Open-access Apropriação dos Espaços Urbanos na Infância e na Velhice em Brasília (DF)

Occupation of Urban Spaces in Childhood and Old Age in Brasilia, Brazil

Apropiación de espacios urbanos en la infancia y en la vejez en Brasília, Brasil

Resumo

Os estudos sobre as relações mútuas entre as pessoas e o ambiente buscam subsidiar melhorias no contexto urbano a partir de métodos e técnicas pautados na compreensão do uso de espaços públicos e privados. A crescente demanda pela promoção de ambientes amigáveis para idosos e crianças nos cenários urbanos direcionou esta pesquisa e elencou dois componentes: o panorama relativo à população local e o arcabouço teórico da psicologia ambiental. Para tanto, buscou-se identificar as principais atividades realizadas por crianças e idosos em seus respectivos locais de moradia. Foram avaliados os principais usos e atividades desses dois grupos, em duas vizinhanças, diferenciando-os de acordo com suas especificidades em termos de demandas individuais e ambientais. As observações sistemáticas a partir da técnica de mapeamento comportamental centrado no lugar (MCCL) ocorreram na cidade de Brasília, Distrito Federal (DF) e permitiram compreender o processo de apropriação dos espaços na infância e na velhice e suas repercussões em termos da congruência pessoa-ambiente. Cada um destes setores organizados a partir de elementos específicos direciona as ações dos participantes para determinados tipos de comportamentos, observados de maneira a compor um roteiro em que a brincadeira (lazer ativo) surge como central na infância e a caminhada (circulação) como mais potente para a população idosa. Os resultados demonstram que o diálogo entre a psicologia ambiental e a ciência do desenvolvimento humano tem sido bastante profícuo e tem contribuído para a compreensão de aspectos da relação pessoa-ambiente em diferentes momentos do ciclo de vida.

Palavras-chave: Infância; Velhice; Psicologia Ambiental; Apropriação do Espaço; Ambientes Amigáveis

Abstract

Studies on the mutual relations between people and the environment seek to support improvements in the urban context from methods and techniques based on understanding the use of public and private spaces. The growing demand for the promotion of friendly urban environments for older people and children guided this research, with two notable components: the panorama related to the local population and the theoretical framework of Environmental Psychology. Therefore, we sought to identify the main activities carried out by children and older people in their respective dwellings. The main uses and activities of these two groups were evaluated in two neighborhoods, differentiating them according to their specificities in terms of individual and environmental demands. Systematic observations using the place-centered behavioral mapping technique took place in the city of Brasília, Federal District, and allowed us to understand the process of appropriation of spaces in childhood and old age and its repercussions in terms of person-environment congruence. Each of these sectors, organized from specific elements, directs the participants’ actions towards certain types of behavior, observed in order to compose a script in which playing (active leisure) emerges as central in childhood and walking (circulation) as more potent for the older people. The results demonstrated that the dialogue between environmental psychology and the science of human development has been very fruitful and has contributed to the understanding of aspects of the person-environment relationship at different times in the life cycle.

Keywords: Childhood; Aging; Environmental Psychology; Appropriation of Space; Friendly Environments

Resumen

Los estudios sobre las relaciones mutuas entre las personas y el medio ambiente buscan aportar mejoras en el contexto urbano mediante métodos y técnicas basados en la comprensión del uso de los espacios públicos y privados. La creciente demanda de la promoción de ambientes amigables para las personas mayores y los niños en entornos urbanos guio esta investigación y enumeró dos componentes: el panorama relacionado con la población local y el marco teórico de la Psicología Ambiental. En este contexto, buscamos identificar las principales actividades que realizan los niños y las personas mayores en sus respectivas viviendas. Se evaluaron los principales usos y actividades de estos dos grupos en dos barrios, diferenciándolos según sus especificidades en cuanto a las demandas individuales y ambientales. Las observaciones sistemáticas utilizando la técnica de mapeo conductual centrado en el lugar (MCCL) ocurrieron en la ciudad de Brasília, Distrito Federal (Brasil) y nos permitieron comprender el proceso de apropiación de espacios en la infancia y la vejez y sus repercusiones en la congruencia persona-ambiente. Cada uno de estos sectores, organizados a partir de elementos específicos, orienta las acciones de los participantes hacia determinados comportamientos, observados para componer un guion en el que el juego (ocio activo) emerge como central en la infancia y el caminar (circulación) como el más potente para las personas mayores. Los resultados demuestran que el diálogo entre la Psicología Ambiental y la ciencia del desarrollo humano ha sido muy fructífero y ha contribuido a la comprensión de aspectos de la relación persona-entorno en diferentes momentos del ciclo de vida.

Palabras clave: Infancia; Vejez; Psicología Ambiental; Apropiación del Espacio; Ambientes Amigables

O investimento em ações voltadas ao fortalecimento de vínculos, apropriação dos espaços públicos e afetividade na cidade são reconhecidos como capazes de promover bem-estar e qualidade de vida e reduzir as sobrecargas e males urbanos (Angeoleto, 2018; Bonaiuto & Alves, 2012; Perlaviciute & Steg, 2012). Estudos realizados com crianças e idosos focalizam a importância atribuída aos locais de moradia na realização de suas atividades diárias e na manutenção do seu bem-estar, na abrangência que inclui a área interna da casa e seus arredores (Christensen, Carp, Cranz, & Wiley, 1992; Depeau, 2017; Lopez, Felippe, & Kuhnen, 2012; Spencer & Wooley, 2000).

A legislação brasileira (Lei 10.741/2004 e Lei 8.069/1990) enfatiza a relevância da garantia de moradia adequada, com especial atenção para as populações consideradas mais vulneráveis (crianças, idosos, mulheres e pessoas com deficiência), incluindo o acesso à serviços públicos de qualidade, a redução de barreiras e a implantação de mobiliário urbano em condições de uso para essas populações. Barreiras e facilitadores se fazem presentes nesses cenários e repercutem nos comportamentos diários, exigindo adaptações às demandas (Fischer, 1994; Fornara & Manca, 2017). Dessa forma, conduzir estudos focados no espaço vivido por crianças e idosos é buscar uma compreensão mais aprofundada das atividades do dia a dia desses grupos e do modo como o ambiente urbano tem possibilitado a satisfação de seus usuários.

A categoria denominada ambiente residencial se constitui a partir da noção de território primário e leva em conta a necessidade humana de habitar. Contudo, além da área privativa, expande-se para a vizinhança e o bairro, incorporando serviços, recursos e possibilidades de uso das áreas externas imediatas. Logo, a apropriação desses espaços e as relações sociais constituídas nesses ambientes influenciam em termos de satisfação de demandas individuais, aspectos essenciais para a promoção de ambientes mais amigáveis (Albuquerque & Günther, 2019). A habitação, em distintos níveis de análise, incorpora os ambientes residenciais e compõe os territórios primários definidos como espaços privados, controlados por aqueles que os ocupam e que fornecem abrigo. Essas territorialidades adquirem importância significativa para a população idosa e infantil, incluindo nesse âmbito os locais de moradia.

