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Dinâmica de circulação de pedestres como indicativo de locais prioritários para arborizar em uma via comercial de centro urbano

Pedestrian circulaton dynamics as an indication of priority places to plant trees on a commercial street in an urban center

Dinámica de la circulación peatonal como indicador de lugares prioritarios para la arborización en una calle comercial de un centro urbano

Resumo:

Este trabalho objetivou determinar a dinâmica de circulação de pedestres em uma rua comercial, em área central urbana, em razão da insolação, e descobrir se a arborização pode influenciar no traçado desejado e na intensidade do fluxo de pessoas. A pressão do uso do território urbano sobre o ambiente natural tem sido associada às mudanças do microclima, sendo que a arborização tem efeitos benéficos para o restabelecimento de uma condição de equilíbrio ambiental. Neste sentido, as ruas são importantes espaços públicos nas cidades, responsáveis por toda dinâmica social, econômica e ambiental, podendo ser consideradas como áreas prioritárias para a arborização das cidades. Sendo assim, realizou-se uma pesquisa exploratória, bibliográfica e documental, tendo como estudo de caso as obras de requalificação urbana da região central de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil, que compõem as intervenções de um programa de desenvolvimento integrado em andamento. Pelos resultados desta pesquisa, foi possível demonstrar que, em dias de temperatura elevada, o maior fluxo de pedestres ocorreu no lado sombreado, sendo que os passeios arborizados propiciam maior conforto térmico e qualidade ambiental para os usuários do espaço público da via urbana. Portanto, conclui-se que o espaço público planejado contemplando a arborização configura-se em condição para garanta de cidades sustentáveis.

Palavras-chave:
arborização urbana; requalificação de vias; contagem de pedestres; conforto térmico

Abstract:

This research aimed to determine the pedestrian circulaton dynamics on a commercial street in a central urban area – due to insolaton – and to investigate if the aforestaton can influence the walking choice and the intensity of people flow. The pressure of urban territory use on the natural environment has been associated with changes in the microclimate, and aforestaton has beneficial effects for reestablishing a conditon of environmental balance. In this sense, streets are important public spaces in cites, responsible for all social, economic, and environmental dynamics, and can be considered priority areas for aforestaton in cites. Thus, an exploratory literature review and documentary research was carried out, having as a study case the urban rehabilitaton works in the central region of Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brazil, which constitute the interventons of an ongoing integrated development program. Based on the results of this research, it was possible to demonstrate that, on days with higher temperatures, the greatest flow of pedestrians occurred on the shaded side, and tree-lined sidewalks provide higher thermal comfort and environmental quality for public space users on the urban road. Therefore, we concluded that the planned public space contemplating aforestaton is configured as a conditon to guarantee sustainable cites.

Keywords:
urban aforestaton; requalificaton of roads; pedestrian count; thermal comfort

Resumen:

Este trabajo tuvo como objetivo determinar la dinámica de la circulación peatonal en una calle comercial en un área urbana central, debido a la insolación, y averiguar si la forestación puede influir en el camino deseado y la intensidad del fujo de personas. La presión del uso del territorio urbano sobre el medio natural se ha asociado a cambios en el microclima, y la forestación tene efectos benefíciosos para el restablecimiento de una condición de equilibrio ambiental. En este sentido, las calles son espacios públicos importantes en las ciudades, responsables de todas las dinámicas sociales, económicas y ambientales, y pueden ser consideradas como áreas prioritarias para la forestación en las ciudades. Así, se realizó una investigación exploratoria, bibliográfica y documental, teniendo como caso de estudio las obras de rehabilitación urbana en la región central de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil, que conforman las intervenciones de un programa de desarrollo integrado en curso. Con base en los resultados de esta investigación, se pudo demostrar que, en los días de alta temperatura, el mayor fujo de peatones ocurrió en el lado sombreado, y las aceras arboladas brindan un mayor confort térmico y calidad ambiental para los usuarios del espacio público en la calle urbana. Por tanto, se concluye que el espacio público planificado que contempla la forestación se configura como condición para garantizar ciudades sostenibles.

