são realizadas para o alcance de metas.⁷ Nas relações sorodiferentes ao HIV, alguns grupos fazem parte das relações sociais estabelecidas com os parceiros e servem como um apoio social, como o âmbito familiar, profissional, dos amigos e da comunidade religiosa.¹⁹

A família representa uma referência importante na vida de um indivíduo por ser vista como uma rede de apoio e cuidado, e, além disso, pode ter o poder de influenciar percepções e decisões.²¹ Ao ter conhecimento acerca da sorodiferença, nem sempre as famílias dos parceiros fornecem o apoio esperado, sobretudo do parceiro soronegativo, por concentrar sua percepção em uma relação que representa um risco à saúde.¹⁷

O conceito de status está relacionado ao prestígio adquirido ao desempenhar um papel.⁷ Tal conceito pode ser visualizado quando o parceiro soronegativo é visto como um ser que se encontra em uma posição superior ao parceiro que vive com HIV, por não conviver com o vírus, sendo atribuído ao parceiro HIV positivo o papel de desmerecimento quanto a ter um parceiro soronegativo ao seu lado.¹⁷

Dessa forma, visando à meta de gerenciar os conflitos existentes e garantir o bem-estar no âmbito familiar, muitos parceiros optam pela decisão do sigilo do diagnóstico, ficando restrito apenas aos parceiros o conhecimento.⁹,¹⁹,²¹,²² Ou, ainda, optam pelo enfrentamento do desconhecimento e preconceitos que muitas vezes configuram a motivação para o desencorajamento de relações dessa natureza. Vale ressaltar a importância dessa última conduta ser incentivada juntos aos parceiros, pelo apoio da rede familiar representar um suporte e incentivo na promoção da saúde e na adesão ao TARV.¹⁰,²¹

Esse cenário evidencia a importância de o enfermeiro compreender tal sistema, uma vez que ele ajuda a identificar a estrutura social dos parceiros e as relações que são estabelecidas, a fim de visualizar os papéis sociais e os comportamentos desenvolvidos pelos atores que podem ser favoráveis ou não para o alcance de metas que contribuam com a manutenção da saúde dos parceiros.

Outro grupo social que vale destacar nesse sistema são os serviços de saúde responsáveis pelo acompanhamento dos parceiros na terapêutica, como os serviços especializados e as unidades de saúde da APS, que compartilham o cuidado da PVHIV. Esses ambientes na organização social de parceiros sorodiferentes devem usar sua autoridade e poder que, segundo King, servem como um guia para as ações do self e dos outros para acolher, orientar e prestar assistência à saúde, sempre que solicitada,⁷ mesmo diante da inexistência de um fluxo de atendimento específico a parceiros sorodiferentes ao HIV nesses serviços.

Nesse sentido, vale reforçar que a literatura menciona a necessidade de capacitação de profissionais de saúde quanto ao manejo de parcerias sorodiferentes ao HIV e atualização do conhecimento sobre as possibilidades e estratégias atuais para a manutenção dessas relações.¹-²² Essa necessidade surge em meio ao contexto de invisibilidade da sorodiferença nos serviços de saúde, que pode ser motivada por condutas estigmatizantes ou pelo déficit de conhecimento para lidar com essas demandas.¹

O poder e a tomada de decisão que King retrata podem ser relacionados à possibilidade de o enfermeiro traçar como meta sua própria capacitação, uma vez que tais conceitos são fundamentais para uma organização. Assim, a busca por conhecimento torna o enfermeiro mais preparado para lidar com a sorodiferença, pois, segundo a teórica, os julgamentos que são feitos pelos atores sociais afetam o curso de suas ações.¹²,²³

CONSIDERAÇÕES FINAIS E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

As reflexões elencadas sugerem que a Teoria do Alcance de Metas proposta por King seja um alicerce estratégico e promissor para se pensar sobre as ações de enfermagem no contexto da sorodiferença ao HIV. O entendimento dos sistemas pessoal, interpessoal e social, aplicado à PVHIV individualmente e na díade com seu parceiro, ambos inseridos em grupos na sociedade, amplia a percepção do enfermeiro quanto às necessidades que irão requerer um planejamento de metas para seu alcance.

A compreensão da interação desses sistemas fomenta o olhar holístico do enfermeiro e sinaliza a importância de o mesmo buscar o preparo profissional em nível de conhecimento que a sorodiferença requer e, assim, concretizar a meta que a enfermagem busca continuamente atingir: ofertar um cuidado integral e com qualidade.

Além disso, a relação da teoria de King com a sorodiferença elenca a importância das interações estabelecidas entre enfermeiro e parceiro, uma vez que são tidas como ponto de partida para estabelecer adesão dos mesmos com os serviços de saúde, sejam eles especializados ou em nível da APS, e uma das metas mais importantes traçadas pelas políticas de saúde voltada ao cuidado à PVHIV.

Como limitação do estudo, ressalta-se a escassez bibliográfica com abordagens da temática do cuidado de enfermagem junto ao contexto da sorodiferença ao HIV.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Antonio José Almeida Filho https://orcid.org/0000-0002-2547-9906

EDITOR CIENTÍFICO

Marcelle Miranda da Silva https://orcid.org/0000-0003-4872-7252

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  19 Jul 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  27 Fev 2024
• Aceito
  09 Maio 2024