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Uso de dregs e grits em substituição parcial ao cimento: caracterização e resistência mecânica

Use of dregs and grits as partial replacement of cement: characterization and mechanical strength

Resumo

Ouso de adições minerais em substituição ao clínquer Portland é uma das medidas mitigadoras de emissão de CO2, mais promissoras em larga escala, adotadas pelas cimenteiras. Dada a limitação de disponibilidade de algumas, materiais alternativos vêm sendo investigados. A presente pesquisa teve como objetivo caracterizar e avaliar o efeito de diferentes teores de dregs e grits em substituição parcial ao cimento na resistência à compressão. Os resíduos foram submetidos à moagem, utilizando-se partículas inferiores a 75 µm. Foram realizados ensaios para caracterização química e física dos dregs e grits. Para ambos os resíduos, foram analisados os teores de 0, 5, 10, 20 e 30% em substituição à massa de cimento na produção de argamassas. A relação água/finos e o teor de aditivo superplastificante foram mantidos constantes. No estado fresco, foram avaliados o índice de consistência e o teor de ar incorporado. As argamassas com dregs proporcionaram maior resistência em relação às com grits devido ao maior teor de água combinada. Os resultados mostraram que é possível substituir até 36% do cimento por esse resíduo para obtenção de resistência à compressão de 25 MPa e 15% para 40 MPa.

Palavras-chave:
Cimento; Resíduos; Dregs; Grits; Material cimentício suplementar

Abstract

The use of supplementary cementitious materials to replace Portland clinker is one of the most effective strategies adopted by cement companies to reduce CO 2 emission on large-scale. However, due to the limited availability of traditional materials, alternative options are being investigated. The main objective of this research is to evaluate the characteristics and effect of different replacement levels of cement by dregs and grits on compressive strength. The wastes were ground and particles smaller than 75 µm were used. Chemical and physical were performed to characterize the dregs and grits. For both wastes, replacement levels of 0, 5, 10, 20 and 30% of cement mass were evaluated in the mortar production. The water-cement ratio and superplasticizer admixture content were kept constant. In fresh state, the consistency index and incorporated air content were obtained. Mortars made with dregs had higher strength compared to grits due to the higher combined water content. The results showed that it is possible to replace up to 36% of cement with dregs to obtain a strength of 25 MPa; and 15% for 40 MPa.

Keywords:
Cement;Waste; Dregs; Grits; Supplementary cementitious materials

Introdução

As mudanças climáticas ocasionadas pela emissão de gases de efeito estufa (GEE) têm afetado a qualidade de vida na Terra (IPCC, 2022INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE. IPCC Assessment report: climate change 2022: impacts, adaptation, and vulnerability. Cambridge: Cambridge University Press, 2022.). Em 2021, a emissão mundial de CO2 atingiu 36,7 bilhões de toneladas (IEA, 2021INTERNATIONAL ENERGY AGENCY. Global energy review 2021. Paris, 2021.), sendo a indústria de cimento responsável por cerca de 8% desta. Em virtude do crescimento populacional, estima-se que a produção de cimento irá aumentar de 12% para 23% entre 2030 e 2050, respectivamente (WBSCD, 2018WORLD BUSINESS COUNCIL FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT. Cement technology roadmap shows how the path to achieve CO2 reductions up to 24% by 2050. Geneva, 2018.). Dessa forma, para atender o limite de aquecimento global de 1,5°C e zero emissão de GEE até 2050 (GCCA, 2021GLOBAL CEMENT AND CONCRETE ASSOCIATION. Concrete Future: the GCCA 2050 cement and concrete industry roadmap for net zero concrete. London, 2021.), algumas medidas mitigadoras têm sido implementadas.

O uso de adições minerais em substituição ao clínquer Portland é a mais promissora em larga escala. Espera-se que a redução da relação clínquer/ligante seja de 17,5% em nível mundial até 2050 (GCCA, 2021GLOBAL CEMENT AND CONCRETE ASSOCIATION. Concrete Future: the GCCA 2050 cement and concrete industry roadmap for net zero concrete. London, 2021.). No Brasil, essa relação deverá ser reduzida de 0,67 para 0,52 (ROADMAP, 2019ROADMAP tecnológico do cimento: potencial de redução das emissões de carbono da indústria do cimento brasileira até 2050. Rio de Janeiro: SNIC, 2019.). Nesse sentido, pesquisas têm sido desenvolvidas com o objetivo de obter materiais alternativos com características adequadas à substituição de cimento na produção de concretos e argamassas. De acordo com Juenger, Snellings e Bernall (2019)JUENGER, M.; SNELLINGS, R.; BERNAL, S. A. Supplementary cementitious materials: new sources, characterization, and performance insights. Cement and Concrete Research , v. 122, p. 257-273, 2019. a necessidade de novas fontes de adições minerais nunca foi tão grande, visto que materiais consagrados como a escória de alto forno e as cinzas volantes estão se tornando restritas. Porém, torna-se importante caracterizá-las e qualificá-las para triagem e aplicação.