Palabras clave:
forestación urbana; recalificación de carreteras; conteo de peatones; comodidad térmica

1 INTRODUÇÃO

A compreensão da dinâmica de circulação das pessoas nos espaços e nas vias públicas das cidades contribui para traçar diretrizes de políticas ou de desenho urbano mais assertivo, havendo a necessidade cada vez maior de modelar o fluxo de pedestres (VARGAS et al., 2012VARGAS, M.; GRAMANI, L. M.; KAVISKI, E.; BALBO, F. A. Modelagem do fluxo de pedestres pela teoria macroscópica. Revista Brasileira de Ensino de Física, São Paulo, v. 34, n. 4, p. 4318.1–4318-10, 2012.), apoiado em metodologias já consolidadas, pois este é um dos indicativos basilares para diversos estudos urbanísticos, especialmente de mobilidade urbana (AQUINO et al., 2019AQUINO, A. P. P; LUNA, F. S.; GOMES, G. A.; LIMA, G. H. S.; FERNANDES, H. T. R.; VENTURA, P. H. D. Desafos e perspectivas acerca da espacialidade das ruas da Feira Central de Campina Grande. In: FÓRUM HABITAR 2019: HABITAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL,5., 8 a 11 de out. 2019, Belo Horizonte. Anais [...]. Belo Horizonte: UFMG, 2019.; MAROPO et al., 2020MAROPO, V. L. B.; SILVEIRA, J. A. R.; NEGRÃO, A. G.; CASTOR, D. C. Mobilidade nos centros urbanos: estudo para implantar ruas completas no centro de João Pessoa, Paraíba, Brasil. Revista Brasileira de Gestão Urbana, Curitba, v. 12, p. 1–28, ago. 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2175-3369.012.e20190145
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), para os quais há uma vasta literatura.

Do contrário, há poucos estudos que consideram a compreensão dessa dinâmica como elemento definidor de políticas ambientais em âmbito das cidades, sobretudo vinculando a identificação dos locais que precisam de intervenção da paisagem. Contudo, a presença de vegetação urbana nas vias públicas propicia a melhoria microclimática, proteção do solo e da fauna (aves, insetos, entre outros), além de amenizar poluentes atmosféricos e sonoros, de forma a colaborar também com os aspectos sociais (qualidade de vida), estéticos (conforto visual) e econômicos, atuando como atração turística e enriquecendo a especulação imobiliária, logo, proporcionando melhores condições de vida para o ser humano dentro destes núcleos urbanos (COUTINHO; GUEDES, 2010COUTINHO, L. S. V, GUEDES, L. S. Arborização do setor jardim das fores na cidade de Araguaína-TO. Revista Tocantinense de Geografia, Araguaína, v. 1, n. 1, p. 1-14, 2010.; ARAUJO et al., 2017ARAUJO, F. J.; BRAGA, P. E. T; SOARES, L. S. P; FIGUEIREDO, M. F. Inventário da arborização urbana do município de Tianguá-CE. Essenta-Revista de Cultura, Ciência e Tecnologia da UVA, Sobral, v. 18, n. 2, p. 121-33, jul./dez. 2017.).

Nesse contexto, a via pública exerce um papel importante nas urbes, pois contempla não apenas o local de circulação das pessoas em seus diferentes meios, mas também é onde se desenvolvem, de algum modo, todas as relações humanas, econômicas, culturais e de lazer. As ruas compõem, em algumas cidades, mais de 80% do espaço público existente, configurando-se não apenas em corredores de locomoção veicular, mas em locais que catalisam os processos de transformação urbana e atendem às diferentes necessidades dos seus usuários, nos aspectos sociais, econômicos e ambientais (GLOBAL DESIGNING CITIES INITIATIVES [GDCI], 2018GLOBAL DESIGNING CITIES INITIATIVES [GDCI]. Guia global de desenho de ruas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2018.). Por este motivo, apostar na melhoria das condições das vias, favorecendo o conforto e o bem-estar da população, converge com a promoção da sustentabilidade nas cidades.