Ainda que as vivências urbanas não se ampliem na cidade como um todo, os espaços de contato diário incorporam percepções, preferências e compatibilidades, tendo em vista as necessidades individuais e aquilo que é ofertado e possibilitado pelo ambiente. Gitlin (2003) e Lima (2011) enfatizam que estudos sobre ambientes residenciais no campo da gerontologia ambiental são escassos; contudo, ponderam acerca da importância do investimento no tema devido à centralidade da moradia para a população idosa e à possibilidade do desenvolvimento de estratégias que deem suporte e reduzam as perdas associados ao envelhecimento. No que se refere à infância, Lopes & Fichtner (2017) pontuam a pouca disponibilidade de espaços para crianças nas cidades. Esses espaços públicos que poderiam proporcionar a vinculação criança-cidade, além de restritos, carecem de segurança e privam esse grupo de vivências espaciais mais amplas.

À medida que o envelhecimento populacional cresce em nível mundial, as especificidades desse grupo vêm sendo cada vez mais discutidas com o propósito de oferecer melhores condições às demandas específicas deste período. Dentre os critérios estabelecidos para um envelhecimento bem-sucedido, a satisfação com o ambiente residencial tem sido citada como um dos principais preditores (Naud, Généreux, Bruneau, Alauzet, & Levasseur, 2019; Rowe & Kahn, 1997; Tomasini & Alves, 2007). A indisponibilidade de recursos no local de moradia afeta a saúde física e mental de seus residentes. A população idosa se mostra mais vulnerável às consequências de uma comunidade com baixos níveis de suporte, o que leva a uma circulação mais restrita, um maior tempo de permanência na área interna da casa e pouco contato com a vizinhança (Stephens, Allen, Keating, Szabó, & Alpass, 2020). Estudos indicam aspectos específicos que podem oferecer suporte e promover bem-estar na velhice. Ambientes que facilitam a caminhada, com conectividade entre os percursos e acessibilidade adequada aos locais de interesse na vizinhança, por exemplo, estimulam o contato social e, consequentemente, o envelhecimento ativo. Ambientes residenciais mais amigáveis aos pedestres têm sido associados a índices menores de sintomas físicos e psicológicos entre a população idosa (Feng, Tang, & Chuai, 2017; Levasseur et al., 2017; Loo, Mahendran, Katagiri, & Lam, 2017).

Esse inter-relacionamento de fatores humano-ambientais alicerçou-se no modelo ecológico de envelhecimento proposto por Lawton e Nahemow (1973) e os pressupostos teóricos de pressão-competência e qualidade de vida (Lawton, 1991), docilidade e proatividade ambientais (Lawton, 1985, 1986). As hipóteses de docilidade e proatividade ambiental vão ao encontro de prerrogativas que indicam a necessidade de promover ambientes amigáveis, pois preconizam que ambientes com maiores níveis de pressão geram níveis mais elevados de estresse, afetando significativamente pessoas com baixa competência (habilidades físicas, cognitivas e/ou sociais). Por outro lado, a proatividade implica maior oferta de recursos ambientais, o que permite maior adaptação para um indivíduo que apresenta maior nível de competências e, consequentemente, redução dos níveis de pressão e estresse (Günther & Elali, 2018).

Aliaram-se ainda desdobramentos desse modelo, como a concepção de congruência do modelo de Kahana (1982), definida a partir da busca pela harmonia/correspondência entre preferências pessoais e recursos ambientais para promoção de satisfação e bem-estar na relação com o ambiente residencial. O suporte e a flexibilidade percebidos no ambiente, aspectos citados por Lawton (1991) em seu modelo pressão-competência, são também apontados como relevantes para a qualidade dos espaços para crianças, no sentido de facilitar a congruência entre as demandas infantis no que se refere à estimulação, exploração, segurança e relações sociais (Albuquerque, Amâncio, Günther, & Higuchi, 2018).

Nos estudos voltados para as relações da criança com o ambiente, Martha Muchow é citada como uma das precursoras no aprofundamento dessas relações no contexto urbano (Mey & Günther, 2015). Na década de 1920, Muchow e colaboradores desenvolveram estratégias de observação e elaboração de mapas para captar a inserção infantil nos diversos espaços da cidade de Hamburg, Alemanha. Buscando agregar o modo como as crianças compreendiam e se apropriavam de seus entornos, foram enfatizadas as distinções da interação com espaços em contraposição ao uso adulto e peculiaridades em termos de faixa etária, sexo e escolaridade, bem como as atividades e preferências de acordo com as experiências infantis e o significado da rua na dinâmica interna e externa nos ambientes residenciais (Lopes & Fichtner, 2017).

A atratividade do local é influenciada não somente pelas preferências da criança, mas também pela proximidade de pares que levam à formação de redes sociais e por escolhas parentais que ditam locais de permanência pautados em suas crenças e percepções (Aragonez, Amérigo, & Perez-Lopez, 2017). Os estudos de Barker e Wright (1954) são elucidativos dessas questões pois, a partir de observações naturalísticas entre as décadas de 1940 e 1970, seus mapeamentos conduziram a conclusões das alterações do comportamento infantil em função dos ambientes vivenciados diariamente e da supervisão, ou não, de adultos no momento das atividades (Carneiro & Bindé, 1997; Pinheiro, 2011).

Contudo, nos grandes centros urbanos, há um número reduzido de estudos que envolvem o uso de espaços públicos por crianças em decorrência da insegurança e da própria dificuldade metodológica no desenvolvimento de instrumentos para esse fim. Essa mobilidade infantil é enfatizada por Kyttä (2004) ao citar que cidades mais amigáveis para crianças devem estimular a circulação independente e o acesso a affordances, de maneira que esses recursos estejam ao alcance desse grupo, ou seja, em seu próprio ambiente residencial. As affordances, conceito cunhado por Gibson (1986) em sua abordagem ecológica da percepção visual, são definidas a partir de características de um estímulo que suscita e propicia ações específicas (Günther, 2011). Nesse sentido, a promoção de cuidado e troca entre a criança e os espaços promoveria a atualização constante de affordances, aprendizagens e competências para apropriação dos territórios. Nesse contexto, as affordances atuam delimitando locais de diferentes tipos de ações conforme as habilidades, necessidades e oportunidades percebidas pela criança (Broberg, Kyttä, & Fagerholm, 2013). Essas territorialidades infantis diferenciam-se entre grupos de acordo com a idade, sexo, renda, etnia e distanciamento da habitação (Valentine, 2004).

