Resumo
A proposta de adoção de uma alíquota uniforme para a tributação sobre o consumo tem sido criticada porque, supostamente, alíquotas diferenciadas favoreceriam os mais pobres. A partir da análise da literatura internacional, o artigo conclui de forma contrária: alíquotas diferenciadas não são o melhor meio de se proteger os mais pobres por quatro razões: (i) as alíquotas menores atingem tanto os mais pobres quanto os mais ricos, que normalmente consomem mais que os mais pobres, em termos absolutos, os bens com alíquota reduzida ou isentos; (ii) alíquotas reduzidas geram complexidade, o que cria um contencioso que prejudica o funcionamento do sistema como um todo; (iii) alíquotas menores favorecem a atuação dos grupos de pressão; e (iv) as reduções de alíquota não são em geral ou integralmente repassadas aos preços dos produtos.
Palavras-chave
Tributação sobre o valor agregado; justiça tributária; ICMS; tributação sobre o consumo; progressividade
Resumen
La propuesta de adoptar una tasa uniforme para la tributación del consumo ha sido criticada porque supuestamente las tasas diferenciadas favorecerían a los más pobres. Con base en el análisis de la literatura internacional, el artículo concluye en sentido contrario: las tasas diferenciadas no son la mejor forma de proteger a los más pobres por cuatro razones: (i) las tasas más bajas afectan tanto a los más pobres como a los más ricos, quienes normalmente consumen más que los más pobres, en términos absolutos, los bienes con tasa reducida o exentos; (ii) las tajas reducidas crean complejidad, lo que genera litigios que perjudican el funcionamiento del sistema en su conjunto; (iii) las tasas más bajas favorecen la acción de los grupos de presión; y (iv) las reducciones de tasas no se trasladan normalmente o en su totalidad a los precios de los productos.
Palabras clave
Tributación sobre el valor añadido; justicia fiscal; IVA; tributación al consumo; progresividad
Abstract
The proposal to adopt a uniform rate for the taxation on consumption has been criticized because supposedly differentiated rates would favor the poorest. Based on the analysis of the international literature, the article concludes the opposite: differentiated rates are not the best means of protecting the poorest for four reasons: (i) lower rates affect both the poorest and the richest, who normally consume more than the poorest, in absolute terms, goods with a reduced rate or which are exempt; (ii) reduced rates foster complexity, creating litigation that impairs the functioning of the system as a whole; (iii) lower rates favor the action of pressure groups; and (iv) rate reductions are not normally or fully passed-through to product prices.
Keywords
Value-added tax; tax justice; VAT; consumption taxation; progressivity
Introdução1 1 Este artigo resulta do Projeto de Pesquisa Regular n. 2022/02375-0, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O autor agradece ao professor Isaias Coelho pelos comentários à primeira versão deste texto.