Dentre as metas globalmente estabelecidas pelas Nações Unidas para o desenvolvimento sustentável, até o ano de 2030, está o de tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis, além de tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e os seus respectivos impactos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS [ONU], 2015ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS [ONU]. Agenda 30. Brasília: ONU, 2015. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/. Acesso em: 30 jul. 2021.
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). Nesse sentido, todo esforço convergente para a ampliação, manutenção e salvaguarda da arborização urbana tende para os entendimentos de planejamento urbano alicerçado tanto na dimensão humana quanto na ambiental, especialmente considerando a mitigação e adaptação às mudanças climáticas (GEHL, 2010GEHL, J. Cites for People. Washington, D. C.: Island Press, 2010.; ONU, 2016ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS [ONU]. Nova agenda urbana. Ciudad de México: ONU / Secretaría de Habitat III, 2016. Disponível em: https://uploads.habitat3.org/hb3/NUA-Portuguese-Brazil.pdf. Acesso em: 30 jul. 2021.
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).

A ampliação do território urbano é frequentemente associada com mudanças no clima local (OLIVEIRA; ANDRADE; VAZ, 2011OLIVEIRA, S.; ANDRADE, H.; VAZ, T. The cooling effect of green spaces as a contributon to the mitigaton of urban heat: a case study in Lisbon. Building and Environment, Oxford, v. 46, p. 2186–94, 2011.), principalmente em áreas com pouca arborização e maior densidade de construções (FEITOSA et al., 2011FEITOSA, S. M. R.; GOMES, J. M. A.; MOITA NETO, J. M.; ANDRADE, C. S. P. Consequências da urbanização na vegetação e na temperatura da superfície de Teresina, Piauí. Revista da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, Piracicaba, v. 6, n. 2, p. 58–75, 2011.).

Os espaços vegetados dentro do contexto urbano, muitas vezes, estão concentrados em grandes parques, deixando de lado o tecido urbano para a implantação da arborização e criando, assim, um sistema viário empobrecido ambientalmente e desconfortável climaticamente. Dessa forma, a carência de vegetação integrada ao sistema viário torna o espaço das vias um dos ambientes menos confortáveis (SILVA, 2009SILVA, C. F. Caminhos bioclimáticos: desempenho ambiental de vias públicas na cidade de Terezina-PI. 2009. 155 p. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, 2009.).

De acordo com Martini e Biondi (2015), em síntese a outros autores, as superfícies vegetadas contribuem para amenizar as condições climáticas, enquanto áreas densamente construídas favorecem a retenção do calor, devido à grande concentração de construções e equipamentos urbanos.

Os benefícios da arborização ao microclima também se associam à mudança na dinâmica hidrológica urbana. Ao estudar sobre a capacidade de interceptação das copas e troncos de três espécies distintas, Alves, Formiga e Traldi (2018)ALVES, P. L; FORMIGA, K. T. M.; TRALDI, M. A. B. Interferências de espécies arbóreas na interceptação das águas pluviais urbanas. Brazilian Journal of Environmental Sciences (Online), Rio de Janeiro, n. 47, p. 89-100, mar. 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.5327/Z2176-947820180214
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concluiu que as árvores aumentam o tempo de concentração das bacias, reduzindo a intensidade do escoamento superficial, sendo que estes resultados diferem em razão da espécie e sua configuração na paisagem urbana.

As cidades têm um clima local distinto, caracterizado por apresentar temperaturas mais elevadas nas áreas densamente construídas, quando comparadas com seu entorno (LEAL; BIONDI; BATISTA, 2014LEAL, L., BIONDI, D., BATISTA, A. C. Infuência das forestas urbanas na variação termo-higrométrica da área intraurbana de Curitba-PR. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 24, n. 4, p. 807–20, 2014.).