Resíduos industriais provenientes de diferentes segmentos vêm sendo estudados para uso como material cimentício suplementar: escórias de cobre (Sharma; Khan, 2017SHARMA, R.; KHAN, R. A. Sustainable use of copper slag in self-compacting concrete containing supplementary cementitious materials. Journal of Cleaner Production , v. 151, p. 179-192, 2017.; Wang; Wang; Huang, 2020WANG, D.; WANG, Q.; HUANG, Z. Reuse of copper slag as a supplementary cementitious material: reactivity and safety. Resources, Conservation and Recycling, v. 167, 2020.); mineração de carvão (Zhao et al., 2021ZHAO, Y. et al. Eco-friendly treatment of coal gangue for its utilization as supplementary cementitious materials. Journal of Cleaner Production , v. 285, n. 20, 2021.); produção de bauxita (Romano et al., 2018ROMANO, R. C. O et al. Hydration of Portland cement with red mud as mineral addition. Journal of Thermal Analysis and Calorimetry, v. 131, p. 2477-2490, 2018. ); de vidro (Patel et al., 2019PATEL, D. et al. Effective utilization of glass powder as the substitution of cement in making paste and mortar. Construction and Building Materials , v. 199, n. 28, p. 406-415, 2019.; Khan; Saha; Sarker, 2020KHAN, M. N. N.; SAHA, A. K.; SARKER, P. K. Reuse of waste glass as a supplementary binder and aggregate for sustainable cement-based construction materials: a review. Journal of Building Engineering, v. 28, 2020.); indústria cerâmica (Lasseuguette et al., 2019LASSEUGUETTE, E. et al. Chemical, microstructural and mechanical properties of ceramic waste blended cementitious systems. Journal of Cleaner Production, v. 211, n. 20, p. 1228-1238, 2019.; Hoppe Filho et al., 2021HOPPE FILHO et al. Red ceramic waste as supplementary cementitious material: Microstructure and mechanical properties. Construction and Building Materials , v. 296, n. 16, 2021.; Pitarch et al., 2021PITARCH, A. M. et al. Pozzolanic activity of tiles, bricks and ceramic sanitary-ware in eco-friendly Portland blended cement. Journal of Cleaner Production , v. 279, n. 10, 2021.); de papel e celulose (Vashistha; Kumar, 2020VASHISTHA, P.; KUMAR, V. Paper mills lime sludge valorization as partial substitution of Cement in Mortar. In: GHOSH, S. et al. (ed.). Emerging technologies for waste valorization and environmental protection. Singapore: Springer, 2020.; Torres et al., 2020TORRES, C. M. M. E. et al. Dregs and grits from kraft pulp mills incorporated to Portland cement clinker. Journal of Materials Cycles and Waste Management, 22, p. 851-861, 2020.), entre outros.

A celulose constitui-se numa importante matéria-prima para diversos segmentos industriais. Em 2020, a produção mundial foi de aproximadamente 200 milhões de toneladas, sendo o Brasil responsável por 21 milhões de toneladas (FAO, 2021FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF UNITED NATIONS. World food and agriculture: statistical yearbook 2021. Rome, 2021.; Brasil, 2022BRASIL. Ministério de Minas e Energia. A indústria de papel e celulose no Brasil e no mundo: panorama geral. Brasília, 2022.). Durante o processo Kraft de obtenção da celulose1 1 No Brasil, este processo é responsável por mais de 95% da produção de polpa celulósica ( GOMES, 2009 ). , além dos impactos associados ao uso de madeira, são gerados, em diferentes etapas, quantidades significativas de resíduos sólidos inorgânicos: lama de cal na clarificação do licor branco, dregs na caustificação do licor verde, grits na extinção da cal e cinzas volantes na caldeira (Quina; Pinheiro, 2020QUINA, M. J.; PINHEIRO, C. T. Inorganic waste generated in kraft pulp mills: the transition from landfill to industrial application. Applied Sciences, v. 10, 2020.). Os resíduos gerados em sua maioria ainda não possuem uma disposição final adequada: 8,9% são reutilizados como matéria prima para outros setores; 9,2% são encaminhados para aterros; e somente 2% são reciclados (IBÁ, 2022INDÚSTRIA BRASILEIRA DE ÁRVORES . Cenários IBÁ: estatísticas da Indústria Brasileira de Árvores - 1º trimestre de 2021. 2022. Disponível em: Disponível em: https://iba.org/datafiles/publicacoes/cenarios/66cenarios_2.pdf . Acesso em: 13 set. 2022.
https://iba.org/datafiles/publicacoes/ce...
). De acordo com Torres et al. (2020)TORRES, C. M. M. E. et al. Dregs and grits from kraft pulp mills incorporated to Portland cement clinker. Journal of Materials Cycles and Waste Management, 22, p. 851-861, 2020., são gerados cerca de 15kg de dregs e 5 kg de grits para cada tonelada de celulose produzida. A partir desses dados, estima-se que cerca de 315 mil toneladas de dregs e 105 mil toneladas de grits foram gerados no Brasil em 2020.

Os dregs são resíduos sólidos que apresentam coloração escura e odor característico, são obtidos por meio da clarificação do licor verde, mediante processos de filtração ou decantação (Meller, 2017MELLER, J. G. Obtenção de clínquer de baixa energia a partir de resíduos da indústria de papel e celulose. Florianópolis, 2017. 111 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Química) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.). Os grits são originados no apagamento da cal sendo classificados como uma cal não calcinada oriunda da sedimentação e remoção do fundo do apagador (Torres, 2016TORRES, C. M. M. E. Incorporação de dregs e grits de fábricas de polpas celulósica Kraft ao clínquer para a produção de cimento Portland. Viçosa, 2016. 108 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Florestal) - Programa de Pós Graduação em Ciência Florestal, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2016.). A partir de um levantamento bibliográfico2 2 Dregs: Amorim (2007), Wolff (2008), Ribeiro (2010), Rodrigues et al. (2010), Gonçalves (2014), Cusma (2015), Bello et al. (2016), Martínez-Lage et al. (2016), Mymrin et al. (2016), Eleutério (2018), Novais et al. (2019), Bittencourt et al. (2019), Santos et al. (2019), Quina e Pinheiro (2020) e Küçük et al. (2021). Grits: Wolff (2008), Destefani, Santos e Holanda (2010), Ribeiro (2010), Rodrigues et al. (2010), Siqueira e Holanda (2013), Cusma (2015), Matos e Sousa-Coutinho (2016), Mendes et al. (2016), Mymrin et al. (2016), Meller (2017), Carvalho et al. (2019), Saeli et al. (2019) e Santos et al. (2019). , verificou-se que esses resíduos são compostos predominantemente por óxido de cálcio, sobretudo nos grits. Nos dregs, foi observada maior quantidade de óxido de magnésio, óxido de sódio e sulfatos. Embora os resíduos apresentem uma composição variável em função da matéria prima e/ou processo de produção possuem elevado teor de carbonato de cálcio (CaCO3). A NBR 16697 (ABNT, 2018ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16697: cimento Portland: Requisitos. Rio de Janeiro, 2018. ) prevê o uso de 6% a 25% de material carbonático na produção de cimento Portland, desde que seja constituído no mínimo de 75% de CaCO3. Na Europa, o teor de fino calcário no cimento Portland pode atingir até 35% (ES, 2011EUROPEAN STANDARDS. EN-197-1: cement composition, specifications and conformity criteria for common cements. Dublin, 2011.).

