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Territórios LGBTIAP+ de Medo, Morte e Resistência em Londrina

LGBTIQ+ Territories of Fear, Death and Resistance in Londrina

Territorios LGTBIQ+ de Miedo, Muerte y Resistencia en Londrina

Resumo

A cidade pode ser compreendida como um espaço em que as lógicas capitalistas e do patriarcado são materializadas, criando barreiras simbólicas e segregação socioespacial. Nesse contexto, este artigo aborda a territorialidade, na escala da cidade, pela população LGBTIAP+ e a configuração de Territórios de Morte, Medo, Resistência em Londrina, Paraná. A presente pesquisa objetivou levantar os Territórios através de clipping de notícias jornalísticas e reuni-los em cartografia. Esse artigo é um esforço no sentido de dar continuidade às pesquisas que dão voz e vez a corpos muitas vezes desrespeitados, esquecidos, brutalizados, mortos e apagados pela nossa sociedade.

Palavras-chave:
Território; territorialidade; gênero; identidade; cartografia.

Abstract

The city can be understood as a space where capitalist and patriarchal logics are materialized, engendering symbolic barriers and socio-spatial segregation. Within this context, this paper addresses territoriality of the LGBTIQ+ population at the urban scale It is part of a broader reflection within an ongoing Master's dissertation. The research aims to identify these Territories through clipping of journalistic news and to gather them in a cartography. Finally, this paper was produced as an effort to continue researches that give voice to a population that is often disrespected, forgotten, brutalized, killed, and erased by our society.

Keywords:
Territory; territoriality; gender; identity; cartography.

Resumen

La ciudad puede entenderse como un espacio donde las lógicas capitalistas y patriarcales se materializan, generando barreras simbólicas y segregación socioespacial. En este contexto, este artículo aborda la territorialidad de la población LGTBIQ+ a escala urbana y la configuración de Territorios de Muerte, Miedo y Resistencia en Londrina, Paraná. La investigación tiene como objetivo identificar estos territorios a través del recorte de noticias periodísticas y reunirlos en una cartografía. Este artículo representa un esfuerzo por continuar la investigación que da voz y agencia a cuerpos que a menudo son irrespetados, olvidados, brutalizados, asesinados y borrados por nuestra sociedad.

Palabras-clave:
Territorio; territorialidad; género; identidad; cartografía.

Introdução

A violência contra as pessoas LGBTIAP+1 1 Sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Intersexuais, Assexuais e Pansexuais, o sinal “+” é utilizado para englobar todas as nomenclaturas adotadas pela diversidade de identificações sexuais e de gênero existentes (Cerqueira et al., 2021; Filho et al., 2020) 2 2 Optou-se, dentre tantas variantes da sigla, utilizar a versão LGBTIAP+, sem a letra ‘Q’ (queer) de maneira a dar ênfase e protagonismo às pesquisas desenvolvidas no campo da diversidade de gênero e sexualidade na América Latina. é um fenômeno histórico e que acontece mundialmente. Tendo em vista o aumento crescente da violência relacionada à identidade de gênero e orientação sexual, especificamente no tocante a homotransfobia3 3 Segundo Cerqueira, et al. (2021), a homotransfobia é violência contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais que ocorre em sociedades onde existe a ideologia heterossexista, podendo levar a preconceito e comportamento discriminatório. (Cerqueira et al., 2020; Mendes et al., 2020MENDES, Wallace Góes; SILVA, Cosme Marcelo Furtado Passos. Homicídios da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros (LGBT) no Brasil: uma Análise Espacial. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 05, p. 1709 - 1722, 2020.; Minuano, 2021MINUANO, Carlos. Brasil é o país que mais mata pessoas trans; 175 foram assassinadas em 2020. Universa, UOL, 29 jan. 2021. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/01/29/brasil-e-o-pais-que-mais-mata-pessoas-trans-175-foram-assassinadas-em-2020.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 16 jun., 2022.
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), e levando em conta a dificuldade na obtenção de estatísticas oficiais, a vigente subnotificação de casos de hostilidade contra referida população e pela escassez de literatura sobre o assunto, torna-se urgente investigar e compreender as variáveis que determinam a ocorrência dessas agressões.

Nesse contexto, este artigo é resultado de uma investigação que trata da territorialidade da população LGBTIAP+, com objetivo de levantar os Territórios de Medo, Morte e Resistência configurados por e para esta população, tendo como recorte espacial a cidade de Londrina - PR. O trabalho buscou se ater às três variáveis de classificação de territórios demonstradas pelos autores Souza & Feliciano no artigo ‘Por uma leitura geográfica dos Territórios da Morte, do Medo e de Resistência LGBTQIAP+ no Brasil’ publicado na Revista NERA em 2021.

O artigo está estruturado em quatro partes principais. Primeiro, procurou-se construir uma perspectiva de leitura geográfica que explicasse a escolha por analisar os territórios na escala da cidade. Em um segundo momento, são apresentadas as discussões acerca dos territórios e suas classificações, buscando uma melhor compreensão e, em seguida, são apresentados separadamente os resultados alcançados com os levantamentos dos Territórios de Medo, Morte e Resistência, respectivamente, em Londrina.

Hoje, frente tantas violências generalizadas que afetam as pessoas que compõem a diversidade da comunidade LGBTIAP+ diariamente, esse trabalho se apresenta no esforço de dar continuidade às pesquisas que dão voz e vez a corpos, muitas vezes desrespeitados, esquecidos, brutalizados, mortos e apagados pela nossa sociedade, e no sentindo de vislumbrar um futuro em que todos os corpos, independente de gênero ou sexualidade, possam vivenciar a cidade em plenitude: viver, trabalhar e se divertir, uma vez que “viver com medo é viver pela metade” (Barreira, 2013BARREIRA, César. Violência difusa, medo e insegurança: as marcas recentes da crueldade. Revista Brasileira de Sociologia, v. 01, n. 01, p. 219 - 242, jan. - jun., 2013., p. 232).

Procedimentos Metodológicos

A partir do conceito de homotransfobia ou LGBTfobia, que corresponde à violência contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais e quaisquer outras pessoas por motivos relacionados a dissidência de gênero e sexualidade, que ocorre em sociedades onde existe a ideologia heterossexista, podendo levar a preconceito e comportamento discriminatório (Cerqueira, 2021), e, levando em conta que tal conceito trata de uma condição generalizada e naturalizada na sociedade, que pode se manifestar de diversas formas a partir de violências psicológicas, físicas, verbais, não letais ou letais, por meio de homicídios ou até levando ao suicídio, a pesquisa considera os registros possíveis de violência contra a população LGBTIAP+ para se fazer um levantamento e classificação de territórios.

O levantamento e classificação dos territórios foi realizado a partir de clipping de notícias veiculadas em mídia digital no intervalo de 15 anos, com buscas realizadas através de combinação de palavras chaves. Para realizar a busca, foram utilizadas combinações de palavras-chave de três categorias: LGBTIAP+, categoria do território - Medo (violência), Morte, Resistência (atos, paradas) - e o nome da cidade de Londrina.

Foram selecionados periódicos digitais locais e nacionais para a coleta de notícias e informações relacionadas às palavras-chave. As notícias foram lidas, selecionadas e analisadas (para que não fossem repetidos os dados), e aquelas que apresentavam conteúdo relevante foram recortadas e arquivadas.

