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DESAFIOS PARA A ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO NO ÂMBITO DAS HUMANIDADES DIGITAIS E DO PATRIMÔNIO CULTURAL: UM OLHAR A PARTIR DA ÁREA DE INFORMAÇÃO E CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO NA DIMENSIONS

Challenges for knowledge organization in digital humanities and cultural heritage: a look from information and computing sciences field at dimensions

RESUMO

Objetivo:

Com o aumento da disponibilidade de dados na web, cresce também o número de pesquisas em Ciências Humanas e Sociais no ambiente digital, especialmente aquelas que usam dados do patrimônio cultural. Nesse sentido, este artigo tem como objetivo investigar os desafios enfrentados pela Organização do Conhecimento no contexto das Humanidades Digitais e do Patrimônio Cultural. Para isso, são analisadas publicações na área de "Informação e Ciência da Computação" na base de dados Dimensions.

Método:

Este estudo é qualitativo, descritivo e exploratório, com coleta de dados realizada na base Dimensions. Após exportação em planilhas, foram criados mapas bibliométricos no VOSViewer com os dados de 477 artigos. A análise permitiu identificar 5 clusters, dos quais 2 abordam desafios para a Organização do Conhecimento.

Resultado:

Entre os principais desafios identificados estão a gestão de dados heterogêneos do Patrimônio Cultural, que estão fragmentados em vários repositórios de menor projeção e abrangência. A representação digital de dados do Patrimônio Cultural é outro desafio importante, tanto em relação ao processamento por máquinas quanto à experiência do usuário humano. Esses problemas dificultam a contextualização e enriquecimento das informações para e pelos usuários, exigindo a integração e interoperabilidade dos acervos presentes em repositórios. A integração de conjuntos de dados heterogêneos de patrimônio cultural é um problema comum em Humanidades Digitais. Os resultados apontam que as soluções atuais ainda não são suficientes para dar conta da complexidade dos dados.

Conclusões:

Os resultados apontam que as soluções atuais ainda não são suficientes para dar conta da complexidade dos dados, o que aponta a necessidade de identificar, investigar e produzir acerca desses desafios, dando visibilidade para que eles possam ser abordados e enfrentados. A integração de dados, o uso de vocabulários controlados e Linked Data representam importantes processos e tecnologias para a promoção da interoperabilidade semântica e para avanços significativos nas áreas das Humanidades Digitais e do Patrimônio Cultural. Como trabalho futuro, o objetivo é concentrar em levantar iniciativas que se ocupam da integração de dados e continuar investigando a Organização do Conhecimento no âmbito das Humanidades Digitais e do Patrimônio Cultural.

PALAVRAS-CHAVE:
Organização do Conhecimento; Humanidades Digitais; Patrimônio Cultural; Integração de dados; Interoperabilidade

ABSTRACT

Objective:

With the increase in the availability of data on the web, the number of research studies in the digital environment, especially those using data from cultural heritage, is also growing in the field of Humanities and Social Sciences. In this sense, this article aims to investigate the challenges faced by Knowledge Organization in the context of Digital Humanities and Cultural Heritage. For this purpose, publications in the area of "Information and Computing Sciences" in the Dimensions database are analyzed.

Methods:

This study is qualitative, descriptive and exploratory, with data collection performed on the Dimensions database. After exporting to spreadsheets, bibliometric maps were created in VOSViewer using data from 477 articles. The analysis allowed the identification of 5 clusters, of which 2 address challenges for Knowledge Organization.

Results:

Among the main challenges identified are the management of heterogeneous data from Cultural Heritage, which are fragmented across several repositories of smaller projection and scope. The digital representation of Cultural Heritage data is another important challenge, both in terms of machine processing and human user experience. These problems make it difficult to contextualize and enrich information for and by users, requiring integration and interoperability of the repositories' collections. The integration of heterogeneous datasets of cultural heritage is a common problem in Digital Humanities. The results indicate that current solutions are not sufficient to handle the complexity of the data.

Conclusions:

The results indicate that current solutions are not sufficient to cope with the complexity of data, which highlights the need to identify, investigate, and produce knowledge about these challenges, providing visibility for them to be addressed and tackled. Data integration, the use of controlled vocabularies, and Linked Data represent important processes and technologies for promoting semantic interoperability and significant advances in the areas of Digital Humanities and Cultural Heritage. As a future work, the objective is to focus on initiatives that deal with data integration and to continue investigating Knowledge Organization in the context of Digital Humanities and Cultural Heritage.

KEYWORDS:
Knowledge Organization; Digital Humanities; Cultural Heritage; Data integration; Interoperability

1 INTRODUÇÃO

A crescente quantidade de dados do Patrimônio Cultural disponível na web tem gerado um aumento significativo no número de pesquisas em Ciências Humanas e Sociais realizadas no ambiente digital. Os dados do Patrimônio Cultural são de extrema importância para as pesquisas em humanidades, pois eles são uma fonte rica e diversa de informações sobre a história, a cultura e a sociedade. Esses dados podem incluir informações sobre artefatos, monumentos, arquivos, fotografias, livros e outros objetos importantes para entendermos o passado e como ele moldou o mundo em que vivemos hoje.

A Europeana é um exemplo de acervo que demonstra a diversidade de objetos encontrados no Patrimônio Cultural. Como o maior repositório desse tipo de conteúdo, ela abriga mais de 50 milhões de registros provenientes de mais de 3.700 instituições diferentes, como bibliotecas, arquivos, museus e galerias em toda a Europa (EUROPEANA, c2023). Essa coleção abrange uma ampla variedade de tipos de objetos, como obras de arte, livros, música, vídeos e objetos tridimensionais relacionados à arte, além de abordar temas como arqueologia, moda, ciência, esportes e muito mais. Ao estudar esses dados, os pesquisadores podem descobrir novas perspectivas sobre o passado e o presente, bem como encontrar soluções para os desafios enfrentados pelas sociedades contemporâneas. Portanto, a organização e preservação desses dados são fundamentais para garantir que eles possam ser acessados e utilizados por futuras gerações de pesquisadores.

Um dos maiores desafios para tornar a organização e a preservação do conhecimento em realidade é a heterogeneidade dos dados disponíveis, que variam entre texto, áudio, vídeo, estruturas 3D, dados de geolocalização, entre outros (Poole, 2013POOLE, A. H. Now is the Future Now? The Urgency of Digital Curation in the Digital Humanities. Digital Humanities Quarterly, v. 7, n. 2, 2013. Disponível em: http://www.digitalhumanities.org/dhq/vol/7/2/000163/000163.html. Acesso em: 12 dez. 2020.
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; Schöch, 2013SCHÖCH, C. Big? Smart? Clean? Messy? Data in the Humanities? Journal of the Digital Humanities, v. 2, n. 3, 2013.; Peukert, 2018). A organização desses dados pode envolver diversas atividades, habilidades e competências, entretanto, a organização do conhecimento em projetos de Humanidades Digitais ainda é um tema incipiente na literatura (ZVYAGINTSEVA, 2015ZVYAGINTSEVA, L. Articulating a Vision for Community-Engaged Data Curation in the Digital Humanities, 112 f. 2015. Dissertação (Master of Arts in Humanities Computing and Master of Library and Information Sciences) - University of Alberta, Alberta, 2015. Disponível em: https://era.library.ualberta.ca/items/9fab7f6e-2331-4742-a647-b1f4f778e352. Acesso em: 12 dez. 2020.
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).