Esse panorama conduz a reflexões sobre o modo como as cidades têm se mostrado amigáveis, ou não, a crianças e idosos, tendo como base suas demandas de uso e apropriação dos espaços públicos e suas capacidades para lidar com os obstáculos presentes nos moldes urbanísticos atuais, ressaltando diferentes behavior-settings. Esse conceito cunhado por Barker na década de 1960 constitui a unidade básica para a compreensão da relação das pessoas com os ambientes, pois permite relacionar o indivíduo com os espaços em que seus comportamentos ocorrem (Pinheiro, 2011), como um roteiro que dialoga com a noção de affordances.

Para tanto, este estudo buscou identificar as principais atividades realizadas por crianças e idosos em seus respectivos locais de moradia na cidade de Brasília (DF). Foram avaliados os principais usos e atividades desses dois grupos em duas vizinhanças, aqui categorizadas como dois ambientes residenciais (AR), buscando diferenciar cada grupo de acordo com suas especificidades em termos de demandas individuais e ambientais.

Método

O estudo seguiu um delineamento correlacional a partir de uma abordagem exploratória e descritiva, tendo em vista a natureza do fenômeno estudado. Foram observados dois ambientes residenciais (AR-1 e AR-2) em distintas localidades da cidade e que surgiram de demandas distintas. Uma das localidades é proveniente de acampamentos irregulares da época da construção da cidade, que paulatinamente estruturou-se em uma comunidade mais organizada (AR-1). Os moradores receberam auxílio governamental na década de 1990 para regularização da área, que ainda se mantém em processo de definição. Em contrapartida, a outra área escolhida foi projetada nos moldes urbanísticos propostos para a cidade, tendo sido ocupada a partir da transferência de funcionários públicos, nas décadas de 1960 e 1970 (AR-2). Dessa forma, é uma área regularizada e incorpora os principais serviços de uso diário.

Foram realizadas observações sistemáticas seguindo-se os preceitos do mapeamento comportamental (MC), que pode ser centrado na pessoa (P) ou no lugar (L). No primeiro caso, o foco é na pessoa, que é acompanhada em seus trajetos e usos dos espaços. Ao centrar-se no lugar, o foco é no ambiente, de modo que os usos dos espaços pelas pessoas são observados e registrados (Pinheiro, Elali, & Fernandes, 2007). Para este estudo, optou-se pela utilização do mapeamento comportamental centrado no lugar (MCCL), tendo em vista os objetivos propostos. A técnica pressupõe a elaboração de uma representação gráfica do ambiente residencial dividida em setores. Os mapas foram elaborados por uma arquiteta a partir de informações extraídas de mapeamentos da cidade disponibilizados on-line. Cada setor foi observado em horários (manhã, tarde e noite) e dias (domingo a domingo) alternados, de modo a permitir uma visão geral das atividades desenvolvidas. Foram definidos seis setores para cada localidade a partir de observações prévias, de maneira que apresentassem características similares em termos de uso e circulação de pessoas.

Os setores de observação no ambiente residencial 1 (AR-1) incluíram: a) Setor 1: estacionamento do Parque de Exposições Agropecuárias, Ponto de Encontro Comunitário com equipamentos de ginástica (PEC) e parada de ônibus (área amarela); b) Setor 2: parada de ônibus e entorno da escola (área roxa); c) Setor 3: quadra poliesportiva e entorno da quadra (área marrom); d) Setor 4: igreja, praça e parada de ônibus (área azul); e) Setor 5: quadra comercial paralela ao estacionamento do Parque de Exposições (área verde) e; f) Setor 6: quadra comercial paralela à quadra residencial (mercados e oficinas) (área rosa).

Em relação aos setores de observação no ambiente residencial 2 (AR-2): a) Setor 1: praça com duas quadras poliesportivas e um parque infantil em frente ao Bloco C (área amarela); b) Setor 2: quadra poliesportiva, equipamentos de ginástica e percurso sombreado entrequadras (área roxa); c) Setor 3: percurso ao lado da igreja que dá acesso à rua (área marrom); d) Setor 4: percurso entre um dos blocos residenciais e a quadra comercial (área azul); e) Setor 5: entorno da escola (área verde) e; f ) Setor 6: parque infantil entre os blocos residenciais (área rosa). Os pontos sinalizados nos mapas (Figuras 1 e 2) indicam os locais em que a observadora permanecia para registro das informações no protocolo e as cores representam cada setor observado de acordo com a descrição.

Figura 1
Setores de observação do AR-1.

Figura 2
Setores de observação do AR-2.

O foco das observações foram as atividades realizadas por crianças e idosos nos setores supracitados. As informações obtidas foram redigidas em diário de campo e em protocolos de observação que permitiram o registro das frequências de idosos, crianças e os respectivos usos dos espaços selecionados em cada ambiente residencial. Para as sessões de observação, a pesquisadora caminhou entre os setores e o sistema de registro ocorreu a partir da noção de instante congelado no tempo, ou seja, a observação não ocorreu de forma contínua, mas considerou os eventos ocorridos no setor no instante observado. Logo, o tempo de registro foi fotográfico - observava-se a cena durante 5 a 10 segundos, dependendo da movimentação local no instante considerado, e realizava-se o registro, partindo-se, em seguida, para o próximo setor (Machado, Schubert, Albuquerque, & Kuhnen, 2016). Dessa forma, a pesquisadora registrou quatro atividades por setor no decorrer de aproximadamente duas horas, revezando-se entre os setores ao longo de sua caminhada. Todo o procedimento de coleta de dados foi realizado pela primeira autora/pesquisadora responsável, sem auxílio de equipe, mas com o devido acompanhamento da pesquisadora orientadora da tese/segunda autora.

O protocolo de observação foi uma adaptação dos estudos de Liberalino (2011) e Klein (2016), que conduziram MCCL em praças nas cidades de Natal (RN) e Campos Novos (SC). As categorias comportamentais são provenientes dos estudos de Robba e Macedo (2003), tendo sido também utilizadas no estudo de Liberalino (2011) e são definidas da seguinte forma: a) vazio: setor esvaziado; b) circulação: pessoas em passagem pelo local, cruzando-o, sem permanecer; c) lazer contemplativo: pessoas observando atividades no setor ou paisagens próximas; d) lazer ativo: pessoas realizando atividades físicas ou brincadeiras; e) lazer cultural: pessoas realizando atividades de leitura, escrita ou que envolvam comportamentos artísticos, como pintura, desenho, canto etc.; e) outros que não se incluem nas categorias anteriores, como conversar, comer e limpar. O protocolo elaborado para este estudo a partir das referências citadas facilitou o registro e organização das informações para posterior análise de dados.

Os procedimentos aderiram aos parâmetros éticos dispostos na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e na Resolução Complementar 510/2016, que versa sobre pesquisas nas áreas de ciências humanas e sociais. O projeto de pesquisa e os instrumentos foram submetidos ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) por meio da Plataforma Brasil, tendo sido aprovado sob parecer nº 2.894.872.

