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Impacto das microfibras de polipropileno na tenacidade e ductilidade do solo-cimento autoadensável

Impact of polypropylene microfibers on the toughness and ductility of self-compacting soil-cement

RESUMO

O solo-cimento depende do melhoramento das suas características para garantir adequado desempenho como sistema construtivo. Diante disto, este estudo partiu do solo-cimento autoadensável com aditivo superplastificante e microfibras de polipropileno (SCAAF) para analisar a influência destas adições no comportamento frágil do compósito. Para tal, foram selecionadas misturas de SCAAF com potencial uso em paredes e aplicado os ensaios de compressão axial, de flexão por 4 pontos e de variação dimensional. Os resultados mostraram que a adição da microfibra no SCAAF aumentou a incorporação de ar, diminuiu a massa específica aparente seca e foi ineficaz no controle da retração linear durante a secagem. Por consequência, afetou negativamente à resistência à compressão simples e à flexão; e a ductilidade foi prejudicada pela baixa capacidade de ancoragem da matriz cimentícia as fibras. No entanto, foi relevante o uso da microfibra para o estado pós-fissuração do SCAAF, pois aumentou a tenacidade e reduziu a fragilidade do compósito. O SCAAF caracterizou-se como material isotrópico, com capacidade de lançamento e conformação adequados para aplicação em paredes monolíticas sem a necessidade de adensamento, alcançando aos 28 dias de idade valores de resistência à compressão simples e à flexão, respectivamente, na ordem de 4,5 MPa e 1,4 MPa.

Palavras-chave:
Construção com terra; Fluidez; Flexão; Retração

ABSTRACT

Soil-cement depends on improving its characteristics to suitable performance as a built environment. In view of this, this study started with self-compacting soil-cement with a superplasticizer additive and polypropylene microfibers (SCSCF) to analyze the influence of these additions on the composite's brittle behavior. To this end, SCSCF mixtures with potential for use in wall construction were selected and the axial strength, 4-point flexion and dimensional variation by drying tests were applied. The results showed that the addition of microfiber to the SCSCF increased the incorporation of air into the system, decreased the apparent dry mass and was ineffective in controlling linear shrinkage during drying. Consequently, it negatively affected the strength to axial and flexion; and ductility was harmed by the low anchoring capacity of the cement matrix to the fibers. However, the use of microfiber for the post-cracking state of the SCSCF was relevant, as it increased the toughness and reduced the fragility of the composite. The SCSCF was characterized as an isotropic material, with launch and conformation capacity suitable for use in monolithic walls without the need for densification, reaching at 28 days of age axial and flexion strength values, respectively, in the order of 4.5 MPa and 1.4 MPa.

Keywords:
Construction with earth; Fluidity; Bending; Shrinkage

1. INTRODUÇÃO

É indiscutível o potencial da construção com terra para o atendimento dos objetivos de desenvolvimento sustentável no setor da construção civil, devido à abundância, baixo nível de processamento e capacidade de reutilização do material. Porém, deve ser constante o estudo na implementação sistemática de técnicas construtivas energeticamente mais eficientes, aliadas a complementos capazes de induzir o melhoramento físico e mecânico do material solo, facilitando a sua utilização de forma adequada, podendo aumentar sua durabilidade e adaptabilidade à empregos antes somente destinados à materiais cimentícios ou cerâmica vermelha, tidos como convencionais para construção de edifícios, HERINGER et al. [1[1] HERINGER, A., HOWE, L.B., RAUCH, M., Upscaling Earth: material, process, catalyst, 2nd ed., Zurich, gta Verlag, 2022. doi: http://doi.org/10.54872/gta/4531.
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]; KARIYAWASAM e JAYASINGHE [2[2] KARIYAWASAM, K.K.G.K.D., JAYASINGHE, C., “Cement stabilized rammed earth as a sustainable construction material”, Construction & Building Materials, v. 105, pp. 519–527, 2016. doi: http://doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2015.12.189.
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].