Diante desse cenário, este artigo tem como objetivo investigar os desafios para a Organização do Conhecimento no âmbito das Humanidades Digitais e do Patrimônio Cultural a partir de publicações na grande área de “Informação e Ciência da Computação” na base Dimensions, que engloba, entre outras áreas, a Ciência da Informação. A partir dos resultados, busca-se identificar como a Organização do Conhecimento pode contribuir para representar a variedade de conteúdos disponíveis na web, possibilitando o acesso, o uso e o reuso deste conteúdo. A presente investigação compõe a fase inicial de uma pesquisa de doutorado em andamento cujo intuito é investigar os requisitos e as aplicações necessários para promover a integração de dados na web, tornando-os mais acessíveis e conectados.

Para alcançar esse objetivo, este artigo está estruturado em cinco seções. Na segunda seção, serão abordadas as relações entre as Humanidades Digitais, o Patrimônio Cultural e a Ciência da Informação, a fim de identificar caminhos para abordar a Organização do Conhecimento. Em seguida, a terceira seção descreve os percursos metodológicos para coleta e análise de dados que subsidiarão a seção seguinte. Na quarta seção, os resultados levantados serão analisados e discutidos. Finalmente, na quinta seção, são apresentadas as considerações finais, evidenciando os achados do estudo e as direções futuras.

2 RELAÇÕES ENTRE HUMANIDADES DIGITAIS, PATRIMÔNIO CULTURAL E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

As Humanidades Digitais emergem no cenário científico mundial como uma consequência do uso da tecnologia digital pela sociedade, a qual vem provocando modificações e reflexões nas pesquisas em humanidades e, consequentemente, nas condições que permeiam a produção e disseminação do conhecimento (Thatcamp, 2011; Pimenta, 2016PIMENTA, R. M. Os Objetos Técnicos e seus papéis no horizonte das Humanidades Digitais: um caso para a Ciência da Informação. Revista Conhecimento em Ação, v. 1, n. 2, p. 33, mar. 2016. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/rca/article/view/20. Acesso em: 12 dez. 2020.
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).

As Humanidades Digitais se caracterizam como um campo de pesquisa que transpassa as tecnologias digitais e as disciplinas das Ciências Humanas, Sociais, Artes e Letras. Antes conhecida como “Humanities Computing” ou “Computação em Humanidades”, que teve sua nomenclatura alterada para ressaltar as características sociais da disciplina, passando a ser chamada de “Digital Humanities” ou “Humanidades Digitais”. Essa mudança é relevante porque esclarece que os estudos não estão centrados nas tecnologias, mas sim no desenvolvimento das disciplinas das humanidades no contexto digital (Schreibman; Siemens; Unsworth, 2004SCHREIBMAN, S.; SIEMENS, R.; UNSWORTH, J. The digital humanities and humanities computing: An introduction. In: SCHREIBMAN, S.; SIEMENS, R.; UNSWORTH, J. (Ed.). A companion to digital humanities. Hoboken, NJ: Blackwell Publishing, 2004. p. xxiii-xxvii., 2016; Pimenta, 2016PIMENTA, R. M. Os Objetos Técnicos e seus papéis no horizonte das Humanidades Digitais: um caso para a Ciência da Informação. Revista Conhecimento em Ação, v. 1, n. 2, p. 33, mar. 2016. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/rca/article/view/20. Acesso em: 12 dez. 2020.
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). Nesse sentido, Martire e Pina (2019MARTIRE, A. S.; PINA, A. D. V.. Humanidades Digitais e Jogos Eletrônicos como Meio de Aprendizado Histórico. In: FLEMING, M. I. D.; MARTIRE, A. S. Humanidades digitais e arqueologia: o desenvolvimento de o último banquete em Herculano. São Paulo: MAE/USP, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.11606/9788560984671. Acesso em: 17 dez. 2023.
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, p. 7) afirmam que “[a]s Humanidades Digitais atualmente tentam se aproximar do conceito original de Humanidades, usando, dessa vez, habilidades de comunicação modernas a fim de interpretar o que é ser humano e o que é ser um cidadão responsável na Era Digital”. Por meio das ferramentas computacionais, as pesquisas nas Humanidades Digitais são potencializadas, ampliando a capacidade de realizar diversos tipos de análises. Isso possibilita o aproveitamento de uma quantidade cada vez maior de dados para apoiar o pesquisador de humanidades (Biemann et al., 2014BIEMANN, C. et al. Computational humanities - bridging the gap between computer science and digital humanities (Dagstuhl Seminar 14301). Dagstuhl reports, Seminar 14301, 2014. Disponível em: https://www.dagstuhl.de/de/programm/kalender/semhp/?semnr=14301. Acesso em: 15 jul. 2022.
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).

Pode-se dizer que as Humanidades Digitais são uma área transdisciplinar que busca divulgar, circular, valorizar e preservar o conhecimento e a pesquisa, bem como oferecer livre acesso aos seus dados e metadados através das possibilidades e ferramentas que a tecnologia e o ambiente digital disponibilizam (Siqueira; Flores, 2019SIQUEIRA, M. N.; FLORES, D. Ciência da informação e humanidades digitais: diálogos possíveis de uma relação em desenvolvimento - artigos científicos no Brasil. Liinc em Revista, v. 15, n. 1, jun. 2019. ISSN 1808-3536. Disponível em: http://revista.ibict.br/liinc/article/view/4563. Acesso em: 03 dez. 2020.
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). Já a Ciência da Informação é um campo interdisciplinar que estuda a informação, seus fluxos e processos desde sua origem até sua transformação em conhecimento. A utilização e disseminação de informações por meio das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s) representa um ponto chave dessa relação, e amarra a Ciência da Computação a esse combo, por serem as TIC’s capazes de viabilizar a produção, o armazenamento e a distribuição de uma quantidade massiva de informações em formato digital, que podem ser acessadas e utilizadas por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento (Pimenta, 2016PIMENTA, R. M. Os Objetos Técnicos e seus papéis no horizonte das Humanidades Digitais: um caso para a Ciência da Informação. Revista Conhecimento em Ação, v. 1, n. 2, p. 33, mar. 2016. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/rca/article/view/20. Acesso em: 12 dez. 2020.
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; Siqueira; Flores, 2019).