Procedimentos de coleta e análise de dados

As observações ocorreram entre os meses de julho a outubro de 2018, período não chuvoso na cidade, de forma a facilitar as caminhadas ao ar livre, tendo em vista que no período chuvoso há menor movimentação de pessoas no entorno de suas moradias e ainda poderia haver interrupções das sessões. Foram realizadas 49 sessões de observação em cada localidade, totalizando 98 sessões, 392 registros em cada setor e 2352 instantes congelados (4 momentos em cada setor por sessão de observação, sendo 24 momentos de registro por sessão).

Os dados obtidos foram descritos e representados em tabelas e gráficos de acordo com os usos de cada grupo por setor e por tipo de atividade prevista no protocolo de observação. Para cada sessão observacional, foi gerado um protocolo de observação. Os dados dos protocolos de observação foram inseridos em planilhas do Microsoft Excel para tabulação e elaboração das tabelas. Foram identificadas as diferenças entre os grupos e as vizinhanças no que concerne aos principais tipos de uso, dias e horários de maior movimentação nos ambientes residenciais pesquisados.

Resultados

Ambiente residencial 1 (AR-1)

Na distribuição dos dados das observações no AR-1 (Tabela 1), destacam-se a observação de 991 atividades realizadas por crianças ao longo de uma semana. O horário em que foi observado o menor número de crianças foi no início do dia, entre as 6h e as 8h, com aumento entre as 10h e as 12h, tendo em vista o intervalo das aulas na escola, o que gera a movimentação das crianças na área, assim como ocorre ao final da tarde, momento em que as crianças estão saindo da escola acompanhadas por seus responsáveis. O pico de atividades ocorreu entre as 16h e as 20h, principalmente às quintas-feiras, dia em que um grupo de moradores se reúne para jogar futebol na quadra poliesportiva e a plateia dos jogos é majoritariamente formada por crianças e jovens.

Tabela 1
Distribuição das crianças observadas no AR-1 conforme dias e horários da semana.

A partir da distribuição feita por setores e tipos de atividades, ficou evidente que o principal uso realizado pelas crianças na área de estudo foi o lazer ativo, o que engloba os mais variados tipos de brincadeiras (Tabela 2). Tal tipo de atividade ocorre principalmente no Setor 1, que corresponde à ampla área do estacionamento do Parque de Exposições, e no Setor 4, onde fica localizada a praça, área em que as crianças podem usufruir dos brinquedos do parque infantil e das mesas de pingue-pongue presentes no local. Há ainda bancos e aparelhos de ginástica que são utilizados para simular brincadeiras. No Setor 1, é comum observar as crianças andando de bicicleta em grupos com outras crianças e com adultos e circulando para ir à escola ou passeando com cachorros, comumente acompanhadas de adultos. A circulação nos Setores 5 e 6 ocorre para ida à sorveteria e para acesso aos mercados. Quanto ao lazer contemplativo, foi associado principalmente ao comportamento de assistir aos jogos de futebol no Setor 3, no qual se encontra a quadra poliesportiva, e de permanecer sentado em frente à residência observando a rua em companhia de adultos ou de outras crianças. O lazer cultural foi o tipo de atividade menos observada e caracterizou-se apenas pela observação de uma criança cantando e dançando e por outra criança lendo sentada. Quanto à categoria “Outros”, incluíram-se os comportamentos de conversar, comer e usar o celular.

Tabela 2
Distribuição das crianças observadas no AR-1 conforme setores e tipos de atividades.

Na distribuição dos dados das observações com a população idosa no AR-1 (Tabela 3), foram elencadas 583 atividades. O horário em que se observou menor número de idosos foi no final do dia entre as 18h e as 20h. Houve maior movimentação desse grupo no período da manhã entre as 8h e as 12h, principalmente às terças-feiras, dia em que ocorre uma feira de produtos alimentícios (verduras, legumes, frutas, temperos, dentre outros), itens de cozinha e roupas. Nos demais dias e horários, não há muita variação no que se refere à movimentação da população idosa na área.

Tabela 3
Distribuição dos idosos observados no AR-1 conforme dias e horários da semana.

Quando a distribuição é feita por setores e tipos de atividades, fica evidente que o principal uso realizado pela população idosa na área de estudo inclui-se na categoria circulação, principalmente nos Setores 1, 6 e 7 (Tabela 4). As atividades ocorreram principalmente no Setor 1, que corresponde à ampla área do estacionamento do parque de exposições, local em que ocorre a feira de itens variados às terças-feiras. Nesse espaço, os idosos conversam com os vizinhos, com os vendedores, realizam compras e degustam os itens à disposição nas bancas. Nos demais dias da semana, é possível observar os idosos circulando no Setor 1, principalmente para passear com os cachorros e para acessar outras áreas do AR-1. Contudo, os maiores índices de circulação ocorrem na área comercial, representada pelos Setores 5 e 6. Quanto ao lazer contemplativo, foi associado, principalmente, ao comportamento de permanecer sentado em frente à residência olhando para a rua, o estacionamento ou a praça. As atividades de lazer ativo fazem referência aos comportamentos de andar de bicicleta, principalmente nos Setores 1, 5 e 6, e usar os aparelhos de ginástica no ponto de encontro comunitário (PEC) localizado no Setor 1. Não foi observado qualquer tipo de atividade associada ao lazer cultural. A categoria “outros” correspondeu a comportamentos como conversar, comer e comprar na feira ao ar livre e no setor comercial.

Tabela 4
Distribuição dos idosos observados no AR-1 conforme setores e tipos de atividades.

Ambiente residencial 2 (AR-2)

Na distribuição dos dados das observações no AR-2 (Tabela 5) foram identificadas 2.174 atividades realizadas por crianças ao longo de uma semana. O horário em que se observou menor número de crianças foi no início do dia, entre as 6h e as 8h, com aumento entre as 10h e as 12h, tendo em vista o intervalo das aulas na escola, o que gera o aumento da circulação das crianças na área. No AR-2, as crianças têm permissão para brincar na área externa da escola, o que possibilita a observação das brincadeiras e interações nesse momento do dia. O pico de atividades ocorreu entre as 16h e as 20h, principalmente aos sábados. No dia e horário observado estava ocorrendo um campeonato infantil de futsal na quadra poliesportiva, o que contribuiu para o aumento significativo do número de crianças na área.

Tabela 5
Distribuição das crianças observadas no AR-2 conforme dias e horários da semana.