Em seguida, foram categorizadas de acordo com a área de interesse, a fim de identificar os pontos da cidade em que ocorreram os casos. Posteriormente, os dados foram reunidos e estruturados, agregando-os e sistematizando-os em planilhas do EXCEL©, para que então pudessem ser analisados e, a partir de cada categoria, se produzisse uma cartografia.

Por uma Leitura LGBTIAP+ da cidade

A cidade, como produto - produtora das relações sociais e históricas constituídas, pode ser analisada a partir de uma diversidade de ângulos e perspectivas. Para Ferreira & Pereira (2020)FERREIRA, Afonso Vieira; PEREIRA, Carolina Machado Rocha Busch. A Cidade como objeto de conhecimento para a educação geográfica. Revista Ensino de Geografia (Recife), v. 03, n. 02, 2020.,

a cidade constitui-se como lócus de concentração populacional e tudo que implica a vida urbana, desde aspectos cotidianos, à conflitos emergidos em função da dinâmica da cidade e da luta por espaços, por controle, por apropriação e demarcação de território, entre outras origens e finalidades de conflitos. (Ferreira & Pereira, 2020FERREIRA, Afonso Vieira; PEREIRA, Carolina Machado Rocha Busch. A Cidade como objeto de conhecimento para a educação geográfica. Revista Ensino de Geografia (Recife), v. 03, n. 02, 2020., p. 202)

De fato, a cidade é o local onde emergem os conflitos sociais, políticos, econômicos e culturais e ao mimetizar a sociedade na qual se insere, pode ser entendida como idealizada, produzida e controlada por aqueles que detém o poder econômico, político e social e funciona de modo a garantir as relações de controle a partir das visões construídas pelas classes dominantes (Carvalho et al., 2017CARVALHO, Claudio Oliveira; JUNIOR, Gilson Santiago Macedo. ‘‘Isto é um lugar de respeito!’: a construção heteronormativa da cidade-armário através da invisibilidade e violência no cotidiano urbano. Revista de Direito da Cidade, v. 09, n. 01, p. 103 - 116, 2017.; Silva, 2016SILVA, Andrea Lima da; SANTOS, Silvana Mara de Morais dos. “O sol não nasce para todos”: uma análise do direito à cidade para os segmentos LGBT. SER Social, v. 17, n. 37, p. 498 - 516, 2016.).

Uma vez que se compreende que a cidade não é produzida de forma a atender o coletivo, mas sim a partir de visões específicas de determinados grupos, a mesma pode ser lida como uma construção, principalmente ideológica (Carvalho et al., 2017CARVALHO, Claudio Oliveira; JUNIOR, Gilson Santiago Macedo. ‘‘Isto é um lugar de respeito!’: a construção heteronormativa da cidade-armário através da invisibilidade e violência no cotidiano urbano. Revista de Direito da Cidade, v. 09, n. 01, p. 103 - 116, 2017.). E é nesse contexto que a cidade se torna o espaço social em que as desigualdades se acirram, criando fronteiras simbólicas estreitamente delimitadas pelos contextos econômicos e sociais que a tornam excludente para comunidades específicas (Carvalho et al., 2017CARVALHO, Claudio Oliveira; JUNIOR, Gilson Santiago Macedo. ‘‘Isto é um lugar de respeito!’: a construção heteronormativa da cidade-armário através da invisibilidade e violência no cotidiano urbano. Revista de Direito da Cidade, v. 09, n. 01, p. 103 - 116, 2017.; Filho et al., 2021FILHO, Antoniel dos Santos Gomes; LIMA, Antônio Ailton de Sousa; SILVA, Antônio Micael Pontes da; NUNES, Larissa Ferreira; FILHO, Tadeu Lucas de Lavor. E quando as bichas, sapatão, travas e trans caminham pelas ruas? Os emblemas sociais da caminhabilidade no Brasil. Rev. Sociologias Plurais, v. 07, n. 01, p. 276 - 297, jan., 2021.).

Segundo Carvalho et al. (2017CARVALHO, Claudio Oliveira; JUNIOR, Gilson Santiago Macedo. ‘‘Isto é um lugar de respeito!’: a construção heteronormativa da cidade-armário através da invisibilidade e violência no cotidiano urbano. Revista de Direito da Cidade, v. 09, n. 01, p. 103 - 116, 2017.), a sociedade que compõe a cidade brasileira é heteronormativa, porém para a leitura que se pretende construir, será compreendida pelo conceito de heterocisnormatividade 4 4 A heterocisnormatividade é a aglutinação das palavras heteronormatividade e cisgeneridade e configura padrões pré-estabelecidos de gênero em consonância com o sexo biológico, de afirmação da heterossexualidade como sexualidade padrão e instituição de categorias do que seria masculino e feminino. (Bianor, 2019). , de modo que o ambiente urbano se constitui a partir dessa sociedade se comporta como espaço que subtrai as subjetividades e rejeita comportamentos e corpos dissidentes de gênero e sexualidade5 5 É eleita a noção de dissidência de gênero, assim como fez Filho et al. (2021) e sexualidade como forma de reiterar seu caráter subversivo e de fugir das capturas políticas masculinistas e normalização em torno do termo “diversidade”. . Com efeito, até mesmo por uma leitura superficial, é possível observar de forma evidente a ausência de políticas públicas voltadas para a proteção, garantia de direitos e acesso à cidade de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais e intersexo. Esse cenário corrobora de maneira significativa para que a estrutura social da cidade se mantenha envolta na lógica da heterocisnormatividade.

Por não assimilar as condutas inerentes aos padrões socialmente aceitos de gênero e sexualidade, a cidade se constitui palco de violências contra a população LGBTIAP+ (Carvalho et al., 2017CARVALHO, Claudio Oliveira; JUNIOR, Gilson Santiago Macedo. ‘‘Isto é um lugar de respeito!’: a construção heteronormativa da cidade-armário através da invisibilidade e violência no cotidiano urbano. Revista de Direito da Cidade, v. 09, n. 01, p. 103 - 116, 2017.). Segundo Goffman (1977)GOFFMAN, Erving. The Arrangement Between the Sexes. In: Theory and Sciety. v. 04, n. 03, p.301-333. Berlim: Springer, 1977., os padrões de gênero podem ser entendidos como um constructo social e, as condutas culturalmente estabelecidas e convencionadas na socialização são denominadas displays de gênero. Nessa circunstância, a classe dominante estabelece formas de naturalização do poder masculino e dos papeis de gênero (e sexualidade) que podem ser aceitos socialmente através da hiper ritualização desses displays.

Acerca das espacialidades em si, ao fazer uma explicação sobre a obra de Goffman, Orton (2017)ORTON, Naomi Elizabeth. (Des)igualdade de gênero e a (i)mobilidade urbana contemporânea: uma visão goffmaniana. RUA, v. 23, n. 2, p. 243 - 266, 2017. pontua que o autor denomina o espaço público como um “palco”, em oposição ao espaço privado que seria compreendido como “bastidores”, em que acontecerão essas ritualizações. Quando uma pessoa LGBTIAP+ ocupa o espaço público urbano, além de questionar sua utilização, coloca em xeque o comportamento esperado para seu gênero (e sexualidade), constituindo assim uma contestação e, como consequência, tende a sofrer repressão por aqueles que desejam manter os paradigmas (Orton, 2017ORTON, Naomi Elizabeth. (Des)igualdade de gênero e a (i)mobilidade urbana contemporânea: uma visão goffmaniana. RUA, v. 23, n. 2, p. 243 - 266, 2017.).