O Brasil discute há alguns anos a reforma da sua tributação sobre o consumo. Cinco tributos - das esferas federal, estadual e municipal - serão substituídos, no desenho proposto, por um único tributo sobre o valor agregado (IVA) dual - a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada de estados e municípios -, inspirado nas melhores práticas internacionais.2 2 Duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs), com teor semelhante, iniciaram sua tramitação, uma na Câmara e a outra no Senado. A PEC 45/2019 (Brasil, 2019a), que tramitou na Câmara dos Deputados, propunha a substituição de cinco tributos - Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto Sobre Serviços (ISS) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) - por um tributo único sobre o consumo, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e um Imposto Seletivo (IS) sobre alguns produtos. A PEC 110/2019 (Brasil, 2019b) iniciou sua tramitação no Senado e propunha a substituição de nove tributos, quais sejam: IPI, Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), PIS, Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), Cofins, Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide-combustíveis), Salário-Educação, ICMS e ISS, também por um IBS e um IS. Em uma tentativa de unificar as duas propostas, foi criada uma comissão mista entre Câmara e Senado, que teve como relator o deputado Aguinaldo Ribeiro e como presidente o senador Roberto Rocha. O relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro conciliava as duas PECs em um único texto. Depois da apresentação do relatório, o presidente eleito da Câmara, deputado Arthur Lira, não deu andamento aos trabalhos nessa casa e a comissão foi esvaziada. Os trabalhos seguiram então no Senado, em que a tramitação da PEC 110 foi retomada. No lugar da redação original da PEC, no entanto, o relator, senador Roberto Rocha, teve como base para o seu relatório o texto do deputado Aguinaldo Ribeiro, mas procurou conciliá-lo com o Projeto de Lei n. 3.887/2020 (Brasil, 2020), enviado pelo Governo Federal ao Congresso, e que previa a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Nessa nova versão, a PEC 110 passou a prever a extinção do ICMS, ISS, PIS, Cofins e Cofins-Importação e sua substituição por um IVA dual e a substituição do IPI por um IS. Com a eleição de Lula no final de 2022, a reforma tributária recebeu novo impulso. No início de 2023, Fernando Haddad, Ministro da Fazenda, nomeou Bernard Appy - um dos autores do texto no qual foi baseada a PEC 45 - Secretário Extraordinário da Reforma Tributária, e a PEC 45 foi retomada na Câmara. O deputado Aguinaldo Ribeiro foi indicado novamente relator, mas o novo texto apresentado incorporou muitas das alterações promovidas pelo texto do senador Roberto Rocha. O texto foi aprovado nos plenários da Câmara e do Senado e, em 20 de dezembro de 2023, foi promulgada a Emenda Constitucional n. 132 (Brasil, 2023), resultante da PEC. Para um histórico mais detalhado das propostas de reforma tributária e uma comparação entre elas, ver Orair e Gobetti (2019). Isso significa que o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) a ser criado incidirá sobre uma base ampla, que incluirá todos os bens e serviços e será informado pelo princípio do destino. O desenho inicial da proposta previa também uma alíquota uniforme para todos os bens e serviços.
Essa é a terceira vez, nos últimos anos, em que um projeto de reforma da tributação sobre o consumo é proposto. Tanto no Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) quanto no primeiro Governo Lula a proposta não foi aprovada. A proposta atual também enfrentou muita resistência. Este artigo pretende tratar de um dos pontos dessa resistência.
Como se sabe, o Brasil é um país marcado pela desigualdade. E uma das principais críticas dirigidas contra a proposta de reforma da tributação sobre o consumo é a de que a instituição de uma alíquota uniforme teria caráter regressivo e, supostamente, agravaria nosso problema distributivo.3 3 Esse também é um dos argumentos mais utilizados contra a criação de um VAT nos Estados Unidos (Metcalf, 1994).
O debate em torno de uma alíquota uniforme vem acontecendo de forma desorganizada nos meios de comunicação no Brasil, porém ele se desenvolveu de maneira mais estruturada na literatura internacional especializada. Organizado há pelo menos duas décadas, principalmente na Europa, esse debate busca avaliar os resultados do uso de alíquotas diferenciadas e quem delas se beneficia.
O objetivo deste artigo é analisar os pontos centrais desse debate de modo a contribuir para a organização das discussões que estão acontecendo agora e devem se intensificar ainda mais no Brasil. Para que se caminhe na construção de um sistema tributário mais racional e mais justo, é fundamental que a discussão sobre esse tema ocorra de forma mais aprofundada.
O artigo é dividido em quatro partes, além desta introdução. A primeira parte examina as maneiras de se medir os impactos distributivos da tributação sobre o consumo; a segunda discorre sobre as razões de se usar alíquotas diferenciadas e subdivide-se em: eficiência econômica; bens que têm mérito; e razões distributivas. Já a terceira parte analisa os problemas na utilização de alíquotas diferenciadas e subdivide-se em: inclusão dos gastos dos mais ricos; repasse das reduções para os bens e serviços; problemas para o sistema como um todo; e criação de um sistema mais sujeito à intervenção dos lobbies e grupos de interesse. A quarta parte, por fim, apresenta as considerações finais.
