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A noção lacaniana de imaginarização: a clínica psicanalítica e seus desdobramentos no social1 *1 Artigo extraído da tese de doutorado da primeira autora, sob orientação da segunda autora, intitulada Faces contemporâneas da imaginarização: uma contribuição à clínica psicanalítica, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia - PPGPSI-UFBA (Salvador, BA, Brasil).

Lacan’s notion of imaginarization: The psychoanalytic clinic and its social developments

La concept lacanien d’imaginarisation: la clinique psychanalytique et son déploiement dans le social

La noción lacaniana de imaginarización: la clínica psicoanalítica y sus consecuencias en lo social

Resumos

Este ensaio teórico-clínico aborda a noção de imaginarização, apenas mencionada por Lacan em três passagens de sua obra, a fim de compreender algumas manifestações clínicas e processos de segregação contemporâneos. A hipótese é de que a imaginarização é o cerne de uma operação que pode conduzir o sujeito a um modo específico e fixado de gozo. A questão principal é o tipo de relação com o objeto a e o que pode derivar desse processo no que diz respeito à economia de gozo. Aborda-se o discurso contemporâneo, sublinhando modos de gozo que podem derivar desse processo. Como se trata de manifestações sintomáticas contemporâneas na clínica, demonstram-se derivações do singular (registro por excelência da clínica psicanalítica) ao particular, no engate do sujeito com o laço social.

Palavras-chave:
Imaginarização; gozo; clínica psicanalítica; discurso capitalista


This theoretical-clinical essay discusses the notion of imaginarization, mentioned by Lacan in only three passages of his oeuvre, to understand certain contemporary clinical manifestations and segregation processes. It hypothesizes that imaginarization is at the core of an activity that can lead the subject to a fixed and specific mode of jouissance. The main question is the type of relationship with object a and what can be derived from this process regarding the economy of jouissance. Contemporary discourse is considered, emphasizing the modes of jouissance that can emerge from this process. In dealing with contemporary symptomatic manifestations in the clinic, the texts point to derivations from the singular (a quintessential register of the psychoanalytic clinic) to the particular, in the subject’s relations with social discourse.

Key words:
Imaginarization; jouissance; psychoanalytic clinic; capitalist discourse


Cet essai théorico-clinique traite du concept d’imaginarisation, évoquée par Lacan dans trois passages de son œuvre, afin de comprendre quelques manifestations cliniques et processus de ségrégation contemporains. Nous supposons que l’imaginarisation est au cœur d’une opération qui peut conduire le sujet à un mode de jouissance spécifique et figé. La question principale est le type de relation avec l'objet a et ce que l’on peut déduire de ce processus concernant l’économie de la jouissance. Nous discutons du discours contemporain, nous concentrant sur les modes de jouissance qui peuvent résulter de ce processus. En traitant des manifestations symptomatiques contemporaines dans la clinique, nous démontrons des dérivations du singulier (registre par excellence de la clinique psychanalytique) au particulier, dans le rapport du sujet au lien social.

Mots-clés:
Imaginarisation; jouissance; clinique psychanalytique; discours capitaliste


Este ensayo teórico-clínico discute la noción de imaginarización mencionada por Lacan solo en tres momentos de su obra, con el fin de comprender algunas manifestaciones clínicas y procesos de segregación contemporáneos. Se plantea la hipótesis de que la imaginarización está en el centro de una operación que puede llevar al sujeto a un modo de goce específico y fijo. La cuestión principal es el tipo de relación con el objeto a y lo qué se puede derivar de este proceso con respecto a la economía del goce. Se aborda el discurso contemporáneo enfatizando los modos de goce que pueden derivarse de este proceso. Dado que son manifestaciones sintomáticas contemporáneas en la clínica, se evidencian las derivaciones del singular (registro por excelencia de la clínica psicoanalítica) a lo particular, en la relación del sujeto con el lazo social.

Palabras clave:
Imaginarización; goce; clínica psicoanalítica; discurso capitalista


Intodução

Este ensaio teórico-clínico pretende ampliar o escopo da noção de imaginarização em psicanálise. O termo é apenas mencionado de forma alusiva por Jacques Lacan em três passagens de sua obra, sem desdobramentos. Embora não tenha sido elaborada como conceito, a noção de imaginarização merece ser explorada por suas ressonâncias na clínica contemporânea. Portanto, o objetivo aqui é explorar a noção em relação ao discurso capitalista, destacando conjugações e diferenças, para compreender algumas apresentações clínicas e processos de segregação contemporâneos. A hipótese é de que a imaginarização pode ser considerada o cerne de uma operação que conduz o sujeito a um modo específico e fixado de gozo. A questão principal é o tipo de relação com o objeto a, formulado por Lacan como objeto resto da operação de castração, e o que pode daí derivar no que diz respeito à economia de gozo.

Lacan refere-se de passagem ao termo em três momentos: nos seminários A relação de objeto (Lacan, 1956-57/1995Lacan, J. (1995). O seminário. Livro 4. A relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1956-57).) e A angústia (Lacan, 1962-63/2005Lacan, J. (2005). O seminário. Livro 10. A angústia. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1962-63).), e no texto “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano” (1960/1998aLacan, J. (1998a). Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano. In Escritos. Zahar. (Trabalho original publicado em 1960).). Em A relação de objeto (Lacan, 1956-57/1995Lacan, J. (1995). O seminário. Livro 4. A relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1956-57).), ele menciona o termo em referência à função imaginária incorporada pelo pequeno Hanns na relação com sua mãe no período anterior à castração. No texto “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano” (1960/1998), Lacan destaca a tentativa do neurótico de negar a castração e, consequentemente, favorecer a imaginarização ao tentar eliminar a falta que rege a dinâmica desejante, preservando a imagem especular constituída pelo eu. Já no seminário A angústia (Lacan, 1962-63/2005Lacan, J. (2005). O seminário. Livro 10. A angústia. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1962-63).), Lacan alerta sobre a prevalência da ordem imaginária na fantasia a partir da relação com o objeto a na tentativa de restaurar uma suposta ideia de unidade perdida.

O percurso aqui tem como gênese a constituição do sujeito. Nos textos “Além do princípio do prazer” (1920/2010dFreud, S. (2010d). Além do princípio do prazer. In Obras Completas (Vol. 14). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1920).), “Inibição, sintoma e angústia” (1926/2014aFreud, S. (2014a). Inibição, sintoma e angústia. In Obras Completas (Vol. 17). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1926).), “O futuro de uma ilusão” (1927/2014bFreud, S. (2014b). O futuro de uma ilusão. In Obras Completas (Vol. 17). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1927).) e “O mal-estar na civilização” (1930/2010eFreud, S. (2010e). O mal-estar na civilização. In Obras Completas (Vol. 18). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1930).), Freud indica a noção de desamparo [Hilflosigkeit] para articular o processo constitutivo da subjetivação humana.

A partir do traço unário, identificação fundada em um traço correlato do campo do simbólico, marca de uma ausência eclipsada, sombra de algo que estava no momento anterior à castração, escreve-se a possibilidade de reconhecimento da imagem especular no surgimento do sujeito desejante. Dito de outra forma, a imagem especular é revestida pelo registro simbólico instituído pela falta, na entrada do sujeito no campo da linguagem. A função do traço é garantir a unicidade do significante recalcado — referida à diferença, distinção — na repetição, algo do objeto perdido que o traço retém e ressurge na economia psíquica (Lacan, 1961-62/2003aLacan, J. (2003a). O seminário. Livro 9. A identificação. Centro de Estudos Freudianos do Recife. Publicação para circulação interna. (Trabalho original publicado em 1961-62).). É o momento inaugural do desejo, indicado pelo matema da fantasia ($a), que destaca o sujeito dividido, em conjunção e disjunção com o objeto a, objeto da perda, decorrente da castração, e suporte de desejo marcado pela falta. A fantasia permite ao sujeito se interrogar sobre a falta em que se constitui como desejante, uma vez que sinaliza sua relação com o objeto perdido e reencontrado na condição de resto que deixa rastros, em razão da passagem pela castração.

O sujeito só se interroga, colocando-se na dinâmica propulsora da falta que a fantasia engendra, a partir do que ali já estava para ser lido, do vulto que recai do objeto perdido. O que pode surgir como questão na estruturação da fantasia é o movimento do sujeito para “preservar, manter e proteger o lado intacto do vaso primordial que é a imagem especular” (Lacan, 1962-63/2005Lacan, J. (2005). O seminário. Livro 10. A angústia. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1962-63)., p. 51) ao distanciar-se do campo do simbólico, conforme indicado pela ideia de imaginarização. “Quanto mais envereda por esse caminho, que muitas vezes é impropriamente chamado de via de perfeição da relação de objeto, mais ele é enganado” (p. 51). Ou seja, ao se confrontar com o Outro do significante, pela via da intensificação imaginária, o sujeito neurótico pode abrir uma via de sustentação como objeto, “favorecendo assim a imaginação que lhe é própria, a do eu” (Lacan, 1960/1998aLacan, J. (1998a). Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano. In Escritos. Zahar. (Trabalho original publicado em 1960)., p. 841), para encontrar no traço uma função unificadora mais que distintiva ao imaginarizar o objeto a, atribuindo-lhe uma consistência que não existe.

De acordo com esses indícios apenas mencionados ao longo da teorização lacaniana, circunscrevemos a imaginarização como um modo peculiar de relação com o objeto a, em que há tentativa de encontrar um complemento para a falta estrutural, dando a esse objeto um caráter apreensível de materialidade. Diante dessa busca por um funcionamento unificador, que lhe permita restituir a perda, abolir o furo, há intensificação imaginária, e consequente diminuição do simbólico, resultando um tipo de satisfação baseada na imaginarização do objeto. A prevalência imaginária na economia psíquica abre espaço para maior incidência do real, visto que o corpo se introduz na economia do gozo do real através da imagem (Lacan, 1974Lacan, J. (1974). A terceira. (Analucia Teixeira Ribeiro, Trad.). Escola Letra Freudiana. (circulação interna).), com deflação do simbólico. Esse movimento pode produzir um gozo ilimitado, um encontro com o gozo mortificante do real.

Inicialmente tratamos do processo de imaginarização no laço social a fim de chamar atenção para a busca da reprodução do desamparo primordial, o que pode conduzir o sujeito a uma posição fixada de gozo. Em seguida, abordamos o discurso contemporâneo, sublinhando modos de gozo que podem derivar da imaginarização, tais como o discurso capitalista e processos de segregação. Ressaltamos, no entanto, que diferentemente do discurso capitalista, processos de segregação não indicam necessariamente sujeição a objetos do mercado, podendo sinalizar modos imaginários de relação com o Outro. Enfatizamos o que Lacan (1967/2003b)Lacan, J. (2003b). Proposição de 9 de outubro sobre o psicanalista da Escola. In Outros escritos. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1967). denomina “processos de segregação” ao abordar a função dissociadora dos grupos sociais por meio de identificações imaginárias, que ganham relevo com o esvaziamento do simbólico, na contemporaneidade.

Imaginarização e laço social

O processo de imaginarização indica um movimento do sujeito em direção à deflação do simbólico, campo responsável pela estruturação do imaginário na dinâmica da fantasia, e aponta para uma retração subjetiva do laço social. Embora modalidades discursivas permitam estabelecer relação com o Outro sem ficar submetido ao gozo, uma vez que tornam possível articular saber e gozo, o processo de imaginarização, em uma dinâmica inversa, indica intensificação do imaginário. Tal situação reduz a mobilidade do sujeito em direção à alteridade, por meio da recusa à diferença. Ainda, o processo de imaginarização pode conduzir a um gozo ilimitado, pela via da interrupção do saber na deflação do Outro, encontrando aderência no discurso capitalista (Lacan, 1972aLacan, J. (1972a). Do discurso psicanalítico. http://lacanempdf.blogspot.com/2017/07/do-discurso-psicanalitico-conferencia.html
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). Nessa posição discursiva, o sujeito passa a ser comandado pelo objeto a representativo da perda de gozo, ficando, consequentemente, fixado ao gozo próprio.

Esse processo evidencia a manobra de eliminar a diferença que marca a singularidade inerente à constituição humana. É por meio da insistência nessa aderência imaginária ao objeto, no intuito de abolir a falta, consequentemente o Outro como lugar de alteridade, que o sujeito pode ficar submetido ao gozo, “sem recursos” (Lacan, 1958-59/2016Lacan, J. (2016). O seminário. Livro 6. O desejo e sua interpretação. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1958-59)., p. 455), ou seja, retornar à posição de desamparo primordial, ficar siderado, estagnado. A sideração primeira, fruto da experiência traumática, só pode ser colocada em relação ao Outro, na medida em que o significante é o que torna possível o manejo do desamparo a fim de evitar que o sujeito seja fisgado, paralisado num gozo mortífero. Alain Didier-Weill (2010)Didier-Weill, A. (2010). Um mystère plus lointain que l’inconscient. Aubier. utiliza o termo sideração como uma espécie de estagnação, referente à experiência traumática primordial, à qual o sujeito pode aprisionar-se ao fazer frente ao campo do simbólico. A imaginarização, por sua vez, pode indicar a tentativa de aprisionamento ao gozo na subjetivação, sobretudo no confronto com o Outro, isto é, um modo precário de laço social pela via do objeto.

É a partir do initium do desejo que “a imagem i’(a) adquire prestígio” (Lacan, 1962-63/2005Lacan, J. (2005). O seminário. Livro 10. A angústia. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1962-63)., p. 51) na economia psíquica, pois revestida pelo campo do simbólico, modo de lidar com o excesso de gozo no corpo. É também pela mesma via de relação com o objeto a que se dá a pregnância imaginária. A falta constitui-se como base do funcionamento psíquico, fazendo com que o sujeito busque no objeto um modo de satisfação imaginária. Embora constantemente atravessado pelo desamparo estrutural na relação com o Outro, uma vez que não há objeto que possa restituir a completude, é a via simbólica, em interação com o imaginário e o real, que permite lidar com a falta estrutural.

A noção de desamparo, ao introduzir a dimensão da falta, aponta para a constituição do sujeito dividido como possibilidade de fazer frente à irrupção do gozo pela via significante, embora o circuito pulsional continue a ordenar gozo através da repetição mortífera. Em outras palavras, a realidade psíquica impõe-se sob ressonâncias amorfas da morte. É sob a sombra da morte, presença silente e iminente, que a sideração pode retornar, sobrepondo-se no laço social, no modo de relação com o objeto a, conforme indica o processo de imaginarização, no qual o sujeito procura no objeto um complemento imaginário que lhe restitua o objeto perdido ao descentrar sua condição desejante. Em última instância, trata-se de um movimento para a morte que diz respeito à relação com o gozo.

É importante entender esse retorno do desamparo na subjetivação como um encontro com o gozo do real, que aprofunda o sentimento de desamparo, deixando o sujeito à deriva. A noção de desamparo em Freud (1920/2010d)Freud, S. (2010d). Além do princípio do prazer. In Obras Completas (Vol. 14). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1920). está imbricada ao conceito de pulsão de morte, uma vez que o desamparo é correlato da gênese do sujeito e aponta para um gozo ilimitado. Embora modalidades discursivas indiquem modos de aparelhar o gozo por meio do significante, no discurso capitalista, por exemplo, o sujeito fica “sem recursos” por uma inversão no matema da fantasia (a → $), comandado pelo objeto, conforme assinalado por Lacan (1972a)Lacan, J. (1972a). Do discurso psicanalítico. http://lacanempdf.blogspot.com/2017/07/do-discurso-psicanalitico-conferencia.html
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. O gozo incessante do discurso capitalista coloca o sujeito no desamparo. A sideração inerente à posição fixa de gozo só pode ser manejada pela via do simbólico para evitar um excesso de gozo iminente.

Ao submeter-se ao gozo, pela imaginarização, o sujeito recoloca-se na condição de desamparo fundamental e submissão ao gozo do corpo, que não diz necessariamente respeito ao consumo e à produção ininterrupta do discurso capitalista ao equiparar o mais-gozar com a mais-valia.

O desamparo pode continuar a retornar em função da posição que o sujeito ocupa no laço. A imaginarização, por sua vez, aponta sobretudo para o processo, ou seja, o modo como o gozo ilimitado ganha corpo pela inflação imaginária no confronto com o Outro. Lacan (1972b)Lacan, J. (1972b). The seminar. Book XIXa. The knowledge of the psychoanalyst. Cormac Gallagher unpublished. ainda destaca que o que torna o discurso capitalista distinto dos demais é a Verwerfung, a rejeição do campo do simbólico, ou, ainda, forclusão, repúdio à castração. Em consonância, Quinet (2012)Quinet, A. (2012). Os outros em Lacan. Jorge Zahar. sublinha que esse discurso promove a “ilusão de completude” com o objeto (p. 57). Ao examinar o processo de imaginarização, enfatizamos a tentativa de abolir a falta pela Verneinung, negação da castração, inerente aos mecanismos psíquicos originários, à pulsão de morte. Em consequência, uma esquiva em relação ao significante, pela tentativa de encontrar no objeto um complemento para a falta. Esse movimento do sujeito na imaginarização pode tanto conduzi-lo à exclusão da falta, Verwerfung, pela via da produção e consumo de mercadorias do discurso capitalista, como levá-lo a encontrar suporte em outra posição específica e prevalente de gozo, que acaba por eliminar, momentaneamente, a falta.

Soler (2012Soler, C. (2012). Declinações da angústia: curso 2000-2001. Escuta.; 2021)Soler, C. (2021). De um trauma ao Outro. Blucher. utiliza a expressão “discurso contemporâneo” a fim de chamar atenção para o despedaçamento crescente dos laços sociais que deixa cada um sozinho com seus gozos, contrapondo-o à função própria do discurso de criar solução à incompletude constitutiva pela via dos semblantes na relação social. Os semblantes permitem fazer homologia ao objeto a, de modo a se assemelharem a algo do objeto perdido e capturado pelo traço, sem constituir unidade. Diferentemente do gozo do real que indica gozo ininterrupto e solitário, tentativa de restabelecer uma suposta integralidade perdida, o laço pressupõe interrogação sobre a falta e, consequentemente, esvaziamento do gozo na engrenagem social. A sujeição ao objeto, busca incessante de complemento para a falta, característica do processo de imaginarização, indica a fragilidade nas relações sociais. A lógica discursiva que promove a noção de imaginarização marca e nomeia essa tentativa contemporânea de promoção do Eu, que permite apenas estabelecer laços débeis com pouca ou nenhuma sustentação simbólica. Esse modo de fazer laço pode acentuar o individualismo do gozo, engendrando formas de segregação no laço social.

O crescimento das violências no Brasil, no âmbito privado e social, evidencia essa tentativa de eliminar diferenças, aniquilar alteridade, seja ela racial, de gênero, social ou étnica. O Atlas da Violência 2021 registra um crescimento de 35,2% no número de mortes violentas por causa indeterminada no período de 2018 a 2019 no Brasil. Houve aumento de 21,6% para o caso de homicídios femininos e número de mortes violentas por causa indeterminada em 2019 em relação a 2018. Mulheres negras representaram 66% das mulheres assassinadas no Brasil em 2019. Pessoas negras são 77% das vítimas de homicídios. O Atlas ressalta também a violência contra pessoas LGBTQI+ no Brasil, indicando sobretudo a violência real e simbólica propagada pela ideia de um único modelo de família que elimina diversidades sexuais e de gênero. A violência simbólica, assim como a física, visa aniquilação, apagamento da diferença, que se intensifica vertiginosamente com o discurso anti--LGBTQI+ ancorado na moralização da infância e da família (Kalil, 2020Kalil, I. (2020). Políticas antiderechos en Brasil: Neoliberalismo y neoconservadurismo en el gobierno de Bolsonaro. In A. T. Santana, Derechos en riesgo en América Latina: 11 estudios sobre grupos neoconservadores (pp. 35-53). Desde Abajo.). O documento alerta que a violência histórica contra povos indígenas apresenta dimensões material e simbólica, decorrentes das condições de sobrevivência dos povos indígenas, como também da violência física e etnocida, instrumento de controle e extermínio (Herceg, 2014Herceg, J. S. (2014). Conflicto y violencia (inter)cultural: La victimización del otro. Revista Izquierdas, 19, 158-171. https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=360133460010
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), que igualmente nega a diferença.

Modos de gozo

Tanto o isolamento como o consumo massificado podem sinalizar modos de gozo contemporâneo. A busca por promessas midiáticas de felicidade denuncia a tentativa claudicante do sujeito de suturar a falta. Frente à situação de sujeição ao objeto, o que aparece como preponderante é a “participação patente na sede da falta-de-gozar” (Lacan, 1970/2003cLacan, J. (2003c). Radiofonia. In Outros escritos. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1970)., p. 435). Ao nos interrogar sobre o que esperar dessa forma de mal-estar, Lacan diz que o objeto surge como “um mais-de-gozar em liberdade e de consumo mais rápido” (p. 436). O objeto a, primariamente situado como resto de operação de castração, ao indicar a pulsão como representante parcial da sexualidade no psiquismo, pode desdobrar-se de diversas formas. Pode ser equiparado à mercadoria a ser consumida, conforme indica o discurso capitalista, como também pode sinalizar um tipo imaginário de relação que aponta para processos de segregação.

O papel desempenhado pelas pulsões é primordial para avançarmos nos estudos sobre processos de subjetivação, levando em consideração que a cultura ingressa como fator de impossibilidade, mas também como meio de satisfação pulsional. Freud formula em “O mal-estar na civilização” (1930/2010eFreud, S. (2010e). O mal-estar na civilização. In Obras Completas (Vol. 18). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1930).) que a cultura impossibilita a satisfação, mas, por outro lado, a passagem à cultura constitui-se sob o efeito dessa perda de satisfação pulsional, que se apresenta como restos de gozo, conforme releitura lacaniana. Esses restos de gozo aparecem na compulsão à repetição, que “deve ser atribuída ao reprimido inconsciente” (Freud, 1920/2010dFreud, S. (2010d). Além do princípio do prazer. In Obras Completas (Vol. 14). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1920)., p. 178), demarcando a presença da pulsão de morte. Dito de outra forma, a cultura é também uma via de produção de gozo na medida em que a perda de satisfação pulsional, derivada da entrada no campo simbólico, presentifica o gozo no psiquismo, ou seja, é redirecionada ao recalcado que continua a afetar o sujeito.

Para abordar tanto a questão da perda quanto a presença da pulsão de morte no discurso contemporâneo, propomos revisitar alguns achados clínicos nos textos de Freud sobre o narcisismo, entre os anos 1914-1917. Em “Introdução ao narcisismo” (1914/2010aFreud, S. (2010a). Introdução ao narcisismo. In Obras Completas (Vol. 12). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1914).), Freud lança luz tanto sobre as psicoses e a melancolia como sobre a neurose. Naquele momento, ele constata que alguns pacientes pareciam não trazer questões como conversão de energia sexual ou relacionadas ao recalcamento do desejo como queixas primordiais. Em vez disso, havia insatisfação relativa a um vazio existencial, estado amorfo, desilusão insuperável e, sobretudo, impotência para estabelecer laços afetivos e para lidar com perdas jamais simbolizadas. A perda, contudo, ocorre no próprio eu. O texto sinaliza, em chave lacaniana, um modo de gozo que conduz o sujeito a confrontar-se com a perda.

Na melancolia, há conflito entre o eu e o ideal (Freud, 1917[1915] /2010cFreud, S. (2010c). Luto e melancolia. In Obras Completas (Vol. 12). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1917[1915]).), isto é, um conflito entre a atividade crítica do eu e o eu alterado pela identificação que resulta no ideal do eu. Trata-se de uma identificação do eu com o objeto perdido. A sombra do objeto cai sobre o eu, que pode ser julgado pela instância crítica como um objeto. A identificação do eu com o objeto (perdido) se transforma então em perda no eu, posto que o objeto é ausente. É uma identificação com a presentificação da própria falta no lugar da simbolização da perda de objeto. Portanto, o Eu torna-se empobrecido, com um vazio insuperável. Freud relaciona a origem inconsciente das queixas e autoacusações do melancólico com o ódio recalcado por um objeto de amor perdido, e que se justificam pelo efeito da perda do objeto de amor.

Na neurose, Freud ressalta o conflito entre o eu e as exigências narcísicas do seu ideal, o que nos ajuda a compreender as nuances do laço social no discurso contemporâneo. Freud (1914/2010aFreud, S. (2010a). Introdução ao narcisismo. In Obras Completas (Vol. 12). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1914).) aponta para a possível emergência de um modo de subjetivação: “Não seria de admirar se encontrássemos uma instância psíquica especial, que cumprisse a tarefa de assegurar a satisfação narcísica a partir do ideal do eu e que, com esse propósito, observasse continuamente o eu atual, medindo-o pelo ideal” (p. 41). O modo de subjetivação introduzido por Freud evidencia uma tentativa do sujeito de afirmação de si por meio de um fortalecimento narcísico sustentado imaginariamente, como uma ancoragem numa suposta soberania do eu. O sujeito, ao perseguir seus elevados ideais, busca um modo de satisfação narcísica, ao passo que o lugar do desejo fica escamoteado.

Freud (1914/2010a)Freud, S. (2010a). Introdução ao narcisismo. In Obras Completas (Vol. 12). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1914). trata também do “delírio de ser notado”, em sua clínica com sujeitos neuróticos. Para ele, o delírio de ser notado é atravessado pela consciência moral que aparece, “em forma regressiva, como hostil interferência de fora” (p. 43), aludindo à instância do supereu. Já no texto “A dissecção da personalidade psíquica”, Freud (1933/2010f)Freud, S. (2010f). A dissecção da personalidade psíquica. In Obras Completas (Vol. 18). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1933). propõe uma associação mais direta do delírio de ser notado à instância do supereu.

Como ponto de partida, é necessário entender a gênese e função do supereu na economia psíquica para retomarmos a questão do delírio de ser notado e do ideal do eu. O supereu, herdeiro da dissolução do complexo de Édipo, deriva desses investimentos libidinais, pois a “fase sexual dominada pelo complexo de Édipo é um precipitado” (Freud, 1923/2011bFreud, S. (2011b). O eu e o id. In Obras Completas (Vol. 16). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1923)., p. 42). Uma vez que emerge articulado ao recalcado, há relação íntima entre o supereu e o isso, por meio do processo de identificação, através do qual o supereu assimila cristalizações de investimentos libidinais que foram renunciados (Freud, 1933/2010fFreud, S. (2010f). A dissecção da personalidade psíquica. In Obras Completas (Vol. 18). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1933).). Além disso, Freud (1930/2010e)Freud, S. (2010e). O mal-estar na civilização. In Obras Completas (Vol. 18). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1930). destaca que a pulsão de morte é também assimilada pelo supereu, que se dispõe “a exercer contra o Eu a mesma agressividade que o Eu gostaria de satisfazer em outros indivíduos” (p. 92), implicando assim autodestruição.

O ideal do eu está relacionado à identificação no campo do simbólico. A formação do ideal do eu “aumenta as exigências do Eu e é o que mais favorece a repressão” (Freud, 1914/2010aFreud, S. (2010a). Introdução ao narcisismo. In Obras Completas (Vol. 12). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1914)., p. 41). Embora supereu e ideal do eu funcionem, de certo modo, conjugados, é o supereu que indica uma “relação estrutural” imbricado ao ideal do eu (Freud, 1933/2010fFreud, S. (2010f). A dissecção da personalidade psíquica. In Obras Completas (Vol. 18). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1933).). É por meio da relação com o ideal do eu que o supereu surge como um precipitado da antiga imagem dos pais, deflacionando o simbólico e, consequentemente, intensificando a pulsão de morte. Por meio do ideal do eu, do Outro, após a entrada no simbólico, o sujeito tenta reaver uma suposta imagem ideal. A questão é que, no momento em que o sujeito persegue uma imagem ideal, “poderá se deparar com o olho mortífero do supereu” (Alberti et al., 2019Alberti, S., Santos, C., & Beteille, I. (2019). A extimidade do supereu e um sujeito melancolizado. Rev. Latinoam. Psicopatol. Fundam., 22(4), 782-802. https://doi.org/10.1590/1415-4714.2019v22n4p782-8
https://doi.org/10.1590/1415-4714.2019v2...
, p. 794), resultante da tentativa de abolir a divisão.

Assim, o “delírio de ser notado” (Freud, 1914/2010aFreud, S. (2010a). Introdução ao narcisismo. In Obras Completas (Vol. 12). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1914)., p. 42) aponta para a submissão ao Um da imagem, pela diminuição do simbólico. O delírio aparece como efeito da inflação imaginária na relação com o Outro; assim, o desejo é deslocado, perde centralidade. Partindo da reflexão segundo a qual a instância do supereu na atualidade está vinculada à ideia de empuxo ao gozo incessante como fator preponderante à valoração pessoal, seria o supereu a instância psíquica especial responsável por assegurar a satisfação narcísica a partir do ideal do eu?

Na mesma direção em que Freud (1930/2010e)Freud, S. (2010e). O mal-estar na civilização. In Obras Completas (Vol. 18). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1930). assinala que a instância que leva o sujeito a se autorecriminar é o supereu, Lacan afirma que este comanda o gozo (Lacan, 1972-73/1985Lacan, J. (1985). O seminário. Livro 20. Mais, ainda. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1972-73).). E questiona: “qual é a prescrição do supereu? Ela se origina precisamente nesse Pai original mais do que mítico, nesse apelo como tal ao gozo puro, isto é, à não castração” (Lacan, 1970--71/2009Lacan, J. (2009). O seminário. Livro 18. De um discurso que não fosse semblante. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1970-71)., p. 166). Ademais, o ideal do eu também pode ser opressor, uma vez que o sujeito tenta sustentar-se por meio de elevados ideais, tendo como efeito um sentimento de impotência. Esta reflexão abre a via para pensar na possiblidade de conjugar a ação imperativa do supereu, de uniformizar formas de satisfação, com a deflação do simbólico que marca a constituição do ideal do eu na contemporaneidade. No entanto, o supereu não está necessariamente submetido ao discurso capitalista como modo preponderante de gozo. A relação entre saber e gozo não envolve os objetos do mercado comum. É essa relação que enfatizamos no processo de imaginarização, porque na medida em que diminui o valor do Outro ao imaginarizar o objeto, o sujeito pode fixar-se em posição de gozo.

As identificações parecem ocorrer a partir de ideais que garantam o cumprimento de uma ordem narcísica. Essa ordem pode ser tanto um reflexo de contingências atuais, da era da imagem e modos específicos de satisfação imaginária quanto da lógica do mercado. Lacan sublinha que os “pequenos objetos a que [vocês] vão encontrar ao sair, no pavimento de todas as esquinas, atrás de todas as vitrines, na proliferação desses objetos feitos para causar o desejo de vocês, na medida em que agora é a ciência que o governa, pensem neles como latusas” (Lacan, 1969-70/1992Lacan, J. (1992). O seminário. Livro 17. O avesso da psicanálise. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1969-70)., p. 153). Latusas é o modo como Lacan nomeia objetos produzidos pelo discurso científico como promessas de satisfação plena, supostos objetos de sutura da falta.

O discurso científico produz, no lugar de produção simbólica, significados, dando nomes às demandas que remetem ao desejo. Essas qualidades produzidas pelo discurso científico “fariam do sujeito assim constituído um indivíduo, efeito de revestimentos identificatórios e imaginarizantes do sujeito” (Elia, 2000Elia, L. (2000). Psicanálise: clínica & pesquisa. In: S. Alberti, & L. Elia (Org.), Clínica e pesquisa em psicanálise (pp. 19-35). Rios Ambiciosos., p. 21). Os modos de subjetivação produzidos pelo discurso científico contribuem para obturar o desejo. Diante da tentativa repetida de tamponar o vazio, a pulsão de morte pode tornar-se um imperativo, conduzindo o sujeito a reeditar o desamparo primordial. Ao encontrar-se refém de amarras imaginárias, pode seguir em direção a modos de gozo.

Ainda sobre latusas, Lacan aborda “a angústia — posto que é com isso que temos que nos haver —, é totalmente certo que, havendo a latusa, ela não é sem objeto” (Lacan, 1960-70/1992Lacan, J. (1992). O seminário. Livro 17. O avesso da psicanálise. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1969-70)., p. 154). Freud (1926/2014aFreud, S. (2014a). Inibição, sintoma e angústia. In Obras Completas (Vol. 17). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1926).) já havia afirmado que a angústia, assim como a inibição e o sintoma, sinaliza uma possibilidade de o sujeito se defender do desejo. Ressaltamos que o surgimento da angústia não engana naquilo que se refere ao esvaziamento simbólico, apontado pelo processo de imaginarização. A ausência da mediação do Outro, na tentativa do sujeito de apropriar-se do objeto, tem como efeito o evanescimento simbólico, cuja consequência é a angústia. Ao afirmar que o significante gera “o mundo do sujeito falante, cuja característica essencial é que nele é possível enganar” (Lacan, 1962-63/2005Lacan, J. (2005). O seminário. Livro 10. A angústia. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1962-63)., p. 87), Lacan coloca em evidência a ausência da intermediação do Outro na presença do gozo. Ainda acrescenta: “a angústia é esse corte — esse corte nítido sem o qual a presença do significante, seu funcionamento, seu sulco no real, é impensável” (p. 88). Diante da deflação do valor do significante, o sujeito encontra-se seduzido pelos objetos do mercado comum, assim como pela ideia de uma suposta soberania do Eu, obturando as vias do desejo de forma a sustentar-se em modos prevalentes de gozo e tamponar a angústia.

Esta articulação nos conduz à aproximação da formulação lacaniana sobre o significante-mestre a fim de demarcar nossa posição de que a sujeição ao objeto, sem mediação do Outro, não tem o propósito de apontar para a foraclusão da metáfora paterna, como se dá na psicose. No momento em que Lacan (1969-70/1992)Lacan, J. (1992). O seminário. Livro 17. O avesso da psicanálise. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1969-70). dá ênfase à elaboração sobre o pai real, ele articula a função do pai a uma solução de desejo possível, problematizando a figura de um pai dito interditor, visto que o significante-mestre não é encarnado pelo pai. “É que o significante-mestre, ao ser emitido na direção dos meios de gozo que são aquilo que se chama o saber, não só induz, mas determina a castração” (p. 83). A operação de castração é o efeito da incidência do significante na economia psíquica, responsável pela estruturação neurótica, indicando, portanto, a entrada do sujeito na linguagem. A tentativa de imaginarizar o objeto, aqui apontada pelo processo de imaginarização, com a consequente deflação do Outro, é uma operação derivada da estruturação da fantasia, portanto, presente em sujeitos neuróticos. Ainda assim, para fins da elaboração sobre o discurso contemporâneo, é importante compreender a articulação sobre a função do pai.

Em “Totem e tabu” (1913/2012Freud, S. (2012). Totem e tabu. In Obras Completas (Vol. 11). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1913).), Freud já sinalizava sobre o pai impossível, pai real nos termos de Lacan, como o pai possuidor de todas as mulheres da horda, aquele que goza, o privador. “A posição do pai real, tal como Freud a articula, ou seja, como um impossível, é o que faz com que o pai seja imaginado como privador” (Lacan, 1969-70/1992Lacan, J. (1992). O seminário. Livro 17. O avesso da psicanálise. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1969-70)., p. 121). O pai real, no entanto, é nada mais que um efeito da entrada na linguagem, um agente da castração, distanciando-se do pai imaginado como privador. A constituição de um pai imaginário ocorre pela via do processo de subjetivação como meio de dar conta das irrupções do gozo. “A castração é a operação real introduzida pela incidência do significante, seja ele qual for, na relação do sexo. E é óbvio que ela determina o pai como esse real impossível que dissemos” (p. 121). Se a castração é uma operação real, ela não tem como ser creditada a um pai encarnado.

O objeto a causa de desejo surge como produto dessa operação de castração. A fantasia constitui-se assim como uma amarração da realidade psíquica, visto que, para manter o desejo em atividade, é necessário “que a fantasia domine toda a realidade do desejo, ou seja, a lei” (Lacan, 1969--70/1992Lacan, J. (1992). O seminário. Livro 17. O avesso da psicanálise. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1969-70)., p. 121). A constituição da fantasia pode dar pistas sobre a maneira pela qual o sujeito mantém relação tanto com o Outro, quanto com o objeto a, já que ela se organiza a partir da estruturação do desejo que aponta para o lugar da falta.

Em consonância com Lacan, Soler (2012)Soler, C. (2012). Declinações da angústia: curso 2000-2001. Escuta. afirma que a função do pai não está relacionada à interdição. “O pai é aquele que encarna uma solução de desejo possível com a lei de limitação possível de gozo” (p. 123). A lei de limitação do gozo advém do $1 (significante-mestre) na entrada do sujeito no campo da linguagem. É uma lei da estrutura, permite ao sujeito entrar no campo da linguagem. Encarnar uma solução de desejo possível não significa encarnar o significante-mestre, conforme nos indica o discurso do mestre.

Quinet (2009)Quinet, A. (2009). Psicose e laço social: Esquizofrenia, paranóia e melancolia. Jorge Zahar. afirma que a clínica permite o encontro do pai real como pai imaginário, aquele que goza, privador de gozo para o sujeito. A constituição do pai imaginário decorre da idealização do sujeito diante do pai real, reduzindo-o ao $1, assim como nos mostra o discurso do mestre, no qual o $1 é encarnado. Quinet acrescenta: “podemos pensar a análise como uma travessia do pai, que irá do pai imaginário, como privador, ao S1, puro significante, passando pelo pai impossível do gozo” (p. 45). A travessia do pai, aqui apontada, é produtiva para compreender novos manejos na clínica psicanalítica, posto que as identificações a um significante-mestre em posição de ideal, necessárias e estruturantes para o processo constitutivo, parecem fragilizadas. As identificações tendem a ocorrer mais pela via dos pequenos outros.

No discurso contemporâneo, temos a tentativa do sujeito de imaginarizar sua relação com o Outro, desapropriando-o de qualquer valor de privação que o pai imaginário poderia sustentar ainda que de forma idealizada, dado que é um processo estruturante na constituição subjetiva. Esse movimento busca destituir o Outro de qualquer função, seja ela idealizada ou não, restando modos de gozo como forma de laço social.

Atualmente, o Outro parece não mais encarnar o $1, a partir do qual o sujeito poderia projetar ilusões para se relacionar com o mundo. No lugar, o que parece ganhar relevo é suprimir a falta através do objeto. Há um modo de supereu conformizante, “um supereu que tem formas muito mais imaginarizadas” (Soler, 2012Soler, C. (2012). Declinações da angústia: curso 2000-2001. Escuta., p. 89) do que os imperativos dos significantes-mestres. A relação que o sujeito estabelece com o Outro se aproxima mais do processo de imaginarização, no qual o Outro é equiparado às latusas, funcionando como objeto de complemento da falta, suposta satisfação de desejo. Esse movimento pode indicar uma sujeição ao gozo do Outro, correlata do desamparo fundamental.

A relação que o sujeito estabelece tanto com o Outro quanto com o objeto a, causa de desejo, que a dinâmica da fantasia pode evidenciar, reverbera no âmbito social e nos faz refletir sobre posições do sujeito na cultura. Desde o início da psicanálise com Freud, reflexões advindas da clínica não deixam de lado as repercussões na cultura. Para pensar sobre a cultura, no entanto, é importante que a nossa articulação tenha origem na teoria da clínica, já que partimos de processos singulares como efeito da entrada do sujeito no campo da linguagem. O efeito que o significante pode produzir no acesso à linguagem, que também abarca a dimensão do real — fora da linguagem, pode ser útil para elucidar manifestações clínicas contemporâneas, pois a construção subjetiva é sempre atravessada pelos anseios de uma época e de um tempo.

Processos de segregação

Os processos de segregação e o discurso capitalista parecem, a princípio, funcionar conjugados quando nos aproximamos do movimento do sujeito em direção à promoção de si mediante objetos ofertados pelo mercado, na contemporaneidade. Como aponta Lacan em Radiofonia (1970/2003cLacan, J. (2003c). Radiofonia. In Outros escritos. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1970).), não há um mestre para o qual o sujeito possa reportar-se, dado que é explorado pelos objetos. Ele lembra “os produtos a cuja qualidade, na perspectiva marxista da mais-valia, os produtores, mais que ao patrão, poderiam pedir contas da exploração que sofrem” (p. 413). Ao servir-se de objetos produzidos pelo capitalismo, o sujeito é conduzido a aderir a um modo de gozo, maneira de fazer laço, visto que a mais-valia se torna causa do desejo. No entanto, a aderência do sujeito ao objeto a como imagem de objeto de desejo, sinaliza também um modo de gozo que pode conduzir à formação de grupos sociais que cristalizam determinadas formas de identificação, posto que na expressão do gozo há tentativa de apagamento da alteridade, supressão da singularidade, pela imaginarização.

O potencial das formações de massas e os efeitos produzidos por esses arranjos sociais foram motivos de preocupação de Freud (1915/2010b)Freud, S. (2010b). Considerações atuais sobre a guerra e a morte. In Obras Completas (Vol. 12). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1915). desde a I Guerra Mundial (1914-1919), quando trata de mecanismos de intolerância, segregação e violência como constitutivos do humano, e ao abordar as identificações imaginárias, como “cobiça e afã de poder”, “cor da pele”, “patriotismo”, “normas morais”. Com isso, lembramos que “o inconsciente não é democrático, embora seja na democracia que ele encontra as condições sociais e políticas mais propícias à sua incidência e ao seu reconhecimento” (Elia, 2000Elia, L. (2000). Psicanálise: clínica & pesquisa. In: S. Alberti, & L. Elia (Org.), Clínica e pesquisa em psicanálise (pp. 19-35). Rios Ambiciosos., p. 19). Atualmente, arroubos de intolerância, segregação e violência encontram grande repercussão social e política, uma vez que essas manifestações ressurgem com novos revestimentos identificatórios e meios tecnológicos que permitem sua propagação em escala antes inexistente. A proliferação algorítmica, na qual se aposta no vale tudo da manipulação de fatos e dados, impõe grande desafio no enfrentamento dessas práticas de segregação.

Freud já apontava para a contribuição da ciência na luta contra ditos e fabricados inimigos, aqueles que se afastam, por alguma razão, do padrão hegemônico. E dava exemplo de construções imaginárias: a “mentira consciente” e o “engano intencional” (Freud, 1915/2010bFreud, S. (2010b). Considerações atuais sobre a guerra e a morte. In Obras Completas (Vol. 12). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1915)., p. 216) como mecanismos para promover a homogeneização nos grupos, através de processos de identificação e da investida ruidosa na manipulação de dados e acontecimentos históricos. Identificações imaginárias e o engano intencional são inerentes ao processo de imaginarização, visto que o sujeito busca no objeto um complemento impossível para sua falta, a fim de afirmar a suposta supremacia do eu.

Freud introduz a expressão “narcisismo das pequenas diferenças” em seu texto “O tabu da virgindade” (1917/2013Freud, S. (2013). O tabu da virgindade. In Obras Completas (Vol. 9). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1917).) para enfatizar que “as pequeninas diferenças, dentro da semelhança geral, motivam os sentimentos de estranheza e hostilidade” (p. 374). Acrescenta que os sentimentos mais pungentes, tais como inveja, ódio e agressividade, derivam desse narcisismo das pequenas diferenças e são direcionados para os que mais nos assemelham e, por isso, nos ameaçam com tal semelhança, configurando assim a rejeição narcísica. A constituição da alteridade não acontece sem grande estranhamento em relação ao outro, gerador de segregação nos grupos sociais por meio de identificações imaginárias.

Em “Psicologia das massas e análise do eu” (Freud, 1921/2011aFreud, S. (2011a). Psicologia das massas e análise do eu. In Obras Completas (Vol. 15). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1921).), Freud afirma que há “massas bastante passageiras e outras bem duradouras; massas homogêneas, que se compõem de indivíduos do mesmo tipo, e não homogêneas; naturais e artificiais, isto é, que requerem também coação externa para se manter” (p. 46). Ademais, Freud chama atenção para massas bastante organizadas, duradouras e artificiais, com e sem líder, tais como a Igreja e o Exército, colocando em primeiro plano o fato de que essas massas exigem que certa coação externa seja empregada para evitar dissolução e mudanças. Ainda em referência à Igreja e ao Exército, Freud acrescenta que prevalece a mesma ilusão de que há um chefe supremo que ama da mesma forma os indivíduos da massa.

Freud retoma a expressão “narcisismo das pequenas diferenças” (1930/2010eFreud, S. (2010e). O mal-estar na civilização. In Obras Completas (Vol. 18). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1930).) para enfatizar a satisfação da agressividade entre grupos sociais, no intuito de manter a coesão e a identificação entre seus membros. A busca por uma supremacia do eu encontra respaldo no coletivo, na medida em que o reconhecimento proveniente do grupo é necessário para a aposta do sujeito em insígnias imaginárias, com fortalecimento do eu. Paradoxalmente, essa busca constitui-se como meio de eliminar tanto a alteridade quanto a singularidade.

Na contemporaneidade, há tendência à não mediação do Outro, o “chefe supremo”. Esse chefe seria o capital, que de místico nada tem? Ou, ainda, estaria reduzido ao lugar de objeto, funcionando como o Um da imagem? O sujeito estaria à serviço do mercado comum e o capital como chefe supremo estaria na posição de objeto de desejo? Se houver a figura de um líder, seria por direcionar a demanda ao capital, utilizando o discurso de coesão familiar, uniformização dos grupos como garantia da ordem na marcha pelos objetos do mercado, assim como tenta afirmar-se na supremacia do eu? Essas perguntas partem da compreensão de que o suposto saber do Outro parece estar reduzido ao valor de uso, seja por meio da mercadoria ou pela via do objeto imaginarizado, na tentativa de obturar a falta constitutiva do humano. No processo de imaginarização, a tentativa de aplacar a falta ocorre mais pela via das identificações imaginárias do que por meio de identificações simbólicas.