Carvalho et al. (2017)CARVALHO, Claudio Oliveira; JUNIOR, Gilson Santiago Macedo. ‘‘Isto é um lugar de respeito!’: a construção heteronormativa da cidade-armário através da invisibilidade e violência no cotidiano urbano. Revista de Direito da Cidade, v. 09, n. 01, p. 103 - 116, 2017. sinaliza que os espaços públicos são “espaços de ninguém” e, portanto, espaços em que todos tendem a estar em luta contra todos, representando socialmente o medo e o descontrole e que favorecem a ocorrência dessas repressões, sejam elas morais, institucionais ou através da violência.

A prática de violência contra os diversos grupos que englobam a população LGBTIAP+ é uma realidade cotidiana e de dimensões históricas em todo o território brasileiro (Cerqueira et al., 2021; Filho et al., 2021FILHO, Antoniel dos Santos Gomes; LIMA, Antônio Ailton de Sousa; SILVA, Antônio Micael Pontes da; NUNES, Larissa Ferreira; FILHO, Tadeu Lucas de Lavor. E quando as bichas, sapatão, travas e trans caminham pelas ruas? Os emblemas sociais da caminhabilidade no Brasil. Rev. Sociologias Plurais, v. 07, n. 01, p. 276 - 297, jan., 2021.), inserindo esta população em um contexto de apreensão, sofrimento e medo. Na dimensão física, essa hostilidade pode se manifestar de várias maneiras, como o abandono, a ocorrência de assassinatos e os casos de espancamento e até mesmo a prática de estupros "corretivos". (Orton, 2017ORTON, Naomi Elizabeth. (Des)igualdade de gênero e a (i)mobilidade urbana contemporânea: uma visão goffmaniana. RUA, v. 23, n. 2, p. 243 - 266, 2017.; Filho et al., 2021FILHO, Antoniel dos Santos Gomes; LIMA, Antônio Ailton de Sousa; SILVA, Antônio Micael Pontes da; NUNES, Larissa Ferreira; FILHO, Tadeu Lucas de Lavor. E quando as bichas, sapatão, travas e trans caminham pelas ruas? Os emblemas sociais da caminhabilidade no Brasil. Rev. Sociologias Plurais, v. 07, n. 01, p. 276 - 297, jan., 2021.) mas também se manifesta, em outras dimensões, como assédio moral, preconceitos explícitos ou velados. Para compreender a proporção da violência direcionada a essa população, o Dossiê 2022 de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil, levantamento feito pelo Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil em continuação ao trabalho iniciado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), em parceria com a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), o grupo Acontece Arte e Política LGBTI+ e a ANTRA - Associação Nacional de Travestis e Transexuais, apresenta uma estimativa do número de mortes violentas de pessoas LGBTIAP+ no Brasil no ano de 2022. Segundo o levantamento, foram 273 mortes LGBTs de forma violenta no país. Dessas mortes 228 foram assassinatos, 30 suicídios e 15 outras causas, tendo o município de Londrina sido responsável por pelo menos 2 casos de morte no ano de 2022. O Brasil permanece como o país com o maior número de assassinatos de pessoas LGBT+ no mundo, registrando uma média de uma morte a cada 34 horas (Gastaldi et al., 2023GASTALDI, Alexandre Bogas Fraga (org.); BENEVIDES, Bruna (org.); COUTINHO, Gustavo (org.). Mortes e violências contra LGBTI+ no Brasil: Dossiê 2022. Florianópolis, SC: Acontece, ANTRA, ABGLT, 2023. Disponível em: https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/wp-content/uploads/2023/05/Dossie-de-Mortes-e-Violencias-Contra-LGBTI-no-Brasil-2022-ACONTECE-ANTRA-ABGLT.pdf. Acesso em 11 mai. 2023.
https://observatoriomorteseviolenciaslgb...
). O país ainda ocupa o primeiro lugar no ranking de países que mais mata pessoas transexuais no mundo (Cerqueira et al., 2021; Mendes et al., 2020MENDES, Wallace Góes; SILVA, Cosme Marcelo Furtado Passos. Homicídios da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros (LGBT) no Brasil: uma Análise Espacial. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 05, p. 1709 - 1722, 2020.; Minuano, 2021MINUANO, Carlos. Brasil é o país que mais mata pessoas trans; 175 foram assassinadas em 2020. Universa, UOL, 29 jan. 2021. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/01/29/brasil-e-o-pais-que-mais-mata-pessoas-trans-175-foram-assassinadas-em-2020.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 16 jun., 2022.
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). Filho et al. (2021)FILHO, Antoniel dos Santos Gomes; LIMA, Antônio Ailton de Sousa; SILVA, Antônio Micael Pontes da; NUNES, Larissa Ferreira; FILHO, Tadeu Lucas de Lavor. E quando as bichas, sapatão, travas e trans caminham pelas ruas? Os emblemas sociais da caminhabilidade no Brasil. Rev. Sociologias Plurais, v. 07, n. 01, p. 276 - 297, jan., 2021. discorre sobre a invisibilidade da violência contra as pessoas dissidentes de gênero:

Quando vidas LGBTs são linchadas, decapitadas, carbonizadas, torturadas, a exemplo, o caso de Dandara 6 6 Dandara dos Santos foi uma travesti brutalmente executada a tiros após ter sido torturada no bairro de Bom Jardim, em Fortaleza, no Ceará em 15 de fevereiro de 2017. , não há comoção pública, mas um processo de criminalização como personificação da abjeção dessas existências (NUNES, 2020). Além do contexto político, os processos de exacerbação da violência urbana, numa configuração difusa, têm corroborado para o avanço de violências contra pessoas LGBTs, denunciando não somente a incapacidade estatal de proteger essas vidas, mas negligenciando-as por não serem contabilizadas em análise de forma crítica (Filho et al., 2021FILHO, Antoniel dos Santos Gomes; LIMA, Antônio Ailton de Sousa; SILVA, Antônio Micael Pontes da; NUNES, Larissa Ferreira; FILHO, Tadeu Lucas de Lavor. E quando as bichas, sapatão, travas e trans caminham pelas ruas? Os emblemas sociais da caminhabilidade no Brasil. Rev. Sociologias Plurais, v. 07, n. 01, p. 276 - 297, jan., 2021., p. 287).