O município de Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul, está entre as cidades mais arborizadas do país, onde a cobertura vegetal tem cerca de 74 m2/habitante, enquanto o índice mínimo ideal é de 15 m2/habitante, estabelecido pela Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU) (CAMPO GRANDE, 2010cCAMPO GRANDE (Cidade). Arborização urbana: guia prático. Campo Grande: PMCG/SEMADUR, 2010c.). Contudo, em estudo realizado por sensoriamento remoto, por Souza & Silva (2017)SOUZA, C. A.; SILVA, M. H. S. Análise da distribuição térmica da cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no ano de 2015. Revista Brasileira de Climatologia, Curitba, v. 21, p. 467–87, jul./dez. 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/abclima.v21i0.45752
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, verificou-se a presença de ilhas de calor principalmente na região central do município, sendo temperaturas superiores a 28°C no verão e com cerca de 25°C no inverno, após o pôr do sol. O fenômeno de ilhas de calor exerce grande influência na qualidade de vida da população (MARTINI; BIONDI, 2015MARTINI, A; BIONDI, D. Microclima e conforto térmico de um fragmento de foresta urbana em Curitba, PR. Floresta e Ambiente, Rio de Janeiro, v. 22, p. 182–93, 2015. DOI: https://doi.org/10.1590/2179-8087.082114
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).

Geralmente, os centros urbanos, os quais têm maior atividade antrópica, caracterizam-se por serem mais quentes que os bairros residenciais e periféricos (OKE, 1976OKE, T. R. The distincton between canpoy layer and boundary-layer urban heat islands. Atmosphere, Otawa, v. 14, n. 4, p. 268–77, 1976. DOI: 10.1080/00046973.1976.9648422
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). Fatores que influenciam no aumento da temperatura são a reduzida cobertura vegetal e a alta densidade de equipamentos residenciais, somadas aos pavimentos, telhados e outras superfícies típicas da paisagem urbana, gerando desconforto térmico.

O centro de Campo Grande, MS, passou por processos continuos de degradação urbana, configurados, principalmente, na evasão de habitantes da região central e na perda da vitalidade econômica, motivando a elaboração, em 2010, de um plano local para as Zonas Especiais de Interesse Cultural do Centro – Plano de Revitalização do Centro –, que propôs a realização de ações voltadas ao desenvolvimento econômico, à melhoria das condições urbanísticas e ambientais, à recuperação e revitalização dos espaços e das edificações, entre outros aspectos (CAMPO GRANDE, 2010aCAMPO GRANDE (Cidade). Lei Complementar n. 161, de 20 de julho de 2010. Institui o Plano para Revitalização do Centro de Campo Grande e dá outras providências. Lex: legislação municipal, Campo Grande, 2010a.). O plano definiu como prioritária a requalificação da Rua 14 de Julho, cujo diagnóstico já apontava para a percepção do centro urbano, para a maioria dos entrevistados, ligada diretamente a esta via.

A Rua 14 de Julho, beneficiada no projeto, destaca-se como a principal via comercial, além do contexto histórico-cultural da cidade, em que foi palco de manifestações político-culturais desde a construção do relógio, sendo o seu auge nas décadas de 1950 e 1960 (GARCIA; DE ALMEIDA REIS; SILVA, 2016GARCIA, D. S.; DE ALMEIDA REIS, J. A.; SILVA, L. J. R. A importância da revitalização da Rua 14 de Julho para o fortalecimento da identidade cultural de Campo Grande, Mato Grosso do Sul/MS, Brasil. Turismo e Sociedade, Curitba, v. 9, n. 3, p. 1-22, set./dez. 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/tes.v9i3.48312
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). A via não apresentava arborização nas calçadas, com apenas 13 indivíduos arbóreos de pequeno a médio porte no trecho de 10 quadras compreendido no projeto de requalificação. Foram realizados, assim, transplantes de 180 árvores adultas de médio e grande porte como parte integrante do projeto, sendo a primeira ação de transplantes em passeio público realizada no município (CAMPO GRANDE, 2018bCAMPO GRANDE (Cidade). Levantamento arbóreo: requalificação da Rua 14 de Julho. Campo Grande: PMCG/BID, 2018b.).