Neste contexto, destaca-se o solo-cimento autoadensável (SCAA), que consiste na mistura de solo, cimento, água e aditivo químico superplastificante, podendo conter fibras ou outras adições minerais, sendo este compósito capaz de se moldar em fôrmas sem a necessidade de compactação, prensagem ou vibração. Pesquisadores como DURANTE et al. [3[3] DURANTE, L.C., VENERE, P.C., DEUS BACANI, T., et al., “Potencial inovativo do solo-cimento autoadensável para aplicação em habitações rurais. E&S”, Engineering and Science, v. 11, n. 3, pp. 56–72, 2022. doi: http://doi.org/10.18607/ES20221114741.
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], SIMIONI et al. [4[4] SIMIONI, F.C., CALLEJAS, I.J.A., DURANTE, L.C., et al., “Solo-cimento autoadensável com incorporação de areia de resíduos de construção civil para aplicação em sistema de vedação vertical”, Ambiente Construído, v. 20, n. 4, pp. 281–296, 2020. doi: http://doi.org/10.1590/s1678-86212020000400472.
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], ALCÂNTARA et al. [5[5] ALCÂNTARA, M.A.M, NUNES, S.C.B., RIO, J.F.M.E., LIMA, D.C., “Rheology and mechanical aspects of a self-compacting soil-cement in the fresh state”, Matéria, v. 22, n. 3, pp. e11876, 2017. doi: http://doi.org/10.1590/s1517-707620170003.0210.
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], MILANI e BARBOZA [6[6] MILANI, A.P.S., BARBOZA, C.S., “Contribuição ao estudo de propriedades do solo-cimento autoadensável para fabricação de paredes monolíticas”, Ambiente Construído, v. 16, n. 4, pp. 143–153, Out. 2016. doi: http://doi.org/10.1590/s1678-86212016000400110.
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], BERTÉ e ALCÂNTARA [7[7] BERTÉ, S.D.D., ALCÂNTARA, M.A.M., “Estudo do comportamento do solo-cimento autoadensável”, Revista Eletrônica de Engenharia Civil, v. 7, n. 2, pp. 37–52, 2013.] destacam que comparativamente com sistemas construtivos usuais de terra, o SCAA apresenta maior agilidade executiva devido sua fluidez no estado fresco, e mantém suas principais vantagens econômicas e ambientais como: baixa energia incorporada, contribuição no processo de descarbonização, além da possibilidade de incorporação de resíduos industriais, da agricultura e da construção civil, como de reciclagem ou reversibilidade ao final da sua vida útil.

Os resultados promissores para o SCAA quanto a resistência a compressão axial em dosagens mais pobres em cimento, na ordem de 1:8 (cimento:solo), compreendem faixas de 1,0 a 4,0 MPa; enquanto para dosagens mais ricas, de traços 1:4 (cimento:solo), as resistências variam na faixa de 3,0 a 8,0 MPa. Já a dosagem de superplastificante no SCAA está na faixa de 0,6% a 2,5% em relação à massa de cimento; e a adição de fibras e materiais pozolânicos são alternativas para melhoria da resistência e da retração, desde que sejam acrescidos em teores ideais de incorporação, AROOZ e HALWATURA [8[8] AROOZ, F.R., HALWATURA, R.U., “Mud-concrete block (MCB): mix design & durability characteristics”, Case Studies in Construction Materials, v. 8, pp. 39–50, 2018. doi: http://doi.org/10.1016/j.cscm.2017.12.004.
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]; CLAVERIE e ALCÂNTARA [9[9] CLAVERIE, J., ALCÂNTARA, M.A.M., “Influência da cinza de casca de arroz e da cal hidratada na resistência mecânica do solo-cimento auto-adensável endurecido”, Fórum Ambiental da Alta Paulista, v. 13, n. 1, pp. 206–217, 2017. doi: http://doi.org/10.17271/1980082713120171501.
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]; HELSON et al. [10[10] HELSON, O., BEAUCOUR, A., ESLAMI, J., et al., “Physical and mechanical properties of soilcrete mixtures: Soil clay content and formulation parameters”, Construction & Building Materials, v. 131, pp. 775–783, 2017. doi: http://doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2016.11.021.
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]; OUELLET-PLAMONDON e HABERT [11[11] OUELLET-PLAMONDON, C.M., HABERT, G., “Self-Compacted Clay based Concrete (SCCC): proof-of-concept”, Journal of Cleaner Production, v. 117, pp. 160–168, 2016. doi: http://doi.org/10.1016/j.jclepro.2015.12.048.
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]; MARTINS et al. [12[12] MARTINS, A.P.S., SILVA, F.A., TOLEDO, F.R.D., “Desenvolvimento e caracterização mecânica de compósitos solo-cimento autoadensáveis”, In: IV Congresso de Arquitetura e Construção com Terra no Brasil, Fortaleza, 2012.]; MA et al. [13[13] MA, C., CHEN, L., CHEN, B., “Experimental study of effect of fly ash on self-compacting rammed earth construction stabilized with cement-based composites”, Journal of Materials in Civil Engineering, v. 28, n. 7, pp. 1–10, 2016. doi: http://doi.org/10.1061/(ASCE)MT.1943-5533.0001518.
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].

No entanto, outro aspecto relevante sobre estruturas baseadas em solos é o comportamento frágil das mesmas, onde solicitações oriundas de esforços de tração e flexão geram aberturas de fissura, trinca e por fim, desconsolidação do material final. Quando o solo-cimento é submetido a estas forças, a interação entre as partículas do solo é conferida ao compósito majoritariamente pela coesão devido à presença de argila que possui baixa capacidade cimentante, não absorvendo e retransferindo os esforços de tração às adjacências, o que causa a ruptura e desagregação da estrutura, MONTARDO [14[14] MONTARDO, J.P., “Comportamento mecânico de compósitos solo-cimento-fibra: estudo do efeito das propriedades dos materiais constituintes”, Tese de M.Sc., Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999.].