O uso de dregs e grits em substituição ao cimento Portland foi investigado por alguns pesquisadores (Gemelli; Camargo; Brescansim, 2001GEMELLI, E.; CAMARGO, N. H. A.; BRESCANSIN, J. Evaluation of paper industry wastes in construction material applications. Materials Research, v. 4, n. 4, p. 297-304, 2001. ; Garcia; Sousa-Coutinho, 2010GARCIA, M. L.; SOUSA-COUTINHO, J. Grits as a partial cement replacement for concrete. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON SUSTAINABLE SUSTAINABLE CONSTRUCTION MATERIALS AND TECNOLOGIES, 2., Ancona, 2010. Proceedings […] Ancona: Coventry University and The University of Wisconsin Milwaukee Centre for By-products Utilization, 2010.; Martinez-Lage et al., 2016; Bello et al., 2016BELLO, R. et al. Caracterização microestrutural de concretos com e sem resíduo da indústria de papel e celulose em substituição parcial ao Cimento Portland. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CERÂMICA, 60., Águas de Lindóia, 2016. Anais […] Águas de Lindóia, 2016.; Torres et al., 2017TORRES, S. O. A. et al. Utilização de finos de dregs na produção de concretos. In: CONGRESSO BRASILEIRO DO CONCRETO, 59., Bento Gonçalves, 2017. Anais […] Bento Gonçalves: IBRACON, 2017.). Gemelli, Camargo e Brescansim (2001)GEMELLI, E.; CAMARGO, N. H. A.; BRESCANSIN, J. Evaluation of paper industry wastes in construction material applications. Materials Research, v. 4, n. 4, p. 297-304, 2001. constataram que a substituição de 5% do volume de cimento por dregs, tratados termicamente a 900°C por 2h e com granulometria inferior a 0,15 mm, reduziu em 20% a resistência à compressão de argamassas aos 28 dias em comparação a uma matriz de referência (relaçãoa/c3 3 Relação água/cimento. = 0,48). Bello et al. (2016)BELLO, R. et al. Caracterização microestrutural de concretos com e sem resíduo da indústria de papel e celulose em substituição parcial ao Cimento Portland. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CERÂMICA, 60., Águas de Lindóia, 2016. Anais […] Águas de Lindóia, 2016. não verificaram alterações significativas na resistência à compressão de concretos (relação a/c = 0,46) com a substituição de 10% de cimento por partículas de dregs com diâmetro médio de 1,20 mm aos 7 e 28 dias. No que se refere ao uso dos grits em argamassas, Garcia e Sousa-Coutinho (2010) avaliaram a substituição de 10% da massa de cimento por grits com diferentes granulometrias (D90 =171 μm e D90 = 96μm). Os autores verificaram uma redução de 21% e 13% da resistência à compressão das argamassas aos 28 dias, para os respectivos diâmetros, em relação à referência (relação a/c = 0,50).

A redução da resistência mecânica pela substituição do cimento por material carbonático ocorre devido ao efeito de diluição, no qual há a diminuição do teor de cimento e, consequente, aumento da relação água/cimento. Segundo Briki et al. (2021)BRIKI, Y. et al. Impact of limestone fineness on cement hydration at early age. Cement and Concrete Research, v. 147, 106515, 2021. esse efeito pode ser minimizado nas idades iniciais com o aumento da finura das partículas. Comparando a granulometria de dois calcários, um fino e outro graúdo com área superficial de 4,21 m²/g e 0,46 m²/g; e, diâmetro médio de 2μm e 130μm, respectivamente, os autores verificaram que a substituição de 20% do cimento pelo calcário fino aumentou a hidratação do silicato tricálcico (C3S), mantendo a taxa de desenvolvimento da resistência até os sete dias similar à matriz de referência. De modo geral, mesmo com a redução da resistência mecânica, as pesquisas sobre o uso de dregs e grits como adição mineral, apresentam indícios que podem possibilitar o uso dos resíduos em matrizes cimentícias, promovendo ainda benefícios do ponto de vista ambiental e econômico. Entretanto, ainda existem lacunas em relação à caracterização desses resíduos e em relação ao efeito do teor e redução do tamanho das partículas nas propriedades dos materiais cimentícios. Além de contribuir com a diminuição da emissão de dióxido de carbono pela redução do consumo de clínquer, a utilização desses resíduos reduziria a extração de recursos naturais e contribuiria para a destinação adequada de resíduos por parte da indústria de celulose.

Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo avaliar o efeito de diferentes teores de dregs e grits em substituição parcial ao cimento na resistência mecânica. Dada a importância da finura das adições minerais no desenvolvimento da resistência, ambos os tipos de resíduos foram submetidos a um procedimento de moagem e peneiramento, empregando-se no estudo partículas inferiores a 75 μm. Os resíduos foram caracterizados por ensaios de fluorescência de raios X, perda ao fogo, termogravimetria, difração de raios X e método Chapelle modificado, granulometria a laser, microscopia eletrônica de varredura (MEV/EDS). A quantidade de produtos hidratados foi determinada por termogravimetria em pastas com diferentes teores de resíduos aos 28 dias e a resistência à compressão das argamassas aos 3, 7 e 28 dias.

Programa experimental

Materiais

Para a produção das argamassas foi utilizado cimento Portland de alta resistência inicial CPV - ARI (marca Cauê - Intercement) composto por clínquer, sulfato de cálcio e material carbonático, em conformidade com a NBR 16697 (ABNT, 2018ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16697: cimento Portland: Requisitos. Rio de Janeiro, 2018. ). Este foi adotado por ser o cimento comercialmente disponível que apresenta o menor teor de adições minerais,visto que a presença dessas poderiam afetar a análise dos resultados.

Os dregs e grits foram obtidos por meio da empresa Suzano S.A., unidade localizada no município de Três Lagoas-MS. Após o recebimento, esses foram submetidos a secagem em estufa a 100°C por 24 h e, em seguida, foi feita a análise da distribuição granulométrica por meio de peneiramento mecânico. A dimensão média (D50) dos dregs e grits foram iguais a 3mm e 8 mm, respectivamente.