O principal uso das crianças no AR-2 conforme a distribuição por setores e tipos de atividades foi o lazer ativo (Tabela 6). As atividades ocorreram principalmente no Setor 1, no qual está o parque infantil, a quadra poliesportiva e a área de lazer entre os blocos de apartamentos. As brincadeiras identificadas como lazer ativo ocorreram nos Setores 5 e 6, onde estão localizadas a escola e o parque infantil. A circulação de crianças foi observada principalmente no entorno da escola. Nos demais setores, a presença de crianças circulando se deu, principalmente, para o acesso aos demais locais da área e para passear com cachorros. O lazer contemplativo foi mais comum nos Setores 1 e 6, no qual crianças observavam outras crianças brincarem. Quando se trata de lazer cultural, foi observado apenas uma ocasião em que uma criança lia em um banco próximo ao parque infantil no Setor 6. No que se refere à categoria “outros”, incluíram-se os comportamentos de conversar, comer e usar o celular.

Tabela 6
Distribuição das crianças observadas no AR-2 conforme setores e tipos de atividades.

Na distribuição dos dados das observações com a população idosa no AR-2 (Tabela 7) foram registradas 636 atividades. Houve maior movimentação de idosos na área no período da manhã, entre as 8h e as 12h, com pouca variação nos dias da semana, tendo em vista que diariamente se observou esse grupo realizando caminhadas no entorno dos blocos de apartamentos. Aos sábados, ocorreu maior movimento de idosos no período da manhã, entre as 8h e as 10h, principalmente na área onde ocorre uma feira de produtos orgânicos (Setor 3), e no período da tarde entre as 16h e as 18h, considerando os momentos de passeios com familiares (filhos e netos) e a participação em festas infantis realizadas ao ar livre.

Tabela 7
Distribuição dos idosos observados no AR-2 conforme dias e horários da semana.

A principal atividade realizada por idosos no AR-2, quando se considera a distribuição feita por setores e tipos de atividades, foi a circulação, tendo em vista o hábito de realização de caminhadas (Tabela 8). A circulação se distribuiu entre todos os setores, com frequência menor nos Setores 5 e 6, que abrangem a área da escola e do parque infantil, o que inclui uma subida íngreme, aspecto percebido como obstáculo. Os Setores 2 e 3 tornam-se mais atrativos em decorrência da área comercial e da feira de produtos orgânicos que ocorre duas vezes por semana nessa área. Sobre o lazer contemplativo, ocorreu nas áreas onde estão localizados os parques infantis (Setores 1 e 6) e fazem alusão aos idosos sentados observando as crianças brincarem. Já o lazer ativo engloba a prática de exercícios como corrida, andar de bicicleta e ginástica com orientação de profissional de educação física. A única ocasião em que se observou lazer cultural foi um idoso lendo sentado embaixo de um bloco de apartamentos. Na categoria “outros”, foram incorporados comportamentos como conversar, comprar no setor comercial e nas feirinhas, varrer, pintar, dentre outros serviços de manutenção observados na área no período de coleta de dados.

Tabela 8
Distribuição dos idosos observados no AR-2 conforme setores e tipos de atividades.

Discussão

As observações sistemáticas realizadas em cada ambiente residencial tiveram como objetivo central a identificação das atividades realizadas por crianças e idosos em cada local de estudo. A busca por tais informações conduziu para conclusões similares entre os grupos de cada vizinhança. As crianças do AR-1 e do AR-2 foram observadas principalmente em atividades de lazer ativo e os idosos em momentos de circulação pela área. Os dados permitem compreender o processo de apropriação dos espaços pelos participantes e suas repercussões em termos da congruência pessoa-ambiente (Kahana, 1982; Perlaviciute & Steg, 2012).

Especificamente, no AR-1, a distribuição das atividades mostrou que 56,9% das crianças observadas estavam envolvidas em atividades de lazer ativo, 18,8% em momentos de circulação e 15,3% em atividades diversas, não enquadradas nas categorias definidas a priori, como conversar, comer e usar o celular. O lazer contemplativo, associado principalmente à função de plateia de jogos de futebol, compôs 8,8% das observações, e o lazer cultural, apenas 0,2%. Em termos de ocupação, as brincadeiras associadas ao lazer ativo ocorreram principalmente no Setor 1 (37%) e no Setor 4 (22,8%). Apesar do Setor 1 ser composto por uma área de estacionamento, foi identificada como uma área ociosa pelos moradores, devido ao fato de permanecer vazia na maior parte do ano, sendo utilizada apenas quando ocorrem eventos no Parque de Exposições. Atualmente, o principal evento que ocorre nesse local é um encontro de clubes de motociclistas no mês de julho. Assim, por permanecer esvaziado na maior parte do tempo, o local é percebido como adequado para a prática de atividades diárias pelos moradores do AR-1. O Setor 4, em contrapartida, é a principal área de lazer identificada em termos de infraestrutura, por incluir um parque infantil, mesas de pingue-pongue, aparelhos de ginástica, bancos e mesas distribuídos ao redor dos demais elementos que compõem a praça. O Setor 3 teve nível de ocupação de 14% e envolveu principalmente lazer contemplativo, mas em outros momentos também foi possível observar crianças brincando com bola ou andando de patins e skate. Nos Setores 2 (7,9%), 5 (11,5%) e 6 (6,8%), foram observadas crianças circulando, conversando na área comercial, comendo e usando celular enquanto permaneciam sentadas. Nesses locais também se observou crianças andando de bicicleta.

No caso das crianças observadas no AR-2, 76% estavam envolvidas com atividades de lazer ativo e se concentravam nos Setores 1 e 6, locais onde se encontram os parques infantis e as quadras poliesportivas. O nível de ocupação desses dois setores foi de 50,2% e 22,7%, respectivamente. A atividade de circulação foi observada em 15,5% dos momentos, o lazer contemplativo em 3,2% e o lazer cultural em 0,04%. Quanto a outros tipos de comportamentos não elencados inicialmente, estes representaram 5,26% dos momentos observados e incluíram as mesmas categorias observadas no AR-1. A ocupação no Setor 5 representou 17,8% por ser a área onde se localiza a escola e durante os intervalos das aulas é comum observar crianças brincando em frente à escola, subindo nas árvores, jogando futebol, conversando, comendo, usando o celular ou apenas sentadas contemplando as demais crianças. Nos setores 2 (3,8%), 3 (1,9%) e 4 (3,6%), os níveis de ocupação mostraram-se mais reduzidos por serem percebidos mais como espaços de circulação, com poucas possibilidades de uso pelas crianças.

As preferências ambientais apresentadas pelas crianças reiteram o estudo de Aragonez, Amérigo e Perez-Lopez (2017), no qual se constatou maior atratividade infantil por espaços amplos e de lazer. Fatores como suporte, estimulação e manutenção, identificados por Lawton e colaboradores (1991) como centrais para a docilidade ambiental, foram percebidos pelo grau de interação das crianças com os setores de observação e pela variedade de atividades desenvolvidas. A ampliação do espaço do brincar das crianças nos intervalos das aulas no AR-2 para além da área interna da escola, permitiu a exploração do entorno e o contato com elementos naturais que direcionam a novas affordances, como subir em árvores (Machado, Schubert, Albuquerque, & Kuhnen, 2016). Porém, em termos gerais, as crianças do AR-2 concentraram-se em locais com infraestrutura urbana, tendo o brincar mediado por brinquedos presentes em parques infantis, quadras, bolas e mesas de pingue-pongue. Nessa perspectiva, ressalta-se uma redução das oportunidades de estimulação criativa, pois a apropriação do espaço se restringiu aos locais em que as affordances estavam postas de tal maneira que pouco estimularam novas habilidades (Broberg, Kÿtta, & Fagerholm, 2013; Valentine, 2004).