O Projeto de Arborização e Paisagismo da Rua 14 de Julho priorizou o conforto térmico/ ambiental e a qualidade de vida dos transeuntes e da população que movimenta o centro da cidade (FERNANDES, 2015FERNANDES, M. T. L. C. Memorial do Projeto de Paisagismo: requalificação da Rua 14 de Julho. Campo Grande: Cia. Arquitetura/Schetitini Engenharia, 2015.). O projeto alinha-se com os diagnósticos de arborização anteriormente realizados. Com base em levantamentos quantitativos, o Plano Diretor de Arborização Urbana de Campo Grande classificou os setores da cidade em ordem de necessidade para novos plantos, considerando três classes distintas, sendo que a região central da cidade está entre a classe prioritária (CAMPO GRANDE, 2010bCAMPO GRANDE (Cidade). Plano Diretor de Arborização Urbana de Campo Grande-MS. Campo Grande: PMCG/SEMADUR, 2010b.).

Portanto, o objetivo deste trabalho foi determinar a dinâmica de circulação de pedestres em uma rua comercial, em área central urbana, por intermédio da contagem do fluxo de pessoas, em razão da insolação, e detectar os locais prioritários a serem arborizados, como estratégia de melhoria do conforto térmico. Nesse sentido, realizou-se a presente pesquisa, tendo como estudo de caso as obras de requalificação urbana da região central de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil, que compõem as intervenções de um programa de desenvolvimento integrado em andamento.

2 METODOLOGIA

2.1 Área de Estudo

O presente trabalho desenvolveu-se no município de Campo Grande, localizado na porção central do Estado de Mato Grosso do Sul, na região Centro-Oeste do Brasil (Figura 1). Sob os domínios do bioma Cerrado, tem clima tropical com duas estações bem definidas, uma chuvosa no verão e outra seca no inverno, sendo que, no período de setembro a março, ocorrem as maiores temperaturas médias. Segundo dados do censo de 2010 do IBGE, a cidade tem uma população de 786.797 habitantes, com uma taxa de urbanização de 98,66% e densidade demográfica de 97,22 hab./km2 (CAMPO GRANDE, 2020CAMPO GRANDE (Cidade). Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento Urbano – Planurb. Perfil Socioeconômico de Campo Grande. 26. ed. Campo Grande: Planurb, 2020.).

Figura 1
Localização do Município de Campo Grande, MS

A partir de 2017, a cidade iniciou a operação de um programa de desenvolvimento integrado, visando promover a dinamização de sua área central, em consonância com o Plano para Revitalização do Centro de Campo Grande, tendo como finalidade a valorização e a preservação do patrimônio histórico, ambiental, arquitetônico e paisagístico da cidade (CAMPO GRANDE, 2010aCAMPO GRANDE (Cidade). Lei Complementar n. 161, de 20 de julho de 2010. Institui o Plano para Revitalização do Centro de Campo Grande e dá outras providências. Lex: legislação municipal, Campo Grande, 2010a.), o qual inclui a arborização urbana. Consequentemente, entre 2018 e 2019, a Rua 14 de Julho foi objeto de obras de requalificação urbana, modernizando as diversas infraestruturas da via e melhorando a caminhabilidade do pedestre. Como parte da requalificação, foram transplantadas árvores adultas ao longo da extensão da via, antes não arborizada, para tornar a área central atrativa.

2.2 Dinâmica de circulação de pessoas

O fluxo pedonal foi determinado aplicando-se os métodos de Gehl e Svarre (2013)GEHL, J.; SVARRE, B. How to study public life. Washington: Island Press, 2013. para a coleta de dados em campo, que, nesta pesquisa, foi realizada pelos autores. O método de contagem (ou método counting) é amplamente conhecido e um dos mais utilizados, permitindo registrar o número de pessoas que estão caminhando, ou ainda quantas pessoas permanecem em determinados locais (MAROPO et al., 2020MAROPO, V. L. B.; SILVEIRA, J. A. R.; NEGRÃO, A. G.; CASTOR, D. C. Mobilidade nos centros urbanos: estudo para implantar ruas completas no centro de João Pessoa, Paraíba, Brasil. Revista Brasileira de Gestão Urbana, Curitba, v. 12, p. 1–28, ago. 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2175-3369.012.e20190145
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).