Tal comportamento tem sido melhorado pela incorporação das fibras, com as sintéticas sendo preteridas devido a boa estabilidade química, menor impacto na trabalhabilidade da mistura fresca, e maiores resistência e durabilidade, tanto na fase de hidratação quanto na fase cristalizada do compósito cimentício quando comparados com as fibras naturais, FREITAS JÚNIOR e GARCEZ [15[15] FREITAS JÚNIOR, A.L., GARCEZ, M.R., “Avaliação da resistência a fadiga dos Engineered Cementitious Composites (ecc), reforçados com fibra de polipropileno e produzidos com adição de cinza de casca de arroz”, Tecnologica (Chicago, Ill.), v. 21, n. 2, pp. 116–124, Jul. 2017. doi: http://doi.org/10.17058/tecnolog.v21i2.9336.
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].

SILVA e BOSZCZOWSKI [16[16] SILVA, C.S., BOSZCZOWSKI, R.B. “Aplicabilidade de Solo-cimento Reforçado com Fibras de Polipropileno em Fundações Superficiais de Torres de Transmissão”, In: XII Simpósio de Práticas de Engenharia Geotécnica da Região Sul, 2019.] verificaram que a adição de microfibras de polipropileno aumenta significativamente a capacidade de carga à tração do solo-cimento compactado e ainda, que a adição destas fibras no solo-cimento aumenta a coesão e ductilidade do material final, sendo mais expressiva à medida que as deformações aumentam. Também foi relatado que a adição das fibras se mostrou resistente ou inadequada à homogeneização da mistura tanto em laboratório quanto em campo, possivelmente devido à baixa adição de água, próxima da umidade ótima de compactação do solo, não sendo suficiente para atingir a fluidificação e dispersão homogênea da mistura no estado fresco.

No entanto, CALLEJAS et al. [17[17] CALLEJAS, I.J.A., DURANTE, L.C., QUEIRÓZ, H.S., et al., “Avaliação de argamassa de solo-cimento autoadensável (SCAA) com fibras de polipropileno quanto à susceptibilidade a absorção de água e retração”, Engineering and Science, v. 11, n. 3, pp. 105–114, 2022. doi: http://doi.org/10.18607/ES20221114827.
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] mostraram que a adição de microfibras no SCAA altera negativamente à massa específica aparente do compósito à base de solo devido à incorporação de ar durante à mistura fresca, sendo este comportamento similar aos compósitos de matriz cimentícia, como observados por BORGES et al. [18[18] BORGES, A.P.S.N., MOTTA, L.A.C., PINTO, E.B., “Estudo das propriedades de concretos com adição de fibras vegetais e de polipropileno para uso em paredes estruturais”, Matéria (Rio de Janeiro), v. 24, n. 2, pp. e12364, 2019. http://doi.org/10.1590/s1517-707620190002.0679.
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].

Considerando a deficiência na homogeneização das fibras no solo-cimento compactado convencional, para o solo-cimento autoadensável, esta tende a ser mitigada devido ao maior fator água/cimento para o alcance da mistura fluida no seu estado fresco, bem como o presente estudo se apresenta relevante sob o aspecto de melhoramento mecânico do SCAA com fibras sintéticas, agora denominado SCAAF para a contenção das manifestações patológicas presentes em materiais com comportamento frágil.

Assim, o objetivo desta pesquisa foi avaliar a influência e a interação do cimento, aditivo superplastificante e microfibras de polipropileno no desempenho do solo-cimento autoadensável considerando os parâmetros mecânicos de resistência à compressão, à flexão, a tenacidade e a ductilidade para aplicação em paredes monolíticas de edificações.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Para a avaliação da influência das adições de cimento, aditivo superplastificante de éter policarboxilato e fibras de polipropileno no comportamento físico-mecânico do solo-cimento autoadensável foi considerado o estudo fatorial das dosagens do SCAAF realizado por NAGATA e MILANI [19[19] NAGATA, R.R., MILANI, A.P.S., “Influência dos materiais na autoadensabilidade do solo-cimento com adição de fibras sintéticas”, In: XI Encontro de Sustentabilidade em Projeto, pp. 294, 2022.] , sendo selecionados a composição dos traços de SCAAF (Tabela 1) pelo critério de resistência à compressão simples mínima de 1,3 MPa aos 7 dias de idade, pois este é o parâmetro descrito na ABNT NBR 17014 [20[20] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 17014: Taipa de Pilão – Requisitos, procedimentos e controle, Rio de Janeiro, ABNT, 2022.] para aplicação do solo-cimento compactado em paredes monolíticas; como também o alcance da consistência fluída do SCAAF no estado fresco conforme FERREIRA [21[21] FERREIRA, A.P.F., “Proposta de metodologia para determinação da autoadensabilidade do solo-cimento”, Tese de M.Sc., Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2020.], a qual recomenda a faixa de 320 e 460 mm de diâmetro de espalhamento do SCAAF quando aplicado o ensaio de Slump Flow com o cone de Abrams modificado (diâmetros de abertura inferior de 50 mm e superior de 100 mm e altura de 150 mm) da ABNT NBR 15823-2 [22[22] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 15823, Concreto autoadensável – Parte 2: Determinação do espalhamento, do tempo de escoamento e do índice de estabilidade visual – Método do cone de Abrams, Rio de Janeiro, ABNT, 2017.].

Tabela 1
Composição dos tratamentos de SCAAF.

Desta forma, os materiais para a composição dos tratamentos de SCAAF estudados foram: solo classificado como A-2-4 segundo critérios da AASHTO (American Association of State Highway and Transportation Officials), distribuição granulométrica de 83% de areia e 17% de finos (argila + silte), não líquido (NL) e não plástico (NP), visto que solos de características arenosas apresentam melhor desempenho físico-mecânico quando estabilizados com aglomerante cimentício; cimento CPV-ARI devido ao baixo índice de adições (máximo 5% de material carbonático), assim mitigando a ocorrência de interferências nas reações de interação química cimento-argilominerais do solo-superplastificante; microfibras de polipropileno com comprimento de 12 mm, densidade de 0,9 g/cm3, resistência à tração de 300 MPa e Módulo de Young de 3000 MPa; e aditivo superplastificante à base de policarboxilato MC-PowerFlow do fabricante MC-Bauchemie para alcance da autoadensabilidade pelos mecanismos de repulsão eletrostática e estérica provocados pela ação do aditivo no cimento-água. Já a água utilizada foi de abastecimento urbano.

Para melhor representar a aplicação do SCAAF em paredes monolíticas foram moldados painéis com dimensão de 12 cm de espessura e 60 cm de largura, de acordo com os requisitos geométricos da ABNT NBR 17014 [20[20] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 17014: Taipa de Pilão – Requisitos, procedimentos e controle, Rio de Janeiro, ABNT, 2022.], e altura variável entre 59 a 72 cm, conforme volume de materiais de cada tratamento. Para a moldagem destes painéis, o quantitativo em massa de solo e de cimento foram mantidos para verificação do volume final da mistura e a massa específica aparente seca do SCAAF conforme o aumento do teor de adição de microfibras de polipropileno nos traços. Após lançamento das misturas de SCAAF em fôrmas e desforma em 1 dia, estes painéis foram deixados secando em condições ambiente, abrigados de radiação solar direta e intempéries durante 28 dias, para posterior extração de corpos de prova e aplicação dos ensaios mecânicos.

A determinação da resistência à compressão simples dos painéis de SCAAF foi a partir da extração de corpos de prova cilíndricos à 0º e nos terços inferior, médio e superior do painel, assim avaliando a influência da altura de lançamento da mistura fresca de SCAAF na resistência à compressão simples do painel nas idades de 3, 7 e 28 dias. Ainda na idade de 28 dias, foram retirados corpos de prova cilíndricos à 90º, no terço inferior e superior do painel e ensaiados para a avaliação da isotropia mecânica dos tratamentos de SCAAF. Foram extraídos 3 corpos de prova cilíndricos para cada traço, idade, inclinação de extração e terço do painel indicados na Figura 1, sendo utilizado broca diamantada com diâmetro nominal de 48 milímetros e retificados ao menos 24 horas antes da aplicação do ensaio, possuindo dimensões médias de 47,7 mm de diâmetro e 117,9 mm de altura.

Figura 1
Esquema de extração de corpos de provas cilíndricos do painel de SCAAF.

Para a análise do tratamento de SCAAF quanto à redução do comportamento frágil pela adição de microfibras de polipropileno foi realizada o ensaio de flexão por 4 pontos conforme as normas japonesas Japan Society of Civil EngineersJSCE-SF-02 [23[23] JAPAN SOCIETY OF CIVIL ENGINEERS, JSCE SF 2: Method of making specimens for strength and flexural toughness of steel fiber reinforced concrete. Concrete Library of JSCE, Part III-2 – Method of tests for steel fiber reinforced concrete, n. 3, Tokyo, JSCE, pp. 49–55, June 1984.] e JSCE-SF-04 [24[24] JAPAN SOCIETY OF CIVIL ENGINEERS, JSCE SF 4: Method of tests for flexural toughness of steel fiber reinforced concrete. Concrete Library of JSCE, Part III-2 – Method of tests for steel fiber reinforced concrete, n. 3, Tokyo, JSCE, pp. 58–61, June 1984.]. Para tal, foram moldados 4 corpos de prova prismáticos com dimensões de 100 × 100 × 400 mm3 para cada traço de SCAAF e mantidos em câmera úmida até a idade de rompimento, aos 14 e 28 dias. A aquisição de dados deste ensaio foi realizada através de 2 transdutores de deslocamentos (LVDT) calibrados com micrometro em conjunto com célula de carga, e instrumentados em máquina universal de ensaios com carregamento à 0,1 mm/s até a ruptura (Figura 2). Para a obtenção da resistência à flexão foi considerada a carga máxima de ruptura (Equação 1) e para o fator tenacidade à flexão foi determinada a área da curva tensão × deformação até a ruptura, que ocorreu antes da deformação de 1/150 em relação ao vão ruptura, limite indicado na norma JSCE-SF-04 (Equação 2).