1. Regressividade da tributação sobre o consumo
Antes mesmo da crítica que se faz à implementação de uma alíquota uniforme, a tributação sobre o consumo, de forma geral, e o IVA, em especial, são criticados. Haveria uma percepção arraigada de que esse imposto enquanto tal e qualquer forma de tributação sobre o consumo teria caráter regressivo. Os estudos internacionais, no entanto, sugerem que essa conclusão não é tão evidente assim, e que as controvérsias em torno desse tema ainda não foram resolvidas de forma definitiva.4 4 Essa percepção enraizada também se observa no Canadá, apesar de existirem muito poucos estudos aplicados sobre a incidência dos impostos nesse país. Richard Bird e Michael Smart (2016) escrevem que a presumida regressividade da tributação sobre o consumo deve ser considerada uma questão de fé e não de fato.
Os trabalhos que se debruçaram sobre esse problema partem do consumo dos contribuintes distribuídos por diferentes faixas de renda. Normalmente, a população é dividida em dez faixas e, a partir do consumo de cada uma delas, é calculado o IVA pago pelos contribuintes nos diferentes decis.
Entretanto, para um juízo sobre a progressividade ou regressividade do imposto, não podem ser comparados os números brutos obtidos a partir da despesa com IVA por decil. Como os ricos consomem mais que os pobres, os números brutos sempre indicariam que os mais ricos pagam mais imposto. Para a obtenção de números relativos, a maior dificuldade é que não existe consenso sobre o melhor parâmetro a partir do qual a despesa com o IVA deva ser confrontada. O foco principal da controvérsia é que há dois parâmetros possíveis: a renda ou a própria despesa.5 5 A diferença entre os dois parâmetros possíveis é apresentada, por exemplo, pela Comissão Europeia (2011, p. 361), Thomas (2020, p. 5), Feria e Walpole (2020, p. 639).
Para explorar a diferença entre essas duas perspectivas metodológicas de calcular os efeitos distributivos da tributação sobre o consumo, parte-se do ponto em que não há controvérsia. Se a renda de determinada sociedade fosse toda consumida, e se houvesse uma alíquota uniforme para todos os bens e serviços, a tributação sobre o consumo seria proporcional.
No entanto, à medida que começa a haver diferenciação, isto é, que não são todos que consomem toda a renda, a situação se altera. Se os mais pobres consumirem toda a renda, enquanto os mais ricos pouparem e consumirem apenas parte da renda, a utilização da renda como critério conduz à conclusão de que a tributação sobre o consumo é regressiva. Isso porque os mais pobres vão pagar imposto sobre toda a renda - pois consumiram tudo -, e os mais ricos vão pagar imposto apenas sobre parte dela, a parte consumida. Os estudos empíricos apontam para essa direção.