Para Gehl e Svarre (2013)GEHL, J.; SVARRE, B. How to study public life. Washington: Island Press, 2013., a contagem é um elemento básico para os estudos da vida pública e pode fornecer dados quantitativos importantes para qualificar projetos ou subsidiar tomadas de decisão, além de se constituir em uma maneira rápida e simples de avaliar a vitalidade dos espaços da cidade, antes e depois de sofrerem iniciativas.

Para analisar a dinâmica de circulação de pessoas na via em razão do conforto térmico existente nas duas faces do passeio público, utilizaram-se dados coletados no segundo semestre de 2019. Trata-se de contagens de fluxo de pessoas na Rua 14 de Julho, em ambos os lados da via, alternando-se o predomínio de sombra e a exposição à insolação, num período de 5 minutos, em 5 pontos de observação, destacados na Figura 2.

Figura 2
Pontos de Observação

Foram realizadas adaptações em relação à metodologia de Gehl e Svarre (2013)GEHL, J.; SVARRE, B. How to study public life. Washington: Island Press, 2013., especialmente sobre a forma de registro dos dados, que contou com a flmagem utilizando-se de smartphones. Como o dispositivo permita o registro das calçadas nas duas faces de quadra simultaneamente, o tempo total de registro indicado pelos autores foi reduzido de 10 minutos para 5 minutos.

A Rua 14 de Julho é uma das ligações viárias no sentido norte-sul da cidade. Trata-se da principal via do centro e se caracteriza pela predominância comercial e de serviços, concentrando os maiores fluxos de passagem de veículos e pedestres (CAMPO GRANDE, 2018aCAMPO GRANDE. Plano de mitigação: revitalização do centro. Campo Grande: PMCG/BID, 2018a.). A área de abrangência, compreendida entre a Av. Fernando Corrêa da Costa e a Av. Mato Grosso, totaliza 1.400 metros de extensão e passou por diferentes estágios de obras de requalificação, visando modernizar as infraestruturas existentes, ampliar as calçadas, implantar paisagismo, mobiliário urbano e demais elementos construtivos, com investimento internacional do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) (CAMPO GRANDE, 2018aCAMPO GRANDE. Plano de mitigação: revitalização do centro. Campo Grande: PMCG/BID, 2018a.).

Os pontos foram selecionados considerando as diferentes tipologias de comércios e serviços existentes, bem como a existência de locais de embarque e desembarque do transporte coletivo, destacando-se a presença: da Agência do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS, esquina com a Rua 26 de Agosto); Praça Ary Coelho (entre as Ruas 15 de Novembro e Av. Afonso Pena); o intenso e diversificado comércio varejista de roupas, calçados e acessórios em geral, lojas de departamento e de móveis (entre a Av. Afonso Pena e a Rua Barão do Rio Branco; e as Ruas Dom Aquino e Cândido Mariano); e comércio de armarinhos e lojas de decoração (entre as Ruas Maracaju e Antônio Maria Coelho).

Ao todo, na campanha de observação, foram realizadas seis contagens, nos meses de agosto/setembro de 2019, divididas entre as semanas que contemplaram o período aproximado do pagamento dos salários dos servidores públicos, dos celetstas (quinto dia útil), e quando não há receita de trabalho remunerado. Em cada semana, as contagens aconteceram sempre às terças-feiras e aos sábados, nos períodos matutinos e vespertinos. Os dados coletados foram tabulados em planilha do Microsoft Excel.

O período para os levantamentos de campo foi escolhido em razão de demonstrar o cenário existente antes do início da implantação do projeto de arborização da via, cujos transplantes arbóreos ocorreram somente a partir de setembro de 2019. Os dados de temperatura mínima e máxima em Campo Grande, para os dias e horários das contagens nos períodos matutino e vespertino – iniciando-se sempre às 10 horas e às 14 horas, respectivamente - foram obtidos junto ao Instituto Nacional de Meteorologia (INMET).