Lembramos que “em todo discurso que recorre ao Tu, alguma coisa incita a identificação camuflada, secreta, que só pode ser a identificação com um objeto enigmático que não pode ser absolutamente nada, o pequeníssimo mais-de-gozar de Hitler, que não passasse de seu bigode” (Lacan, 1970--71/2009Lacan, J. (2009). O seminário. Livro 18. De um discurso que não fosse semblante. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1970-71)., p. 28). Esse discurso que recorre ao Tu, ao promover a identificação com o pequeníssimo mais-de-gozar, tem ressoado e encontrado aderência, (re)aparecendo não apenas na clínica psicanalítica, como também no laço social. A cristalização do sujeito em identificações imaginárias, e que aqui chamamos de processo de imaginarização, pode apontar tanto para o discurso capitalista quanto para a tentativa de afirmar um eu como instância totalizadora. O discurso capitalista “comporta de questionamento do mais-de-gozar sob sua forma de mais-valia” (Lacan, 1970-71/2009Lacan, J. (2009). O seminário. Livro 18. De um discurso que não fosse semblante. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1970-71)., p. 28). A mais-valia funciona aí como causa do desejo, sendo que esse modo de arranjo social vai na direção oposta à função propulsora do desejo, fundada na falta. Ainda assim é possível compreender a mais-valia como a imagem do objeto de desejo que o sujeito tenta perseguir movido pelo regime da falta-de-gozar (Lacan, 1970/2003cLacan, J. (2003c). Radiofonia. In Outros escritos. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1970).). A falta-de-gozar decorre dos efeitos da linguagem, ou seja, da perda que produziu o corpo pulsional.

Além disso, o que emerge dos campos de concentração, “para nosso horror, representou a reação de precursores ao que se irá desenvolvendo como consequência do remanejamento dos grupos sociais pela ciência, e, nominalmente da universalização que ela ali introduz” (Lacan, 1967/2003bLacan, J. (2003b). Proposição de 9 de outubro sobre o psicanalista da Escola. In Outros escritos. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1967)., p. 263). Os processos de segregação apontam para questões engendradas pelo dito progresso das ciências como a universalização do sujeito e o sujeito puro. O sujeito puro e a universalização do sujeito tornam patente um possível efeito do processo de imaginarização ao indicar a acoplagem do sujeito a um gozo como meio de apagamento, a elisão do desejo.

Lacan (1960/1998a)Lacan, J. (1998a). Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano. In Escritos. Zahar. (Trabalho original publicado em 1960). inicialmente afirma que o neurótico procura esconder a castração pela aderência às insígnias imaginárias ao mesmo tempo que, contrariando a aparência, apega-se à castração ao recusar sacrificá-la ao gozo do Outro. Posteriormente, Lacan (1977)Lacan, J. (1977). O seminário. Livro 24. O insucesso de um equívoco é o amor. http://lacanempdf.blogspot.com/2019/06/seminario-24-portugues-linsu-que-sait.html
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destaca “o engendramento do real e que esse real se prolonga pelo imaginário” (p. 66) para tratar da incidência do real sobre o imaginário pela dinâmica do gozo. Essa incidência, de acordo com a topologia borromeana, indica a economia do gozo a partir da imagem, ou seja, por meio de uma suposta ideia de completude. Em outras palavras, o sujeito tem sacrificado sua castração ao gozo do Outro, deixando-o servir-se dela (Soler, 2018Soler, C. (2018). Rumo à identidade: seminário 2014-2015. Aller.). Por isso, a importância de compreender a dimensão que o imaginário pode ocupar no discurso contemporâneo.

Em relação ao discurso capitalista, Lacan (1972/2011)Lacan, J. (2011). Estou falando com as paredes. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1972). destaca também o que o distingue: a rejeição de todos os campos do simbólico, isto é, da castração. Para Maurano (2013)Maurano, D. (2013). Da cena trágica à cena analítica. Trivium, 5(2), 19-27. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-48912013000200003&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
, no capitalismo o objeto é reduzido a seu valor de mercadoria, porque acena para a possibilidade de acesso ao gozo, via imaginária de suprimir a falta. Ainda que o discurso científico evidencie, por meio da constante oferta de objetos, a impossibilidade de suturar a falta (Lacan, 1966/1998bLacan, J. (1998b). A ciência e a verdade. In Escritos. Zahar. (Trabalho original publicado em 1966).), a tentativa de eliminar a perda pode produzir efeitos de segregação pela via do gozo.

O processo de imaginarização destaca a relação imaginária com o Outro, indica o movimento em relação ao gozo do Outro, e a tentativa ilusória de suturar a falta. O que ganha relevo em decorrência do processo de imaginarização é que, na sujeição ao gozo do Outro, o sujeito só pode se “realizar como objeto” (Lacan, 1960/1998aLacan, J. (1998a). Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano. In Escritos. Zahar. (Trabalho original publicado em 1960)., p. 841), numa operação por meio da qual sujeito e objeto não mais se diferenciam. Esse movimento pode engendrar processos de segregação.

Ao reduzir-se ao gozo, o sujeito é destituído de seu lugar desejante. Promove-se mais como valor e instrumentalização do Outro à medida que busca um arranjo social com o objeto. Ademais, “toda ordem, todo discurso aparentado com o capitalismo” (Lacan, 1972/2011Lacan, J. (2011). Estou falando com as paredes. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1972)., p. 88), ou seja, semelhante àquilo que o discurso capitalista aponta em relação à submissão ao gozo, exclui o Outro como lugar de alteridade. A deflação do saber em relação ao gozo não necessariamente indica consumo e produção, como sublinhado ao longo do texto, podendo também apontar para outras questões no modo de aderência ao gozo. De toda maneira, essa dinâmica de sustentação no gozo “deixa de lado o que chamamos, simplesmente, de coisas do amor” (p. 88), deflacionando assim valores de respeito, solidariedade e empatia e, consequentemente, aumentando o fosso da segregação.

Considerações finais

Neste artigo, abordamos o processo de imaginarização em relação ao discurso capitalista, pontuando convergências e distanciamentos, visando demarcar a noção de imaginarização como operação que pode conduzir a um modo específico e petrificado de gozo.

Tanto o caminho em direção à obtenção de recursos materiais como a relação utilitária com outros sujeitos, são questões que surgem na clínica psicanalítica e nos fazem refletir sobre posições subjetivas e sociais na atualidade. Apresentamos algumas preocupações de Freud, no início do século XX, concernentes à intolerância, à segregação e à violência, que continuam a reverberar na contemporaneidade. Esse caminho foi crucial para enfatizar um modo de supereu uniformizante que emerge consonante com a deflação do simbólico, padronizando formas de satisfação na contemporaneidade, conforme indica o processo de imaginarização.

Abordamos também processos de segregação que repercutem modos de gozo na sociedade atual refletidos na clínica psicanalítica. A aposta do sujeito no gozo individual e solitário é um aceno à morte, que não apenas reproduz o desamparo fundamental na economia psíquica, como também conduz o sujeito ao encontro abissal com a impotência.

  • *1
    Artigo extraído da tese de doutorado da primeira autora, sob orientação da segunda autora, intitulada Faces contemporâneas da imaginarização: uma contribuição à clínica psicanalítica, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia - PPGPSI-UFBA (Salvador, BA, Brasil).
  • Financiamento/Funding: Este trabalho não recebeu apoio. / This work received no funding.

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Editor/Editor: Prof. Dr. Nelson da Silva Jr.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    14 Nov 2021
  • Aceito
    04 Jan 2022
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