Quando Martha Muchow explorou a extensão do raio de ação das crianças em seus estudos, ressaltou que em cidades pequenas as vivências se tornam mais significativas, propiciando intergeracionalidade e inclusão (Mey & Günther, 2015). Ao se considerar cada local de estudo como uma pequena cidade, essas nuances apontadas por Muchow se apresentaram de maneira mais evidente no dia a dia observado das crianças do AR-1. Apesar de apresentarem menos recursos urbanos de lazer, a área de estacionamento (Setor 1) apresentou-se como um palco para exploração e realização dos mais variados tipos de atividades, com poucas restrições no que concerne à autonomia e independência infantil (Lopes & Fichtner, 2017).

Em seus estudos com crianças em ambiente escolar, Fernandes e Elali (2008) concluíram que espaços abertos permitem a construção de significados e delineiam as relações, potencializando avaliações e percepções positivas do ambiente. Níveis de bem-estar, percepção de segurança e autoestima positiva também foram identificados como mais elevados entre crianças que se envolviam em maior número de atividades externas em estudos realizados na Itália (Migliorini & Cardinali, 2011).

No que se refere aos idosos do AR-1, a atividade de circulação compôs 38,6% dos momentos observados e ocorreu principalmente nos Setores 1, 5 e 6. Novamente, a área do estacionamento surgiu como central para os moradores. É o local onde também se observou os idosos realizando a prática de caminhada, andando de bicicleta e utilizando aparelhos de ginástica, atividades que compuseram o lazer ativo, observado em 12,7% dos momentos registrados. O lazer contemplativo, presente em 14,6% das observações, reflete uma postura mais passiva dos moradores da área. Quanto aos demais comportamentos observados, indicados por 34,1% dos registros, incluíram ações como conversar, comer e comprar, que ocorreram majoritariamente no dia de feira ao ar livre, demonstrando a capacidade atrativa desse tipo de atividade para a população idosa da área e a promoção de processos de apropriação de espaços ociosos, como a área de estacionamento. O nível de ocupação dos setores reafirmou o Setor 1 como o mais frequentado por crianças e idosos, representando 42,9%. Os Setores 5 e 6 apresentaram 25,4% e 14,4% de ocupação respectivamente, por serem principalmente áreas de circulação para acesso ao comércio. No Setor 4 (14,2%), foi possível observar idosos caminhando em direção à igreja, sentados na praça contemplando os demais, conversando e sentados aguardando na parada de ônibus. Nos Setores 2 (1,4%) e 3 (1,7%), foram vistos idosos apenas circulando, mas em quantidade bastante reduzida.

A circulação também se mostrou como a principal atividade realizada pelos idosos no AR-2, representando 53,6% dos momentos observados. O lazer contemplativo (8,3%) e o lazer ativo (7,6%) apresentaram baixas porcentagens, pois foram observados poucos idosos realizando atividades mais intensas como exercício físico, por exemplo, ou sentados observando a movimentação na área. O lazer cultural também se mostrou restrito, perfazendo apenas 0,2%. Em contrapartida, outros comportamentos não listados como comprar, conversar, comer, limpar, incluídos na categoria “outros”, envolveram 30,3% e foram observados principalmente no momento de feira ao ar livre e nos períodos da manhã, quando era comum observar serviços de manutenção no Setor 1. A utilização dos setores em termos de ocupação, mostrou o Setor 1 como o mais ocupado (26,7%). Contudo, comparativamente às crianças, houve maior distribuição entre os setores, tendo em vista que os idosos circularam mais entre os setores para acessar os serviços e realizar caminhadas. Assim, os níveis de ocupação dos Setores 2, 3, 4 e 6 foram aproximados, sendo 15,9%, 23%, 16% e 14%. Apenas o Setor 5 mostrou nível mais reduzido de ocupação (4%).

As experiências de idosos em termos de preferências ambientais estão mais associadas a espaços internos (Lopez, Felippe, & Kuhnen, 2012), o que pode ter contribuído para um número reduzido de observações envolvendo esse grupo em ambos os locais de estudo. O isolamento dos moradores é percebido de maneira mais contundente entre a população idosa do AR-1, pois a área em si em que residem é mais distanciada do centro urbano e as opções de transporte público disponíveis não satisfazem as necessidades da população.

Sendo a circulação o comportamento mais frequente da população idosa nos dois locais observados, evidenciou-se a importância da acessibilidade no ambiente residencial para acesso aos serviços. Infraestrutura e mobiliário adequados direcionados às demandas de mobilidade dos moradores são considerados determinantes para uma avaliação positiva e satisfatória da vizinhança (Feng, Tang, & Chuai, 2017; Levasseur et al., 2017). Além disso, algumas soluções ambientais podem tornar o local mais atrativo e agradável; dentre elas, a presença de comércio e feiras ao ar livre, aspecto presente no AR-1 e no AR-2, constituindo-se como fator de atração para ocupação dos espaços nos dias em que as feiras ocorrem. O investimento nessas estruturas se mostrou como alternativa bastante eficaz para a apropriação dos espaços e para torná-los mais seguros para a população que por ali circula.

A identificação de fatores preditores para a caminhada por Wang e Lee (2010) reforça os achados deste estudo, tendo em vista que a percepção de segurança e a qualidade das calçadas mostraram-se como primordiais para realização dos deslocamentos diários. Complementarmente, são características que contribuem para tornar o ambiente mais amigável ao idoso e mais dócil, reduzindo os níveis de pressão ambiental, estimulando o uso e ofertando suporte para realização das atividades de vida diária (Angeoletto, 2018; Woolrych et al., 2019). Os resultados deste estudo trazem à tona a necessidade de agregar elementos ao ambiente que possam fortalecer não somente essa docilidade, mas também a proatividade da população idosa para maior engajamento em atividades de lazer ativo, o que pode contribuir para promover envelhecimento bem-sucedido, inter-relacionando competências individuais, envolvimento comunitário e recursos ambientais (Naud et al., 2019; Rowe & Kahn, 1997; Tomasini & Alves, 2007).