Trata-se, portanto, de uma pesquisa de campo, de caráter quantitativo-descritivo, cujos dados foram coletados conforme a metodologia descrita. Adicionalmente, foi realizada uma análise documental e bibliográfica das publicações existentes sobre o tema, bem como dos documentos do programa de requalificação do centro.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Inicialmente, insta observar que foram realizadas consultas às bases de dados Web of Science e Scopus, buscando-se por trabalhos que reunissem parâmetros relacionados à arborização urbana e à contagem de fluxo de pedestres. Até o momento da submissão do artigo, não foram localizados trabalhos com desenvolvimento metodológico semelhante, reforçando o ineditsmo da abordagem, uma vez que a contagem de pessoas é ferramenta largamente utilizada em arquitetura e urbanismo, mas pouco explorada na área ambiental.

Por outro lado, cada vez mais a percepção das pessoas, seus desejos e interesses, apoiados em pesquisa aplicada que busque compreender o padrão comportamental, são levados em consideração para o planejamento e a gestão das cidades. Fato este que reforça a importância da metodologia associada às pesquisas em arborização urbana.

Com relação ao objeto desta pesquisa, em análise aos dados coletados em campo e sistematizados em planilhas e gráficos, foi possível verificar o perfil de circulação das pessoas na Rua 14 de Julho. Os dados médios dos seis dias de contagem na via demonstram que, no período matutino, as pessoas optaram por circular predominantemente pelo lado com incidência solar, conforme a Figura 3.

Figura 3
Fluxo médio de pedestres na Rua 14 de Julho no período matutino

Contudo, no período vespertino, a circulação de pessoas foi predominante no lado sem incidência direta de sol, na sombra projetada pelos próprios imóveis existentes na via, conforme demonstrado na Figura 4.

Figura 4
Fluxo médio de pedestres na Rua 14 de Julho no período vespertino

De um modo geral, nas coletas realizadas, foi registrada uma maior circulação de pessoas no período vespertino em relação ao matutino. E, aos sábados, o fluxo foi maior do que nos dias convencionais. Conforme as contagens de fluxo de pedestres feitas por Yule (2020)YULE, L. A cidade na escala humana. Campo Grande: Life Editora, 2020. na Rua 14 de Julho, em 2018, há uma predominância de circulação entre 11h e 12h, e das 14h às 16h, tendo também maior número de pessoas aos sábados do que em dias de semana.

Também foi possível identificar que há uma maior dinâmica de circulação nas quadras localizadas entre a Av. Afonso Pena e a Rua Marechal Cândido Mariano Rondon. São as chamadas áreas quentes, apresentadas na Figura 5. Nessas quadras, predomina um intenso e diversificado comércio varejista de roupas, calçados e acessórios em geral, lojas de departamento e de móveis, sendo que, no pavimento superior de algumas dessas lojas, há a presença de salões de beleza e clínicas dentárias populares. Esses indicativos comportamentais das pessoas no espaço público, aferidos por metodologias tais como a contagem de pedestres no passeio, demonstram indicativos dos locais prioritários para intervenções de arborização e paisagismo.

Figura 5
Média do total de pessoas circulando na Rua 14 de Julho

Quando da análise sistematizada dos dados de cada leitura de campo, considerando as temperaturas máxima e mínima do dia e hora da coleta, verificamos que essas preferências de circulação nos lados de sol e sombra se devem ao fato de que, em agosto e no início de setembro de 2019, as temperaturas estavam mais amenas, características do período de inverno de um clima tropical. Detalhadamente, percebe-se que as temperaturas médias são mais baixas pela manhã, logo, as áreas sombreadas da via contribuíam para o aumento do desconforto ao caminhar, em razão da sensação térmica mais fria que as faces expostas ao sol. De forma diretamente oposta, no período vespertino, com as temperaturas elevadas, o caminhar na área sombreada se tornou mais atrativo aos pedestres.

Corroborando as informações do fluxo de pessoas, a Figura 6 apresenta os gráficos referentes à variação de temperatura no período vespertino e matutino, no lado sombreado e no exposto ao sol, nos dias das coletas realizadas nos meses de agosto e setembro de 2019.

Figura 6
Variação de temperatura nos períodos vespertino e matutino, em agosto e setembro de 2019

Adicionalmente, quanto à temperatura, o município de Campo Grande, MS, estava com sensações térmicas mais baixas no período escolhido (Figura 6), o que não demonstra óbice para fomentar o uso de política pública para arborização urbana, uma vez que as pessoas, em altas temperaturas, preferem circular em áreas que sejam mais confortáveis.