As relações entre Humanidades Digitais e Ciência da Informação são discutidas na literatura nacional e, principalmente, internacional, ao ponto de serem reconhecidas como áreas complementares. Em relação aos pontos de conexão entre as duas áreas, destacam-se os objetos de estudo em comum, tais como o desenvolvimento e a gestão de coleções, a busca e recuperação de informações, a criação e manutenção de bibliotecas digitais, arquivos e repositórios, a descrição e organização de metadados, a construção de ontologias, taxonomias e sistemas de classificação, a produção e disseminação de conhecimento acadêmico, a promoção do acesso aberto e dados vinculados, a análise de bibliografias e bibliometria, a digitalização de acervos, a preservação e curadoria de conteúdo, o design centrado no usuário e a construção de interfaces e sistemas de navegação, a visualização de informações, bem como o processamento e análise de Big Data e mineração de dados (Poole; Garwood, 2018POOLE, A. H.; GARWOOD, D. A. “Natural allies”: Librarians, archivists, and big data in international digital humanities project work. Journal of Documentation, v. 74, n. 4, p. 804-826, maio 2018. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/JD-10-2017-0137/full/html. Acesso em: 12 dez. 2020.
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; Robinson; Priego; Bawden, 2015ROBINSON, L.; PRIEGO, E.; BAWDEN, D. Library and information science and digital humanities: two disciplines, joint future?. In: INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON INFORMATION SCIENCE, 14., 2015, Zadar, Croatia. Proceedings [...]. Re-inventing information science in the networked society, 2015. Disponível em: https://openaccess.city.ac.uk/id/eprint/11889/. Acesso em: 09 abr. 2023.
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).

A interação entre as Humanidades Digitais e a Ciência da Informação é sustentada por uma série de fundamentos epistemológicos que permeiam suas abordagens metodológicas de pesquisa. Esses princípios refletem a natureza interdisciplinar de ambas as disciplinas, estabelecendo uma base sólida para a colaboração entre tradições humanísticas e tecnologias digitais. Ambas as áreas compartilham um foco nas práticas informacionais humanas, analisando o impacto das tecnologias na criação, organização e disseminação da informação. A preservação digital e a gestão da memória são preocupações compartilhadas, assim como a atenção à representação e organização eficaz da informação digital. Além disso, a abordagem hermenêutica e interpretativa é essencial em ambas as disciplinas, buscando compreender os significados culturais e humanos subjacentes aos dados digitais. Esses fundamentos epistemológicos contribuem para uma compreensão abrangente das dinâmicas informacionais na era digital, destacando a complementaridade e a sinergia entre Humanidades Digitais e Ciência da Informação. Ainda que as Humanidades Digitais e a Ciência da Informação partilhem certas semelhanças e apresentem uma evidente congruência, muitas vezes de forma sutil, é imperativo que as áreas colaborem a fim de explorar todo o seu potencial (Poole; Garwood, 2018POOLE, A. H.; GARWOOD, D. A. “Natural allies”: Librarians, archivists, and big data in international digital humanities project work. Journal of Documentation, v. 74, n. 4, p. 804-826, maio 2018. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/JD-10-2017-0137/full/html. Acesso em: 12 dez. 2020.
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).

O campo do Patrimônio Cultural pode representar esse ponto em que os interesses das áreas convergem, a partir do estudo da informação registrada e dos objetos digitais, além de enfatizarem a pesquisa e a prática do desenvolvimento e da gestão de coleções, incluindo o uso de repositórios digitais e bases de dados para a preservação de conteúdo. Entretanto, o Patrimônio Cultural não se restringe à informação registrada, uma vez que inclui “artefatos, monumentos, grupos de edifícios e locais, museus que possuem uma diversidade de valores, incluindo significados simbólicos, históricos, artísticos, estéticos, etnológicos ou antropológicos, científicos e sociais” (UNESCO, 2009, on-line). Ele se refere ao “legado de objetos físicos, ambiente, tradições e conhecimento de uma sociedade que são herdados do passado, mantidos e desenvolvidos ainda mais no presente, e preservados (conservados) para o benefício das gerações futuras” (Hyvönen, 2012HYVÖNEN, E. Publishing and using cultural heritage linked data on the semantic web. San Rafael, CA: Morgan & Claypool Publishers, 2012. 159 p., p. 1, tradução nossa).

O Patrimônio Cultural pode ser dividido em duas subáreas: 1) Patrimônio Cultural Tangível, que abrange objetos culturais concretos, tais como artefatos, obras de arte, edifícios, moedas, esculturas e livros; e 2) Patrimônio Cultural Intangível, que se refere às práticas, representações, expressões, conhecimentos, habilidades que comunidades, grupos e, em alguns casos, indivíduos reconhecem como parte de seu patrimônio cultural (UNESCO, 2009, 2022; Hyvönen, 2012HYVÖNEN, E. Publishing and using cultural heritage linked data on the semantic web. San Rafael, CA: Morgan & Claypool Publishers, 2012. 159 p.).

A área do Patrimônio Cultural Digital concentra-se na preservação, educação e pesquisa dos objetos tangíveis e intangíveis do Patrimônio Cultural (UNESCO, 2022), enquanto as Humanidades Digitais focam na aplicação de tecnologias digitais para apoiar a pesquisa nas humanidades (Schreibman; Siemens; Unsworth, 2004SCHREIBMAN, S.; SIEMENS, R.; UNSWORTH, J. The digital humanities and humanities computing: An introduction. In: SCHREIBMAN, S.; SIEMENS, R.; UNSWORTH, J. (Ed.). A companion to digital humanities. Hoboken, NJ: Blackwell Publishing, 2004. p. xxiii-xxvii.). Apesar de abordarem diferentes aspectos do patrimônio, de acordo com Münster et al. (2019MÜNSTER, S. et al. Digital humanities meets digital cultural heritage. In: DH. [S. n.], 2019. p. 88-90. Disponível em: https://infoscience.epfl.ch/record/282406. Acesso em: 14 fev. 2022.
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), as duas áreas compartilham uma diversidade de objetos de estudo, incluindo conteúdo textual, objetos espaciais e imagens, embora a representação de objetos espaciais e imagens ainda seja menos proeminente nas Humanidades Digitais. As bibliotecas, arquivos e museus, reconhecidos como atores envolvidos na preservação do Patrimônio Cultural, desempenham um papel significativo na organização e no fornecimento de acesso de informações como fontes de dados para pesquisas no âmbito das Humanidades Digitais (Hyvönen, 2012HYVÖNEN, E. Publishing and using cultural heritage linked data on the semantic web. San Rafael, CA: Morgan & Claypool Publishers, 2012. 159 p.; Robinson; Priego; Bawden, 2015ROBINSON, L.; PRIEGO, E.; BAWDEN, D. Library and information science and digital humanities: two disciplines, joint future?. In: INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON INFORMATION SCIENCE, 14., 2015, Zadar, Croatia. Proceedings [...]. Re-inventing information science in the networked society, 2015. Disponível em: https://openaccess.city.ac.uk/id/eprint/11889/. Acesso em: 09 abr. 2023.
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). A relação entre as áreas pode contribuir para a disponibilização de informações, para um entendimento mais abrangente e para uma preservação e comunicação mais eficazes do patrimônio cultural humano.