Para aplicação dos resíduos como adição mineral, é importante que estes apresentem partículas com dimensões inferiores a 75 µm para promover o efeito físico. Sendo assim, os mesmos foram submetidos a um processo de moagem e separação das partículas. A moagem dos resíduos foi feita em moinho de abrasão Los Angeles (Contenco modelo C-3021) com velocidade aproximada de 30 rpm e treze esferas de aço com 48 mm de diâmetro. A massa e o tempo de moagem foram definidos a partir de estudos prévios. A massa foi mantida constante e igual a 5kg. Para obtenção de maior quantidade de partículas inferiores a 75 µm, o tempo de moagem foi de 150 min e 180 min para os dregs e grits, respectivamente.

Após a moagem, os resíduos foram submetidos a um peneiramento manual para obtenção das partículas inferiores a 75 µm. Todo o material passante foi homogeneizado a fim de minimizar a variabilidade das propriedades físicas e químicas.

A fim de minimizar os efeitos de aglomeração das partículas finas no sistema foi utilizado o aditivo superplastificante MasterGlenium 3500 com base química de éter policarboxilato, com densidade variando de 1,10 a 1,14 g/cm³ (BASF, 2014BASF. Manual técnico:master building solutions. 2014. Disponível em: Disponível em: https://hugepdf.com/download/manual-tecnico-2014_pdf#modals . Acesso em: 21 set. 2020.
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). O teor ótimo de aditivo foi definido por meio do ensaio de mini abatimento desenvolvido por Kantro (1980)KANTRO, D. L. Influence of water-reducing admixtures on properties of cement paste: a miniature slump test. Cement, Concrete and Aggregate, v. 2, n. 2, p. 95-102, 1980. em pasta de cimento com relação a/c = 0,48. O teor obtido foi mantido constante em todas as matrizes estudadas.

Foi empregada uma areia natural quartzosa, com módulo de finura de 2,21 e massa específica de 2,66 g/cm³.

Caracterização do cimento, dregs e grits

A caracterização química do cimento, dregs e grits foi feita mediante ensaios de fluorescência de raios X, perda ao fogo, termogravimetria, difração de raios X e método Chapelle modificado. O ensaio de fluorescência foi realizado nas amostras em pó, prensadas, em espectrofotômetro (Bruker - S8 Tiger). A perda ao fogo foi determinada pelo método direto estabelecido pela NBR NM 18 (ABNT, 2012ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR NM 18: cimento Portland: análise química: determinação de perda ao fogo. Rio de Janeiro, 2012.) até temperatura de 1000°C.

A análise termogravimétrica (TG/DTG) foi feita em termobalança (sistema TA Instrument - série Discovery, modelo TGA 55), atmosfera inerte, com cadinhos de platina e taxa de aquecimento de 5ºC/min no intervalo de 25ºC a 950ºC. O teor de carbonato de cálcio foi determinado a partir das relações molares entre o CaCO3 e o CO2 e os valores de perda de massa obtidos na termogravimetria, conforme mostra Equação 1, cujas massas molares são: CaCO3=100,09 g/mol e CO2 = 44,01 g/mol.

% CaCO 3 = MCaCO 3 MCO 2 × % CO 2 Eq. 1

A difração de raios X foi realizada em equipamento Shimadzu (XRD6000) com fonte de radiação CuKα, voltagem de 30,0 kV, intervalo de varredura de 2θ = 4 a 70°, com velocidade de 2°/min e passo de 0,02°. A identificação qualitativa das fases detectadas foi realizada com base nas fichas cristalográficas ICSD (International Crystal Structure Database). O potencial de ocorrência de atividade pozolânica dos resíduos dregs e grits foi determinado pelo método Chapelle modificado segundo a metodologia proposta pela NBR 15895 (ABNT, 2010ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15895: materiais pozolânicos: determinação do teor de hidróxido de cálcio fixado: método Chapelle modificado. Rio de Janeiro, 2010.).

A massa específica foi obtida conforme procedimento estabelecido pela NBR16605:2017. Foram feitas três determinações por amostra e utilizado querosene para ensaio do cimento. A área superficial específica (ASS) foi determinada pelo método Brunauer, Emmet e Teller (BET) de adsorção de nitrogênio no equipamento Micromeritics (modelo ASAP-2020). A distribuição granulométrica das partículas foi feita por meio de análise dinâmica de imagens utilizando o equipamento QicPic (Sympatec), sistema de dispersão (LIXELL), lente de resolução mínima de 0,10 mm e faixa de detecção de 1 a 341 µm. Foram realizados ensaios de microscopia eletrônica de varredura para verificação da morfologia das partículas, utilizando-se um microscópio Zeiss (EVO MA10), em alto vácuo, tensão de 5kV. Para aumentar a condutividade elétrica, as amostras foram recobertas por uma camada de ouro (60 µm).

Produção das argamassas

Foram estudadas nove composições de argamassas: uma de referência (REF) constituída por cimento e areia na proporção de 1:3 em massa em acordo com a NBR 7215 (ABNT, 2019ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR7215: cimento Portland: determinação da resistência à compressão de corpos de prova cilíndricos. Rio de Janeiro, 2019. ); e as outras com substituição do cimento por dregs (D) ou grits (G) em teores de 5%; 10%; 20% e 30% em massa. A relação água/finos foi mantida constante e igual a 0,48. O teor de aditivo superplastificante foi de 0,4% em relação à massa de finos (cimento e resíduos) em todas as argamassas estudadas. A composição das argamassas está apresentada na Tabela 1.

Tabela 1
Traço das argamassas estudadas, relação água/cimento (a/c), água/finos (a/f) e consumo de cimento

A mistura das argamassas foi realizada em misturador de bancada (Pavitest, modelo C3010), de acordo com o método estabelecido pela NBR 7215 (ABNT, 2019ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR7215: cimento Portland: determinação da resistência à compressão de corpos de prova cilíndricos. Rio de Janeiro, 2019. ). Antes da mistura, foi feita homogeneização prévia dos finos e do aditivo com a água. O tempo total de mistura foi de quatro minutos. No estado fresco, as argamassas foram avaliadas para determinação do índice de consistência -NBR13276 (ABNT, 2016ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR13276: argamassa para assentamento e revestimento de paredes e tetos: determinação do índice de consistência. Rio de Janeiro, 2016. ); massa específica e teor de ar incorporado -NBR 13278 (ABNT, 2005ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 13278: argamassa para assentamento e revestimento de paredes e tetos: determinação da densidade de massa e do teor de ar incorporado. Rio de Janeiro, 2005.).