Na área central de Campo Grande, antes mesmo das intervenções para revitalização, era possível identificar experiências sensoriais desagradáveis em quase todo o espaço público, ocasionado por diversos fatores, incluindo-se o desconforto térmico, a poluição sonora e visual (YULE, 2020YULE, L. A cidade na escala humana. Campo Grande: Life Editora, 2020.).

A dinâmica de fluxo determinada a partir da pesquisa deixa evidente que a circulação das pessoas na via se faz nos locais onde se tem maior conforto térmico, sendo nos períodos mais quentes do dia a sombra ofertada pelas marquises das fachadas. Esse indicativo nos permite traçar um paralelo com alguns trabalhos consagrados na literatura, que reforça a valorização das sombras das árvores pelas pessoas.

Os resultados obtidos na contagem de fluxo da via, portanto, concordam com a percepção da população, que associa como um dos maiores benefícios da arborização o conforto térmico. Numa pesquisa realizada a partir de entrevistas por Malavasi & Malavasi (2001)MALAVASI, U. C.; MALAVASI, M. M. Avaliação da arborização urbana pelos residentes – estudo de caso em Mal. Cândido Rondon, Paraná. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 11, n. 1, p. 189–93, junho 2001., 65% dos entrevistados atribuíram como vantajosos o sombreamento e 23% a redução do calor.

Em Dantas (2018)DANTAS, M. C. Planto e poda de árvores em calçadas pela representação de moradores do semiárido do Nordeste brasileiro. In: Congresso Nacional de Pesquisa e Ensino em Ciências: Ciência em tempos de crise, 3., 6 a 8 de jun. 2018, Campina Grande. Anais [...]. Campina Grande: Realize Eventos Científicos & Editora, 2018., pesquisa também a partir de entrevistas, 99,2% dos entrevistados afirmaram que o principal fator para o planto de árvores em calçadas foi o benefício climático, na obtenção de sombra, e 85,71% justificaram o planto por morarem do lado da rua com alta incidência solar.

As pessoas, de maneira geral, percebem o microclima dos ambientes vegetados mais frescos e úmidos do que as condições de tempo na ambiência urbana (MARTINI; BIONDI, 2015MARTINI, A; BIONDI, D. Microclima e conforto térmico de um fragmento de foresta urbana em Curitba, PR. Floresta e Ambiente, Rio de Janeiro, v. 22, p. 182–93, 2015. DOI: https://doi.org/10.1590/2179-8087.082114
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). Consequentemente, optam por circular ou permanecer em locais mais agradáveis, associados ao conforto térmico proporcionado. Essas características ambientais preconizam o espaço urbano na escala humana proposto por Gehl (2013)GEHL, J.; SVARRE, B. How to study public life. Washington: Island Press, 2013., além de sustentável, em concordância com os acordos internacionais, tais como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável manifestados na Agenda 2030 (ONU, 2015ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS [ONU]. Agenda 30. Brasília: ONU, 2015. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/. Acesso em: 30 jul. 2021.
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).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da realização da contagem de pedestres em uma rua de intenso uso comercial, em área central urbana, foi possível concluir que há predominância da circulação de pessoas aos sábados, em vez dos dias de semana, e no período vespertino, mais do que no matutino, com predomínio em trechos de diversificado comércio varejista.

Também há preferência das pessoas em caminhar no lado sem incidência de sol, em dias de ocorrência de temperaturas mais elevadas, demonstrando que ambientes sombreados e arborizados são naturalmente desejados pela população.

Metodologias que consideram o comportamento das pessoas no espaço público, tais como a contagem de pedestres no passeio, configuram-se em indicativos dos locais prioritários para intervenções de arborização e paisagismo.

O espaço urbano que considera a arborização dos passeios públicos é planejado para considerar a dimensão humana e a construção de cidades sustentáveis.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2021
  • Revisado
    29 Abr 2022
  • Aceito
    31 Maio 2022
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