Junto ao Patrimônio Cultural, como ponto de convergência entre as Humanidades Digitais e a Ciência da Informação, o quarto paradigma da pesquisa, que se concentra no uso intensivo de dados e abrange tecnologias e técnicas que permitem a exploração científica dos mesmos, pode indicar outra interseção entre as áreas. Alguns autores consideram que a Ciência da Informação tem muito a oferecer para os processos de organização e mediação do conhecimento nas Humanidades Digitais (Pimenta, 2016PIMENTA, R. M. Os Objetos Técnicos e seus papéis no horizonte das Humanidades Digitais: um caso para a Ciência da Informação. Revista Conhecimento em Ação, v. 1, n. 2, p. 33, mar. 2016. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/rca/article/view/20. Acesso em: 12 dez. 2020.
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; Paletta, 2018PALETTA, F. C. Ciência da Informação e Humanidades Digitais - uma reflexão. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 19., 2018. Londrina. Anais [...]. Londrina: ANCIB, 2018. p. 147-162. Disponível em: http://enancib.marilia.unesp.br/index.php/XIX_ENANCIB/xixenancib/paper/viewFile/1531/1838. Acesso em: 18 dez. 2020.
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; Poole; Garwood, 2018POOLE, A. H.; GARWOOD, D. A. “Natural allies”: Librarians, archivists, and big data in international digital humanities project work. Journal of Documentation, v. 74, n. 4, p. 804-826, maio 2018. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/JD-10-2017-0137/full/html. Acesso em: 12 dez. 2020.
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; Siqueira; Flores, 2019SIQUEIRA, M. N.; FLORES, D. Ciência da informação e humanidades digitais: diálogos possíveis de uma relação em desenvolvimento - artigos científicos no Brasil. Liinc em Revista, v. 15, n. 1, jun. 2019. ISSN 1808-3536. Disponível em: http://revista.ibict.br/liinc/article/view/4563. Acesso em: 03 dez. 2020.
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), um ponto de interesse específico deste estudo. Estudos brasileiros já apontam para essa direção ao discutir a interoperabilidade e a integração de acervos, principalmente no que se refere ao Patrimônio Cultural e a conexão entre acervos de bibliotecas, arquivos, museus e galerias de arte (Arakaki; Simionato; Santos, 2017ARAKAKI, F. A.; SIMIONATO, A. C.; SANTOS, P. L. V. A. d. C. Integrando catálogos entre bibliotecas, arquivos, museus e galerias de arte: perspectiva da europeana e da dpla. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, v. 13, p. 2250-2268, 2017. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/4648. Acesso em: 09 jan. 2022.
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; Carrasco; Vidotti, 2019CARRASCO, L. B.; VIDOTTI, S. A. B. G. Patrimônio cultural: integração de acervos heterogêneos de museus e bibliotecas. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 20., 2019. Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: ANCIB, 2019. p. 1-14. Disponível em: https://www.brapci.inf.br/index.php/res/v/121792. Acesso em: 27 jan. 2022.
https://www.brapci.inf.br/index.php/res/...
; Marcondes, 2012MARCONDES, C. H. “linked data” - dados interligados e interoperabilidade entre arquivos, bibliotecas e museus na web. Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, v. 17, n. 34, p. 171-192, 2012. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/eb/article/view/24410. Acesso em: 24 jan. 2022.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/eb/...
, 2016, 2017, 2021).

Alguns autores argumentam que a Ciência da Informação pode fornecer contribuições substanciais aos processos de organização e mediação do conhecimento nas Humanidades Digitais (Pimenta, 2016PIMENTA, R. M. Os Objetos Técnicos e seus papéis no horizonte das Humanidades Digitais: um caso para a Ciência da Informação. Revista Conhecimento em Ação, v. 1, n. 2, p. 33, mar. 2016. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/rca/article/view/20. Acesso em: 12 dez. 2020.
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; Paletta, 2018PALETTA, F. C. Ciência da Informação e Humanidades Digitais - uma reflexão. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 19., 2018. Londrina. Anais [...]. Londrina: ANCIB, 2018. p. 147-162. Disponível em: http://enancib.marilia.unesp.br/index.php/XIX_ENANCIB/xixenancib/paper/viewFile/1531/1838. Acesso em: 18 dez. 2020.
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; Poole; Garwood, 2018POOLE, A. H.; GARWOOD, D. A. “Natural allies”: Librarians, archivists, and big data in international digital humanities project work. Journal of Documentation, v. 74, n. 4, p. 804-826, maio 2018. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/JD-10-2017-0137/full/html. Acesso em: 12 dez. 2020.
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; Siqueira; Flores, 2019SIQUEIRA, M. N.; FLORES, D. Ciência da informação e humanidades digitais: diálogos possíveis de uma relação em desenvolvimento - artigos científicos no Brasil. Liinc em Revista, v. 15, n. 1, jun. 2019. ISSN 1808-3536. Disponível em: http://revista.ibict.br/liinc/article/view/4563. Acesso em: 03 dez. 2020.
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). Diante desse contexto, a pesquisa visa destacar os desafios específicos enfrentados na área de Organização da Informação e do Conhecimento, promovendo uma compreensão mais aprofundada das complexidades envolvidas na gestão da informação digital no contexto das Humanidades Digitais e do Patrimônio Cultural.

3 METODOLOGIA

Este é um estudo qualitativo, descritivo e exploratório. Conforme o objetivo, a pesquisa é exploratória por se tratar da investigação de um assunto incipiente (BABBIE, 2010BABBIE, E. R. The practice of social research. 12th ed. ed. Belmont, Calif: Wadsworth Cengage, 2010.), como as Humanidades Digitais e suas interfaces com o campo de pesquisa “Informação e Ciência da Computação”. Esse campo é utilizado pela Dimensions para classificar os assuntos da base de dados e é extraído do esquema de classificação Australian and New Zealand Standard Research Classification (ANZSRC).

Optou-se pela base de dados Dimensions1 1 Para saber mais acesse: https://app.dimensions.ai. para a coleta de dados, destacando-se entre suas vantagens a sua natureza parcialmente gratuita, que permite a busca por artigos de acesso aberto e fechado, além de conceder acesso aos metadados das publicações, facilitando a exportação dos dados para análises posteriores. Ela tem sido amplamente utilizada como uma fonte de informações para estudos métricos da informação em uma variedade de áreas. Por exemplo, na mensuração do impacto social e acadêmico de pesquisas relacionadas à COVID-19 (Patil, 2020PATIL, S. B. A scientometric analysis of global COVID-19 research based on dimensions database. SSRN, 2020. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3631795. Acesso em: 21 abr. 2024.
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
), na exploração da produção e uso do conhecimento científico no campo dos estudos étnico-raciais (Santos; Araújo, 2021SANTOS, S. R. de O.; ARAÚJO, R. F.. QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS NA BASE DIMENSIONS: dados de produção, uso e atenção on-line. Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, v. 26, p. 1-20, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.5007/1518-2924.2021.e78822. Acesso em: 21 abr. 2024.
https://doi.org/10.5007/1518-2924.2021.e...
), e em análises bibliométricas sobre o desenvolvimento, tendências e perspectivas futuras de diferentes áreas de pesquisa (Khadivi; Sato, 2023KHADIVI, N.; SATO, S.. A Bibliometric Study of Natural Language Processing Using Dimensions Database: Development, Research Trend, and Future Research Directions. Journal of Data Science, Informetrics, and Citation Studies, v. 2, n. 2, p. 77-89, 2023. Disponível em: https://jcitation.org/index.php/jdscics/article/view/31. Acesso em: 21 abr. 2024.
https://jcitation.org/index.php/jdscics/...
; Gontijo; Hamanaka; Araújo, 2022GONTIJO, M. C. A.; HAMANAKA, R. Y.; ARAÚJO, R. F.. Research data management: production and impact from Dimensions database data. Advanced Notes in Information Science, v. 2, p. 112-120, 2022. Disponível em: https://anis.pro-metrics.org/index.php/a/article/view/14. Acesso em: 21 abr. 2024.
https://anis.pro-metrics.org/index.php/a...
). Esses exemplos destacam a crescente importância da base de dados como uma fonte confiável de informações. Além disso, a Dimensions se apresenta como uma alternativa às grandes bases de dados, como a Scopus, sendo até mais abrangente que esta, ao capturar na internet publicações que possuem Digital Object Identifier (DOI). Em 2019, a Dimensions já continha mais de 106 milhões de publicações - cerca de 30% a mais do que outras bases de dados (Thelwall, 2018THELWALL, M. Dimensions: A competitor to Scopus and the Web of Science? Journal of Informetrics, v. 12, n. 2, p. 430-435, mar. 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.joi.2018.03.006. Acesso em: 30 nov. 2020.
https://doi.org/10.1016/j.joi.2018.03.00...
; Bode; Hook; Mcgrath, 2019BODE, C.; HOOK, H.; MCGRATH, R. A guide to the Dimensions Data Approach. Dimensions Report, 2019. Disponível em: https://www.dimensions.ai/resources/a-guide-to-the-dimensions-data-approach/. Acesso em: 12 jul. 2022.
https://www.dimensions.ai/resources/a-gu...
).