Há ampla literatura internacional que se propõe a estudar o problema da progressividade ou regressividade do IVA e que toma a renda como parâmetro. Leahy, Lyons e Tol (2011LEAHY, Eimear; LYONS, Sean; TOL, Richard S. J. The Distributional Effects of Value Added Tax in Ireland. The Economic and Social Review, [s.l.], v. 42, n. 2, p. 213-235, jun. 2011.) apresentam a situação na Irlanda. Eles analisam a distribuição dos pagamentos de IVA nas famílias dos diferentes decis, tendo como referência a renda, e concluem que o imposto é altamente regressivo. A mesma conclusão é alcançada por Ruiz e Trannoy (2008RUIZ, Nicolas; TRANNOY, Alain. Le caractère régressif des taxes indirectes: les enseignements d’un modèle de microsimulation. Economie et Statistique, [s.l.], v. 413, n. 1, p. 21-46, jan. 2008.), que estudam os dados da França de 2001, e por Barreix, Bes e Roca (2009BARREIX, Alberto; BES, Martín; ROCA, Jerónimo. Equidad fiscal en Centroamérica, Panamá y República Dominicana. Washington, D.C.: Banco Interamericano de Desarrollo, 2009.), que analisam os dados de diversos países latino-americanos entre 2000 e 2004. Nessa perspectiva de utilizar a renda como parâmetro, o estudo mais abrangente é o de O’Donoghue, Baldini e Mantovani (2004O’DONOGHUE, Cathal; BALDINI, Massimo; MANTOVANI, Daniela. Modelling the Redistributive Impact of Indirect Taxes in Europe: An Application of EUROMOD. EUROMOD working papers, n. EM 7/01, 2004.), que pesquisa os efeitos distributivos do IVA, do imposto sobre a renda e das contribuições para a previdência social em 12 países europeus, usando microdados de consumo das famílias de 1990 a 1996. Eles também concluem que o IVA é fortemente regressivo. Essa literatura foi toda revista por Thomas (2020THOMAS, Alastair. Reassessing the Regressivity of the VAT. OECD Taxation Working Papers , n. 49. Paris: OECD Publishing, 2020.).
A crítica fundamental à abordagem que faz uso da renda como parâmetro é que ela não leva em consideração que a renda poupada seria revertida em consumo no futuro. As pessoas poupam quando a renda é maior que seu consumo, e usam a renda poupada ou fazem empréstimos quando ela é menor. De acordo com as críticas, se o objeto da análise fosse a renda adquirida no período de um ciclo de vida inteiro - e não no período curto de um ano -, os dados obtidos não refletiriam essas oscilações temporárias de renda e espelhariam um quadro mais próximo da realidade. Se a análise se limita ao período de um ano, o IVA que seria arrecadado no consumo futuro com a renda poupada não é capturado, e não aparece (Thomas, 2020THOMAS, Alastair. Reassessing the Regressivity of the VAT. OECD Taxation Working Papers , n. 49. Paris: OECD Publishing, 2020.).
Outra maneira de observar as vantagens da utilização do período de um ciclo de vida inteiro é que, se o período de um ano for tido como base, isso deverá conduzir a uma distorção da distribuição das pessoas nos diferentes decis. Isso porque as pessoas tendem a ter mais renda na meia idade e rendas menores quando são bem jovens e bem mais velhas.
Se utilizada a perspectiva anual, os decis relativos às pessoas mais pobres poderão incluir tanto as pessoas mais jovens quanto as mais velhas, que não seriam consideradas pobres se o parâmetro fosse um ciclo de vida.
Nesse sentido, Caspersen e Metcalf (1994CASPERSEN, Erik; METCALF, Gilbert. Is value Added Tax Regressive? Annual Versus Lifetime Incidence Measures. National Tax Journal, [s.l.], v. 47, n. 4, p. 731-746, 1994., p. 732) dissertam: “Invocando a hipótese da renda permanente de Friedman (1957), assim como as considerações sobre o ciclo de vida, os economistas reconheceram que a renda anual pode não ser uma medida muito boa do potencial de consumo de um indivíduo”.
Contudo, estimar a renda e a despesa de IVA no período de uma vida inteira é uma tarefa muito complexa. E diante da impossibilidade prática de fazer essa estimativa, alguns autores propõem que o próprio consumo, ou seja, as despesas correntes, seja adotado como critério. Isso porque, nas palavras de Thomas (2020THOMAS, Alastair. Reassessing the Regressivity of the VAT. OECD Taxation Working Papers , n. 49. Paris: OECD Publishing, 2020., p. 5), “é provável que medir os encargos do IVA em relação às despesas correntes forneça uma estimativa mais significativa do impacto distributivo do IVA ao longo da vida do que medir os encargos do IVA em relação à renda corrente”. Além disso, argumenta-se que a renda, como remuneração dos fatores, mede a contribuição do indivíduo para a sociedade, enquanto o consumo mede o quanto ele retirou da sociedade em seu proveito.6 6 De acordo com Due e Friedlaender (1977), essa ideia remonta ao filósofo inglês Thomas Hobbes e foi explorada no trabalho de Irving Fisher.