A hostilidade contra esse grupo pode ser entendida como uma condição social construída e naturalizada. Segundo o Atlas da Violência (2021), parece haver uma subnotificação crescente, pelo menos até o final de 2022, sob a gestão Bolsonaro (Cerqueira et al., 2021; Mendes et al., 2020MENDES, Wallace Góes; SILVA, Cosme Marcelo Furtado Passos. Homicídios da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros (LGBT) no Brasil: uma Análise Espacial. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 05, p. 1709 - 1722, 2020.), que pode ser explicada por motivos como a falta de confiança no equipamento gerido até então pelo Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, até a falta de prioridade política e financeira dada pela pasta ao tema, ou ainda, eventual redução na divulgação dos números oficiais registrados pelos canais de denúncia. Pontua-se ainda que o avanço conservador e neoliberal tem influenciado e, consequentemente, aumentado o número de violências contra a população LGBTIAP+ (Filho et al., 2021FILHO, Antoniel dos Santos Gomes; LIMA, Antônio Ailton de Sousa; SILVA, Antônio Micael Pontes da; NUNES, Larissa Ferreira; FILHO, Tadeu Lucas de Lavor. E quando as bichas, sapatão, travas e trans caminham pelas ruas? Os emblemas sociais da caminhabilidade no Brasil. Rev. Sociologias Plurais, v. 07, n. 01, p. 276 - 297, jan., 2021.). A despreocupação do Estado com esse tipo de violência dificulta a construção de políticas públicas de modo contextual, intersetorial e interseccional (Filho et al., 2021FILHO, Antoniel dos Santos Gomes; LIMA, Antônio Ailton de Sousa; SILVA, Antônio Micael Pontes da; NUNES, Larissa Ferreira; FILHO, Tadeu Lucas de Lavor. E quando as bichas, sapatão, travas e trans caminham pelas ruas? Os emblemas sociais da caminhabilidade no Brasil. Rev. Sociologias Plurais, v. 07, n. 01, p. 276 - 297, jan., 2021.; Oliveira et al., 2022).

As práticas de violência possuem diversas formas de expressão, da simbólica à fatal, e tendem a reforçar o imaginário social com ideias, sentimentos e crenças coletivas e podem ainda ser praticadas pelos meios de comunicação, reforçando discriminações, preconceitos e estigmas (Martins et al., 2010MARTINS, Marco Antonio Matos; FERNANDEZ, Osvaldo; NASCIMENTO, Érico Silva do. Acerca da Violência Contra a População LGBT no Brasil: Entre Reflexões e Tendências. In: Fazendo Gênero, 9 - Diásporas, Diversidades, Deslocamentos., 2010, Ponta Grossa. Anais eletrônicos [...]. Florianópolis: UFSC, 2010. Disponível em: http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/site/anaiscomplementares. Acesso em: 12 jun., 2022.
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). São comuns notícias em jornais e sites que exemplificam essa discussão sobre a insegurança vivenciada por indivíduos dissidentes de gênero, e assim como fez Filho et al. (2021)FILHO, Antoniel dos Santos Gomes; LIMA, Antônio Ailton de Sousa; SILVA, Antônio Micael Pontes da; NUNES, Larissa Ferreira; FILHO, Tadeu Lucas de Lavor. E quando as bichas, sapatão, travas e trans caminham pelas ruas? Os emblemas sociais da caminhabilidade no Brasil. Rev. Sociologias Plurais, v. 07, n. 01, p. 276 - 297, jan., 2021., também foi pertinente para esse artigo elencar algumas notícias que exemplificam tal discussão: 1) Transexual é morta a tiros após ser chamada por motorista em rua de Londrina 7 7 Disponível em: https://g1.globo.com/pr/norte-noroeste/noticia/2021/07/01/transexual-e-morta-a-tiros-apos-ser-chamada-por-motorista-em-rua-de-londrina.ghtml - acesso em 16 de junho de 2022. ; 2) Garota é espancada em SP por ser lésbica: ‘Vai apanhar igual menino’ 8 8 Disponível em: https://www.geledes.org.br/garota-e-espancada-em-sp-por-ser-lesbica-vai-apanhar-igual-menino/ - acesso em 16 de junho de 2022. ; 3) Transexual é agredida a pauladas por quatro homens na rua 9 9 Disponível em: https://www.metropoles.com/brasil/transexual-e-agredida-a-pauladas-por-quatro-homens-na-rua - acesso em 16 de junho de 2022. ; 4) 'Sobrevivi para contar a minha história', diz gay espancado na rua10 10 Disponível em: http://g1.globo.com/pr/campos-gerais-sul/noticia/2014/09/sobrevivi-para-contar-minha-historia-diz-gay-espancado-na-rua.html - acesso em 16 de junho de 2022. ; 5) Homossexual é espancado na rua por desconhecidos em Porto Velho 11 11 Disponível em: https://www.rondoniagora.com/geral/homossexual-e-espancado-na-rua-por-desconhecidos-em-porto-velho - acesso em 16 de junho de 2022. ; 6) Em Niterói, mulher trans é espancada na rua por vários homens12 12 Disponível em: https://catracalivre.com.br/cidadania/em-niteroi-mulher-trans-e-espancada-na-rua-por-varios-homens/ - acesso em 16 de junho de 2022. ; 7) Confundidos com casal gay, pai e filho são agredidos em São Paulo13 13 Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2011/07/confundidos-com-casal-gay-pai-e-filho-sao-agredidos-em-sao-paulo.html - acesso em 16 de junho de 2022. ; 8) Homem gay é assassinado no meio da rua no Aurá, em Ananindeua14 14 Disponível em: https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2021/08/09/homem-gay-e-assassinado-no-meio-da-rua-no-aura-em-ananindeua.ghtml - acesso em 16 de junho de 2022. ; 9) Jovem trans é espancada, esfaqueada e tem orelhas decepadas por trio em São Carlos15 15 Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2021/03/01/jovem-trans-e-espancada-esfaqueada-e-tem-parte-da-orelha-decepada-por-dupla-em-sao-carlos.ghtml - acesso em 16 de junho de 2022. .

A visibilidade e o aumento da violência contra a população dissidente de gênero e sexualidade no Brasil, como demonstrado, provoca uma sensação intensa de medo e insegurança, delimitando suas sociabilidades (Barreira, 2013BARREIRA, César. Violência difusa, medo e insegurança: as marcas recentes da crueldade. Revista Brasileira de Sociologia, v. 01, n. 01, p. 219 - 242, jan. - jun., 2013.; Cerqueira et al., 2021; Filho et al., 2021FILHO, Antoniel dos Santos Gomes; LIMA, Antônio Ailton de Sousa; SILVA, Antônio Micael Pontes da; NUNES, Larissa Ferreira; FILHO, Tadeu Lucas de Lavor. E quando as bichas, sapatão, travas e trans caminham pelas ruas? Os emblemas sociais da caminhabilidade no Brasil. Rev. Sociologias Plurais, v. 07, n. 01, p. 276 - 297, jan., 2021.). Os modos de utilização e circulação na cidade são forjados por essas relações, resultando numa segregação social e espacial da população LGBTIAP+ (Belarmino et al., 2010; Barreto et al. 2010BARRETO, Rafael Chaves Vasconcelos; ALVES, José Eustáquio Diniz. Territórios da Diversidade: Espaços de Convivência Gay no Rio De Janeiro. In: Fazendo Gênero, 9 - Diásporas, Diversidades, Deslocamentos., 2010, Ponta Grossa. Anais eletrônicos [...]. Florianópolis: UFSC, 2010. Disponível em: http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/site/anaiscomplementares. Acesso em: 12 jun., 2022.
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) e a cidade, portanto, enquanto produção espacial, desencadeia dinâmicas complexas a partir das quais surgem demarcações territoriais consequentes dessas segregações (Nogueira, 2009NOGUEIRA, Maria Luísa Magalhães. Subjetividade e Materialidade: Cidade, Espaço e Trabalho. Revista de Psicologia, v. 21, n. 01, p. 69 - 86, jan. - abr., 2009.; Filho et al., 2021FILHO, Antoniel dos Santos Gomes; LIMA, Antônio Ailton de Sousa; SILVA, Antônio Micael Pontes da; NUNES, Larissa Ferreira; FILHO, Tadeu Lucas de Lavor. E quando as bichas, sapatão, travas e trans caminham pelas ruas? Os emblemas sociais da caminhabilidade no Brasil. Rev. Sociologias Plurais, v. 07, n. 01, p. 276 - 297, jan., 2021.; Leite et al., 2020LEITE, Maiara Sanches; ZANETTI, Valéria; TONIOLO, Maria Angélica. Territorialidades LGBTS: Um Estudo da República e do Baixo Augusta no Centro da Cidade de São Paulo. Sociedade e Território, Natal, v. 32, n. 01, p. 96 - 114, jan. -jun., 2020.). Os corpos adequados podem transitar livremente pela cidade e acessar seus mais diversos serviços, mas àqueles corpos não-dóceis, resta o medo da rua, o medo da cidade (Carvalho et al., 2020).