Ensaios no estado endurecido

Para avaliação da resistência à compressão das argamassas foram moldados corpos de prova cilíndricos com diâmetro de 50 mm e altura de 100 mm conforme os procedimentos da NBR 7215 (ABNT, 2019ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR7215: cimento Portland: determinação da resistência à compressão de corpos de prova cilíndricos. Rio de Janeiro, 2019. ). Após a moldagem, esses foram armazenados em laboratório mantendo-se a umidade relativa de 100% e temperatura igual a 23±2ºC. Após 24h, os corpos de prova foram imersos em água saturada com cal até a data de realização dos ensaios.

A resistência à compressão das argamassas foi avaliada aos 3, 7 e 28 dias, segundo NBR7215 (ABNT, 2019ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR7215: cimento Portland: determinação da resistência à compressão de corpos de prova cilíndricos. Rio de Janeiro, 2019. ), em seis corpos de prova por idade. Foi utilizada máquina universal de ensaios (EMICDL60000) com uso de suporte metálico e almofadas elastoméricas na base e topo dos corpos de prova.

Foram realizados ensaios de termogravimetria (TG/DTG) para quantificar o teor de água quimicamente combinada e hidróxido de cálcio formado nas matrizes estudadas. Para a realização desse, foram moldadas pastas com relação água/finos igual a 0,48, substituindo a massa de cimento nos teores de 0%; 5%; 10%; 20% e 30%. A mistura foi feita utilizando um misturador tipo mixer por cinco minutos. Em seguida, foram moldados corpos de prova com volume de 50 mL. Esses permaneceram nas mesmas condições de umidade e temperatura das argamassas até os 28 dias. A paralisação da hidratação foi realizada pela mudança de solvente, na qual a água foi substituída por álcool isopropílico. As amostras foram previamente secas em estufa por 40°C até constância de massa e, posteriormente, submetidas a três ciclos de imersão em isopropanol:

  1. 15 min;

  2. 15 min; e

  3. 24 h.

Foi adotada a proporção (1 g de pasta: 10 mL de álcool isopropílico) conforme proposto por Scrivener, Snellings e Lothenbach (2016)SCRIVENER, K.; SNELLINGS, R.; LOTHENBACH, B. A practical guide to microstructural analysis of cementitious materials. Boca Raton: CRC Press, 2016.. Após o processo de paralisação, as amostras foram secas em estufa a 40°C por 24 horas e, em sequência, submetidas à moagem em moinhos de discos oscilantes da marca Herzog por 30 s. Para a realização do ensaio adotou-se a fração passante na peneira de 75 µm. Os ensaios foram realizados em duas amostras para cada pasta estudada, sendo a massa média de cada amostra igual a aproximadamente 6 mg. Foram utilizados o equipamento e configurações descritas no item 2.2.

Resultados e discussões

Caracterização dos dregs e grits

Na Figura 1 estão apresentadas as curvas de termogravimetria do cimento e dos resíduos dregs e grits analisados. No cimento, foram observados picos referentes a perda da água quimicamente combinada (73,84°C), a desidratação da portlandita (371°C) e a decomposição do carbonato de cálcio (598,05°C). Nos dregs e grits constatou-se somente o pico referente à decomposição do carbonato de cálcio nas temperaturas de 638°C e 645°C, respectivamente.

A partir das relações molares entre o CaCO3 e o CO2 e resultados obtidos na termogravimetria foram determinados o teor de carbonato de cálcio existente nos resíduos e no cimento Portland.

A composição química do cimento, dregs e grits estão apresentadas na Tabela 2. Os resultados mostram que, tal como o cimento, o principal componente dos resíduos é o óxido de cálcio (CaO) - coincidindo com os resultados da literatura. Nos grits, o teor desse óxido foi de 84% e nos dregs, 59% na base de não voláteis. Os dregs apresentaram teor de óxido de magnésio (15,74%) superior aos grits (1,23%).

A NBR 16697 (ABNT, 2018ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16697: cimento Portland: Requisitos. Rio de Janeiro, 2018. ) estabelece que o material carbonático a ser utilizado nos cimentos Portland deve possuir um teor mínimo de 75% de CaCO3. Os grits atendem esse requisito da norma, porém nos dregs foi verificado um teor inferior.

Na Figura 2 estão apresentados os compostos identificados nos difratogramas do CPV, dregs e grits. No cimento, verificou-se a presença de compostos típicos do clínquer, alita (C3S); belita (C2S), aluminato tricálcico (C3A) e brownmillerita (C4AF), bassanita (sulfato de cálcio hemihidratado), calcita (CaCO3), e portlandita (Ca(OH)2). Em ambos os resíduos, verificou-se a presença de calcita, portlandita, quartzo e pirssonita (Na2CO3.CaCO3.2H2O). Esse último também foi constatado por Martins et al. (2007)MARTINS, F. M. et al. Mineral phases of green liquor dregs, slaker grits, lime mud and wood ash of a Kraft pulp and paper mill. Journal of Hazardous M aterials, v. 147, n. 1/2, p. 610-617, 2007. e Torres (2016)TORRES, C. M. M. E. Incorporação de dregs e grits de fábricas de polpas celulósica Kraft ao clínquer para a produção de cimento Portland. Viçosa, 2016. 108 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Florestal) - Programa de Pós Graduação em Ciência Florestal, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2016.. De acordo com Martins et al. (2007)MARTINS, F. M. et al. Mineral phases of green liquor dregs, slaker grits, lime mud and wood ash of a Kraft pulp and paper mill. Journal of Hazardous M aterials, v. 147, n. 1/2, p. 610-617, 2007., a pirssonita é resultante do reagente denominado licor branco (NaOH+Na2S) para separação das fibras da madeira que se precipita na etapa de caustificação. A principal diferença observada na composição mineralógica foi a ocorrência de periclásio nos dregs.