Por isso, vários estudos internacionais foram realizados com o objetivo de analisar o impacto distributivo da tributação sobre o consumo utilizando as despesas correntes como parâmetro, e não a renda. Essa ampla literatura, que também foi revista por Thomas (2020THOMAS, Alastair. Reassessing the Regressivity of the VAT. OECD Taxation Working Papers , n. 49. Paris: OECD Publishing, 2020.), identifica que, quando esse é o parâmetro, o IVA não é regressivo, mas proporcional ou, em alguns casos, levemente progressivo.
Bird e Smart (2016BIRD, Richard Miller; SMART, Michael. Finances of the Nation: Taxing Consumption in Canada: Rates, Revenues, and Redistribution. Canadian Tax Journal, [s.l.], v. 64, n. 2, p. 417-442, 2016.) estudam a experiência do Canadá com base nos dados de gastos das famílias de 2009 e concluem que o IVA é levemente progressivo. Bover et al. (2017BOVER, Olympia et al. Microsimulation Tools for the Evaluation of Fiscal Policy Reforms at the Banco de España. Madri: Banco de España, 2017. (Documentos Ocasionales, n. 1707).) analisam a experiência da Espanha com base nos gastos das famílias de 2015 e apresentam os resultados tendo a renda e a própria despesa como parâmetros. Quando utilizada a despesa, eles concluem que o gasto com o IVA é proporcional.
O estudo abrangente elaborado pelo consórcio liderado pelo Institute for Fiscal Studies (IFS) para a Comissão Europeia também analisa dados de 2004 a 2009 de nove países da União Europeia: Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Grécia, Hungria, Itália, Polônia e Reino Unido. Esse estudo argumenta enfaticamente que as despesas são um parâmetro melhor que a renda para a avaliação dos efeitos distributivos dos gastos com o IVA, mas também apresenta resultados para os dois parâmetros: renda e as próprias despesas. Quando o parâmetro são as próprias despesas, o estudo conclui que o IVA aparece como distributivamente neutro em alguns países e levemente progressivo em outros (Comissão Europeia, 2011COMISSÃO EUROPEIA. A Retrospective Evaluation of Elements of the EU VAT System. Final Report TAXUD/2010/CC/104, Londres, 5 dez. 2011. Disponível em: Disponível em: https://taxation-customs.ec.europa.eu/system/files/2016-09/report_evaluation_vat.pdf . Acesso em: 14 maio 2021.
https://taxation-customs.ec.europa.eu/sy...
).
Nesse sentido também é o trabalho de Thomas. Analisando uma amostra de 27 países, ele conclui que o IVA, quando medido a partir da despesa corrente como parâmetro, é proporcional ou levemente progressivo (Thomas, 2020THOMAS, Alastair. Reassessing the Regressivity of the VAT. OECD Taxation Working Papers , n. 49. Paris: OECD Publishing, 2020.). Contudo, é correta a hipótese de que o consumo expressa melhor que a renda aquele que seria o impacto distributivo da tributação sobre o consumo ao longo de toda uma vida?
Rita de la Feria e Michael Walpole (2020FERIA, Rita de la; WALPOLE, Michael. The Impact of Public Perceptions on General Consumption Taxes. British Tax Review, [s.l.], v. 67, n. 5, p. 637-669, 2020.) fazem duas críticas a esse argumento. De acordo com esses autores, ainda que, por um lado, a renda possa ser considerada consumo diferido, por outro lado, enquanto não é consumida, ela continua a gerar frutos de outros tipos e os detentores de renda irão se beneficiar dela de várias maneiras.