As observações sistemáticas realizadas por setores permitiram conceber um comportamento mais saliente em cada um desses behavior-setting (Pinheiro, 2011), remetendo às conclusões de Barker e Wright (1954) quando realizaram observações em uma pequena cidade americana. Assim, cada setor organizado a partir de elementos específicos direciona o comportamento das crianças e dos idosos para determinados tipos de comportamentos, observados de tal maneira a compor um roteiro em que a brincadeira (lazer ativo) surge como central na infância e a caminhada (circulação) como mais potente para a população idosa. Evidentemente, a brincadeira e a caminhada não são as únicas affordances possíveis nesses setores; contudo, suas frequências foram mais altas, demostrando a importância para cada grupo e evidenciando que os setores observados facilitam e sugerem a realização de tais tipos de comportamentos, ainda que outros sejam possíveis.

Considerações finais

O diálogo entre a psicologia ambiental e a ciência do desenvolvimento humano tem se mostrado bastante profícuo e tem contribuído para a compreensão de aspectos da relação pessoa-ambiente em diferentes momentos do ciclo de vida. As observações realizadas nesse estudo permitiram uma ampliação do entendimento acerca do cotidiano de crianças e idosos em termos de apropriação do espaço público e usos do local de moradia.

Ainda assim, algumas limitações podem ser identificadas, com o propósito de contribuir para realização de estudos similares. A área de abrangência proposta para realização das sessões de observação, por exemplo, por ser extensa, impôs um tempo e uma exposição maiores do observador, o que ocasionou momentos de insegurança em alguns horários, principalmente à noite e quando havia pouca movimentação de pessoas nos setores. Também tornou mais propício que as pessoas ao redor percebessem a movimentação do observador. Nesse sentido, estudos futuros podem incluir estratégias distintas para minimizar essas dificuldades. Dentre as possíveis alternativas, a realização de mapeamentos centrados nas pessoas ou entrevistas caminhadas, de maneira a aprofundar a percepção das pessoas em relação aos seus entornos. Essas informações poderiam complementar mapeamentos centrados no lugar, como o que foi desenvolvido nesta pesquisa.

Outra possibilidade relacionada ao instrumento seria incluir outros tipos de comportamentos ao observar sistematicamente o cotidiano de contextos residenciais. As categorias presentes no roteiro de observação utilizado nessa proposta, podem ser ampliadas de maneira a abarcar a conversa, o uso do comércio e de equipamentos tecnológicos e diferentes tipos de brincadeiras e/ou exercícios físicas, de acordo com o público de abrangência. Podemos afirmar que este estudo constitui um registro da interação de crianças e idosos com seus entornos no período anterior à pandemia de Covid-19. Os resultados apresentados dialogam com a literatura e com a realidade de cada local, o que nos permite a proposição de estudos futuros sobre o tema.