(1)σb=p.lb.h2

Figura 2
Ensaio de flexão por 4 pontos aplicado aos tratamentos de SCAAF.

Onde:

σb: resistência à flexão, em Newton por milímetro quadrado;

P: máximo carregamento, em Newton;

l: vão, em milímetro;

b: largura da seção transversal, em milímetro;

h: altura da seção transversal, em milímetro.

(2)σ¯b=Tb.lδtb.b.h2

Onde:

σ¯b: Fator de tenacidade à flexão, em Newton por milímetro quadrado;

Tb: tenacidade à flexão, em quilonewton milímetro;

δtb: deflexão de 1/150 do vão ou da ruptura, em milímetro.

Para a análise da influência da adição de fibras na variação dimensional por secagem do compósito SCAAF procedeu-se conforme descrito pela ABNT NBR 15261 [25[25] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 15261, Argamassa para assentamento e revestimento de paredes e tetos – Determinação da variação dimensional (retração ou expansão linear), Rio de Janeiro, ABNT, 2005.]. Foram moldados 3 corpos de prova prismáticos com dimensões de 25 × 25 × 285 mm3 para cada tratamento de SCAAF, sendo fixados pinos metálicos em suas extremidades e aplicado cura em condições de ambiente fechado. A determinação da variação dimensional foi feita nas idades de 1, 4, 7, 14 e 28 dias através da Equação 3, sendo que para as idades de 1 e 4 dias devido à fragilidade dos corpos de prova prismáticos, optou-se por instrumentar todos os corpos de prova individualmente com relógios comparadores. Já para as idades de 7, 14 e 28 dias, foram seguidas as recomendações da ABNT NBR 15261 [25[25] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 15261, Argamassa para assentamento e revestimento de paredes e tetos – Determinação da variação dimensional (retração ou expansão linear), Rio de Janeiro, ABNT, 2005.], acoplando relógio comparador com resolução de 0,001 mm ao pórtico metálico. A calibração foi realizada com a barra de referência padrão de comprimento de 300 mm conforme recomendações da norma.

(3)εi=LiLo0,25

Onde:

εi: variação dimensional, em milímetros por metro;

Li: dimensão final na idade de ensaio, em milímetros;

L0: dimensão inicial na desforma, em milímetros.

Ao final, os resultados obtidos nestes ensaios físico-mecânicos passaram por análise estatística de variância (ANOVA) e Teste de Tukey, identificando se as médias dos tratamentos são estatisticamente iguais entre si, e para tal, o valor F deve ser próximo de 1,0 e o valor p maior que 0,05.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A primeira observação obtida durante a moldagem dos painéis de SCAAF foi a alteração volumétrica devida à adição de fibras para a mesma quantidade de massa de solo, cimento e aditivo superplastificante. A variação volumétrica do painel foi crescente tanto quanto foi o aumento do teor de microfibra adicionado ao solo-cimento autoadensável. Esta constatação foi corroborada a partir da determinação da massa especifica aparente seca de cada tratamento, pois conforme o aumento da adição de fibras, houve a diminuição da massa aparente seca do SCAAF (Figura 3).

Figura 3
Relação entre massa aparente seca, teor de fibras e volume dos tratamentos de SCAAF.

Este comportamento revelou o aumento dos vazios no sistema SCAAF no estado endurecido causado pela adição de microfibras com maior teor água para alcance do autoadensamento. BORGES et al. [18[18] BORGES, A.P.S.N., MOTTA, L.A.C., PINTO, E.B., “Estudo das propriedades de concretos com adição de fibras vegetais e de polipropileno para uso em paredes estruturais”, Matéria (Rio de Janeiro), v. 24, n. 2, pp. e12364, 2019. http://doi.org/10.1590/s1517-707620190002.0679.
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] no estudo da adição de fibras naturais e de polipropileno em concretos afirmam que a adição de fibras tende ao aumento da incorporação de ar durante à mistura, e consequentemente afeta o índice de vazio do compósito. CALLEJAS et al. [17[17] CALLEJAS, I.J.A., DURANTE, L.C., QUEIRÓZ, H.S., et al., “Avaliação de argamassa de solo-cimento autoadensável (SCAA) com fibras de polipropileno quanto à susceptibilidade a absorção de água e retração”, Engineering and Science, v. 11, n. 3, pp. 105–114, 2022. doi: http://doi.org/10.18607/ES20221114827.
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] por sua vez, no estudo de solo-cimento autoadensável com microfibras de polipropileno fizeram constatação semelhante, afirmando que a adição destas fibras possui influência direta na massa específica aparente.

ROCHA et al. [26[26] ROCHA, C.A.A., CORDEIRO, G.C., TOLEDO FILHO, R.D., “Influência de resíduos de corte de rochas e de blocos cerâmicos moídos na hidratação e no empacotamento de pastas cimentícias”, Revista IBRACON de Estruturas e Materiais, v. 6, pp. 661–680, 2013. doi: http://doi.org/10.1590/S1983-41952013000400009.
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] também relacionaram a redução da porosidade com o aumento da massa específica e da resistência mecânica dos compósitos com matriz cimentícia. Na presente pesquisa isto pode ser verificado na Tabela 2, onde houve um decréscimo significativo dos valores médios de resistência à compressão simples pela adição de microfibra de polipropileno nas misturas de SCAAF, independente da idade do ensaio. No entanto, não foi observado diferença significativa entre os valores médios de resistência axial dos tratamentos pelo aumento do teor de fibra de 0,06% para 0,10%, indicando influencia não-significativa no comportamento mecânico do SCAAF por meio da elevação do teor de polipropileno. O Teste de Tukey para a Tabela 2, na mesma coluna as letras minúsculas iguais não diferem entre si, e na mesma linha as letras maiúsculas iguais não diferem entre si.

Tabela 2
Valores de resistência média à compressão simples do SCAAF.

Ainda analisando a Tabela 2 sob o aspecto da isotropia do material SCAAF, notou-se que independente da dosagem, a resistência média à compressão simples aos 28 dias nas direções à 0º e 90º em relação à face do mesmo painel apresentaram valores estatisticamente iguais entre si. Porém, ressalta-se a significativa variância amostral, o que pode ser explicado pela suscetibilidade do método aplicado na extração dos corpos de prova dos painéis. Tais variações decorrem do corte e retificação do corpo de prova, ou mesmo da retirada do corpo de prova de áreas periféricas do painel expostas diretamente ao ambiente e à evaporação de água durante a cura do SCAAF. A perda de água de hidratação da mistura para o ambiente conforme MÜNCHEN et al. [27[27] MÜNCHEN, R.M., EHRENBRING, H.Z., WIRTH, A., et al., “Impacto nas propriedades mecânicas do concreto curado sob baixas temperatura”, Matéria (Rio de Janeiro), v. 24, n. 2, pp. e12346, 2019. doi: http://doi.org/10.1590/s1517-707620190002.0661.
https://doi.org/10.1590/s1517-7076201900...
], implica nas manifestações patológicas como fissuras e a queda da sua resistência mecânica, fato este que pode explicar os resultados obtidos na análise da isotropia do material, não relacionando, porém, à alteração dos componentes da mistura no estado fresco, mas sim às diferentes condições de cura presente no compósito.

Para o entendimento do impacto da altura de lançamento na resistência à compressão simples do SCAAF nas idades estudadas, foi analisada a Figura 4 com os resultados da resistência à compressão simples dos corpos de provas extraídos nos terços inferior, médio e superior de cada painel. Foi verificado diferença estatisticamente relevante entre os valores de resistência média de cada terço dentro do mesmo painel. Isto indicou a influência significativa do lançamento do SCCAF nas fôrmas, já que o peso próprio de cada camada de SCAAF no seu estado fresco afetou positivamente o autoadensamento, com a melhoria das propriedades mecânicas dos terços médio e inferior do painel de SCAAF, independente do tipo de tratamento. Também refletiu os altos valores de coeficiente de variação das médias de resistência à compressão expostos na Tabela 2 e na Figura 4.

Figura 4
Resistência à compressão simples para terços inferior, médio e superior dos painéis de SCAAF.

Além disso, na Figura 4 é possível constatar que a adição de fibras no SCAAF apesar de alterar negativamente as resistências médias à compressão simples quando comparados os tratamentos entre si na mesma idade, não modificou o comportamento do compósito solo-cimento no ganho de resistência ao longo do tempo, haja visto que independente do tipo de tratamento, todos apresentaram uma taxa média de ganho de resistência de aproximadamente de 210% na idade de 3 dias para 28 dias, corroborando a preponderância da estabilização do solo através do cimento.

Já o ensaio de flexão por 4 pontos para 14 e 28 dias de idade forneceu os valores médios da resistência à flexão (σb), a tenacidade à flexão (Tb) e o fator de tenacidade à flexão (σ¯b) das misturas de SCAAF mostrado na Tabela 3. É possível afirmar que a adição de fibras influenciou negativamente na resistência à flexão comparativamente com a dosagem de referência TR1. Porém, houve o aumento significativo na tenacidade à flexão pela incorporação das microfibras nos tratamentos TF1 e TF2. O Teste de Tukey para a Tabela 3, na mesma coluna as letras minúsculas iguais não diferem entre si.

Tabela 3
Resultados do ensaio de flexão dos tratamentos de SCAAF.

Apesar da significativa redução da resistência à flexão com a adição de fibras no SCAAF, a alteração do teor de polipropileno de 0,06% para 0,10% em massa da mistura apresentou semelhante impacto quantitativo no ensaio de flexão, não caracterizando um comportamento linear na redução da resistência a flexão pelo aumento do teor de fibras, o que reflete que maiores adições de fibra podem ter pouca interferência na melhora da flexão do SCAAF.