Além disso, eles argumentam que, quanto maior for a renda poupada, mais diferido no tempo será o consumo que, no limite, pode ser transferido para as gerações seguintes e para um tempo em que o consumo talvez nem seja mais objeto de tributação. Por isso, eles concluem que seria mais razoável assumir que o IVA é proporcional para os estratos mais baixos de renda e torna-se regressivo à medida que parte da renda é poupada (Feria; Walpole, 2020FERIA, Rita de la; WALPOLE, Michael. The Impact of Public Perceptions on General Consumption Taxes. British Tax Review, [s.l.], v. 67, n. 5, p. 637-669, 2020.).
Esse argumento e essa conclusão não parecem corretos. Na verdade, assim como, em tese, pode acontecer de a tributação sobre o consumo, no futuro, ser menor e, no limite, ser extinta, também pode acontecer de ela aumentar e ser, no futuro, maior que a atual. A existência de uma possibilidade, sem que se tenha justificado que os acontecimentos devem efetivamente seguir essa direção (e não a contrária), não basta para fundar o juízo sobre o caráter distributivo da tributação.
Também não aparenta ser correta a conclusão de que há proporcionalidade até certo ponto, e regressividade a partir desse ponto. No entender de Feria e Walpole (2020FERIA, Rita de la; WALPOLE, Michael. The Impact of Public Perceptions on General Consumption Taxes. British Tax Review, [s.l.], v. 67, n. 5, p. 637-669, 2020.), o que fundamentaria a mudança na avaliação do caráter distributivo (de proporcional para regressivo) seria que, no ponto de inflexão, passaria a haver poupança. Porém, toda a construção do consumo como critério foi feita justamente para mostrar os limites teóricos em se querer estabelecer relação de causalidade entre a constatação de passar a existir poupança e a regressividade como consequência.
No Brasil, uma série de estudos empíricos também se debruçou sobre esse tema. Os professores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Rozane Bezerra de Siqueira e José Ricardo Bezerra Nogueira publicaram alguns artigos (com outros coautores) em que usam como base a despesa, e não a renda, e analisam apenas os tributos indiretos. Esses trabalhos avaliam que a distribuição da carga tributária seria proporcional (Siqueira et al., 2017SIQUEIRA, Rozane Bezerra de et al. O sistema tributário brasileiro é regressivo? In: AFONSO, José Roberto et al. Tributação e desigualdade. Belo Horizonte: Letramento, 2017. p. 1-28.; Siqueira; Nogueira; Souza, 2000SIQUEIRA, Rozane Bezerra de; NOGUEIRA, José Ricardo Bezerra; SOUZA, Evaldo Santana de. Os impostos sobre o consumo são regressivos? Economia Aplicada, Ribeirão Preto, v. 4, n. 4, p. 705-722, 2000., 2010SIQUEIRA, Rozane Bezerra de; NOGUEIRA, José Ricardo Bezerra; SOUZA, Evaldo Santana de. Alíquotas efetivas e a distribuição da carga indireta sobre as famílias no Brasil. In: SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL (org.). XV Prêmio do Tesouro Nacional - 2010: homenagem a Joaquim Nabuco. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, 2010. Disponível em: Disponível em: https://premios.tesouro.gov.br/stn2010/assets/pdf/tema4/Tema%204%20-%20Mencao%20Honrosa%20-%20Rozane%20Bezerra.pdf . Acesso em: 27 fev. 2024.
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; Siqueira; Nogueira; Levy, 2003SIQUEIRA, Rozane Bezerra de; NOGUEIRA, José Ricardo Bezerra; LEVY, Horácio. Política tributária e política social no Brasil. In: BENECKE, Dieter W.; NASCIMENTO, Renata (orgs.). Política social preventiva: desafio para o Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2003.).