A coleta de dados foi realizada no dia 23 junho de 2022 na Dimensions. A expressão de busca utilizada considerou os termos Humanidades Digitais e Patrimônio Cultural Digital em inglês ("digital humanities" OR "digital cultural heritage") e foi aplicada apenas ao título e/ou resumo em publicações do tipo artigo. Os campos das Humanidades Digitais e do Patrimônio Cultural têm uma relação próxima e podem ser considerados partes integrantes de um campo maior conhecido como Patrimônio Cultural Digital. Pode-se dizer que os objetos do Patrimônio Cultural são objetos de pesquisa das Humanidades Digitais (Münster, 2019MÜNSTER, S. et al. Digital humanities meets digital cultural heritage. In: DH. [S. n.], 2019. p. 88-90. Disponível em: https://infoscience.epfl.ch/record/282406. Acesso em: 14 fev. 2022.
https://infoscience.epfl.ch/record/28240...
; Münster et al., 2019). Robinson, Priego e Bawden (2015ROBINSON, L.; PRIEGO, E.; BAWDEN, D. Library and information science and digital humanities: two disciplines, joint future?. In: INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON INFORMATION SCIENCE, 14., 2015, Zadar, Croatia. Proceedings [...]. Re-inventing information science in the networked society, 2015. Disponível em: https://openaccess.city.ac.uk/id/eprint/11889/. Acesso em: 09 abr. 2023.
https://openaccess.city.ac.uk/id/eprint/...
) são categóricos ao afirmar que é evidente que grande parte da pesquisa de Humanidades Digitais ocorre em, ou em estreita colaboração com, bibliotecas, arquivos, museus, centros de documentação e outras instituições que possuem coleções ou acervos. Nesta pesquisa, os dois termos foram utilizados em conjunto para maior abrangência e cobertura temática, visto que os domínios compartilham conceitos, objetos de estudo e uma forte ligação com dados e tecnologia. Foram aplicados, ainda, os filtros de categorias e campos de pesquisa para restringir a busca à área “Information and Computing Sciences”. O recorte temporal considerou artigos publicados entre 2017 e 2021.

Os dados foram exportados no formato de planilhas (.csv) e inseridos no VOSViewer para criar mapas bibliométricos. Ao todo, 477 artigos foram recuperados para análise. Por fim, os dados foram agrupados em 5 clusters, identificados por cores, conforme a semelhança dos tópicos: o cluster vermelho aborda análises computacionais, de forma geral; o cluster verde trata da análise de dados e textos fixados em suporte analógico, bem como, da gestão do conhecimento em bibliotecas, arquivos e museus; o cluster roxo aborda as pesquisas sobre Interoperabilidade Semântica, a gestão de dados de pesquisa e a preservação digital; no cluster amarelo, foca na computação centrada no usuário; e, por fim, o cluster marrom aborda as relações entre as metodologias de pesquisa empregadas na Ciência da Informação e nas Humanidades digitais. Os resultados são discutidos a seguir.

4 DISCUSSÃO E ANÁLISE DE RESULTADOS

Conforme o objetivo da pesquisa, busca-se identificar os desafios para a Organização do Conhecimento no âmbito das Humanidades Digitais e do Patrimônio Cultural a partir de publicações na área de “Informação e Ciência da Computação” na base Dimensions, com vistas a levantar subsídios que apontem para novos caminhos de pesquisa. Inicialmente, os artigos recuperados serão caracterizados e, posteriormente, serão identificadas as temáticas das pesquisas.

Os resultados obtidos neste estudo indicam que o número de publicações sobre Humanidades Digitais e Patrimônio Cultural apresenta uma variação entre 64 e 115 artigos por ano. Em 2018, foi registrada a menor quantidade de publicações, com 64 artigos, enquanto nos anos subsequentes (2019-2021) houve um aumento significativo no número de publicações, mantendo-se em torno de 100 artigos por ano. Este aumento pode ser interpretado como um reflexo do crescente interesse de pesquisadores da área de Informação e Ciência da Computação pelos estudos envolvendo questões relacionadas às Humanidades Digitais e ao Patrimônio Cultural.

Na Figura 1, apresenta-se o acoplamento bibliográfico dos artigos, mostrando documentos que tiveram pelo menos uma citação e estão conectados com outros artigos da rede. Dos 477 artigos consultados, o maior conjunto de artigos conectados consiste em 186 itens. O acoplamento bibliográfico “permite conhecer as relações estruturais de conectividade teórico-metodológica de um domínio, a proximidade, a vizinhança, a associação e a interlocução estabelecida entre documentos e pesquisadores” (Grácio, 2016GRÁCIO, M. C. C. Acoplamento bibliográfico e análise de cocitação: revisão teórico-conceitual. Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianopólis, v. 21, n. 47, p. 82-99, 2016. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/eb/article/view/1518-2924.2016v21n47p82. Acesso em: 14 jul. 2022.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/eb/...
, p. 82).

Figura 1
Acoplamento bibliográfico dos autores e suas temáticas

A grande área “Informação e Ciência da Computação” engloba diversos campos de pesquisa que estão discutindo sobre Humanidades Digitais e Patrimônio Cultural Digital, entre eles, estão: Sistemas de Informação (188 publicações), Inteligência Artificial e Processamento de Imagem (127), e Estudos em Informação e Biblioteconomia (103). Dentro desse acoplamento foram selecionados os 5 clusters (identificados pelas cores: vermelho, verde, roxo, amarelo e marrom) com mais de 15 itens conectados, para identificar as temáticas mais expressivas abordadas em cada um deles.