Os efeitos negativos na resistência à flexão podem ser explicados pela alteração da massa específica, e consequentemente a resistência à compressão e a tração da matriz solo-cimento. Durante o ensaio de resistência à compressão simples dos corpos de prova extraídos dos painéis de SCAAF, a dosagem de referência apresentou resistência superior as dosagens com adição de fibras, que por sua vez apresentou diminuição da resistência com o aumento do teor de adição de fibra em relação a massa do cimento. Neste ponto, a queda da resistência à compressão do SCAAF pela adição de fibras se tornou um efeito iterativo com tendência negativa, ou seja, à medida que o teor de fibra é aumentado, a resistência à compressão apresentará diminuição pela alteração dos vazios do material, impactando negativamente na ancoragem das fibras, e portanto na sua capacidade de absorver e retransferir esforços, ação esperada para o aumento da ductilidade do material.

RODRIGUES et al. [28[28] RODRIGUES, P.F., RIBEIRO, T.P., JUNIOR, A.N., “Caracterização mecânica de compósitos cimentícios reforçados com fibras de politereftalato de etileno espiraladas”, Engineering and Science, v. 6, n. 1, pp. 29–37, 2017.] observaram no estudo de concretos reforçados com fibras de politereftalato de etileno que para a resistência à tração as dosagens com teor de adição de fibras de 1,0% em volume da mistura apresentaram resistências ligeiramente menores que as dosagens sem fibras. Estes autores sugerem que isto pode ser relacionado com a presença de porosidade entre a interface da matriz cimentícia cristalizada e as fibras ocasionada pela adição das mesmas, podendo também estar presente na avaliação mecânica do SCAAF, onde observou-se o aumento da porosidade do material com o aumento do teor de adição de fibras.

Durante o ensaio de flexão por 4 pontos nas misturas de SCAAF não foi possível observar o efeito de endurecimento strain hardening indicado por FREITAS JÚNIOR e GARCEZ [15[15] FREITAS JÚNIOR, A.L., GARCEZ, M.R., “Avaliação da resistência a fadiga dos Engineered Cementitious Composites (ecc), reforçados com fibra de polipropileno e produzidos com adição de cinza de casca de arroz”, Tecnologica (Chicago, Ill.), v. 21, n. 2, pp. 116–124, Jul. 2017. doi: http://doi.org/10.17058/tecnolog.v21i2.9336.
https://doi.org/10.17058/tecnolog.v21i2....
], já que não houve a recuperação de resistência pelo espraiamento de tensões proporcionado pelas microfibras ancoradas na matriz do solo-cimento. Conforme os autores, é esperado que quando sob efeito de esforços de tração, a matriz de cimento com fibras tenha atuação tanto das fibras, responsáveis por absorver e transferir os esforços aumentando a área de dissipação de tensões, como também do cimento responsável pela ancoragem das fibras. Acredita-se que além da porosidade, como no compósito SCAAF a matriz é o solo e a presença do cimento incorre na estabilização dos argilominerais, a pasta cimentícia seja insuficiente para fixação físico-mecânica entre a fibra e o cimento.

No entanto, houve diferenciação no ganho de resistência residual após ruptura dos corpos de prova prismáticos de SCAAF, conforme observado nos gráficos força por deformação apresentados na Figura 5.

Figura 5
Gráfico característico força (kN) versus deformação (mm) do SCAAF no processo pós-fissuração.

Observa-se na Figura 5 que para o traço de referência TR1 ocorreu a queda brusca da resistência após a ruptura. Já para as dosagens de SCAAF com adição de fibras, é possível observar resistências residuais provocadas pelas microfibras de polipropileno atuando após a ruptura do SCAAF. Também se destaca que mesmo aumentando o teor de adição de microfibras de polipropileno de 0,06 para 0,10%, houve o ganho não-significativo à tenacidade do material aos 28 dias, confirmando que o maior teor de fibras não resulta necessariamente em melhora relevante na resistência mecânica final do SCAAF.

A ação das fibras no comportamento mecânico do SCAAF não mostrou aumento na resistência máxima à flexão na ruptura das dosagens com adição de fibras. RODRIGUES et al. [28[28] RODRIGUES, P.F., RIBEIRO, T.P., JUNIOR, A.N., “Caracterização mecânica de compósitos cimentícios reforçados com fibras de politereftalato de etileno espiraladas”, Engineering and Science, v. 6, n. 1, pp. 29–37, 2017.] afirmam que neste estágio somente a matriz cimentícia do compósito é responsável pelo comportamento mecânico, não tendo ação direta do reforço de fibras. No entanto, estes autores mostram que o ganho real da adição de fibras é devido ao aumento da tenacidade do compósito e da resistência pós-fissuração. Isto pôde ser observado no ensaio de flexão por 4 pontos aplicado no SCAAF, com a elevação da sua tenacidade tanto pela maior idade dos corpos de prova quanto pelo aumento do teor de adição de fibras. Mesmo que a influência das microfibras não foi relevante para aumento nos valores de resistência à flexão, o SCAAF melhorou o comportamento frágil do compósito, absorvendo energia além do ponto de carga máxima conferida aos corpos de prova.

Para a melhor compreensão do efeito físico das microfibras no SCAAF durante a cura ambiente aos 1, 4, 7, 14 e 28 dias, foram plotados na Figura 6 os valores médios da variação dimensional para as dosagens de SCAAF. Observou-se que independente do uso da microfibra, os tratamentos de SCAAF apresentam o mesmo comportamento físico de retração e expansão ao longo do tempo. Os incrementos positivos ou negativos na variação dimensional do SCAAF podem ser traduzidos pelo efeito da alta variação térmica do ambiente durante a realização do ensaio, ficando os valores médios da variação dimensional significativamente diferentes entre si quando comparados os tratamentos dentro da mesma idade.

Figura 6
Resultados da variação média dimensional dos tratamentos de SCAAF.

Os resultados obtidos na Figura 6 também mostram que independente do teor de microfibras adicionado no solo-cimento autoadensável não houve melhoria no controle da variação dimensional do SCAAF no estado endurecido. Em relação ao polipropileno, a variação dimensional foi tão maior quanto foi o teor de adição de fibras, sendo a dosagem SCAAF com 0,10% de fibras apresentando maior variação média absoluta tanto para retração quanto para a expansão. Ainda, ao se aplicar os critérios de classificação de argamassas cimentícias quanto à fissuração proposta por CSTB [29[29] CENTRE SCIENTIFIQUE ET TECHNIQUE DU BÂTIMENT, “Note d’information sur les caractéristiques et le comportement des enduits extérieurs d’imperméabilisation de murs à base de liants hidraulyques”, Cahiers du CSTB, v. 230, n. 1778, 1982.], a qual se baseia no princípio de que a tendência à fissuração aumenta com a elevação da retração por secagem, verificou-se alta suscetibilidade a fissuração do SCAAF nas primeiras idades, ou seja, retrações iguais ou maiores que 1,20 mm/m.

Em concordância com os resultados anteriores para as características mecânicas do SCAAF, a adição de microfibras também se apresentou ineficaz na melhoria do comportamento físico do SCAAF, isto pode ser, no entanto, efeito direto da incorporação de ar durante a mistura das microfibras ao solo-cimento, acarretando no aumento da porosidade do SCAAF, bem como a necessidade de maiores teores de adição de água para a obtenção da consistência fluida do SCAAF para o estado autoadensável, efeitos secundários da fibra durante a sua mistura ao compósito.

4. CONCLUSÕES

A análise conjunta do estudo de dosagem e caracterização físico-mecânica do solo-cimento autoadensável adicionado de microfibras sintéticas (SCAAF) mostraram o potencial de aplicação em paredes monolíticas com melhora na eficiência produtiva para a dosagem de 1:5 (cimento:solo, em massa), teor de aditivo superplastificante de 1,2% em massa de cimento, consistência para espalhamento de Slump flow adaptado de 320 mm e teor de adição de microfibras de polipropileno de 0,06% em massa da mistura.

O aditivo superplastificante cumpriu sua função de promover misturas de SCAAF sem exsudação e segregação no estado fresco, porém a adição de microfibras de polipropileno no SCAAF acarretou a incorporação de ar no sistema e por consequência a redução significativa da massa específica aparente seca, da resistência à compressão simples e à flexão. Este aumento da porosidade do SCAAF influenciou na ancoragem das fibras na pasta cimentícia, o que dificultou o incremento da ductilidade ao compósito.

Quanto a resistência à compressão simples, os tratamentos de SCAAF alcançaram valores acima de 1,3 MPa aos 7 dias, conforme prescrito pela norma de parede de solo-cimento. Já aos 28 dias, as médias de resistência à compressão foram de 7,5 MPa para o solo-cimento autoadensável, havendo um decréscimo significativo de resistência ao incorporar as microfibras, levando o SCAAF para a ordem de 4,5 MPa. Para os valores de resistência a flexão por 4 pontos, houve o mesmo comportamento entre as misturas de solo-cimento autoadensável sem e com fibras, atingindo, respectivamente, os valores de 1,7 MPa e 1,4 MPa.

A partir da inferência estatística do comportamento mecânico dos painéis de SCAAF em diferentes direções de carregamento axial, pode-se corroborar a isotropia deste material, sendo que as camadas superiores de autoadensamento do painel de SCAAF aumentaram significativamente a resistência à compressão simples das camadas inferiores do material final.

Considerando-se as características de resistência à compressão e à flexão do SCAAF, o aumento do teor de adição de microfibras de polipropileno no compósito solo + cimento + aditivo não proporcionou o melhoramento do seu desempenho mecânico, como também foi ineficaz no aspecto de controle de retração linear por secagem do SCAAF.

Contudo, vale ressaltar que a incorporação microfibras de polipropileno conteve a ruína do compósito durante a ruptura na aplicação do ensaio de flexão de 4 pontos, podendo ser observada a atuação destas fibras através da presença da resistência à flexão residual, e consequentemente o aumento da tenacidade e impacto positivo no controle do comportamento frágil do solo-cimento autoadensável.

5. AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001; e da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS/MEC – Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2024
  • Aceito
    13 Jun 2024
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