Figura 1
Curvas de termogravimetria do cimento Portland (CP-V), dregs e grits utilizados

Tabela 2
- Caracterização química do cimento, dregs e grits utilizados

Figura 2
- Compostos identificados nos difratogramas do cimento, dregs e grits anidros

O índice de atividade pozolânica obtido pelo método Chapelle modificado para os dregs e grits foram: 30,6 mg de Ca(OH)2/g e 22,9 mg de Ca(OH)2/g, respectivamente. Esses valores são inferiores a 436 mg de Ca(OH)2/g proposto por Raverdy (Hoppe Filho et al., 2017HOPPE FILHO, J. et al. Atividade pozolânica de adições minerais para cimento Portland (Parte I): índice de atividade pozolânica (IAP) com cal, difração de raios-X (DRX), termogravimetria (TG/DTG) e Chapelle modificado. Matéria, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, 2017. ), indicando a não ocorrência de atividade pozolânica em ambos os resíduos.

A curva de distribuição granulométrica do cimento e resíduos e as características físicas estão apresentadas respectivamente na Figura 3 e Tabela 3.

Os grits apresentam perfil granulométrico próximo ao cimento, com aumento de 1,3 vezes no tamanho médio das partículas. Os dregs, por sua vez, possuem partículas superiores ao cimento e aos grits: 1,7 vezes e 1,3 vezes, respectivamente. Nesse, houve maior proporção de partículas na faixa de 30 a 100 µm. Visto que a distribuição granulométrica do cimento é mais fina que os resíduos analisados, o efeito físico da substituição do cimento por ambos não será expressivo. Briki et al. (2021BRIKI, Y. et al. Impact of limestone fineness on cement hydration at early age. Cement and Concrete Research, v. 147, 106515, 2021.) analisando a influência da finura de fíler calcário em substituição ao cimento na hidratação de matrizes cimentícias, verificaram que o uso de partículas maiores que o cimento contribuiu com a hidratação da alita, porém em menor escala, devido ao efeito de diluição.

A massa específica dos resíduos analisados está em conformidade com os limites observados na literatura: 2,44 g/cm³ (Torres, 2016TORRES, C. M. M. E. Incorporação de dregs e grits de fábricas de polpas celulósica Kraft ao clínquer para a produção de cimento Portland. Viçosa, 2016. 108 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Florestal) - Programa de Pós Graduação em Ciência Florestal, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2016.) à 2,65g/cm³ (Bello et al., 2016BELLO, R. et al. Caracterização microestrutural de concretos com e sem resíduo da indústria de papel e celulose em substituição parcial ao Cimento Portland. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CERÂMICA, 60., Águas de Lindóia, 2016. Anais […] Águas de Lindóia, 2016.) para os dregs e 2,08 g/cm³ (Cusma, 2015CUSMA, D. F. Compósitos à base de Resíduos da Recuperação química da produção de Kraft de celulose. Curitiba, 2015. 96 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Materiais) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2015.) à 2,87g/cm³ (Meller, 2017MELLER, J. G. Obtenção de clínquer de baixa energia a partir de resíduos da indústria de papel e celulose. Florianópolis, 2017. 111 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Química) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.) para os grits.

Figura 3
Distribuição granulométrica do cimento, dregs e grits analisados

Tabela 3
- Propriedades físicas do cimento, dregs e grits

A área superficial volumétrica (ASV) foi obtida pelo produto da área superficial específica (ASSBET) e massa específica. Observa-se que a área superficial volumétrica dos dregs foi sete vezes superior à do cimento e oito vezes a dos grits. Em relação ao fator de forma determinado pela análise dinâmica de imagens, não foi detectada diferença entre o cimento e os resíduos. Isso porque esse método, correlaciona as dimensões da partícula com o diâmetro de uma esfera perfeitamente lisa, sem irregularidades superficiais (Hunger; Brouwers, 2009HUNGER, M.; BROUWERS, H. J. H. Flow analysis of waste-powder mixtures: application to specific surface area and shape factor. Cement and Concrete Composites, v. 31, p. 39-59, 2009.; Ulusoy, 2019ULUSOY, U. Quantifying of particle shape differences of differently milled barite using a novel technique: dynamic image analysis. Materialia, v. 8, p. 100434, 2019.).

Na Figura 4 estão apresentadas imagens das partículas de cimento, dregs e grits obtidas por microscopia eletrônica de varredura em diferentes resoluções e magnitudes. Nota-se maior irregularidade superficial nas partículas dos dregs em relação às do cimento e grits. Tal característica justifica maior área superficial volumétrica obtida para esse resíduo.

Influência dos dregs e grits na consistência e teor de ar das argamassas

O efeito da substituição do cimento por dregs e grits, em diferentes teores, no índice de consistência e teor de ar incorporado durante a mistura das argamassas estão apresentados na Figura 5.

A substituição do cimento por ambos os resíduos alterou o índice de consistência e o teor de ar incorporado em comparação à argamassa de referência. Nas argamassas com dregs, nota-se uma correlação linear indicando que houve uma redução do índice de consistência e do teor de ar na medida em que se aumentou o teor de resíduo à mistura (R² = 0,97 e R2 = 0,88). Por sua vez, não se verificou uma tendência linear com o uso dos grits (melhor ajuste - curva polinomial ordem 4). Nas argamassas com 5% e 10% de grits observou-se um aumento na fluidez e no teor de ar incorporado em comparação à argamassa de referência. Para os teores de 20% e 30%, verificou-se que houve nessas propriedades, porém ainda com valores superiores às argamassas com dregs nos mesmos teores. Isso sugere que há uma influência do tipo e do teor das partículas no índice de consistência e teor de ar incorporado.

Figura 4
Imagens de MEV das partículas do cimento, dregs e grits anidros: (a) - resolução de 20 (m e magnificação de 1,31 kx; (b) resolução de 10 (m e magnificação de 2,90 kx; e, (c) resolução de 1 (m e magnificação de 8,11 kx

Figura 5
Efeito da substituição do cimento por dregs e grits no (a) índice de consistência e (b) teor de ar incorporado da argamassa