No cluster vermelho, que consiste em 26 itens, as pesquisas abordam, de maneira geral, análises computacionais, especificamente, inteligência artificial, análises de redes neurais, aprendizado de máquina e processamento de linguagem natural. Esses tópicos são aplicados a materiais bibliográficos, literários e históricos, como coleções disponíveis online. A presença desses tópicos em análises computacionais pode indicar a crescente importância da integração de métodos computacionais nas Humanidades Digitais, particularmente em relação à análise de grandes conjuntos de dados. Além disso, as aplicações específicas para materiais bibliográficos, literários e históricos sugerem uma tendência de integração de tecnologias de análise de dados em acervos do Patrimônio Cultural.

No cluster verde, com um total de 22 itens, é possível identificar pesquisas computacionais que se concentram na análise de dados e textos contidos em suportes analógicos. Nesse contexto, a digitalização dos materiais permite a aplicação de análises computacionais em textos e símbolos antigos, incluindo glifos e hieróglifos. Ademais, esse cluster destaca a importância da gestão do conhecimento em bibliotecas, arquivos e museus, considerando aspectos que possibilitem a interligação de dados na Web Semântica, como a modelagem conceitual, a descrição de metadados e a anotação de textos. O cluster roxo, também com 22 itens, tem uma relação direta com o cluster verde, abordando questões de Interoperabilidade Semântica. Além dos pontos mencionados anteriormente, esse cluster destaca a gestão de dados de pesquisa e a preservação digital, como meio de viabilizar processos de extração de dados para enriquecimento semântico. Em conjunto, esses clusters apontam para uma área transdisciplinar que integra tecnologias digitais e teorias de gestão de informação para explorar o potencial das Humanidades Digitais na análise e preservação de patrimônios culturais e na construção de novas perspectivas e narrativas históricas.

O cluster amarelo, composto por 20 itens, direciona seu foco para a computação centrada no usuário, considerando os estudos de usuário, o Patrimônio Cultural Digital e as análises geoespaciais. Os estudos de usuário, relacionados com a experiência do usuário ao acessar acervos e coleções digitais do Patrimônio Cultural, abrangem questões de design de interação, barreiras de informação, lacunas de conteúdo e impacto em comunidades, levando em conta a perspectiva do usuário. Esses estudos têm implicações nas análises geoespaciais e nos Sistemas de Informação Geográfica (SIG), que influenciam a construção de aplicativos de museus virtuais e a recomendação de caminhos e rotas para visitação. Os resultados indicam que esse cluster se concentra em um aspecto crucial das Humanidades Digitais: a experiência do usuário e a acessibilidade do Patrimônio Cultural Digital.

Por fim, o cluster marrom, com 15 itens, concentra-se nas relações entre as metodologias de pesquisa adotadas na Ciência da Informação e nas Humanidades Digitais. Neste grupo, são apresentadas infraestruturas digitais de pesquisa, gestão de projetos, pesquisas colaborativas e as experiências das bibliotecas no ambiente digital. As discussões envolvem desde o desenvolvimento de ferramentas de pesquisa e o uso de tecnologias emergentes para aprimorar a coleta e análise de dados, até o estudo da participação e colaboração entre pesquisadores e instituições na produção de conhecimento.

Não é objetivo deste estudo abordar todas as possibilidades de pesquisa relacionando as Humanidades Digitais e o Patrimônio Cultural no campo da Ciência da Informação e da Ciência da Computação. No entanto, os cinco clusters identificados indicam várias oportunidades de pesquisa. Dentre eles, constatou-se que certas temáticas possuem maior proximidade com a área de Organização do Conhecimento do que outras. De maneira particular, os clusters verde e roxo abordam questões como a digitalização e a gestão do conhecimento em acervos enfatizando a importância da interligação de dados na Web Semântica e a preservação digital. Devido à relevância desses tópicos para a área de Organização do Conhecimento, os trabalhos presentes nesses dois clusters foram selecionados para uma análise mais detalhada.

4.1 Desafios para a Organização do Conhecimento no âmbito das Humanidades Digitais e do Patrimônio Cultural

Neste tópico, busca-se apresentar uma visão geral do estado atual das pesquisas sobre Humanidades Digitais e Patrimônio Cultural na área de Informação e Ciência da Computação que se relacionam com a Organização do Conhecimento, destacando os desafios para a Organização do Conhecimento.

Com o aumento significativo no volume de dados do patrimônio cultural digital, graças a projetos de digitalização conduzidos por órgãos governamentais e instituições de Patrimônio Cultural, como bibliotecas, arquivos, museus e galerias, em todo o mundo, notou-se a impulsão no desenvolvimento de repositórios de patrimônio cultural, que têm um papel vital na preservação, disseminação digital, turismo e pesquisa relacionados ao Patrimônio Cultural (Nishanbaev; Champion; Mcmeekin, 2019NISHANBAEV, I.; CHAMPION, E.; MCMEEKIN, D. A. A survey of geospatial semantic web for cultural heritage. Heritage, v. 2, n. 2, p. 1471-1498, 2019. Disponível em: https://www.mdpi.com/2571-9408/2/2/93. Acesso em: 09 abr. 2023.
https://www.mdpi.com/2571-9408/2/2/93...
). Considerando a importância dos dados do patrimônio cultural para as pesquisas em humanidades, as instituições responsáveis enfrentam o desafio de integrar o componente digital em suas atividades diárias e garantir a organização, padronização e acessibilidade desses dados, exigindo soluções práticas e eficazes para melhorar a visibilidade do patrimônio cultural para um público maior (Dragoni; Tonelli; Moretti, 2017DRAGONI, M.; TONELLI, S.; MORETTI, G. A knowledge management architecture for digital cultural heritage. Journal on Computing and Cultural Heritage (JOCCH), v. 10, n. 3, p. 1-18, 2017. Disponível em: https://dl.acm.org/doi/abs/10.1145/3012289. Acesso em: 09 abr. 2023.
https://dl.acm.org/doi/abs/10.1145/30122...
). Um exemplo notável é o portal Europeana, que disponibiliza informações de metadados sobre o conteúdo do patrimônio cultural digital de países europeus.

Entre os problemas para a gestão de dados do Patrimônio Cultural estão a heterogeneidade dos dados do patrimônio cultural, sua distribuição em diferentes fontes de dados e países, e a necessidade de ferramentas para lidar com problemas sintática e semanticamente complexos. A fragmentação dos dados em vários repositórios menores, publicando dados em diferentes formatos de arquivo sem uma estrutura definida (como texto, imagens, áudios, vídeos, dados estruturados em diferentes formatos como XML, JSON, CSV e RDF) e uma semântica clara, sem uma interface padrão de busca, dificulta a encontrabilidade da informação e a contextualização delas pelos usuários. Não é possível, por exemplo, realizar a padronização desses dados em grande escala porque haveria a perda de flexibilidade, nuances e detalhes na integração desses dados (Nishanbaev; Champion; Mcmeekin, 2019NISHANBAEV, I.; CHAMPION, E.; MCMEEKIN, D. A. A survey of geospatial semantic web for cultural heritage. Heritage, v. 2, n. 2, p. 1471-1498, 2019. Disponível em: https://www.mdpi.com/2571-9408/2/2/93. Acesso em: 09 abr. 2023.
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; Koho et al., 2021KOHO, M. et al. WarSampo knowledge graph: Finland in the second world war as linked open data. Semantic Web, v. 12, n. 2, p. 265-278, 2021.; Hoekstra et al., 2018HOEKSTRA, R. et al. The dataLegend ecosystem for historical statistics. Journal of Web Semantics, v. 50, p. 49-61, 2018. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1570826818300106. Acesso em: 09 abr. 2023.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
; Peñuela, 2017PEÑUELA, A. P. Digital humanities on the Semantic Web: accessing historical and musical linked data. Journal of Catalan Intellectual History, v. 11, n. 1, p. 144-149, 2017. Disponível em: https://www.journalofcatalanintellectualhistory.org/index.php/jocih/article/view/14. Acesso em: 09 abr. 2023.
https://www.journalofcatalanintellectual...
; Hyvönen, 2020HYVÖNEN, E. Using the Semantic Web in digital humanities: Shift from data publishing to data-analysis and serendipitous knowledge discovery. Semantic Web, v. 11, n. 1, p. 187-193, 2020.).