Referências

  • Albuquerque, D. S., & Günther, I. A. (2019). Onde em nós a casa mora? Os ambientes residenciais nas relações pessoa-ambiente. In M. I. G., Higuchi, A. Kuhnen, & C. Pato, Psicologia ambiental em contextos urbanos (pp. 16-33). Edições do Bosque.
  • Albuquerque, D. S., Amâncio, D. A. R., Günther, I. A., & Higuchi, M. I. G. (2018). Contribuições teóricas sobre o envelhecimento na perspectiva dos estudos pessoa-ambiente. Psicologia USP, 29(3), 442-450. https://doi.org/10.1590/0103-656420180142
    » https://doi.org/10.1590/0103-656420180142
  • Angeoletto, F. (2018). A busca por cidades saudáveis. Vida Urbana e Saúde: Estudos Avançados, 32(93), 255-259. https://doi.org/10.5935/0103-4014.20180043
    » https://doi.org/10.5935/0103-4014.20180043
  • Aragonez, J. I., Amérigo, M., & Pérez-López, R. (2017). Residential satisfaction and quality of life. In G. Fleury-Bahi, E. Pol & O. Navarro (Eds.). Handbook of environmental psychology and quality of life research (pp. 311-328). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-31416-7
    » https://doi.org/10.1007/978-3-319-31416-7
  • Barker, R. G., & Wright, H. F. (1954). Midwest and its children: The psychological ecology of an American town. Evanston.
  • Bonaiuto, M., & Alves, S. (2012). Residential places and neighbourhoods: Toward healthy life, social integration, and reputable residence. In S. D. Clayton (Ed.), The Oxford handbook of environmental and conservation psychology (pp. 221-247). Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780199733026.013.0013
    » https://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780199733026.013.0013
  • Broberg, A., Kÿtta, M., & Fagerholm, N. (2013). Child-friendly urban structures: Bullerby revisited. Journal of Environmental Psychology, 35, 110-120.
  • Carneiro, C., & Bindé, P. J. (1997). A Psicologia ecológica e o estudo dos acontecimentos da vida diária. Estudos de Psicologia, 2(2), 363-376. https://doi.org/10.1590/S1413-294X1997000200010
    » https://doi.org/10.1590/S1413-294X1997000200010
  • Christensen, D. L., Carp, F. M., Cranz, G. L., & Wiley, J. A. (1992). Objective housing indicators as predictors of the subjective evaluations of elderly residents. Journal of Environmental Psychology , 19, 225-236.
  • Depeau, S. (2017). Children in cities: The delicate issue of well-being and quality of urban life. In G. Fleury-Bahi, E. Pol, & O. Navarro (Eds.), Handbook of environmental psychology and quality of life research (pp. 345-368). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-31416-7
    » https://doi.org/10.1007/978-3-319-31416-7
  • Feng, J., Tang, S., & Chuai, X. (2017). The impact of neighbourhood environments on quality of life of elderly people: Evidence from Nanjing, China. Urban Studies Journal Limited, 55(9), 2020-2039. 10.1177/0042098017702827
    » https://doi.org/10.1177/0042098017702827
  • Fernandes, O. S., & Elali, G. A. (2008). Reflexões sobre o comportamento infantil em um pátio escolar: O que aprendemos observando as atividades das crianças. Paidéia, 18(39), 41-52.
  • Fischer, G.-N. (1994). Psicologia social do ambiente. Instituto Piaget.
  • Fornara, F., & Manca, S. (2017). Healthy environments for the elderly. G. Fleury-Bahi, E. Pol & O. Navarro (Eds.). Handbook of environmental psychology and quality of life research (pp. 441-468). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-31416-7
    » https://doi.org/10.1007/978-3-319-31416-7
  • Gibson, J. J. (1986). The ecological approach to visual perception. Taylor and Francis.
  • Gitlin, L. N. (2003). Conducting research on home environments: Lessons learned and new directions. The Gerontologist, 43(5), 628-637. https://doi.org/10.1093/geront/43.5.628
    » https://doi.org/10.1093/geront/43.5.628
  • Günther, H. (2011). Affordance. In S. Cavalcante & G. A. Elali (Orgs.), Temas básicos em psicologia ambiental (pp. 21-27). Vozes.
  • Günther, I. A., & Elali, G. A. (2018). Docilidade ambiental. In S. Cavalcante & G. A. Elali (Orgs.), Psicologia ambiental: Conceitos para a leitura da relação pessoa-ambiente (pp. 47-59). Vozes.
  • Kahana, E. (1982). A congruence model of person-environment interaction. In M. P. Lawton, P. G. Windley, & T. O. Byerts (Eds.), Aging and the environment: Theoretical approaches (pp. 97-121). Springer.
  • Kÿtta, M. (2004). The extent of children’s independent mobility and the number of the actualized affordances as criteria for child-friendly environments. Journal of Environmental Psychology , 24(2), 179-198. https://doi.org/10.1016/S0272-4944(03)00073-2
    » https://doi.org/10.1016/S0272-4944(03)00073-2
  • Klein, C. (2016). Experiências afetivas urbanas: A relação dos habitantes com sua praça central. [Dissertação de Mestrado]. Universidade de Santa Catarina.
  • Lawton, M. P., & Nahemov, L. (1973). Ecology and the aging process. In C. Eisdorfer, & M. P. Lawton (Eds.). The psychology of adult development and aging (pp. 619-674). American Psychological Association.
  • Lawton, M. P. (1985). The elderly in context: Perspectives from environmental psychology and gerontology. Environment and Behavior, 17, 501-519. https://doi.org/10.1177/0013916585174005
    » https://doi.org/10.1177/0013916585174005
  • Lawton, M. P. (1986). Environment and aging. Center for Study of Aging, Albany, New York.
  • Lawton, M. P. (1991). A multidimensional view of quality of life in frail elders. In J. E. Birren, J. E. Lubben, J. C. Rowe, & D. E. Deutchman (Eds.). The concept and measurement of quality of life in the frail elderly (pp. 3-27). Academic Press.
  • Levasseur, M., Dubois, M-F., Généreux, M., Menec, V., Raina, P., Roy, M., Gabaude, C., Couturier, Y., & St-Pierre, C. (2017). Capturing how age-friendly communities foster positive health, social participation and health equity: a study protocol of key components and processes that promote population health in aging Canadians. BMC Public Health, 17(502), 1-11. https://doi.org/10.1186/s12889-017-4392-7
    » https://doi.org/10.1186/s12889-017-4392-7
  • Liberalino, C. C. (2011). Praça: Lugar de lazer: Relações entre características ambientais e comportamentais na Praça Kalina Maia - Natal, RN. [Dissertação de Mestrado]. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
  • Lima, A. B. R. (2011). Ambiente residencial e envelhecimento ativo: Estudos sobre a relação entre bem-estar, relações sociais e lugar na terceira idade. [Tese de Doutorado]. Universidade de Brasília.
  • Loo, B. P., Mahendran, R., Katagiri, K., & Lam, W. (2017). Walking, neighbourhood environment and quality of life among older people. Current Opinion in Environmental Sustainability, 25(8), 8-13. https://doi.org/10.1016/j.cosust.2017.02.005
    » https://doi.org/10.1016/j.cosust.2017.02.005
  • Lopes, J. J. M., & Fichtner, B. (2017). O espaço de vida da criança: Contribuições dos estudos de Martha Muchow às crianças e suas espacialidades. Revista de Educação Pública, 26(63), 755-774.
  • Lopez, M., Felippe, M. L., & Kuhnen, A. Lugares favoritos no envelhecimento: Explorando estudos e conceitos. Psicologia Argumento, 30(71), 639-649.
  • Machado, Y., Schubert, P. M. P., Albuquerque, D. S., & Kuhnen, A. (2016). Brincadeiras infantis e natureza: Investigação da interação criança-natureza em parques verdes urbanos. Temas em Psicologia, 24(2), 655-667.
  • Mey, G., & Günther, H. (2015). The life space of the urban child: Perspectives on Martha Muchow’s classic study. Transaction Publishers.
  • Migliorini, L., & Cardinali, P. (2011). Children in the neighborhood: Sense of safety and well-being. In M. Bonaiuto, M. Bonnes, A. M. Nenci, & G. Carrus (Eds.). Urban diversities: Environmental and social issues (pp. 215-225). Hogrefe. (Volume 2).
  • Naud, D., Généreux, M., Bruneau, J., Alauzet, A., & Levasseur, M. (2019). Social participation in older women and men: Differences in community activities and barriers according to region and population size in Canada. BMC Public Health , 19(1124), 1-14.
  • Pinheiro, J. Q. (2011). Behavior setting. In S. Cavalcante & G. A. Elali (Orgs.). Temas básicos em psicologia ambiental (pp. 83-97). Vozes.
  • Pinheiro, J. Q., Elali, G. A., & Fernandes, O. S. (2007). Observando a interação pessoa-ambiente: Vestígios ambientais e mapeamento comportamental. In J. Q. Pinheiro & H. Günther (Orgs.). Métodos de pesquisa nos estudos pessoa-ambiente (pp. 75-104). Casa do Psicólogo.
  • Robba, F., & Macedo, S. S. (2003). Praças brasileiras. Edusp.
  • Rowe, J., & Kahn, R. (1997). Successful aging. The Gerontologist , 37(4), 433-440.
  • Spencer, C. P., & Wooley, H. (2000). Children and the city: A summary of recent environmental psychology research. Child Care Health and Development, 26(3), 181-197. https://doi.org/10.1046/j.1365-2214.2000.00125.x
    » https://doi.org/10.1046/j.1365-2214.2000.00125.x
  • Stephens, C., Allen, J., Keating, N., Szabó, A., & Alpass, F. (2020). Neighborhood environments and intrinsic capacity interact to affect the health-related quality of life of older people in New Zealand. Maturitas, 139, 1-5. https://doi.org/10.1016/j.maturitas.2020.05.008
    » https://doi.org/10.1016/j.maturitas.2020.05.008
  • Tomasini, S. L. V., & Alves, S. (2007). Envelhecimento bem-sucedido e o ambiente das instituições de longa permanência. RBCEH, 4(1), 88-102.
  • Valentine, G. (2004). “I can handle it”: Children and competence. In G. Valentine, Public space and the culture of childhood (pp. 53-68). Ashgate.
  • Wang, Z., & Lee, C. (2010). Site and neighborhood environments for walking among older adults. Health & Place, 16, 1268-1279.10.1016/j.healthplace.2010.08.015
    » https://doi.org/10.1016/j.healthplace.2010.08.015
  • Woolrych, R., Sixsmith, J., Fisher, J., Makita, M., Lawthon, R., & Murray, M. (2019). Constructing and negotiating social participation in old age: Experiences of older adults living in urban environments in the United Kingdom. Aging and Society, 1-23.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Ago 2021
  • Aceito
    12 Dez 2022
location_on
Conselho Federal de Psicologia SAF/SUL, Quadra 2, Bloco B, Edifício Via Office, térreo sala 105, 70070-600 Brasília - DF - Brasil, Tel.: (55 61) 2109-0100 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revista@cfp.org.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro