RESUMO
Candido Portinari trilhou trajetória gloriosa nos Estados Unidos entre 1935 e 1942, marcada por obras emblemáticas elaboradas para este país: Café, os painéis do pavilhão brasileiro na Feira Mundial de Nova York e os murais da Biblioteca do Congresso. Examinamos o caráter único e experimental dessas representações de Brasil elaboradas por Portinari para a América do Norte - quase todas patrocinadas pelo Estado Novo -, bem como sua recepção pelo público estadunidense. Esta investigação fundamenta-se em fontes primárias do período, especialmente correspondências, memorandos institucionais, textos críticos e artigos de periódicos. As obras analisadas são um breviário dos conceitos de brasilidade fomentados nos Estados Unidos pela pintura nacional durante a Política da Boa Vizinhança e esclarecem a promoção do Brasil ali nesse período.
PALAVRAS-CHAVE: Candido Portinari; Pintura moderna brasileira; Identidade nacional; Estados Unidos; Política da Boa Vizinhança
ABSTRACT
Candido Portinari traveled a glorious trajectory in the United States between 1935 and 1942, during which he created emblematic artworks for the country: Coffee, the panels of the Brazilian pavilion at the New York World Fair and the murals at the Library of Congress. We examine the distinctive and experimental character of these pictorial representations of Brazil created for North America - almost all sponsored by the Estado Novo regime - as well as their reception by the American public. The main documental sources used are institutional memoranda, correspondence, critical texts, and newspaper articles from the 1930s and 1940s. The artworks analyzed present a breviary of the ideal of brasilidade fomented in the United States through Brazilian painting during the Good Neighbor Policy and clarify Brazil’s promotion in America in this period.
KEYWORDS: Candido Portinari; Brazilian Modern Painting; National Identity; United States, Good Neighbor Policy
RESUMEN
Candido Portinari trazó una gloriosa trayectoria en Estados Unidos entre 1935 hasta 1942, marcada por obras emblemáticas elaboradas para este país: Café, los paneles del pabellón brasileño en la Feria Mundial de Nueva York y los murales en la Biblioteca del Congreso. Examinamos el carácter singular e experimental de esas representaciones de Brasil elaboradas para la América del Norte - casi todas patrocinadas por el Estado Nuevo - bien cómo su recepción por el público estadounidense. Esta investigación se fundamenta en fuentes primarias del periodo, especialmente correspondencias, memorandos institucionales, textos críticos y artículos de periódicos. Las obras analizadas son un breviario de los conceptos de brasilidad impulsados en los Estados Unidos por la pintura nacional a lo largo de la Política de Buena Vecindad y aclaran la promoción del Brasil ahí en este momento.
PALABRAS CLAVE: Candido Portinari; Pintura moderna brasileña; Identidad nacional; Estados Unidos, Política de la Buena Vecindad
Em março de 1935 Candido Portinari (1903-1962) soube que tomaria parte da prestigiosa “International Exhibition of Paintings” do Carnegie Institute, sediado em Pittsburgh, nos Estados Unidos. A mostra anual, comumente conhecida como “Carnegie International”, expunha pinturas a óleo de artistas vivos, produzidas até cinco anos antes da data do evento. Esta seria a primeira participação do Brasil, convite realizado devido às celebrações do centenário de nascimento do fundador do Instituto, Andrew Carnegie (1835-1919).1 O arquiteto Lucio Costa (1902-1998), colega de Portinari na Escola Nacional de Belas Artes, integrava, no Brasil, o conselho consultivo da exposição, o que garantiu ao pintor de Brodowski um lugar entre os artistas presentes nessa importante mostra norte-americana.2 Familiarizado com as dinâmicas de operação das grandes exposições de arte, e buscando ampliar suas chances a um dos prêmios concedidos pela “Carnegie International”, Portinari decidiu por elaborar uma pintura especialmente para a mostra, como revela carta do pintor a Mário de Andrade (1893-1945) de 10 de abril de 1935 (cf. PORTINARI, 1935):
Fiquei todo esse tempo sem escrever porque comecei uma colheita de café com cinquenta figuras - dois metros e tal. Em tamanho é o maior que já fiz. [...] A colheita tá me dando um trabalho danado. Vou ser convidado para expor em uma exposição nos Estados Unidos - Carnegie Institute.
Café em exposição em Pittsburgh, na ala da representação brasileira na “Carnegie International” de 1935. Foto: Projeto Portinari.
A tela enviada a Pittsburgh diferia significativamente da produção de Portinari até então e destacava-se entre os quadros da representação brasileira, como demonstra a Figura 1. A pintura impressionou os norte-americanos, levando o júri da exposição a premiá-la com a segunda menção honrosa.3 Em termos de dimensões e estrutura compositiva, o Café feito para o público estadunidense era a maior e mais complexa obra produzida por Portinari até então. Distinguia-se significativamente dos dois outros trabalhos executados anteriormente pelo pintor sobre esse mesmo tema. O primeiro deles, a aquarela Colheita de café, de 1933, mede 27 x 34 centímetros e apresenta um cafezal em vista aérea, frequentado por poucos trabalhadores diminutos, em sua maioria alinhados no plano de vanguarda. O segundo, o óleo Café, de 1934, mede 43 x 49 centímetros e traz grandes sacas bem à frente, com quatro colonos robustos um pouco atrás, de braços e pés ampliados, ocupando a metade superior do plano pictórico. O maior deles toma dois terços da altura do quadro e puxa frutos dos galhos de um grande cafeeiro que se estende até a margem esquerda da pintura. Ao fundo há o céu azul e o cafezal à distância, em um plano mais baixo, representado por linhas ortogonais.4 Nesse último trabalho, Portinari chegou a soluções plásticas que explorou mais amplamente na tela destinada aos Estados Unidos, e que não passaram desapercebidas aos críticos locais.
Candido Portinari, Café, 1935. Óleo sobre tela, 130 × 195 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. Foto: Projeto Portinari
Café destoava das demais obras sul-americanas apresentadas na “Carnegie International”, substancialmente inspiradas pela Escola de Paris (WATSON, 1935, p. 649) e se diferenciava significativamente dos outros óleos em exposição, o que é evidenciado pelos comentários a seu respeito publicados na imprensa americana. No Philadelphia Record, Dorothy Grafly (1896-1980) declarou que “há muito mais interesse na tela da segunda menção, uma decoração extremamente original de trabalhadores em uma plantação de café, de Candido Portinari, do Brasil, o único pintor sul-americano em exibição cujo trabalho apresenta individualidade” (GRAFLY, 1935, tradução nossa). No Pittsburgh Post-Gazette, o diretor do Museu de St. Louis Meyric R. Rogers (1893-1972) afirmou que “o Brasil foi resgatado da obscuridade pelo Café de Portinari, que é um esforço satisfatório de se dizer algo com um gosto elevado e não baseado nos modelos de Paris” (ROGERS, 1935, p. 29, tradução nossa). Já Dorothy Kantner (1906-1977), do Pittsburgh Sun-Telegraph, apontou que Portinari
(...) conhece o valor da distorção para efeito decorativo. Seu premiado Café tem design excelente e é rico em marrons e suaves cinzas esverdeados. Os colhedores de café foram intencionalmente distorcidos, mas o efeito adiciona força à pintura. Faria um mural interessante. (KANTNER, 1935, p. 21, tradução nossa)
Em Nova York, o centro das artes nos Estados Unidos, o eminente crítico do New York Times Edward Alden Jewell (1888-1947) atestou que Café era “uma peça engenhosa de pintura formalizada” (JEWELL apud MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1939, p. 51, tradução nossa) e Emily Genauer (1911-2002), do jornal New York World-Telegram, argumentou que
O Café de Portinari, uma tela grande de atmosfera muralista, não é apenas a melhor obra do grupo brasileiro, mas, na opinião dessa espectadora, um dos melhores trabalhos dentre os 365 apresentados na mostra. É extraordinariamente bem composta, com cada uma das trinta ou mais figuras habilmente posicionadas em um arranjo ordenado e coerente, onde cada uma delas é um retrato individual trajado de vida, força e caráter. (GENAUER, 1935, tradução nossa)
Na The American Magazine of Art, Forbes Watson (1879-1960) alegou (1935, p. 649-650):
O juri de premiação (…) conferiu o único prêmio dedicado à América do Sul a Candido Portinari, um brasileiro que representou, com peso e lógica formal, embora fora de foco, um grupo de colhedores de café trabalhando. Evidentemente, nesse desvio, tanto homens quanto mulheres desenvolvem, quando estão bem em primeiro plano na imagem, pés e mãos enormes.
A originalidade de Café, destacada por Dorothy Grafly, é resultado da combinação de elementos específicos. Primeiramente, como bem observou Meyric Rogers, Portinari não se valeu do vocabulário plástico da Escola de Paris. O quadro, louvado por ser “extraordinariamente bem composto”, por seu “design excelente”, engenhosidade, coerência, ordenação e “peso e lógica formal”, foi estruturado a partir de recursos plásticos utilizados pelos grandes mestres da pintura séculos antes do surgimento das vanguardas modernas na França. A robusta formação acadêmica recebida por Portinari na Escola Nacional de Belas Artes, complementada por um período de estudos na Europa,5 forneceram ao pintor sólido instrumental para a realização de uma obra que se distinguia significativamente dos demais óleos expostos em Pittsburgh.
Portinari ordenou os componentes de Café utilizando a técnica da perspectiva linear com dois pontos de fuga, originária do renascimento italiano. Situados fora do plano pictórico, um pouco além dos cantos superiores esquerdo e direito, ambos determinam as linhas de composição sobre as quais os muitos elementos que constituem a cena foram dispostos. O cafezal é mostrado de esquina, como um triângulo escaleno invertido, do qual a base é a margem superior da pintura e cujo lado maior se volta à esquerda. É ladeado por duas movimentadas vias de passagem, que constituem as diagonais que estruturam o quadro e ecoam intensamente ao longo do espaço como outras linhas inclinadas de menor importância. Portinari equilibrou o dinamismo desse grande número de oblíquas com a inserção de uma malha de linhas verticais e horizontais que traz estabilidade e unidade ao conjunto, como mostra o esboço da obra na figura 3. Este desenho explicita a cuidadosa ordenação dos componentes da cena de acordo com as linhas compositivas descritas acima. Ademais, para acentuar a percepção de profundidade, o pintor empregou a perspectiva atmosférica, advinda do renascimento flamengo, nos dois cantos superiores da tela, onde os caminhos ladeando o cafezal desaparecem ao longe. No entanto, substituiu o azul acinzentado dos horizontes renascentistas por uma névoa avermelhada, no mesmo matiz do solo.
Candido Portinari, esboço de Café, 1935. Grafite e caneta-tinteiro sobre papel, 40 × 58 cm. Coleção particular. Foto: Projeto Portinari
As cores utilizadas em Café, bem como sua disposição no plano pictórico, também relacionam o óleo premiado em Pittsburgh a um vocabulário plástico anterior à Escola de Paris. A paleta é limitada, de baixa saturação e, em maior parte, de luz mediana. É dominada por verdes esmaecidos e pelo castanho avermelhado característico da “terra roxa” do interior paulista, o que determina as relações cromáticas no quadro como predominantemente tonais. Matizes luminosos de beges e amarelos pálidos, presentes nas vestimentas dos colonos, são evidenciados por um foco direcionado de luz artificial e geram áreas de contraste. Estas, dispostas ao longo das duas diagonais que estruturam a composição, bem como no primeiro plano, são mais acentuadas nos pontos-chave da narrativa pictórica. Essa estrutura compositiva caracterizada pela combinação de contrastes ponderados de claro e escuro e diagonais que atravessam a tela, nas quais ocorrem a ação principal, foi extensamente utilizada por artistas do maneirismo italiano. Assim como os mestres desse estilo, Portinari se valeu de focos de claridade mais intensa advindos de iluminação teatral, cercados por regiões construídas em tons médios de pouca saturação cromática e algumas áreas de cor muito escura, para direcionar o olhar do espectador pela cena. O resultado é um percurso visual agitado, que reforça o intenso movimento presente no cafezal durante o período da colheita.
A preferência de Portinari por recursos compositivos renascentistas e maneiristas na formulação de Café resultou em uma peça estruturalmente sofisticada, o que explana o comentário de Meyric Rogers afirmando que a tela do pintor brasileiro era um esforço satisfatório de se dizer algo com um gosto elevado e não baseado nos modelos plásticos então praticados na capital francesa. É preciso, no entanto, enfatizar que Portinari representou os elementos em cena com vocabulário formal moderno, de geometria tubular sintética, reminiscente de Fernad Léger (1881-1955). Isto é mais evidente nas figuras humanas, monumentais, cuja densa constituição física parece esculpida em pedra e cujo volume é enfatizado pela iluminação. Ao recurso da síntese foi somado o da distorção, visível em certas partes dos corpos dos colonos, notadamente a ampliação de mãos e pés das figuras nos primeiros planos, como observaram Forbes Watson e Dorothy Kantner. Essa última apontou também a vocação muralista de Café, reafirmada por Emily Genauer. Na produção pictórica do período, a mescla de elementos estruturais do renascimento com uma linguagem plástica moderna, que retratava temas sociais encenados por figuras escultóricas grandiosas, era característica do movimento muralista no México, em especial de Diego Rivera (1886-1957), seu expoente máximo e a quem Portinari seria recorrentemente comparado nos Estados Unidos poucos anos depois.
Em 1935, quando Café foi exibida em Pittsburgh, o muralismo mexicano já havia sido difundido extensamente nos Estados Unidos devido a alguns fatores fundamentais. Primeiramente, nas décadas de 1920 e 1930, a nação mexicana encantou os estadunidenses devido à sua cultura e às novas possibilidades que esta oferecia. Naquela época a sociedade norte-americana sofria os resultados da intensa industrialização que ocorria no país e da consequente aceleração do regime capitalista, que gerou um aumento considerável da população urbana. Por conta disso, a vida nas cidades tornou-se, para muitos, sinônimo de isolamento e desenraizamento. Uma parcela dos intelectuais nos Estados Unidos preocupava-se com essas questões, compreendendo que a fragmentação da vida moderna roubava o indivíduo do senso de pertencimento e da plenitude presentes nos modelos basilares de sociedade. Consequentemente, os pueblos mexicanos, romantizados como lugares intocados, povoados por pessoas inocentes, autênticas e intimamente ligadas à terra, foram vistos como uma opção possível ao modo de vida estadunidense, o que era reforçado por relatos de diversos eruditos que iam morar ou passar temporadas em vilas rurais no México.
Em segundo lugar os muralistas mexicanos, comunistas, politicamente engajados, de postura confrontadora, voltada à ação e à transformação do cotidiano, serviram como modelo aos artistas e intelectuais estadunidenses comprometidos socialmente. Estes compreenderam a postura marxista dos colegas latino-americanos como uma solução para o ambiente de pobreza, desesperança e confusão que prevaleceu no país durante a década de 1930. No México, a produção muralista dos artistas modernos, de modo geral, idealizava a vida camponesa enquanto vilificava os governos espanhóis e a ditadura do presidente Porfírio Diaz (1830-1915), elaborando narrativas visuais que apresentavam o sofrimento da população e sua luta heroica pela libertação de tais regimes. Essas obras eram executadas por artistas revolucionários, muitas vezes engajados diretamente nos conflitos armados que assolaram o país até 1918. Além de Rivera, nos Estados Unidos destacaram-se José Clemente Orozco (1883-1949) e David Alfaro Siqueiros (1896-1974), que formam a ilustre tríade do muralismo mexicano conhecida como los tres grandes. Todos realizaram obras significativas em território americano, finalizadas antes da chegada de Café à “Carnegie International”. Desse modo, seu legado ali, apesar de recente, já estava estabelecido definitivamente. Aqui nos interessa a produção estadunidense de Rivera.6
Quando chegou a São Francisco em novembro de 1930 o pintor mexicano, que recebera robusta formação acadêmica como Portinari, era um artista já maduro e amplamente respeitado pela vasta produção mural que realizara em seu país na década anterior. Era bastante conhecido na Califórnia e realizou três murais ali até fins de maio de 1931,7 quando deixou o país, retornando no final de novembro para a inauguração de sua mostra individual no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), ocorrida em 2 de dezembro. A exposição se tornou um grande fenômeno midiático, quebrando todos os recordes da instituição e propelindo Rivera ao pináculo da cena artística americana.
Em abril de 1932 o pintor viajou a Detroit para executar aquela que seria a sua obra-prima estadunidense: o ciclo de murais Indústria de Detroit, encomendado para o grande átrio do Detroit Institute of Arts (DIA) por seu diretor, William Valentiner (1880-1958). A obra apresenta uma visão positiva da indústria americana moderna por meio de um panorama geral do desenvolvimento tecnológico do século XX e sua relação com o ser humano. No entanto, causou grande polêmica, amplamente coberta pela imprensa, tanto pelo valor astronômico pago a Rivera pelo trabalho8 como por certos temas presentes nos murais terem sido considerados ofensivos por parte da população local, que exigiu a destruição dos afrescos. Estes foram preservados e, desde então, tornaram-se uma das grandes atrações do DIA, levando milhares de pessoas ao museu já nas primeiras semanas de exibição.
Após inaugurar Indústria de Detroit Rivera rumou a Nova York para pintar aquele que prometia ser seu mural mais emblemático nos Estados Unidos e que, contudo, entrou para a história como o mais polêmico deles. O homem na encruzilhada foi encomendado para o saguão do edifício RCA, o prédio principal do Rockefeller Center, o maior conjunto de edificações comerciais construído nos Estados Unidos até então, situado no coração de Manhattan e de propriedade da família Rockefeller. A área de maior prestígio de todo o complexo foi entregue a Rivera, que deveria finalizar seu afresco até maio de 1933. O pintor elaborou um trabalho que apresentava uma visão dicotômica do universo, dividido entre microcosmo e macrocosmo e dois sistemas políticos opostos: capitalismo e socialismo, no qual o último prevalecia. O pintor tomou a liberdade de alterar os estudos pré-aprovados da obra sem consultar seus empregadores, radicalizando seu discurso político ao inserir nela um retrato de Vladmir Lenin (1870-1924). Por consequência, Nelson Rockefeller (1908-1979) pediu que o artista retirasse a efígie do líder soviético do mural, ao que Rivera respondeu que preferia a destruição da obra à alteração da sua integridade. O pintor foi demitido e, logo depois, iniciou-se uma batalha pública muito amarga pelo destino do afresco inacabado, que se arrastou por meses, acompanhada em detalhes pelos jornais de todo o país. A controvérsia sujeitou Rivera a uma brutal exposição midiática, resultou na destruição da pintura e ocasionou o término abrupto da carreira estadunidense do mestre mexicano.9 Antes de partir definitivamente para seu país natal em 1934, Rivera encerrou suas atividades nos Estados Unidos realizando Retrato da América, grupo de 21 murais presenteados pelo artista à New Workers School, em Nova York, que narrava a história americana, desde a independência, pelo viés ideológico da entidade, uma corrente comunista internacional antistalinista.10 Esse ato foi uma resposta afrontosa do artista à decisão de seus patronos capitalistas de demolir seu afresco e cancelar encomendas já acordadas devido ao escândalo em que se envolveu com a família Rockefeller. Ainda assim, Rivera era bem-quisto no meio artístico estadunidense. No entanto, ofendeu-se a tal ponto com o incidente do Rockfeller Center que, durante alguns anos, negou-se a exibir obras nos Estados Unidos, recusando-se terminantemente a participar da “Carnegie International” de 1935 - realizando, inclusive, ameaças via jornais a Homer Saint-Gaudens (1880-1953), diretor do Carnegie Institute, para evitar que um de seus quadros fosse exposto na mostra. Logo, Portinari não concorreu com o artista mexicano ao exibir Café em Pittsburgh.
Durante o fim dos anos 1920 e ao longo da década de 1930, Diego Rivera foi o pintor latino-americano de maior sucesso nos Estados Unidos. William Valentiner e os Rockefeller, fundamentais para o êxito estadunidense do artista mexicano, tiveram também papel-chave na promoção de Portinari na América do Norte. Entre 1940 e 1942 o pintor de Brodowski alcançou reconhecimento colossal junto aos estadunidenses, tornando-se, na década de 1940, um dos quatro artistas latino-americanos de maior projeção nos Estados Unidos11 (COCKCROFT, 1988, p. 191).
Cabe aqui tecer algumas observações a respeito da vasta produção mural realizada nos Estados Unidos após o término da Primeira Guerra Mundial. Na década de 1920 já havia, em certas regiões do país, tanto escolas de pintura mural como a produção recorrente de edifícios regionais privados de utilização pública - agências bancárias, por exemplo - ornamentados com obras de arte, inclusive murais. Os temas dessas pinturas relacionavam-se a elementos do cotidiano local, um recurso semelhante àquele utilizado por Portinari ao apresentar os trabalhadores de sua terra natal em Café. Por conseguinte, a maneira como o pintor paulista tratou o tema de seu quadro consoava com essa prática artística regional estadunidense.
Nos anos 1930 a pintura mural recebeu significativo impulso federal, efetivado por ações assistencialistas voltadas a artistas. Estas integravam o New Deal, extenso programa governamental do presidente Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) formulado para combater a severa recessão em vigor no período. Em novembro de 1933 Roosevelt implementou o Federal Emergency Relief Act, programa emergencial de criação de empregos que, até sua extinção em junho de 1934, patrocinou em torno de 400 murais, realizados em edifícios públicos. A temática dessas obras era figurativa e voltada a conteúdos encorajadores, relacionados à vida cotidiana dos cidadãos da região na qual eram realizadas. Destarte, quando a “Carnegie International” foi aberta em 1935, havia abundante produção muralista nos Estados Unidos. Somando-se a isso, o Departamento do Tesouro financiou a execução de murais em edificações governamentais, tanto pela contratação de pintores já estabelecidos profissionalmente como por meio de seu projeto assistencialista, o Treasury Relief Art Project, de alcance mais limitado, porém ainda relevante. Por fim, havia o Federal Art Project, organismo de enorme importância, voltado exclusivamente ao auxílio assistencial a artistas plásticos e que, em seu ápice, tinha mais de cinco mil empregados. Logo, em 1943, quando os programas de criação de empregos que integravam o New Deal foram extintos, o governo estadunidense havia financiado a produção de mais de 2.500 murais.
Café foi exibida em Pittsburgh na complexa conjuntura delineada acima. A tela possui elementos comuns a trabalhos murais situados nos Estados Unidos, como a temática social com ênfase no trabalhador, a monumentalidade e o emprego da síntese formal e da distorção como ferramentas narrativas. Em vista disso, seria natural que o público estadunidense e, em especial, os críticos de arte, enxergassem conexões entre o quadro de Portinari e elementos da linguagem mural, especialmente aqueles comuns às obras dos muralistas mexicanos, cujo vocabulário plástico foi absorvido, em graus variados, por praticantes desse tipo de pintura no ambiente estadunidense. Foi nesse contexto que Dorothy Kantner (1935, p. 21) afirmou que Portinari “conhece o valor da distorção”, que em Café os “trabalhadores foram intencionalmente distorcidos” e que “o efeito acrescenta força à pintura”.
Outro elemento importante para a compreensão da recepção do óleo do pintor nos Estados Unidos é a paisagem, que serve de suporte para as ações dos colonos. Em 1935 o Brasil era o maior produtor de café do mundo. Logo, em qualquer país do globo, “Brasil” e “café” eram termos indissociáveis. Portinari, que residiu na França e viajou pela Europa, sabia disso. Ademais, os Estados Unidos eram importadores costumeiros do café brasileiro e, em 1935, firmaram com o Brasil um acordo que isentava a commodity de tarifação. O tratamento que Portinari escolheu dar ao tema “café” subverteu a apresentação habitual do famoso produto brasileiro, oferecendo uma nova perspectiva às audiências estadunidenses. O ziguezaguear de mãos e pés dilatados nos primeiros planos, ocupados em ensacar os frutos colhidos, deixa bem claro ao espectador que o tema do quadro não é o café como bebida ou o arbusto, mas como produto gerador de trabalho no interior do Brasil. Nessa obra, Portinari descortina o processo braçal necessário para que a então mais famosa commodity brasileira chegasse às xícaras dos consumidores finais - que poderiam estar em qualquer lugar do mundo, inclusive nos Estados Unidos.
A colheita de café de Portinari é moderna, e há um fator que pode ter reforçado ao público norte-americano a mensagem de modernidade comunicada pela tela: a relação de suas formas sintéticas arredondadas com o design dos produtos industrializados então fabricados nos Estados Unidos. Nos primeiros anos da década de 1930, para impulsionar as vendas de seus artigos em uma economia estagnada por conta da severa recessão, diversas indústrias norte-americanas passaram a oferecer produtos com roupagem renovada, inspiradas, também, pela florescente indústria da aviação. Logo, se valeram de formas aerodinâmicas abauladas, que evocavam velocidade, movimento e, consequentemente, progresso, como chamarizes para atrair consumidores. Além disso, esses produtos apresentavam aparência sólida, robusta e, em certos casos, monumental. Dentro dessa chave, há elementos em Café que permitiam que o observador norte-americano familiarizado com a produção industrial de seu país relacionasse a pintura com objetos contemporâneos fabricados em série. Formas semelhantes podem ser encontradas tanto em artigos de design aerodinâmico como nos corpos e dobras das roupas dos colonos, nas sacas de café e na copa dos cafeeiros. Ademais, certos componentes do quadro relacionam-se visualmente com a produção seriada. Nesse sentido, podemos citar estruturas sintéticas de repetição sucessiva como as sacas empilhadas na lateral esquerda do plano pictórico, os arbustos uniformes do cafezal e os trabalhadores homogeneamente distribuídos ao longo das fiadas de cafeeiros. A repetição desses elementos, em maior parte homogênea, cria um ritmo visual que seria muito familiar àqueles habituados com linhas de produção fabris. Em 1935, Pittsburgh era uma cidade altamente industrializada e importante centro de produção de aço. Portanto, mesmo que Portinari não tenha elaborado Café buscando relacionar o trabalho no campo com o ambiente industrial, é certo que essas relações não passaram desapercebidas aos espectadores locais quando estes se depararam com a tela do artista no Carnegie Institute.
Em 1935, Pittsburgh era também uma cidade com significativa população de negros, em grande parte oriundos do intenso êxodo destes dos estados do sul para os do norte do país, ocorrido entre 1916 e 1930. Por conseguinte, no ambiente americano, e particularmente em Pittsburgh, além das associações com elementos industriais discutidas logo acima, a cena elaborada por Portinari, com seus colonos majoritariamente negros e mestiços, trabalhando harmonicamente com imigrantes italianos em uma colheita no campo, relacionava-se diretamente com o contexto sociocultural do sul dos Estados Unidos, predominantemente agrícola. Os negros eram a força motriz da economia dessa região e viviam sob condições de duríssima segregação, com baixa ou nenhuma escolaridade, jornadas de trabalho de até 12 horas diárias, salários minguados e severa discriminação, que corriqueiramente resultava em violência física e linchamentos. O modo como o pintor brasileiro construiu a narrativa pictórica de Café, com trabalhadores negros monumentais e dignificados em uma plantação de grandes arbustos viçosos, diferia tanto do tratamento habitual conferido à figura do negro nas artes visuais nos Estados Unidos como da maneira como o trabalho nas plantações sulistas era representado no país. Portanto, apesar de cenas de negros realizando trabalho agrícola serem familiares aos norte-americanos, sua interpretação por parte do pintor brasileiro foi ímpar dentro do ambiente estadunidense.
As análises que apresentamos até aqui permitem apreender que o significativo sucesso alcançado por Café nos Estados Unidos em 1935 resultou da consonância das escolhas formais e temáticas realizadas por Portinari na elaboração da pintura com o complexo contexto estadunidense do período. A premiação do quadro repercutiu na América do Norte e foi celebrada no Brasil, abrindo uma porta fundamental para a consolidação do trabalho do pintor. Em 1936 o ministro da educação Gustavo Capanema (1900-1985) convidou Portinari a executar um grupo de 12 afrescos no salão de audiências da nova sede modernista do Ministério da Educação e Saúde (MES), projetada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer (1907-2012). O tema, os ciclos econômicos brasileiros. Portinari dedicou-se intensamente ao projeto entre 1937 e 1938, finalizando 11 dos 12 murais nesse último ano. Os desenhos preparatórios dessas pinturas circularam amplamente pelos Estados Unidos entre 1940 e 1942, alavancando a carreira do pintor na América do Norte.
Em 1938 Costa e Niemeyer receberam do governo federal a incumbência de desenvolver outro edifício, que se tornaria emblemático: o pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York, para o qual Portinari desenvolveu três grandes painéis. O evento, de proporções superlativas, ocorreu de 30 de abril a 31 de outubro de 1939, com uma segunda temporada entre 11 de maio e 27 de outubro de 1940. A feira era um enaltecimento à democracia, ao liberalismo capitalista, ao desenvolvimento tecnológico resultante deste, ao futuro e, devido ao cenário político internacional, à paz. Os expositores foram ordenados em sete zonas temáticas, que compreendiam os aspectos fundamentais de uma vida movida pelo progresso: diversão; comunicação e sistemas de negócios; interesses da comunidade; alimentos; governo; produção e distribuição; transportes.
Obras de arte eram abundantes por toda a feira e constituíam atrações significativas do evento integrando, inclusive, as edificações da zona de governo, como era o caso dos painéis de Portinari. Havia também dois pavilhões, que exibiam mostras de arte distintas. Uma delas era “Masterpieces of Art”, organizada pelo diretor do Detroit Institute of Arts William Valentiner. A exposição apresentava as correntes artísticas europeias mais importantes desde o século XII até o início do século XIX.12 Originalmente os organizadores da feira planejavam criar uma zona temática dedicada à arte, inicialmente alardeada como um dos setores principais do evento. Contudo, quando os parâmetros de integração arquitetônica foram definidos, decidiu-se pelo cancelamento dessa seção e de todos os pavilhões voltados às exposições de arte, preteridos em favor da distribuição das obras pelas demais zonas temáticas. Essa alteração de planos resultou em uma redução significativa do número de trabalhos apresentado na feira e afetou também os planos voltados à exibição de arte latino-americana no evento, delineados já em 1935. A princípio, estava planejada para a zona temática das artes uma ambiciosa exposição de arte das Américas, de escopo bastante extenso, mas que nunca veio a ocorrer. Após protestos foram criados os dois pavilhões dedicados à arte já mencionados e organizada, em 1939, como uma extensão oficial da feira no Riverside Museum, a mostra “Latin-American Exhibition of Fine and Applied Art”, da qual Portinari tomou parte à convite do governo brasileiro no ano seguinte.
Em sua primeira edição a feira contou com a participação de 60 nações e corpos internacionais. Dentre as latino-americanas estavam presentes, em edifícios compartilhados, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Panamá, Paraguai e Uruguai e, com pavilhões próprios, Argentina, Brasil, Chile, Cuba, Equador, México, Peru, República Dominicana e Venezuela. Nessa época a Política da Boa Vizinhança, implementada por Franklin Roosevelt em 1933, operava à plena força. O governo federal trabalhava em conjunto com os organizadores da feira para convencer indústrias estadunidenses públicas e privadas da importância da fomentação de negócios com a América Latina e, também, para estimular laços entre as repúblicas americanas.
O Brasil destacou-se na feira devido à arquitetura de seu pavilhão e ao design dos seus mostruários. O uso de um léxico cultural contemporâneo, inteligível ao público estrangeiro, porém impregnado de elementos brasileiros, efetivou a comunicação de avanços nacionais em termos universais. A estrutura do pavilhão elaborado por Lucio Costa e Oscar Niemeyer é testemunha disso. Nela os arquitetos brasileiros empregaram os cinco princípios da arquitetura moderna propostos por Le Corbusier (Charles-Édouard Jeanneret, 1887-1965), porém acrescentando elementos orgânicos variados, como curvas suaves nas paredes externas e na rampa de entrada, por exemplo. O resultado dessa mescla bem-sucedida de rigor europeu com o tropicalismo brasileiro fez com que os visitantes da feira acreditassem que modernismo era sinônimo de brasilidade.
O projeto do edifício foi cuidadosamente escolhido pelo governo brasileiro para que o país fosse apresentado no exterior como uma nação progressista, o que fez com que o pavilhão recebesse enorme atenção da comunidade internacional, figurando com destaque nas publicações mais importantes do campo da arquitetura no ocidente. A seleção do modernismo como linguagem representativa da identidade nacional foi a chave do sucesso do Brasil no evento, e permitiu que o país fosse compreendido como uma nação desenvolvida, arrojada e alinhada com as vanguardas estéticas de seu tempo. Nesse contexto, a festejada arquitetura do pavilhão era parte de um grupo maior de atrações apresentadas na feira em 1939. Para o presidente Getúlio Vargas (1882-1954), era estratégica a participação do Brasil em um evento internacional de tamanha envergadura naquele momento de depressão econômica. O mandatário buscava, em um cenário de guerra iminente na Europa, apresentar uma imagem renovada do país no estrangeiro e reforçar relações comerciais com os Estados Unidos.
O responsável pela organização do conteúdo a ser exposto no pavilhão foi Armando Vidal Leite Ribeiro (1888-1982), comissário-geral do Brasil na feira, que recebeu plena liberdade do governo federal para executar a tarefa. Vidal buscou dar ao edifício um ar de grande dignidade, com decoração integrada, sóbria, de cores discretas e harmônicas, sem elementos excessivos, teatrais, ou exaltação patriótica exagerada. Seu objetivo era apresentar uma imagem de seriedade e austeridade que trouxesse respeitabilidade ao país. Havia um número reduzido de trabalhos artísticos, com o intuito de criar máximo impacto nos visitantes. As únicas pinturas à mostra no pavilhão eram os três painéis de Portinari, encomendados ao pintor por Vidal por recomendação de Lucio Costa: Noite de São João, Jangadas do Nordeste e Cena gaúcha. Estavam expostos no principal recinto do edifício, o Salão da Boa Vizinhança (figura 4).
Os três painéis de Portinari expostos no Salão da Boa Vizinhança do Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York, 1939. Foto: REPRESENTAÇÃO DO BRASIL NA FEIRA MUNDIAL DE NOVA YORK (1939, n. p.).
Portinari teve pouco tempo e plena liberdade criativa para realizar as obras, executadas em têmpera sobre tela esticada em chassi. O comissário-geral confirmou a encomenda em 24 de dezembro de 1938, com entrega marcada para 5 de março de 1939.13 Os temas, selecionados por Vidal, representavam as regiões Centro-oeste, Nordeste e Sul, respectivamente em uma cena festiva e duas de labor - o que não foi fortuito, já que o Comissariado Geral prestava contas diretamente ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. As pinturas foram elaboradas com léxico visual moderno, com figuras sintéticas que remetem a blocos planificados, porém incluindo alguns elementos de tratamento mais realista. Sua construção formal se relaciona com a dos murais do ciclo econômico concebidos para o edifício-sede do Ministério de Educação e Saúde.
Noite de São João (figura 5), o painel posicionado à esquerda no Salão da Boa Vizinhança, mostra um grupo de pessoas realizando atividades diversas, relacionadas à celebração do santo. Os componentes da cena estão dispostos em formação circular, cujo centro é mais claro que o entorno. Essa obra foi destruída no incêndio que consumiu o MoMA em 1958, e dela não se conhece nenhuma reprodução em cores, o que dificulta a análise de alguns de seus aspectos. Em Jangadas do Nordeste (figura 7) a ordenação dos elementos se dá a partir de dois triângulos sobrepostos e em posição contrária, dentro dos quais a água do mar tem tonalidade mais clara. Em Cena gaúcha (figura 7) Portinari dispõe novamente os elementos que compõem a imagem em formação circular, cuja área interna é mais clara que seu entorno.
Candido Portinari, Noite de São João, 1939. Têmpera sobre tela, 315 × 354 cm. Integrou a coleção do MoMA desde 1942, foi destruída em um incêndio que atingiu a sede da instituição em 1958. Foto: Projeto Portinari
Candido Portinari, Jangadas do Nordeste, 1939. Têmpera sobre tela, 310 × 347 cm. Coleção do Ministério das Relações Exteriores. Foto: Projeto Portinari
Candido Portinari, Cena gaúcha, 1939. Têmpera sobre tela, 325 × 345 cm. Coleção do Ministério das Relações Exteriores. Foto: Projeto Portinari.
Os três painéis foram elaborados como cenas autônomas, mas dialogam uns com os outros tanto em termos de estrutura compositiva como de esquema cromático. Todos eles têm a narrativa pictórica organizada em torno de uma área central, cujo interior é preenchido por cores mais claras que o entorno, e ao redor da qual a maioria dos elementos que compõe a cena está posicionada. As figuras são sólidas, sintéticas, deformadas e planificadas, e a iluminação de cena é dura e marcada, como se feita por holofotes de teatro ou cinema. Esse jogo de luz e sombra gera contrastes dramáticos e contribui para um achatamento do espaço pictórico, que faz com que algumas figuras nos planos posteriores pareçam levitar sobre aquelas posicionadas mais à frente, criando, em certas áreas das pinturas, um lirismo chagaliano - voam jangadas, um homem a cavalo, o menino pulando carniça e a mulher sentada à sua direita. Apesar do vocabulário plástico moderno, há referências a fontes clássicas, como a pose das duas moças abraçadas na lateral esquerda de Noite de São João. Os tipos regionais brasileiros, na maioria negros e mestiços, estão absortos na realização dignificada de suas atividades, e em nenhum momento encaram o espectador, ocupando-se das tarefas que desempenham. São simples e estão quase todos descalços. Como apontou Annateresa Fabris (1990, p. 50), nessas três telas Portinari enfatizou elementos que pudessem ser compreendidos como caracteristicamente brasileiros nos Estados Unidos e referenciou itens presentes em obras anteriores. Um exemplo disso é a figura feminina sentada na parte central do último plano de Noite de São João, que remete à colona posicionada no canto inferior esquerdo de Café. No primeiro plano dos três painéis, são representados, com maior detalhamento, elementos que referenciam atividades cotidianas locais: o baú, a corda e a cabaça em Noite de São João, o cesto, a jangada e a rede em Jangadas do Nordeste, o pilão e a moringa em Cena gaúcha (cf. FABRIS, 1991, p. 16). Alguns desses itens dialogavam diretamente com aqueles expostos nos mostruários de matérias-primas do pavilhão, como os de fibras têxteis e madeiras. Devemos lembrar que os trabalhadores retratados por Portinari eram os responsáveis por colher e processar as matérias-primas exibidas para venda no pavilhão.
As três cenas se entrelaçam também por suas paletas. A partir de esboços de Noite de São João é possível perceber que Portinari utilizou tons das cores complementares azul ultramar e siena queimado em todas as telas. Ademais, variações do lilás acinzentado aplicado no interior do círculo compositivo de certos estudos aparecem em partes da jangada maior, no vestido da jangadeira no canto direito superior de Jangadas do Nordeste, bem como nas vestes do homem sentado no primeiro plano em Cena gaúcha. O verde-esmeralda é usado tanto na seção superior dessa última obra como destacado na metade de cima de Jangadas do Nordeste, porém em menor saturação. Pelos estudos é possível que essa cor tenha sido empregada também na versão finalizada de Noite de São João, em seu canto superior direito. Por fim, todas as pinturas apresentam um objeto esférico de uso cotidiano, de cor mais clara e quente, no canto inferior direito.
O texto crítico estadunidense de maior relevância a respeito desses três painéis foi elaborado por Robert Chester Smith (1912-1975), professor da Universidade de Illinois, e publicado em novembro de 1939 no Boletim da União Pan-Americana. Smith iniciou seu ensaio apresentando Portinari e, a seguir, mencionou seu trabalho no edifício-sede do MES, declarando que, por esses afrescos, o artista “pode arrogar-se o título de Diego Rivera brasileiro” (SMITH, 1939b, p. 549). Observou, em nota de rodapé, que o pintor de Brodowski recebeu a segunda menção honrosa Carnegie por Café, comentando que “já é tempo que se lhe proporcione ocasião de fazer uma larga exposição de seus trabalhos” nos Estados Unidos (SMITH, 1939b, p. 548). Opinou que Portinari tem um estilo “peculiarmente forte e seus vigorosos maneirismos prestam-se especialmente para a execução de trabalhos monumentais” (SMITH, 1939b, p. 549). Afirmou, depois disso, que o artista brasileiro “parece ser, no momento atual, o mais notável dos pintores das Américas, e, se a sua influência continuar a crescer, dará lugar, inquestionavelmente, a um movimento no Brasil comparável à renascença mexicana” (SMITH, 1939b, p. 549). A seguir, teceu paralelos entre Portinari e Rivera, apontando que ambos pintavam pessoas simples de seus países, sendo que “o tipo popular mexicano compõe-se em grande parte de índios e mestiços, enquanto que [sic] no Brasil é constituído pela mescla do elemento negro descendente dos escravos vindos da África nos tempos coloniais” (SMITH, 1939b, p. 549). O acadêmico prosseguiu declarando que a obra do pintor de Brodowski representava uma tendência na arte brasileira que vinha “das paredes dos modernos edifícios mexicanos” (SMITH, 1939b, p. 550). Em suas considerações finais, descreveu Portinari como um “artista sincero, imbuído de compreensão humana das classes baixas do Brasil” (SMITH, 1939b, p. 550).
Smith, historiador da arte especializado no barroco luso-brasileiro era, nessa época, o redator dos verbetes relativos à produção e bibliografia artísticas brasileiras no Handbook of Latin American Studies, publicado pela Universidade de Harvard. Também por conta disso, começara a investigar a produção de artistas brasileiros vivos, o que o levou, posteriormente, a tornar-se amigo de Portinari. No seu primeiro ensaio sobre o artista de Brodowski, Smith qualificou-o como “o Rivera brasileiro”, apontamento que se tornaria recorrente nos artigos de periódicos estadunidenses dedicados ao pintor paulista. Apesar de reconhecer a grandeza artística de Portinari e ressaltar características particulares de seu trabalho, nesse momento inicial o professor estadunidense leu e mensurou a obra monumental do brasileiro a partir de Diego Rivera, entendendo-a como derivada dos muralistas mexicanos. O pendor mural existente na produção do brasileiro é, na verdade, fruto da conjugação de sua formação acadêmica com o estudo dos métodos de trabalho dos artistas do renascimento. No entanto, é compreensível que, em 1939, Smith interpretasse a obra de Portinari dessa maneira. Nesse período Rivera, 17 anos mais velho que o brasileiro, já havia alcançado imenso sucesso nos Estados Unidos por meio de obras de pintura mural de cunho social, sendo o artista latino-americano de maior reconhecimento no país e o mais importante muralista moderno das Américas. Certos aspectos da produção de Portinari relacionavam-se com as obras murais de Rivera, como a monumentalidade das figuras e a temática social de alguns de seus trabalhos. Portanto, nesse contexto era natural que Smith interpretasse que o brasileiro tivesse se inspirado no experiente e bem-sucedido colega latino-americano.
Os brasileiros de pele escura dos painéis de Portinari, apresentados pelo governo brasileiro em Nova York, marcaram uma quebra do padrão adotado pelo Brasil até então em suas representações no exterior. A Feira Mundial de Nova York de 1939 não foi a primeira participação do país em exposições universais. Desde o início da década de 1860, o governo federal se valeu da presença em eventos desse tipo como ferramenta de propagação de uma visão idealizada de cultura nacional, com delegações oficiais enviadas às exposições realizadas em Londres (1862), Paris (1867 e 1889), Viena (1873), Filadélfia (1876), Chicago (1893), Saint Louis (1904), Bruxelas (1910) e Turim (1911) (cf. WILLIAMS, 2001, p. 193-194). O material exibido pelas representações brasileiras nesses eventos estava fortemente relacionado com as Exposições Nacionais, cuja realização no Brasil foi iniciada em 1861. O comissariado geral da Feira Mundial de Nova York em 1939 não fugiu ao padrão adotado em tempos imperiais. A seleção do conteúdo exibido nos Estados Unidos foi norteada pela Exposição do Estado Novo, aberta no Rio de Janeiro em 10 de dezembro de 1938, na qual o projeto do edifício-sede do MES foi apresentado com destaque, assim como os murais de Portinari encomendados para adorná-lo. Como expõe o historiador norte-americano Daryle Williams (2001, p. 193, tradução nossa),
O interesse brasileiro em exposições internacionais acompanhou o aumento gradativo da notoriedade das Exposições Nacionais. Todas as delegações oficiais enviadas às feiras mundiais realizadas em Londres (1862), Paris (1867 e 1889), Viena (1873) e Filadélfia (1876) utilizaram ideias e materiais exibidos em Exposições Nacionais que ocorreram anteriormente. Portanto, Exposições Nacionais e a organização de delegações brasileiras para exposições internacionais associaram-se, criando momentos preciosos nos quais a elite brasileira trabalhou para inventar um Brasil civilizado para olhos brasileiros e internacionais. Os padrões de civilização eram sempre europeus, mas a civilização per se era mostrada como um projeto nacional.
Desse modo, ao longo de suas participações anteriores em exposições universais, as representações brasileiras, organizadas pelos dirigentes nacionais, apresentaram uma imagem idealizada da cultura do país. Estas buscavam exibir a sociedade brasileira no exterior como uma sociedade identificada com os padrões europeus - isto é, composta por burgueses de pele branca. No campo das artes plásticas, em termos estilísticos, o que se exibira oficialmente em outros países até então era a arte acadêmica, fruto da Escola Nacional de Belas-Artes. Portanto, era inédita a opção do governo do Brasil por patrocinar e promover internacionalmente pinturas de um artista que não só utilizava léxico de vanguarda, como representava tipos simples, negros e mestiços, de regiões variadas da nação, em afazeres corriqueiros. O motivo dessa mudança devia-se às diretrizes políticas do Estado Novo, fortemente arraigadas na defesa e exaltação do trabalho dignificado e do trabalhador - consideradas tão importantes que a então recente legislação trabalhista brasileira foi apresentada no pavilhão em Nova York. Os painéis de Portinari foram utilizados pelo comissariado da feira como instrumentos de mediação desses ideais junto ao público norte-americano, como mostra a figura 8.
Grupo de visitantes estadunidenses do Pavilhão do Brasil recebendo explicações a respeito dos painéis de Portinari, 1939. Foto: Projeto Portinari/ Paul Nones
A despeito das recorrentes participações brasileiras em Exposições Universais, não havia um plano objetivo e sistemático de promoção do país no estrangeiro. No Estado Novo, no âmbito das artes plásticas, não existiam diretrizes quanto ao tipo de manifestação estilística considerada adequada para representar o regime. Como apontou Annateresa Fabris (1990, p. 32), “em seus inúmeros discursos, o presidente não faz nunca menção às artes plásticas, enquanto enfatiza com insistência o papel a ser desempenhado pelo rádio e pelo cinema na consolidação da nacionalidade”. Na verdade, o mandatário não demonstrava interesse pelas artes visuais:
É bem conhecida a indiferença de Vargas pelas artes plásticas, tanto que toda a política artística do período tem como mentor Gustavo Capanema, apaixonado pela “arte nova”. A construção do Ministério da Educação é bem significativa: deve-se a Capanema o projeto que revolucionou a arquitetura brasileira, pois, sem sua interferência, o edifício teria sido construído nos moldes tradicionais propostos pelo vencedor do concurso, Arquimedes Memória. E basta comparar a arquitetura do atual Palácio da Cultura do Rio de Janeiro [hoje o Palácio Capanema] com aquela dos demais ministérios para derrubar a ideia de uma “estética dirigida”. (FABRIS, 1990, p. 31)
Essa questão é explicitada pela publicação mais emblemática do período a esse respeito, Getúlio Vargas e a arte no Brasil. A obra, de autoria de Oswaldo Teixeira (1905-1974), diretor do Museu Nacional de Belas Artes, foi lançada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda em 1940. Apesar de seu título, o tomo não define uma política artística para o Estado Novo, e nele Teixeira, combatente ferrenho dos modernos, se valeu da arte para elaborar um panegírico ao presidente e sua administração. No volume há três menções lacônicas e genéricas a Portinari, cada uma não maior do que uma frase. Por conseguinte, apesar de promover Portinari ostensivamente, tanto no Brasil como nos Estados Unidos, o governo federal não tinha diretrizes definidas para a arte nacional, o que se torna mais evidente quando comparamos a postura do Estado Novo nesse âmbito com aquela da Alemanha Nacional-Socialista, por exemplo. O relacionamento de Portinari com a ditadura autoritária em vigor no Brasil tinha suas ambiguidades, o que é explicitado pelo fato de o pintor ter sido fichado pela polícia política já em 1939 (cf. GIRON, 2003), evidenciando que era monitorado pelo governo ao mesmo tempo que promovia o governo e era promovido por ele. Desse modo, é simplista dizer que o artista de Brodowski era o pintor oficial da gestão Vargas. Nesse sentido, é preciso compreender a produção de Portinari divulgada pelo governo brasileiro nos Estados Unidos em uma chave ampliada, que transcende o papel de pintor oficial:
(...) o eixo determinante da produção de Portinari: [é] o interesse em criar uma iconografia nacional, alicerçada na representação de cenas rurais e evocações da infância que tem sua matriz primeira na experiência pessoal de Brodowski. (...) não é tão simples, no entanto, reconduzi-lo, como faz a maioria dos autores que tem estudado Portinari, a uma equação pura e simples com a política cultural do Estado Novo. Uma série de índices compositivos e temáticos, sobretudo no caso do “ciclo econômico”, torna essa equação simplista, uma vez que não basta destacar um certo tipo de iconografia sem atentar para as articulações internas próprias do conjunto. A representação de cenas que tem o trabalho como tema não é suficiente para estabelecer um elo imediato entre as concepções de Portinari e a ideologia oficial, sob pena de empobrecer e banalizar uma questão que, ao contrário, possui uma longa tradição dentro da história da arte ocidental. No caso específico de Portinari (...) o caráter crítico de sua atitude deve ser buscado justamente naquela adesão à poética realista do século XIX, que concebia a figura do trabalhador como um conjunto de vários fatores significativos, nos quais se aglutinavam as injustiças sociais, a dignidade, o heroísmo e a honestidade do trabalho manual. É dessa conjunção de fatores que brota a visão heroica do trabalhador, sublinhada pela emblemática escolha do negro, e não de uma adequação pura e simples às diretrizes populistas do governo Vargas. (FABRIS, 1996, p. 163)
A busca de Portinari pela elaboração de uma iconografia nacional foi reconhecida por renomados especialistas atuantes nos Estados Unidos, como William Valentiner, diretor do Detroit Institute of Art e organizador de “Masterpieces of Art”. Como curador da mostra, Valentiner circulou amplamente pela Feira Mundial, deparando-se com os painéis de Portinari no pavilhão brasileiro. Connoisseur de arte e crítico prestigiado nos Estados Unidos e na Europa, Valentiner se impressionou com o trabalho do pintor paulista e foi fundamental para a inserção de Portinari no circuito expositivo dos grandes museus de arte estadunidenses. Apresentou o trabalho do pintor a outros diretores de museus,14 ocasionando a realização da individual de Portinari no MoMA, que abriu portas para a encomenda das obras da Biblioteca do Congresso.
A execução dos murais na sala de leitura da Fundação Hispânica da Biblioteca do Congresso marcou o ápice da trajetória de Candido Portinari nos Estados Unidos. A instituição, estabelecida em 24 de abril de 1800 como uma coleção de livros legislativos, é a biblioteca nacional dos Estados Unidos, a mais antiga instituição cultural da capital do país e a maior biblioteca do mundo. Foi fundada sobre os princípios defendidos por Thomas Jefferson (1743-1826) a respeito da legislatura democrática que, em sua opinião, necessitava de informações e conceitos de todos os campos do conhecimento para executar o seu trabalho. Seu edifício-sede, um marco arquitetônico da capital estadunidense, foi inaugurado em 1º de novembro de 1897 e considerado completo desde então, de modo que nenhuma outra obra de arte foi adicionada ao prédio até que Portinari pintasse os murais na sala de leitura da Fundação Hispânica. Esta, aberta em 1939, era um espaço reformulado no estilo arquitetônico hispânico dos séculos XVI e XVII, situado no segundo andar do edifício-sede.
Em outubro do mesmo ano, quando a Alemanha já havia invadido a Polônia, o poeta Archibald MacLeish (1892-1982) assumiu o posto de bibliotecário do congresso, cargo mais alto na hierarquia de Biblioteca. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi um porta-voz da democracia e engajou ativamente a Biblioteca em ações de luta contra o nazifascismo. Compreendia a Fundação Hispânica como uma excelente ferramenta de execução da Política da Boa Vizinhança, objetivo que não fazia parte da missão original da Fundação e, em 1939, atividade ainda não exercida por ela.
A equipe que geria a Fundação Hispânica era composta pelo Dr. David Rubio (1883-1962), curador da coleção de língua espanhola, que trabalhava para a Biblioteca desde 1931 como consultor da área; Dr. Lewis Hanke (1905-1993), o diretor, ligado à Harvard University, e Robert C. Smith, diretor assistente, parte da School of Fine Arts da University of Illinois. O projeto de reformulação da Sala de Leitura da Fundação previa a realização de pinturas decorativas nas paredes do recinto, mas não as especificava nem determinava em que local deveriam ser realizadas. Assim sendo, para resolver esta demanda, Robert Smith elaborou um memorando listando diferentes possibilidades de decoração da sala e sugerindo cinco artistas que considerava capacitados para realizar o serviço, entre os quais Portinari, sobre o qual escreveu:
O vigoroso muralista brasileiro acabou de completar sua série de afrescos para o novo Ministério da Educação no Rio. Suas decorações na Feira de Nova York recentemente o fizeram conhecido nesse país e a severa e sólida qualidade de seu trabalho tem sido grandemente admirada. Suas interpretações do negro brasileiro em conjunto com o indígena dos mexicanos dariam qualidade para um esquema de murais abrangente sobre um tema latino-americano universal. (SMITH, 1939a, p. 3, tradução nossa)
Desse modo, na listagem dos artistas pré-selecionados ao trabalho, já há menção da possibilidade de inserção de elementos brasileiros nos temas dos murais. Em 4 de novembro, quando Portinari estava nos Estados Unidos por conta de sua individual no MoMA, Archibald MacLeish escreveu ao artista convidando-o a pintar afrescos no vestíbulo da sala de leitura da Fundação Hispânica da Biblioteca e pedindo desenhos preparatórios. Quanto ao tema, MacLeish comentou: “Na minha opinião o assunto do fresco deve ser brasileiro e deve incorporar certos aspectos da história cultural daquela grande nação. Nesse assunto tenho umas ideias mais ou menos gerais, mas que servirão de guias para o desenho do projeto” (MACLEISH, 1940). Portanto, desde o primeiro contato com o pintor brasileiro, a equipe de Biblioteca abriu espaço para que ele retratasse o Brasil nas obras que iria elaborar.
Foi acordado que Portinari voltaria ao Rio de Janeiro e lá, com calma, desenvolveria os estudos para os murais, que precisariam ser enviados aos Estados Unidos para analise do arquiteto do Capitólio e dos outros responsáveis pelo edifício da Biblioteca. Somente após a aprovação dos estudos por parte do corpo técnico do governo federal é que a pintura dos murais poderia começar. Há, no entanto, um hiato de seis meses nas comunicações entre Portinari e a Biblioteca, quebrado por uma carta do pintor a Robert Smith na qual o artista indagou se o convite ainda estava de pé. Smith replicou que sim, mas a Biblioteca aguardava os estudos preliminares dos murais para entregá-los ao arquiteto do Capitólio. Portinari não se satisfez com a resposta, e a incerteza quanto à concretização da encomenda levou o pintor a selar um acordo com o governo brasileiro, que financiaria sua ida aos Estados Unidos para a realização dos afrescos. Desse modo, ficou combinado que a administração federal forneceria U$ 4.00015 para a realização dos murais na Biblioteca do Congresso. O pintor, no entanto, marcou a viagem a Washington sem comunicar seu acordo com o governo brasileiro a Robert Smith ou Archibald MacLeish, o que acarretou uma situação muito problemática em termos diplomáticos, como expõe carta de Lewis Hanke a MacLeish.
Recentemente o Dr. Smith recebeu duas cartas de Portinari nas quais ele declara que o presidente Vargas e Oswaldo Aranha, o ministro das relações exteriores, proveram recursos para sua viagem para cá, para dar continuidade a seus trabalhos na Biblioteca (“fazer os estudos da biblioteca”). O Dr. Smith e eu ficamos um tanto perplexos com essa fraseologia, e não nos é claro se Portinari está vindo sob pleno patrocínio governamental para começar a pintar os muros da Fundação Hispânica, ou se o governo proveu a ele a oportunidade de vir para cá trabalhar nos estudos para submetê-los a nós. A carta mais recente de Portinari afirma que ele e sua família deixarão o Rio por via aérea em 26 de julho, o que significa que, por volta de 30 de julho, o problema Portinari estará conosco aqui. (HANKE, 1941, tradução nossa)
O inesperado patrocínio do governo federal brasileiro ao pintor de Brodowski deixou Archibald MacLeish e os funcionários da Fundação Hispânica em uma situação delicada, que lhes poderia trazer sérios problemas caso não fosse gerenciada de maneira apropriada. Isso porque as paredes da Biblioteca do Congresso integram o conjunto de edifícios pertencentes ao Capitólio, a casa do corpo legislativo estadunidense, emblema da nação americana e de seu governo, o lugar de encontro de sua legislatura e o símbolo nacional de sua democracia representativa republicana. Portanto, soava como uma afronta, tanto ao poderio e soberania dos Estados Unidos como aos ideais de liberdade e valorização do indivíduo defendidos pela nação americana, que o ditador de um país sul-americano de menor força e relevância política financiasse o envio seu pintor eminente, praticamente sem aviso prévio, para executar murais nas paredes do templo do liberalismo norte-americano.
Buscando resguardar-se juridicamente, a equipe da Biblioteca postergou o início dos trabalhos de elaboração dos estudos, para ganhar tempo e determinar qual seria o melhor modelo de contrato a selar com o artista, bem como o valor apropriado a pagar pelo projeto. A correspondência que analisamos não aponta indícios de que Portinari tenha compreendido o imblóglio diplomático em que se meteu. Ficou impaciente e insatisfeito com a demora em começar a pintar, chegando a declarar que se mudaria para Nova York, onde realizaria as obras, que segundo propôs, seriam menores e elaboradas em tela esticada em chassi. Diplomaticamente, Archibald MacLeish conseguiu tomar o controle da situação, acalmando Portinari e cuidando para que o projeto fosse executado. Após muita deliberação, decidiu-se pela não elaboração de um contrato e por remunerar o pintor com a mesma quantia ofertada a ele pelo governo brasileiro. Esta foi paga pelo Office of Inter-American Affairs, agência do governo Roosevelt responsável pelas ações da Política da Boa Vizinhança e liderada por Nelson Rockefeller, via um de seus organismos de fomentação cultural, o Committee for Inter-American Artistic and Intellectual Relations.
Nesse período, Portinari escreveu a Gustavo Capanema sobre o andamento do projeto:
Estou me dedicando a esse trabalho com o mesmo entusiasmo com que me dediquei aos do seu ministério e espero realizar trabalho proveitoso no sentido de propaganda do Brasil, pois apesar dos assuntos serem comuns a todos os países da América está claro que vou fazer o Brasil. (PORTINARI, 1941)
Os temas selecionados para os murais são comuns a todos os países da América: a descoberta, o desbravamento da mata, a catequese e a descoberta do ouro. Contudo, Portinari afirma claramente a Capanema que as cenas que elaborou representam o Brasil. Portinari teve plena liberdade na elaboração dos murais e o conjunto das obras, executadas em têmpera a ovo sobre o muro, é muito impactante, tanto por suas dimensões como pelo esquema cromático empregado pelo pintor.
A primeira obra na sequência narrativa dos temas é Descobrimento (figura 9), onde as duas figuras principais, de tamanho monumental, estão penduradas em cordas, uma de costas e outra de frente para espectador, olhando para cima. Ambas se empenham em mover as velas da nau. Tomam a parte central da cena, sendo flanqueadas por dois indivíduos de tamanho menor e, ao fundo, do lado esquerdo na parte superior, um grupo de homens comemora avistar terra ao longe. As duas figuras maiores claramente constituem linhas composicionais verticais. No entanto, os elementos apresentados são, de modo geral, organizados no plano pictórico por meio de diagonais ascendentes e descendentes, que comunicam dinamismo e movimento. A paleta cromática é composta de tons de azul ultramar e azul cerúleo, verde-esmeralda, siena queimado, marrom, preto, branco, cinzas e beges pálidos. Todos os tripulantes do navio encontram-se envolvidos em suas tarefas, a não ser aqueles que comemoram o encontro da terra firme. Nenhum olha para o espectador. As figuras humanas são representadas com linhas predominantemente curvas, intensificadas pelo movimento de suas roupas agitadas pelo vento. São negros os tripulantes da nau desbravadora de Portinari. Valendo-se de uma licença poética, o pintor intencionalmente coloca o grupo social mais violentamente oprimido nos Estados Unidos como o grande protagonista do início da epopeia americana.
Desbravamento da mata (figura 10) tem composição estruturada por linhas verticais, indicadas pelas árvores e figuras humanas, e por uma série de faixas oblíquas descendentes pouco inclinadas que perpassa os primeiros e últimos planos da pintura e corta o solo em dois tons de marrom. Dos quatro murais este é o que evoca maior sensação de profundidade devido a esse entrelaçamento de linhas compositivas derivado da perspectiva geométrica. Os elementos da floresta - bichos e plantas rasteiras - estão entretecidos nessa trama. Em termos cromáticos, há o emprego de verde-esmeralda, azul ultramar, siena queimado, laranja, vermelho, ocres e marrons em alta saturação. Adicionalmente, há áreas de tons muito claros, quase brancos, que conferem luminosidade intensa a certos elementos, como as roupas dos bandeirantes e o tronco das duas grandes árvores à direita.
Catequese (figura 11) tem composição renascentista, estruturada como um triângulo equilátero centralizado, formado por um padre, três indígenas escultóricas que o rodeiam, um menino do lado esquerdo, uma cabaça do lado direito e um baú no primeiro plano. O fundo é cortado por uma diagonal descendente no terço superior do plano pictórico, que divide a cena cromaticamente. A área superior é um rio azul ultramar, no qual as pirogas cheias de nativos parecem levitar. Gradações do par de complementares azul ultramar e siena queimado dominam toda a composição, com a última cobrindo o chão e presente também no tom de pele dos indígenas. Verde-esmeralda, azul cerúleo, ocres, marrons, cinzas e gradações de branco compõem o restante da paleta utilizada. Há áreas de máxima saturação de cor, como o baú azul vibrante posicionado no centro do primeiro plano.
Descoberta do ouro (figura 12), a última obra do grupo, é composta por sete figuras, cinco delas dentro de um bote e duas garimpando de pé, dentro d’água. O fundo é todo construído em tons de azul e há áreas de contraste tonal intenso, principalmente onde se encontram as roupas dos garimpeiros e parte do casco do bote. Em termos cromáticos, a cena é dominada pelo azul ultramar, aplicado em toda a extensão do plano pictórico com um efeito aquarelado. O interior do barco é verde-esmeralda, a pele dos garimpeiros é composta de gradações de marrom e a camisa da figura à direita no primeiro plano é coberta de quadrados vermelhos. Os outros elementos em cena são representados primariamente em gradações de cinza e beges pálidos, notadamente as vestimentas dos demais homens. Há grande movimento visual na cena, reforçado pela padronagem das camisas dos garimpeiros.
Esses murais são impactantes não só separadamente; vistos em conjunto, tornam-se ainda mais potentes. Os diálogos existentes entre as quatro pinturas foram elaborados por Portinari como um jogral dentro do espaço arquitetônico da sala de leitura da Fundação Hispânica, no qual formas e cores são rebatidas e ecoam com intensidade variável ao longo das cenas, criando uma sinfonia visual arrebatadora que revela a exuberância brasileira. Azul ultramar, siena queimado, verde-esmeralda e tons de branco unificam o conjunto, bem como linhas diagonais, linhas onduladas e formas geométricas, replicadas repetidamente. Exemplos disso são as cordas ondulantes em Descobrimento, as árvores de Desbravamento na mata, as pirogas de Catequese e o quadriculado das camisas dos garimpeiros negros em Descoberta do ouro. Essa estampa se repete nos trajes do bandeirante europeu de Desbravamento na mata e da indígena sentada de Catequese. Vestimentas indicam o pertencimento a hierarquias e grupos sociais específicos. É significativo que Portinari tenha escolhido retratar, com trajes semelhantes, representantes dos três principais grupos formativos da população das Américas. Segundo ele, todos tem a mesma importância na hierarquia social, um posicionamento corajoso em um país tão racialmente dividido quanto os Estados Unidos.
Candido Portinari, Descobrimento, 1941. Têmpera sobre gesso, 316 × 316 cm. Sala de leitura da Divisão Hispânica da Biblioteca do Congresso, Washington D.C. Foto: Biblioteca do Congresso/ Shawn Miller
Candido Portinari, Desbravamento da mata, 1941. Têmpera sobre gesso, 316 × 416 cm. Sala de leitura da Divisão Hispânica da Biblioteca do Congresso, Washington D.C. Foto: Biblioteca do Congresso/ Shawn Miller
Candido Portinari, Catequese, 1941. Têmpera sobre gesso, 494 × 463 cm. Sala de leitura da Divisão Hispânica da Biblioteca do Congresso, Washington D.C. Foto: Biblioteca do Congresso/ Shawn Miller
Candido Portinari, Descoberta do ouro, 1941. Têmpera sobre gesso, 494 × 463 cm. Sala de leitura da Divisão Hispânica da Biblioteca do Congresso, Washington D.C. Foto: Biblioteca do Congresso/ Shawn Miller
Ao finalizar os murais, Portinari os considerou então sua obra-prima. Uma carta de Archibald MacLeish para o pintor, redigida no início de fevereiro de 1942, um mês após o brasileiro deixar os Estados Unidos, explicita quão positiva foi a recepção desses trabalhos junto aos intelectuais estadunidenses:
Desde a sua volta ao Brasil tenho desejado expressar-lhe quanto significa para nós e significará no futuro a sua obra na Biblioteca do Congresso. No momento em que vi os seus primeiros esboços - aquelas pequenas aquarelas incrivelmente vivas onde o vento soprava e os homens gritavam e a floresta intensamente vibrava - soube que uma grande obra de arte se ia produzir nas paredes da Fundação Hispânica. Como já lhe disse, a realização daquele trabalho superou a minha expectativa. Posso-lhe dizer agora que outros homens têm sentido as mesmas reações que eu. Quero lhe citar as palavras de somente um deles, senhor Lincoln Kirstein, diretor do Ballet Caravan, que no ano passado visitou o Rio de Janeiro. Acabou de me escrever o seguinte: “Quero escrever-lhe numa palavra o entusiasmo que as pinturas de Portinari inspiraram em mim. Tenho visto tudo quanto ele tem feito, inclusive os trabalhos no Brasil, e posso-lhe assegurar que elas são não somente a melhor obra do pintor, mas entre as mais belas feitas por artista algum quer da América do Norte quer da América do Sul. Acho que ele aproveitou maravilhosamente a parede, que as pinturas são ao mesmo tempo heróicas e sinceras, e que deveras adornou a Biblioteca”. (MACLEISH, 1942, tradução nossa)
Lincoln Kirstein (1907-1996) era um cultivado agitador cultural estadunidense de grande destaque na cena artística de seu país, muito criterioso e famoso por seus corriqueiros comentários mordazes. Os elogios que teceu aos murais da Biblioteca do Congresso certamente não foram gratuitos e testificam a grandeza dessas obras.
Como as análises apresentadas demonstram, tanto Café quanto os painéis do pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York e os murais da Biblioteca do Congresso possuem caráter único dentro do percurso pictórico de Portinari. Estes são tipificados por postura experimental do pintor que, com liberdade criativa, maestria técnica e pleno domínio do léxico formal executou pinturas singulares, que se tornaram marcos em sua trajetória plástica. Elaboradas para o público estadunidense, apresentam uma impressionante visão de Brasil, moderna e multirracial, povoada de tipos comuns dignificados em seus afazeres cotidianos. Atraentes ao espectador das metrópoles, já habituado à arte moderna, serviram como potentes peças de promoção brasileira nos Estados Unidos, alçando Portinari à fama na América do Norte e fazendo dele o grande embaixador das artes visuais do Brasil durante a Política da Boa Vizinhança.
Referências
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- PORTINARI, Candido. Candido Portinari: catálogo raisonné, v.2. Rio de Janeiro: Projeto Portinari, 2004.
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Este artigo foi elaborado a partir de excertos da tese O sucesso de Portinari nos Estados Unidos, 1935-1945: consonâncias com a Política da Boa Vizinhança e o contexto sociocultural norte-americano, defendida em 2021 no Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo.
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1
. Além do Brasil, foram invitados Argentina e Chile. Esta foi a primeira vez em que países da América do Sul receberam convite para integrar a exposição, uma demanda dos conselheiros do Instituto, que criam que obras provenientes dessas nações contribuiriam para a completude da mostra.
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2
. Alberto da Veiga Guignard, Eliseu Visconti, Henrique Cavalleiro, Lucilio Albuquerque, Lasar Segall, Paulo Rossi Osir e Vittorio Gobbis foram os demais pintores que representaram o Brasil na “Carnegie International” em 1935.
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3
. No ano de 1935 a “Carnegie International” concedeu três prêmios e quatro menções honrosas, o primeiro ano no qual as menções honrosas ofereciam compensação em dinheiro. O valor conferido a Portinari na ocasião foi de U$ 300,00.
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4
. Essa tela, exposta na mostra individual de Portinari realizada em dezembro de 1934 na Galeria Itá, em São Paulo, foi analisada por Mario Pedrosa no artigo “Impressões de Portinari”, publicado no Diário da Noite em 7 de dezembro do mesmo ano. É importante mencionar um mal-entendido envolvendo esse texto que, durante muito tempo, foi compreendido como referente à tela premiada em Pittsburgh; vide o livro de Patrícia Reinheimer (2013, p. 126).
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5
. Em 1920, Portinari foi aceito por Lucílio Albuquerque como aluno livre na Escola Nacional de Belas Artes para participar do curso de desenho figurado. No ano seguinte, foi aprovado como aluno regular da instituição, na classe de pintura, continuando seus estudos ali em tempo integral até 1928, quando recebeu o prêmio de viagem no salão da Escola. Residiu na Europa de 1929 a 1931, vivendo em Paris e visitando importantes museus, palácios e igrejas na Inglaterra, Espanha e Itália. Portinari utilizou essa bolsa de estudos para examinar atentamente e absorver a produção dos mestres da pintura, especialmente a partir de Giotto, rejeitando dedicar-se à produção de obras durante esse período no exterior.
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6
. Orozco foi o primeiro de los tres grandes a chegar nos Estados Unidos, o que se deu em 1927. No país, realizou em 1930 o grupo de murais Prometeu, pintados no refeitório do Frary Hall, uma das dependências da Pomona College, em Claremont, na Califórnia. Depois disso, entre 1930 e 1931, elaborou um conjunto de afrescos para o refeitório e sala anexa no edifício da The New School for Social Research, em Nova York. Por fim, de 1932 a 1934 executou o ciclo de pinturas Épico da civilização americana, na Baker Library, situada na Dartmouth College, em Hanover, no estado de New Hampshire. Após a conclusão desse último grupo de obras, Orozco retornou definitivamente ao México em 1934. Siqueiros desembarcou em território estadunidense em abril de 1932, permanecendo na cidade de Los Angeles até o mês de novembro, quando foi deportado do país. Nesse período pintou primeiramente o mural Assembleia de rua, em um dos muros externos do pátio de esculturas do Chouinard Art Institute. A seguir criou América tropical, posicionado em uma parede externa do Plaza Art Center. A obra final de Siqueiros nos Estados Unidos foi Retrato do México atual, afresco produzido nos muros da casa do cineasta Dudley Murphy.
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7
. Estes são Alegoria da Califórnia, realizado na sede da Pacific Stock Exchange, em São Francisco entre 1930 e 1931; Natureza morta e amendoeiras em flor, criado para a sala de jantar da casa da família Stern em Atherton, finalizado em abril de 1931; A execução de um afresco mostrando a construção de uma cidade, na California School of Fine Art (atual San Francisco Art Institute).
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8
. O cachê total pago a Rivera na época foi de U$ 20.899, o equivalente a U$ 438.580 em 2022, uma fortuna no contexto da duríssima recessão que assolava os Estados Unidos, resultante da quebra da bolsa de valores de Nova York em 1929. As críticas à contratação do pintor mexicano ocorreram também por este ser estrangeiro; defendia-se que uma encomenda de valor tão alto, em um período de tamanha penúria, fosse entregue a um artista estadunidense.
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9
. Rivera tinha diversas encomendas de outros murais já agendadas, realizadas por grandes industrialistas americanos. Devido à grande polêmica gerada pela recusa de Rivera em retirar o retrato de Lenin de O homem na encruzilhada, todas foram canceladas.
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10
. As obras foram produzidas por Rivera com o pagamento que recebera por O homem na encruzilhada - o pintor recebeu a totalidade do valor especificado em contrato pela obra finalizada - e foram doadas por ele aos trabalhadores de Nova York.
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11
. Os demais eram Héctor Poleo, da Venezuela, Mario Carreño, de Cuba, e Antonio Berni, da Argentina.
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12
. Valentiner selecionou 500 peças para a mostra, entre pinturas e esculturas, oriundas tanto dos grandes museus e coleções particulares norte-americanos como dos principais museus da Europa, dentre eles o Musée du Louvre, a Galleria degli Uffizi, a National Gallery of Art de Londres e o Rijksmuseum. Foram exibidos trabalhos de grandes mestres desde a idade média até o início XIX.
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13
. Portinari recebeu 45 contos de réis pela execução dos painéis, pagos em três prestações pelo governo. O valor das obras e a forma de pagamento foram propostas pelo artista. Cf. VIDAL (1938).
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14
. Isso ocorreu na conferência da Association of Art Museum Directors, em maio de 1940, para mobilizar um consórcio que arcasse com as despesas de uma mostra ampla e itinerante do trabalho do artista brasileiro nos Estados Unidos, da qual o Detroit Institute of Arts seria o primeiro recipiente. Além do MoMA, outros três museus receberam a mostra individual de Portinari organizada por Valentiner: The Arts Club of Chicago, Carnegie Institute e City Art Museum of St Louis.
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15
. O equivalente a U$ 78.232,38 em 2022.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
13 Mar 2023 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2022
Histórico
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Recebido
06 Maio 2022 -
Aceito
18 Dez 2022