A representação digital do Patrimônio Cultural apresenta desafios para a organização do conhecimento, tanto em relação ao processamento por máquinas quanto à experiência do usuário. Para permitir o acesso e a compreensão dos dados, é fundamental encontrar maneiras eficientes de representá-los digitalmente. Para garantir a efetividade da preservação e acesso ao patrimônio cultural, é necessário considerar o uso de padrões de metadados que permitam a interoperabilidade e descrição dos recursos digitais. No entanto, a proliferação de muitos padrões de metadados, a dificuldade em escolher entre eles, a dualidade entre dados e metadados, e a mistura de definições em nível conceitual com preocupações em nível de implementação em uma única abordagem podem limitar a eficácia dos metadados na organização do conhecimento em acervos de patrimônio cultural. Esses problemas podem afetar negativamente a qualidade dos dados humanísticos e sua reutilização (Peñuela, 2017PEÑUELA, A. P. Digital humanities on the Semantic Web: accessing historical and musical linked data. Journal of Catalan Intellectual History, v. 11, n. 1, p. 144-149, 2017. Disponível em: https://www.journalofcatalanintellectualhistory.org/index.php/jocih/article/view/14. Acesso em: 09 abr. 2023.
https://www.journalofcatalanintellectual...
; Hyvönen, 2020HYVÖNEN, E. Using the Semantic Web in digital humanities: Shift from data publishing to data-analysis and serendipitous knowledge discovery. Semantic Web, v. 11, n. 1, p. 187-193, 2020.; Koho et al., 2021KOHO, M. et al. WarSampo knowledge graph: Finland in the second world war as linked open data. Semantic Web, v. 12, n. 2, p. 265-278, 2021.; Martin-Rodilla; Gonzalez-Perez, 2019).

Grunzke et al. (2019GRUNZKE, R. et al. The MASi repository service-Comprehensive, metadata-driven and multi-community research data management. Future Generation Computer Systems, v. 94, p. 879-894, 2019. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167739X17305344. Acesso em: 09 abr. 2023.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
) e Felicetti e Murano (2021FELICETTI, A.; MURANO, F. Ce qui est écrit et ce qui est parlé: CRMtex for modelling textual entities on the Semantic Web. Semantic Web, v. 12, n. 2, p. 169-180, 2021. Disponível em: https://content.iospress.com/articles/semantic-web/sw200418. Acesso em: 09 abr. 2023.
https://content.iospress.com/articles/se...
) abordam a importância da descrição e armazenamento adequados dos dados para garantir sua acessibilidade e interoperabilidade em diferentes disciplinas. Grunzke et al. (2019) destacam a necessidade de descrições detalhadas, armazenamento sustentável, pré-processamento para uso posterior e a exploração dos dados existentes. Felicetti e Murano (2021), por sua vez, apontam a necessidade de modelos conceituais capazes de expressar as entidades complexas de diferentes domínios, a fim de estabelecer a interoperabilidade entre os dados gerados em diferentes áreas, como arqueologia, história e linguística. Ambos enfatizam a importância de abordagens específicas para resolver os problemas inerentes às disciplinas individuais, mas também ressaltam a necessidade de uma base conceitual comum para promover a interoperabilidade entre diferentes áreas.

Conforme Chen e Ou (2020CHEN, J.; OU, S.. Research on the construction of the semantic model for Chinese ancient architectures based on architectural narratives. The Electronic Library, v. 38, n. 4, p. 769-784, 2020. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/EL-02-2020-0039/full/html. Acesso em: 09 abr. 2023.
https://www.emerald.com/insight/content/...
), a ausência de uma ontologia compartilhada impede a flexibilidade e a portabilidade dos modelos conceituais. A ausência de uma ontologia comum pode prejudicar a portabilidade e a adaptabilidade de modelos conceituais, bem como a interoperabilidade entre diferentes sistemas e disciplinas. Isso pode ocorrer devido à criação de modelos conceituais exclusivos, sem considerar a possibilidade de reutilização de modelos já existentes em outros contextos, resultando em uma falta de padronização e compatibilidade, fato que contraria uma das características das ontologias que é justamente o seu potencial de reuso. A afirmação de Abgaz et al (2021ABGAZ, Y. et al. A methodology for semantic enrichment of cultural heritage images using artificial intelligence technologies. Journal of Imaging, v. 7, n. 8, p. 121, 2021. Disponível em: https://www.mdpi.com/2313-433X/7/8/121. Acesso em: 09 abr. 2023.
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), de que as ontologias geralmente não são suficientes para atender às necessidades de novas aplicações, encontra justificativa no contexto da criação e integração de ontologias específicas para domínios culturais. Apesar do progresso contínuo na elaboração dessas ontologias e vocabulários, o desafio surge na necessidade de integrá-las de maneira efetiva. Destaca-se que muitas dessas ontologias foram desenvolvidas de forma independente, sem considerar a interoperabilidade com outras existentes. A falta de integração adequada limita a capacidade dessas ontologias de serem aplicadas de maneira ampla e significativa, impactando a interoperabilidade e reutilização de dados em várias aplicações.

A integração de dados e o uso de vocabulários controlados são fundamentais para a promoção da interoperabilidade semântica, especialmente em ambientes digitais. A interligação dos dados, através das tecnologias da Web Semântica e do Linked Data, permite a criação de redes de dados e a conexão entre diferentes fontes de informações, possibilitando a descoberta de novas relações e percepções a partir da análise das informações integradas. Além disso, a adoção de vocabulários controlados e ontologias comuns, facilita a compreensão e interpretação dos dados, contribuindo para a redução de erros e inconsistências na recuperação e análise dos dados. Portanto, a integração de dados, o uso de vocabulários controlados e Linked Data representam importantes estratégias de organização para a promoção da interoperabilidade semântica e para avanços significativos nas áreas das Humanidades Digitais e do Patrimônio Cultural.