Embora apresentem partículas com dimensão superior à dos grits, os dregs possuem maior área superficial, o que tende a impactar diretamente na quantidade de água necessária para molhar a superfície das partículas. Dessa forma, mantendo-se a relação água/finos constante na mistura, o uso de dregs propiciou uma redução no índice de consistência das argamassas; e, esse foi intensificado com o acréscimo do resíduo. Nos teores de 5% e 10% de substituição do cimento por grits, o aumento do índice de consistência foi ocasionada pela redução da fração reativa (cimento). Nessas misturas, houve o acréscimo do teor de ar que favorece o aumento do índice de consistência. De forma similar ao ocorrido com os dregs, o aumento da área superficial dos grits em relação ao cimento provavelmente acarretou na redução do índice de consistência nas misturas com 20% e 30% desse material. Outros fatores que podem ter contribuído para as diferenças observadas entre o comportamento dos resíduos no estado fresco das argamassas é a natureza da superfície das partículas e a afinidade com o aditivo químico utilizado (Plank; Hirsch, 2007PLANK, J.; HIRSCH, C. Impact of zeta potential of early cement hydration phases on superplasticizer adsorption. Cement and Concrete Research , v. 37, n. 4, p. 537-542, 2007.; Mikanovic; Jolicouer, 2008MIKANOVIC, N.; JOLICOEUR, C. Influence of superplasticizers on the rheology and stability of limestone and cement pastes. Cement and Concrete Research , v. 38, p. 907-919, 2008.; Burgos-Montes et al., 2012BURGOS-MONTES, O. et al. Compatibility between superplasticizer admixtures and cements with mineral additions. Construction and Building Materials, v. 31, p. 300-309, 2012.). Mikanovic e Jolicouer (2008)MIKANOVIC, N.; JOLICOEUR, C. Influence of superplasticizers on the rheology and stability of limestone and cement pastes. Cement and Concrete Research , v. 38, p. 907-919, 2008. analisando as interações partículas-superplastificante na reologia e estabilidade de misturas cimentícias na presença de calcário verificaram que a eficácia dos aditivos a base de éter-policarboxilato é melhor na presença de Ca(OH)2. Pesquisas adicionais precisam ser realizadas para investigar tal hipótese.

Efeito dos dregs e grits nas propriedades físicas das argamassas

A evolução da resistência à compressão das argamassas para ambos os resíduos em diferentes teores de substituição está apresentada na Figura 6.

Tal como esperado, observa-se o aumento da resistência em função da idade em todas as formulações estudadas. Nota-se que o uso de dregs em substituição do cimento proporcionou maior resistência em comparação às argamassas produzidas com grits em teores de até 20%. Para os teores de 30%, os valores de resistência foram similares em todas as idades para os dois resíduos.

Aos 3 dias, a substituição do cimento em teores de até 20% de dregs propiciou um acréscimo de resistência em comparação à argamassa de referência. Nos grits, esse comportamento foi observado em teores de até 10% de substituição ao cimento; com 20% a resistência à compressão foi similar à referência. Para os teores de 30%, houve o decréscimo de 17% e 18% para os dregs e grits, respectivamente. Aos 7 dias, as argamassas com dregs nos teores de 5% de substituição ao cimento mostrou um ganho de 8% em relação à referência; aos 10% o valor foi equivalente; e com 20 % e 30% houve redução de 16% e 33%. Nas misturas com grits, a redução ocorreu com o aumento do teor de resíduo nas misturas, atingindo 34% para a mistura com 30% de substituição de cimento. Aos 28 dias, os dregs e grits quando incorporados à mistura reduziram a resistência à compressão das argamassas com o aumento do teor de substituição.

Martínez-Lage et al. (2016)MARTÍNEZ-LAGE, I. et al. Concrete and mortars with waste paper industry: biomass ash and dregs. Journal of Environmental Management, v. 181, p. 863-873, 2016. constataram que a substituição de 10% da massa de cimento por dregs não reduziu a resistência à compressão aos 28 dias em relação à argamassa de referência; porém, em teores de 20% e 30% houve uma redução de 7% e 26%.

Figura 6
Resistência à compressão das argamassas produzidas com diferentes teores de (a) dregs e (b) grits aos 3, 7 e 28 dias. Os valores em vermelho representam a variação em relação à argamassa de referência

Torres et al. (2020)TORRES, C. M. M. E. et al. Dregs and grits from kraft pulp mills incorporated to Portland cement clinker. Journal of Materials Cycles and Waste Management, 22, p. 851-861, 2020. analisando a influência da substituição do clinquer por dregs e grits4 4 Os resíduos estudados e o clinquer foram moídos em moinho de bolas e utilizado a fração passante na peneira de 75 µm. Não foram realizados ensaios para avaliação da distribuição granulométrica. em teores de 2,5; 5; 7,5; 10 e 15% verificaram uma redução da resistência à compressão aos 3, 7 e 28 dias para ambos os resíduos. Não houve diferença entre os dregs e grits para os diferentes teores.

A redução da resistência mecânica em função do aumento do teor de substituição do cimento por materiais cimentícios suplementares ocorre devido ao efeito de diluição - tal como relatado em estudos com o uso de fíler calcário (Wang et al., 2018WANG, D. et al. A review on use of limestone powder in cement-based materials: mechanism, hydration and microstructures. Construction and Building Materials , v. 181, p. 659-672, 2018.; Briki et al., 2021BRIKI, Y. et al. Impact of limestone fineness on cement hydration at early age. Cement and Concrete Research, v. 147, 106515, 2021.). A diminuição do teor de cimento diminui a quantidade de hidratos formados e, portanto, afeta negativamente a resistência à compressão.

Na Figura 7 estão mostradas as curvas de termogravimetria das pastas com 0, 10, 20 e 30% de dregs ou grits aos 28 dias. Observa-se nas curvas de DTG, três picos principais: até 150°C referente a água quimicamente combinada pela hidratação dos silicatos e aluminatos de cálcio; ≈ 460°C da decomposição da portlandita; e ≈ 800°C decomposição da calcita (Scrivener; Snellings; Lothenbach, 2016SCRIVENER, K.; SNELLINGS, R.; LOTHENBACH, B. A practical guide to microstructural analysis of cementitious materials. Boca Raton: CRC Press, 2016.).

A partir das perdas de massa e relações molares, quantificou-se o teor de água quimicamente combinada e hidróxido de cálcio5 5 %CaOH2= MCaOH2MH2O×%H2O, sendo a massa molar do Ca(OH)2 (74,09 g/mol) e H2O (18,02 g/mol). . Esses resultados estão apresentados na Figura 8.

O teor de água quimicamente combinada refere à perda de água associada à desidratação dos aluminatos, C-S-H e compostos de magnésio. Os resultados mostraram que a quantidade de água quimicamente combinada diminui com o aumento do teor de substituição do cimento e, nos dregs essa foi superior à dos grits em todos os teores analisados - justificando menor resistência dos grits em comparação aos dregs. Nos grits, observa-se maior formação de hidróxido de cálcio em relação aos dregs. Isso ocorre devido ao maior teor de óxido de cálcio observado na FRX.