Nesta perspectiva, a violência atinge toda a população LGBTIAP+ de forma que impede que a mesma possa acessar a cidade em sua totalidade, aprisionando-a em espaços específicos. Os sujeitos buscam então se adaptar às condições estabelecidas nesses espaços e, ao mesmo tempo que tentam moldá-los à sua forma, constituindo assim territórios (Filho et al., 2021FILHO, Antoniel dos Santos Gomes; LIMA, Antônio Ailton de Sousa; SILVA, Antônio Micael Pontes da; NUNES, Larissa Ferreira; FILHO, Tadeu Lucas de Lavor. E quando as bichas, sapatão, travas e trans caminham pelas ruas? Os emblemas sociais da caminhabilidade no Brasil. Rev. Sociologias Plurais, v. 07, n. 01, p. 276 - 297, jan., 2021.; Leite et al., 2020LEITE, Maiara Sanches; ZANETTI, Valéria; TONIOLO, Maria Angélica. Territorialidades LGBTS: Um Estudo da República e do Baixo Augusta no Centro da Cidade de São Paulo. Sociedade e Território, Natal, v. 32, n. 01, p. 96 - 114, jan. -jun., 2020.; Souza & Feliciano, 2021SOUZA, Wilians Ventura Ferreira; FELICIANO, Carlos Alberto. Por uma Leitura Geográfica dos Territórios da Morte, do Medo e de Resistência LGTBQIAP+ no Brasil. Revista NERA, v. 24, n. 61, p. 87 - 111, 2021.). O conceito de território que será adotado para esse artigo corresponde àquele construído a partir do espaço social (cidade) como elemento decisivo no estabelecimento do poder (Nogueira, 2009NOGUEIRA, Maria Luísa Magalhães. Subjetividade e Materialidade: Cidade, Espaço e Trabalho. Revista de Psicologia, v. 21, n. 01, p. 69 - 86, jan. - abr., 2009.) e dotado de identidade, conformando um local material e simbólico definido pelas subjetividades (de gênero e sexualidade). Assim, a leitura desses territórios só se torna possível a partir de sujeitos sociais que neles se movimentam e pelas apropriações que neles são feitas (Leite et al., 2020LEITE, Maiara Sanches; ZANETTI, Valéria; TONIOLO, Maria Angélica. Territorialidades LGBTS: Um Estudo da República e do Baixo Augusta no Centro da Cidade de São Paulo. Sociedade e Território, Natal, v. 32, n. 01, p. 96 - 114, jan. -jun., 2020.; Souza & Feliciano, 2021SOUZA, Wilians Ventura Ferreira; FELICIANO, Carlos Alberto. Por uma Leitura Geográfica dos Territórios da Morte, do Medo e de Resistência LGTBQIAP+ no Brasil. Revista NERA, v. 24, n. 61, p. 87 - 111, 2021.).

Territórios de Medo, Morte e Resistência

Conforme afirma Fernandes (2005FERNANDES, Bernardo Mançano. Movimentos socioterritoriais e movimentos socioespaciais: contribuição teórica para uma leitura geográfica dos movimentos sociais. Revista NERA, n. 6, p. 14 - 34, 2005., p. 28) “as relações sociais, por sua diversidade, criam vários tipos de territórios, que são contínuos em áreas extensas e ou são descontínuos em pontos e redes, formados por diferentes escalas e dimensões”. Por essa perspectiva, pode-se compreender a configuração de territórios específicos vivenciados pelas populações LGBTs16 16 Lê-se o termo “LGBT” como abreviação da sigla LGBTIAP+, sem que sua utilização signifique uma diminuição ou exclusão de alguma das individualidades englobadas na sigla original. , criados a partir das relações heterocisnormativas repressivas presentes na sociedade brasileira atualmente.

Souza & Feliciano (2021)SOUZA, Wilians Ventura Ferreira; FELICIANO, Carlos Alberto. Por uma Leitura Geográfica dos Territórios da Morte, do Medo e de Resistência LGTBQIAP+ no Brasil. Revista NERA, v. 24, n. 61, p. 87 - 111, 2021., ao fazerem uma leitura dessa territorialidade, classificam os territórios construídos e consolidados pelas populações LGBTIAP+ em três categorias: Territórios de Morte, Medo e Resistência. Os Territórios de Morte são equivalentes aos territórios em que a população dissidente de gênero e sexualidade é morta, assassinada, brutalizada. São territórios em que ocorrem práticas criminosas contra estas pessoas. Os Territórios do Medo são classificados a partir dos processos de violação em curso contra os corpos dissidentes de gênero e sexualidade e, por fim, os Territórios de Resistência foram representados pelo número de paradas e ações congêneres. A diferença entre os Territórios de Medo e Morte é que nos Territórios de Medo, as violações físicas, psicológicas, patrimoniais, morais, entre outras, podem não ser tão explícitas como as brutalidades que identificam os Territórios de Morte, em que os LGBTs são mortos de maneira explícita com o objetivo de aniquilamento.

No artigo ‘Por uma leitura geográfica dos Territórios da Morte, do Medo e de Resistência LGBTQIAP+ no Brasil’, Souza & Feliciano (2021)SOUZA, Wilians Ventura Ferreira; FELICIANO, Carlos Alberto. Por uma Leitura Geográfica dos Territórios da Morte, do Medo e de Resistência LGTBQIAP+ no Brasil. Revista NERA, v. 24, n. 61, p. 87 - 111, 2021. fazem um levantamento de territórios a fim de “evidenciar através da representação cartográfica e da construção de mapas, gráficos e leituras, a existência dos Territórios da Morte, do Medo e de Resistência LGBTQIAP+ no Brasil” (Souza & Feliciano, 2021SOUZA, Wilians Ventura Ferreira; FELICIANO, Carlos Alberto. Por uma Leitura Geográfica dos Territórios da Morte, do Medo e de Resistência LGTBQIAP+ no Brasil. Revista NERA, v. 24, n. 61, p. 87 - 111, 2021., p. 88), apresentando uma cartografia de leitura desses territórios em escala nacional. Para esse estudo, em consonância com a leitura da cidade como sendo um fator de análise dos comportamentos sociais, preferiu-se realizar o levantamento dos territórios em escala física reduzida, a escala da cidade.