Além da integração entre ontologias, outro desafio envolve a integração de conjuntos de dados heterogêneos do patrimônio cultural, que pode ser considerado um problema comum no uso de Linked Data em Humanidades Digitais. A integração e interoperabilidade dos acervos de repositórios nacionais e regionais, que geralmente são repositórios menores, representam grandes desafios técnicos para a vinculação de dados do Patrimônio Cultural (Peñuela, 2017PEÑUELA, A. P. Digital humanities on the Semantic Web: accessing historical and musical linked data. Journal of Catalan Intellectual History, v. 11, n. 1, p. 144-149, 2017. Disponível em: https://www.journalofcatalanintellectualhistory.org/index.php/jocih/article/view/14. Acesso em: 09 abr. 2023.
https://www.journalofcatalanintellectual...
; Hyvönen, 2020HYVÖNEN, E. Using the Semantic Web in digital humanities: Shift from data publishing to data-analysis and serendipitous knowledge discovery. Semantic Web, v. 11, n. 1, p. 187-193, 2020.; Koho et al., 2021KOHO, M. et al. WarSampo knowledge graph: Finland in the second world war as linked open data. Semantic Web, v. 12, n. 2, p. 265-278, 2021.). Parece haver, assim, uma grande oportunidade para cientistas da informação ajudarem pesquisadores das Humanidades a lidar com os desafios metodológicos colocados pelos dados do Patrimônio Cultural.

Hoekstra et al (2018HOEKSTRA, R. et al. The dataLegend ecosystem for historical statistics. Journal of Web Semantics, v. 50, p. 49-61, 2018. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1570826818300106. Acesso em: 09 abr. 2023.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
) apontam que as soluções atuais para tornar os dados do Patrimônio Cultural mais disponíveis e acessíveis para pesquisas em humanidades ainda não são suficientes. Para os autores as soluções, que não são mencionadas, apresentam armadilhas relacionadas a cinco aspectos principais da integração de dados: 1) a negligência com pequenos conjuntos de dados produzidos por pesquisadores individuais e que formam a “longa cauda da ciência”; 2) a publicação e arquivamento de dados, onde metadados limitados são fornecidos junto com o conteúdo; 3) conversão dados para RDF, o que exige dos usuários um conhecimento especializado em Web Semântica; 4) mapeamento de esquemas de metadados e suas instâncias, que oferece pouca assistência ao usuário; e 5) acesso aos dados, que dificulta a reutilização de queries de pesquisa. Embora esses problemas sejam típicos da Web Semântica, é possível considerar que estes impedimentos estejam relacionados também à organização do conhecimento, o que pode requerer a adoção de estratégias integradas entre áreas para lidar com essa combinação específica de desafios. Pode-se afirmar, assim, que os desafios mencionados fazem parte de um único problema que afeta a pesquisa em Humanidades Digitais: a necessidade de lidar com um crescente volume de dados digitais provenientes de acervos e coleções do Patrimônio Cultural, suscitando a necessidade de representação de informações e a vinculação de conteúdos que estão dispersos pela web.

Em síntese, a relação entre Humanidades Digitais e Organização do Conhecimento apresenta-se como um campo fértil para pesquisas que visem a melhoria na organização do conhecimento e na representação e organização de informações em ambientes digitais. A partir de ações que busquem a interligação de dados e recursos de informação, é possível avançar na construção de um conhecimento mais qualificado e enriquecido semanticamente, além de permitir o acesso livre e amplo aos resultados de pesquisa e ao patrimônio coletivo. Nesse sentido, faz-se necessário o contínuo desenvolvimento de tecnologias e ontologias que permitam a integração e interoperabilidade de dados em diferentes áreas do conhecimento, proporcionando assim uma abordagem mais completa e integrada na construção do saber. As perspectivas apontam para um futuro promissor no campo das Humanidades Digitais, em que a Organização do Conhecimento desempenha um papel fundamental na evolução e transformação dos processos de produção, organização e disseminação de informações.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme identificado na literatura e corroborado pelos resultados relatados, as Humanidades Digitais e a Ciência da Informação possuem interesses muito próximos e podem se beneficiar da interação mútua. As aplicações e as práticas informacionais das Humanidades Digitais vão além do uso de ferramentas e recursos digitais, e sua interface com a Ciência da Informação também ultrapassam a questão tecnológica. Essa aproximação entre as áreas reforça a importância da Organização do Conhecimento como um elo entre as áreas para lidar com os desafios enfrentados pela pesquisa em Humanidades Digitais envolvendo os dados do patrimônio cultural.

A digitalização de acervos e coleções, bem como a necessidade de integração de conjuntos de dados heterogêneos, exigem a padronização e a gestão adequada dos dados para garantir a representação, a preservação e o acesso ao conhecimento. No entanto, há desafios a serem superados, como a negligência com pequenos conjuntos de dados em repositórios menores, a falta de habilidades técnicas em pequenos acervos, a falta de informação sobre a proveniência dos dados e metadados, a falta de suporte para conversão de dados e geração de metadados ricos, a exigência de conhecimento especializado em Web Semântica, além da falta de recursos e a necessidade de se construir uma cultura de preservação do patrimônio cultural. Reforça-se a importância de investigar, discutir esses pontos e desenvolver soluções relacionadas à organização da informação com o uso de instrumentos e metodologias já amplamente discutidos na ciência da Informação para buscar soluções de organização do conhecimento e pensar na possibilidade de integração de dados.

Os resultados apontam que os desafios para dar conta da complexidade dos dados ainda são grandes e não há uma solução definitiva, o que sugere a necessidade de compreender esses desafios, investigar soluções e produzir conhecimento relacionado a eles, dando visibilidade para que os desafios possam ser enfrentados. Embora não seja uma resposta definitiva, a integração de dados, o uso de vocabulários controlados e o Linked Data representam importantes aspectos para tornar os dados mais acessíveis, o que pode significar avanços significativos nas áreas das Humanidades Digitais e do Patrimônio Cultural.

Nos trabalhos futuros, pretende-se explorar iniciativas que se dediquem à integração de dados do Patrimônio Cultural, visando identificar os requisitos essenciais para a conexão e aprimoramento das coleções. Adicionalmente, planeja-se avaliar os potenciais ramificações para a área de Organização do Conhecimento.

REFERÊNCIAS

  • ABGAZ, Y. et al. A methodology for semantic enrichment of cultural heritage images using artificial intelligence technologies. Journal of Imaging, v. 7, n. 8, p. 121, 2021. Disponível em: https://www.mdpi.com/2313-433X/7/8/121 Acesso em: 09 abr. 2023.
    » https://www.mdpi.com/2313-433X/7/8/121
  • ARAKAKI, F. A.; SIMIONATO, A. C.; SANTOS, P. L. V. A. d. C. Integrando catálogos entre bibliotecas, arquivos, museus e galerias de arte: perspectiva da europeana e da dpla. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, v. 13, p. 2250-2268, 2017. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/4648 Acesso em: 09 jan. 2022.
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  • BABBIE, E. R. The practice of social research. 12th ed. ed. Belmont, Calif: Wadsworth Cengage, 2010.
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  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • 1
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  • CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM

    Não se aplica.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Não se aplica.
  • PUBLISHER

    Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Publicação no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

Editado por

EDITORES

Edgar Bisset Alvarez, Ana Clara Cândido, Patrícia Neubert, Genilson Geraldo, Jônatas Edison da Silva.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    01 Jan 2024
  • Aceito
    22 Jul 2024
  • Publicado
    13 Set 2024
Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima - Trindade. CEP-88040-900, Telefone: +55 (48) 3721-2237 - Florianópolis - SC - Brazil
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