Apesar da redução da resistência à compressão com o uso de dregs e grits em substituição ao cimento, é possível adotar teores para obtenção de materiais cimentícios em função da classe de resistência desejada. Na Figura 9 estão apresentados os valores de resistência à compressão obtidos aos 28 dias em função do teor de substituição do cimento para ambos os resíduos e as classes de resistência definidas pela NBR 16697 (ABNT, 2018ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16697: cimento Portland: Requisitos. Rio de Janeiro, 2018. ).

Os dados mostram que é possível substituir até 34% e 36% do cimento por dregs e grits, respectivamente, para obtenção de resistência à compressão de 25 MPa; 27% e 24% para obtenção de 32MPa; e, 15% e 13% para 40 MPa. Estudos adicionais precisam ser realizados para o entendimento de como esses afetam a cinética de hidratação e a durabilidade dos materiais cimentícios. No entanto, do ponto de vista técnico e ambiental, os resultados obtidos mostraram que o uso de grits e dregs pode vir a contribuir com a redução do fator clínquer para mitigação da emissão de CO2. A caracterização físico-química dos resíduos é um fator primordial para viabilizar tal uso em função da variabilidade das matérias-primas e processos fabris.

Figura 7
Curva TG e DTG das pastas com 0, 10, 20 e 30 % de dregs aos 28 dias

Figura 8
Teor de (a) água quimicamente combinada e (b) hidróxido de cálcio na base denão voláteis, em função do teor de dregs e grits em substituição ao cimento, aos 28 dias

Figura 9
Influência do teor de dregs e grits na resistência à compressão das argamassas aos 28 dias

Conclusões

Os resíduos dregs e grits oriundos do processo de produção da celulose foram moídos para obtenção de partículas menores a 75 µm e caracterizados por ensaios químicos e físicos. Foram avaliados os teores de 0%; 5%; 10%; 20% e 30% em substituição à massa de cimento na produção de argamassas com traço 1: 3 (finos: areia) em massa e relação água/finos igual a 0,48. A partir dos resultados obtidos, são tecidas as seguintes conclusões:

  1. ambos os resíduos, dregs e grits, apresentaram como componente principal o óxido de cálcio (CaO); porém, nos dregs foi observado cerca de 16% de periclásio, 13 vezes a quantidade verificada nos grits. A quantidade de carbonato de cálcio dos grits foi superior à dos dregs atendendo o teor mínimo de 75% para uso como material carbonático em cimento Portland estabelecido pela norma brasileira;

  2. constatou-se a presença de calcita (CaCO3) e pirssonita (Na2CO3.CaCO3.2H2O) na análise mineralógica dos grits e dregs. A pirssonita típica do processo de fabricação. Nos dregs, foi constada a presença de periclásio (MgO);

  3. a curva de distribuição granulométrica dos grits foi similar à do cimento. Os dregs apresentaram partículas com maiores dimensões, principalmente na faixa de 30 a 100 µm e maior área superficial volumétrica, aproximadamente sete vezes superior à do cimento e grits;

  4. houve uma correlação linear entre o teor de substituição do cimento pelos resíduos em relação ao índice de consistência, principalmente para os dregs. Com o acréscimo do teor de substituição dos resíduos, houve a redução a consistência das argamassas

  5. o uso de dregs em substituição ao cimento proporcionou maior resistência à compressão nas argamassas em relação ao grits em todas as idades avaliadas. Aos 28 dias, esse acréscimo justifica-se pela maior quantidade de água combinada formada.

  6. a substituição do cimento por ambos os resíduos em teor de até 15% propiciou uma resistência à compressão de 40MPa. Isso mostra que ambos os resíduos moídos podem ser uma alternativa viável para aplicação como material cimentício suplementar, vindo a contribuir com a redução da emissão de CO2 e menor impacto ambiental pelo reaproveitamento dos resíduos e diminuição da extração de matérias-primas.

Posto isso, a presente pesquisa proporcionou avanço referente a granulometria e caracterização química, física e morfologia dos resíduos para uso em matrizes cimentícias, bem como na avaliação da influência do teor de substituição na formação dos hidratos e os seus efeitos na resistência à compressão das matrizes. Foi possível ainda obter os teores de substituição do cimento Portland pelos dregs e grits aos quais as classes de resistência à compressão dos cimentos adotados no Brasil (25, 32 e 40 MPa) são atingidas, ressaltando a possibilidade de uso destes como material cimentício suplementar.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer o apoio e colaboração para realização de ensaios ao Laboratório de Compostos Lamelares (LCL) e de Química (DEQ) da Universidade Federal de Viçosa - Campus Rio Paranaíba; Laboratório do Grupo de Pesquisas em Sistemas Particulados (GSP), Laboratório Multiusuário em Energias Renováveis (LAMER), Laboratório de Microscopia Eletrônica de Varredura (FEQUI), Laboratório Multiusuário do Instituto de Química (LAMIQ), Laboratório do Grupo de Pesquisa em Processos Catalíticos e Termoquímicos (GPCATT) da Universidade Federal de Uberlândia; Laboratório Multiusuário do Pontal da Universidade Federal de Uberlândia (FINEP/2013 INFR13 01.13.0371.00) e ao Laboratório de Microestrutura e Ecoeficiência de Materiais (LME) e ao INCT (processo nº 2014/50948-3, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)).

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  • 3
    Relação água/cimento.
  • 4
    Os resíduos estudados e o clinquer foram moídos em moinho de bolas e utilizado a fração passante na peneira de 75 µm. Não foram realizados ensaios para avaliação da distribuição granulométrica.
  • 5
    %CaOH2= MCaOH2MH2O×%H2O
    , sendo a massa molar do Ca(OH)2 (74,09 g/mol) e H2O (18,02 g/mol).

Editado por

Editor do artigo:

Sérgio Francisco Santos

Editor do artigo:

Marcelo Henrique Farias de Medeiros

Editora de seção:

Ercília Hitomi

Editoras de seção:

Juliana Parise Baldauf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2022
  • Aceito
    28 Jul 2023
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