Para Ferreira & Pereira (2020FERREIRA, Afonso Vieira; PEREIRA, Carolina Machado Rocha Busch. A Cidade como objeto de conhecimento para a educação geográfica. Revista Ensino de Geografia (Recife), v. 03, n. 02, 2020., p. 204) “a cidade é expressão do espaço geográfico” e para Fernandes (2005FERNANDES, Bernardo Mançano. Movimentos socioterritoriais e movimentos socioespaciais: contribuição teórica para uma leitura geográfica dos movimentos sociais. Revista NERA, n. 6, p. 14 - 34, 2005., p. 26), o espaço geográfico “contém todos os tipos espaços sociais produzidos pelas relações entre as pessoas, e entre estas e a natureza (...), modificando a paisagem e construindo territórios, regiões e lugares”, de modo que se pode confirmar que a análise desses territórios na escala da cidade é perfeitamente conveniente.

Territórios de Medo

A violência direcionada à população LGBTIAP+ é uma realidade frequente e historicamente arraigada, cuja naturalização e repetição resulta em sentimentos de apreensão, sofrimento e medo para essa comunidade (Cerqueira et al., 2021; Filho et al., 2020). Tais hostilidades, sejam elas corporais ou simbólicas, parecem irromper quando a ideologia e a dominação masculina encontram-se enfraquecidas e deslegitimadas (Martins et al., 2010MARTINS, Marco Antonio Matos; FERNANDEZ, Osvaldo; NASCIMENTO, Érico Silva do. Acerca da Violência Contra a População LGBT no Brasil: Entre Reflexões e Tendências. In: Fazendo Gênero, 9 - Diásporas, Diversidades, Deslocamentos., 2010, Ponta Grossa. Anais eletrônicos [...]. Florianópolis: UFSC, 2010. Disponível em: http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/site/anaiscomplementares. Acesso em: 12 jun., 2022.
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), tornando-se então um recurso para a anulação e a subordinação dos que são considerados inferiores por não se enquadrarem no que é aceito como padrão de normalidade - a heterossexualidade e cisgerenidade17 17 Em estudos de gênero, a cisgeneridade é a condição da pessoa cuja identidade de gênero corresponde ao gênero que lhe foi atribuído no nascimento. , tradicionalmente impostas no Brasil. De acordo com Maria Cecília Gomes, (apudMartins et al., 2010MARTINS, Marco Antonio Matos; FERNANDEZ, Osvaldo; NASCIMENTO, Érico Silva do. Acerca da Violência Contra a População LGBT no Brasil: Entre Reflexões e Tendências. In: Fazendo Gênero, 9 - Diásporas, Diversidades, Deslocamentos., 2010, Ponta Grossa. Anais eletrônicos [...]. Florianópolis: UFSC, 2010. Disponível em: http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/site/anaiscomplementares. Acesso em: 12 jun., 2022.
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, p. 6) a discriminação e preconceito são sempre atitudes negativas e contextualizadas, locais e situadas, que gozam, porém, de certa cumplicidade social e de certo eco em determinados grupos sociais. A opressão contra as pessoas dissidentes de gênero e sexualidade acaba, portanto, gerando um cenário generalizado de insegurança e sensação de não pertencimento social e urbano, cerceando comportamentos e impedindo que estes indivíduos usufruam da cidade em sua plenitude.

As vias públicas e as residências das vítimas são os lugares mais comuns das ocorrências dos crimes (Mendes et al., 2020MENDES, Wallace Góes; SILVA, Cosme Marcelo Furtado Passos. Homicídios da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros (LGBT) no Brasil: uma Análise Espacial. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 05, p. 1709 - 1722, 2020.). O debate sobre a violência, todavia, assola todos os espaços físico-sociais, exprimindo um desafio de interpretar as configurações desse fenômeno. Os contornos de segurança são sempre tênues e indefinidos, mesmo que não se possa negar a existência de vítimas e lugares preferenciais para as práticas hostis (Barreira, 2013BARREIRA, César. Violência difusa, medo e insegurança: as marcas recentes da crueldade. Revista Brasileira de Sociologia, v. 01, n. 01, p. 219 - 242, jan. - jun., 2013.).

No que diz respeito às pessoas que são vítimas da homotrasfobia ou LGBTfobia, é importante esclarecer que essa se comporta de maneira contextualizada, com diferentes nuances em relação a classe social, cor, etnia, conforme complementa Belarmino:

As experiências de homens gays (e outas pessoas LGBTIAP+) na cidade não são homogêneas e universais, mas historicamente e espacialmente situadas, isto é, marcadas pelas determinações de gênero, raça, classe, etnia e sexualidade, aspectos estruturantes da organização espacial das cidades nos diversos continentes e países, assim como das relações sociais contemporâneas. Em função disso, não podem ser compreendidas fora desses atravessamentos (Belarmino et al., 2021BELARMINO, Victor Hugo; DIMENSTEIN, Magda Diniz Bezerra. Experiência Urbana Gay na Cidade: Uma Revisão Integrativa Experiência Urbana Gay na Cidade: Uma Revisão Integrativa. Revista Subjetividades, v. 21, n. 03, e11461, 2021., p.3).

Esses elementos não apenas influenciam as experiências individuais, mas também desempenham um papel crucial na organização do espaço urbano em diferentes partes do mundo e em diferentes períodos históricos. Segundo Willikessy (2022)WILLIKESSY, Anna dos Santos. In: II CONBRADIR - II Congresso Brasileiro Online de Direito., 2022. Anais eletrônicos [...]. 2022. Disponível em: https://eventos.congresse.me/conbradir/edicoes/congresso-brasileiro-online-de-direito-1-edicao/anais. Acesso em: 16 jan., 2024.
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, assim como faz racismo, a homotransfobia divide a população entre “aqueles aceitos socialmente, que possuem liberdade de ir e vir sem lhes causar rejeição ou violência, que podem demonstrar seus afetos publicamente e possuem sua existência validada e reconhecida; e os demais, com menor prestígio social” (Willikessy, 2022WILLIKESSY, Anna dos Santos. In: II CONBRADIR - II Congresso Brasileiro Online de Direito., 2022. Anais eletrônicos [...]. 2022. Disponível em: https://eventos.congresse.me/conbradir/edicoes/congresso-brasileiro-online-de-direito-1-edicao/anais. Acesso em: 16 jan., 2024.
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, p. 2). Tal complexidade de fatores cria nuances de como a violência pode ser percebida, graduando-se até a escala mais aguda, em que se manifesta de forma letal, a partir de territorialidades de medo e de morte.

Ao diferenciar Territórios de Medo e de Morte em sua análise, Souza & Feliciano (2011) discorrem:

O que diferencia um Território da Morte de um Território do Medo? Os tipos de violência. No Território da Morte as/os LGBTQIAP+ são mortos, assassinados, têm seus órgãos genitais decepados, são mortos com facadas, pauladas, carbonizadas, tiros, espancamento, etc. Já nos territórios do medo, temos um processo de violação dos direitos, ou seja, o/a LGBTQIAP+ sofre uma violência física, psicológica, patrimonial, moral, entre outras. Nos Territórios da Morte a violência é explícita e tem como objetivo fim o aniquilamento de determinados sujeitos, nos Territórios do Medo o processo pode não ser explícito, entretanto, influência nas espacialidades e territorialidades de pessoas LGBTQIAP+ que passam a não frequentar determinados espaços e territórios, passando a ocupar um lugar restrito e limitado (Souza & Feliciano, 2021SOUZA, Wilians Ventura Ferreira; FELICIANO, Carlos Alberto. Por uma Leitura Geográfica dos Territórios da Morte, do Medo e de Resistência LGTBQIAP+ no Brasil. Revista NERA, v. 24, n. 61, p. 87 - 111, 2021., p. 101)

Para realizar o levantamento dos Territórios de Medo, Souza & Feliciano (2021)SOUZA, Wilians Ventura Ferreira; FELICIANO, Carlos Alberto. Por uma Leitura Geográfica dos Territórios da Morte, do Medo e de Resistência LGTBQIAP+ no Brasil. Revista NERA, v. 24, n. 61, p. 87 - 111, 2021. utilizaram os dados relacionados aos crimes de ódio e denúncias feitas pelo Disque 100. Dada a inviabilidade de aplicar a localização exata desses registros na escala da cidade, para o levantamento desses territórios em Londrina, foi utilizado o método de clipping de notícias veiculadas em mídia digital disponíveis na internet com um recorte temporal de 15 anos. Para as combinações de palavras-chaves utilizadas, só foram encontrados registros a partir de 2008. Pôde-se, a partir do clipping de notícias, estabelecer o perfil das vítimas de medo e morte, bem como identificar os territórios de maior prevalência dos acontecimentos.

Observando os dados referentes aos Territórios de Medo, dos 16 casos registrados de violência contra a população LGBTIAP+ em Londrina, 4 eram gays (25%), 12 transexuais (75%). Quanto à idade, 25% dos LGBTs tinham entre 18 e 24 anos. Apesar da maior parte dos registros não identificar o turno em que os eventos ocorreram (44%), 38% dos registros foram no sembrol (madrugada). 2008 é o ano em que mais houve registros pela mídia (4), resultando em 25% dos registros. 37% de todas as agressões registradas aconteceram nas proximidades da Av. Arcebispo Dom Geraldo Fernandes, popularmente conhecida como Avenida Leste Oeste - região central da cidade de Londrina. O perfil da vítima, então (moda), corresponderia a uma mulher transexual entre 18 e 24 anos no período sembrol (madrugada).

Gráfico 1
Identidade das vítimas de agressão - Territórios de Medo.

Gráfico 2
Faixa etária das vítimas de agressão - Territórios de Medo.

Gráfico 3
Faixa de horário das agressões - Territórios de Medo.

Gráfico 4
Ano das agressões - Territórios de Medo.

A partir do clipping, foi possível plotar em um mapa da cidade de Londrina os Territórios de Medo identificados.

Mapa 1
Territórios de Medo em Londrina.

Apesar do clipping ter alcance limitado aos casos noticiados na mídia e que obedecem aos critérios próprios de cada veículo para noticiá-los, os resultados apresentados evidenciam a persistente realidade da violência direcionada à população LGBTIAP+, que permeia a sociedade com consequências devastadoras. Tal violência possui origem nas mais profundas estruturas sociais, e é influenciada pelo capitalismo, pelo colonialismo e pelo patriarcado, entre outras estruturas que “operam como práticas de opressão, exploração e extermínio em torno de pessoas que não obtém determinados privilégios sociais por não seguirem as normas hegemônicas vigentes” (Filho et al. 2021FILHO, Antoniel dos Santos Gomes; LIMA, Antônio Ailton de Sousa; SILVA, Antônio Micael Pontes da; NUNES, Larissa Ferreira; FILHO, Tadeu Lucas de Lavor. E quando as bichas, sapatão, travas e trans caminham pelas ruas? Os emblemas sociais da caminhabilidade no Brasil. Rev. Sociologias Plurais, v. 07, n. 01, p. 276 - 297, jan., 2021., p. 278).

Territórios de Morte

Em consonância com a situação de violência experimentada pela população LGBTIAP+, a vivência na cidade na maioria das vezes, é uma experiência que pode ser subitamente interrompida, seus caminhares podem ser desviados, ou brutalmente finalizada antes mesmo do seu destino final.

Para elaborar o relatório anual de mortes violentas de LGBTs, o GGB, até 2021 sob a coordenação do Prof. Dr. Luiz Mott, fazia um trabalho de busca diária de informações de casos de mortes violentas de LGBTIAP+ no Brasil, sempre com o cuidado de revisar as palavras-chave nos sites de pesquisa da internet, agregando-os e sistematizando-os em uma planilha do EXCEL©. Os Territórios da Morte, no artigo ‘Por uma Leitura Geográfica dos Territórios da Morte, do Medo e de Resistência LGTBIAP+ no Brasil’, foram levantados a partir da materialização dos crimes de ódio contra a população LGBTIAP+ a partir dos dados disponibilizados pelo GGB. Seguindo a mesma metodologia, com os mesmos recortes e estratégia utilizada no levantamento dos Territórios de Medo, o clipping de notícias, pôde-se estabelecer o perfil prevalente das vítimas fatais na cidade de Londrina, bem como identificar os territórios de maior predominância dos crimes.

Observando os dados referentes aos Territórios de Morte, dos 24 casos registrados em Londrina, 8 eram gays (33%) enquanto 15 transexuais (63%) e um bissexual (4%). Quanto a idade, 25% dos LGBTs tinham entre 18 e 24 anos. Vale registrar que pelo menos 86% das mortes ocorreram com pessoas em idade ativa (PIA). A População de Idade Ativa (PIA) considera as pessoas que têm de 15 a 64 anos. Apesar da maior parte dos registros não identificar o turno em que os eventos ocorreram (46%), 33% dos registros foram no sembrol (madrugada). 21% de todas as mortes registradas aconteceram nas proximidades da Av. Arcebispo Dom Geraldo Fernandes, região central de Londrina. O perfil da vítima então (moda), corresponderia também a uma mulher transexual entre 18 e 24 anos, morta no período sembrol (madrugada).

Gráfico 5
Identidade das vítimas - Territórios de Morte.

Gráfico 6
Faixa etária das vítimas - Territórios de Morte.

Gráfico 7
Faixa de horário dos acontecimentos - Territórios de Morte.

Gráfico 8
Ano dos óbitos - Territórios de Morte.

A partir do clipping, foi possível plotar em um mapa da cidade de Londrina os Territórios de Morte identificados.

Mapa 2
Territórios de Medo em Londrina.

Em suma, os resultados apresentados evidenciam a realidade preocupante da violência contra a população LGBTIAP+ e suas implicações no contexto urbano. A experiência de habitar a cidade se torna permeada pela apreensão, sofrimento e medo, uma vez que a violência atua como um mecanismo de anulação e subordinação. Os Territórios de Medo e de Morte emergem como uma manifestação espacial dessas hostilidades, revelando tanto as violações diretas dos direitos humanos quanto a influência implícita na ocupação e deslocamento dos indivíduos LGBTIAP+.

A concentração dos casos em determinadas áreas urbanas revela a espacialização dessa violência, impondo limitações e restrições aos espaços de convívio e pertencimento da comunidade LGBTIAP+.

É importante destacar a sobreposição de alguns Territórios de Medo e de Morte, principalmente na região da Av. Arcebispo Dom Geraldo Fernandes, antiga linha férrea que corta a cidade de Londrina desde sua implantação e conhecida por ser local de prostituição de travestis e mulheres trans, evidenciando que a violência, apesar de generalizada, atinge determinadas camadas da população de forma mais brutal.

Territórios de Resistência

Uma vez que foram levantados os Territórios de Medo e de Morte, se estabelece uma relação de contradição entre os territórios permitidos e negados a essa população dentro da cidade (Leite et al., 2021LEITE, Maiara Sanches; ZANETTI, Valéria; TONIOLO, Maria Angélica. As Contradições entre os Espaços Permitidos e Negados aos LGBTQIA+ na Cidade de São Paulo. Revista Latino Americana de Geografia e Gênero, v. 12, n. 01, p. 54 71, 2021.). Desse modo que podemos classificar os Territórios de Medo e de Morte como os territórios negados aos LGBTs, forçando essa população a vivenciar e experimentar a cidade ocupando espaços específicos. Assim, essas pessoas buscam então se adaptar às condições dos mesmos ao mesmo tempo que tentam moldá-los à sua forma, constituindo territórios permitidos (Filho et al., 2021FILHO, Antoniel dos Santos Gomes; LIMA, Antônio Ailton de Sousa; SILVA, Antônio Micael Pontes da; NUNES, Larissa Ferreira; FILHO, Tadeu Lucas de Lavor. E quando as bichas, sapatão, travas e trans caminham pelas ruas? Os emblemas sociais da caminhabilidade no Brasil. Rev. Sociologias Plurais, v. 07, n. 01, p. 276 - 297, jan., 2021.; Leite et al., 2020LEITE, Maiara Sanches; ZANETTI, Valéria; TONIOLO, Maria Angélica. Territorialidades LGBTS: Um Estudo da República e do Baixo Augusta no Centro da Cidade de São Paulo. Sociedade e Território, Natal, v. 32, n. 01, p. 96 - 114, jan. -jun., 2020.; Souza & Feliciano, 2021SOUZA, Wilians Ventura Ferreira; FELICIANO, Carlos Alberto. Por uma Leitura Geográfica dos Territórios da Morte, do Medo e de Resistência LGTBQIAP+ no Brasil. Revista NERA, v. 24, n. 61, p. 87 - 111, 2021.).

Souza & Feliciano (2021)SOUZA, Wilians Ventura Ferreira; FELICIANO, Carlos Alberto. Por uma Leitura Geográfica dos Territórios da Morte, do Medo e de Resistência LGTBQIAP+ no Brasil. Revista NERA, v. 24, n. 61, p. 87 - 111, 2021., no que diz respeito aos territórios permitidos à essa população, definem os Territórios de Resistência como sendo aqueles que se constituem, a partir dos atos realizados pelos sujeitos sociais no combate ao preconceito, a violência e todas as demais intempéries provocadas pelo sistema vigente, sendo estes identificados pelas Paradas LGBTs e ações congêneres.

Ao reconhecer a homotransfobia e LGBTfobia como estruturais ao equipará-las ao racismo em 2019, o STF a demanda histórica de luta do Movimento LGBTIAP+18 18 “STF enquadra homofobia e transfobia como crimes de racismo ao reconhecer omissão legislativa” - Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=414010 - acesso em 16 de janeiro de 2024. , Movimento esse que se organiza por todo o território nacional, com Paradas do orgulho, protestos e muitos outros tipos de ação no combate ao preconceito e a violência.

De modo a identificar os territórios apropriados cm fiz de resistência, adota-se novamente o uso do clipping, de maneira que foi possível identificar os locais onde aconteceram as Paradas LGBTs e os demais eventos e inseri-los no mapa da cidade de Londrina.

Mapa 3
Territórios de Resistência em Londrina.

Essa dicotomia entre os territórios negados e os territórios reivindicados pela população dissidente de gênero e sexualidade reflete a necessidade de adaptação por parte dos LGBTs aos territórios negados, ao mesmo tempo em que buscam moldá-los conforme suas próprias vivências e identidades. A definição dos Territórios de Resistência como espaços construídos por meio das ações dos sujeitos sociais no combate à discriminação e às adversidades impostas pelo sistema vigente ressalta a importância das Paradas LGBTs e de eventos congêneres como manifestações de resistência e luta por direitos e também forma de postular a sua participação como sujeitos ativos dentro da cidade. É a partir dos Territórios de Resistência que a população LBGTIAP+ constrói um enfrentamento direto às violências que sofre na cidade, materializadas nos Territórios de Medo e Morte.

Em alguns casos os Territórios de Resistência, por serem territórios escolhidos, podem se sobrepor aos Territórios de Medo e de Morte, uma vez que podem ser utilizados como forma de ocupar o espaço da violência sofrida para protestos contra a homotrasfobia.

Considerações Finais

Ao observar a territorialidade na escala da cidade é possível analisar com mais nitidez a existência de uma violência generalizada que desencadeia ambientes tão desiguais e hostis à população LGBTIAP+, forçada a produzir Territórios de Resistência em resposta.

Os mapas síntese que delineiam esses territórios podem desempenhar um papel significativo no desenvolvimento futuro de políticas públicas que promovam cidades mais democráticas e combatam a violência em áreas específicas. Para isso, destaca-se a importância de se investigar os fatores que determinam a existência de locais preferenciais para a ocorrência de crimes contra a população LGBTIAP+, bem como para a realização de eventos de protesto e resistência.

No entanto, o uso da metodologia de clipping revelou dificuldades em encontrar registros abrangentes para além dos grupos mais notificados, como gays e transexuais. As informações até então coletadas referentes às agressões também parecem ser insuficientes para delimitar com clareza os Territórios de Medo prevalentes na cidade de Londrina. Além disso, é fundamental considerar que a construção dos territórios LGBTIAP+ e a experiência de territorialidade desses corpos dissidentes não são estáticas nem homogêneas. As vivências e demandas dessa comunidade são influenciadas por interseccionalidades, como raça, classe social, origem étnica e deficiências, que moldam suas experiências urbanas de forma complexa e multifacetada.

É importante, por fim, ressaltar que a discussão sobre os territórios configurados por e para a população LGBTIAP+ e a territorialidade dos corpos dissidentes de gênero e sexualidade na cidade não se encerra nas categorias analisadas até então (Territórios de Medo, Morte e Resistência), e que podem existir outras categorias que adicionadas podem trazer uma compreensão mais completa das vivências LGBTs no contexto urbano.

  • Como citar este artigo

    FERREIRA, Leonardo; SUGUIHIRO, Vera Lucia Tieko. Territórios LGBTIAP+ de Medo, Morte e Resistência em Londrina. Revista NERA, v. 27, n. 2, e10110, abr.-jun., 2024.

Referências

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O processo de editoração deste artigo foi realizado por Lorena Izá Pereira e Camila Ferracini Origuela.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    02 Out 2023
  • Revisado
    05 Jan 2024
  • Aceito
    02 Fev 2024
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