Ao lado dos argumentos teóricos já mencionados em favor do uso da despesa como parâmetro para o cálculo dos efeitos distributivos da tributação sobre o consumo, esses professores explicam que há também um argumento de ordem prática. No Brasil, nas pesquisas de orçamento familiar que servem como base para as investigações, as rendas das famílias mais pobres são sub-reportadas.
Se for considerada a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009 (IBGE, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 - POF. Rio de Janeiro, 2010.), por exemplo, a renda reportada pelas famílias do estrato mais baixo é muito menor que a despesa: “[...] o déficit médio entre a renda total e a despesa total [...] para os 10% mais pobres fica em torno de 52%” (Siqueira et al., 2017SIQUEIRA, Rozane Bezerra de et al. O sistema tributário brasileiro é regressivo? In: AFONSO, José Roberto et al. Tributação e desigualdade. Belo Horizonte: Letramento, 2017. p. 1-28., p. 505).
Em 2012, foi publicado um extenso estudo de Fernando Gaiger Silveira com o objetivo de avaliar os efeitos distributivos das políticas previdenciária, de assistência social, tributária e de educação e saúde, com base nas POFs 2002-2003 e 2008-2009 (IBGE, 2003INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002-2003 - POF. Rio de Janeiro, 2003., 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 - POF. Rio de Janeiro, 2010.). Ele analisa tanto a carga direta quanto a indireta. Sua análise também permite que sejam separadas as conclusões para os tributos diretos e indiretos (Silveira, 2012SILVEIRA, Fernando Gaiger. Equidade fiscal: impactos distributivos da tributação e gasto social. In: SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL (org.). XVII Prêmio do Tesouro Nacional - 2012: coletânea de monografias. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, 2012. Disponível em: Disponível em: https://premios.tesouro.gov.br/stn2012/assets/pdf/tema1/Tema%201%20-%203%20Lugar%20-%20Fernando%20Gaiger%20Silveira.pdf . Acesso em: 19 out. 2022.
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, p. 46).
O estudo de Silveira (2012SILVEIRA, Fernando Gaiger. Equidade fiscal: impactos distributivos da tributação e gasto social. In: SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL (org.). XVII Prêmio do Tesouro Nacional - 2012: coletânea de monografias. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, 2012. Disponível em: Disponível em: https://premios.tesouro.gov.br/stn2012/assets/pdf/tema1/Tema%201%20-%203%20Lugar%20-%20Fernando%20Gaiger%20Silveira.pdf . Acesso em: 19 out. 2022.
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) argumenta em favor da renda como parâmetro e conclui que, quando utilizado esse critério, a carga tributária sobre o consumo é claramente regressiva. Entretanto, de acordo com o trabalho, mesmo que as despesas sejam tomadas como parâmetro, ainda assim os tributos sobre o consumo são regressivos.
Essas conclusões apontam para um traço bastante próprio do sistema tributário nacional. Nas pesquisas empíricas internacionais, quando utilizada a renda como parâmetro, a tributação sobre o consumo é sempre considerada regressiva. Porém, quando se usam as despesas como critério, a tributação é invariavelmente considerada neutra ou mesmo levemente progressiva.
Se assumirmos as conclusões de Silveira (2012SILVEIRA, Fernando Gaiger. Equidade fiscal: impactos distributivos da tributação e gasto social. In: SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL (org.). XVII Prêmio do Tesouro Nacional - 2012: coletânea de monografias. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, 2012. Disponível em: Disponível em: https://premios.tesouro.gov.br/stn2012/assets/pdf/tema1/Tema%201%20-%203%20Lugar%20-%20Fernando%20Gaiger%20Silveira.pdf . Acesso em: 19 out. 2022.
https://premios.tesouro.gov.br/stn2012/a...
) como corretas, a questão dos efeitos distributivos do desenho atual da tributação sobre o consumo é mais problemática no Brasil. Por aqui, diante do que hoje são os fatos geradores, as alíquotas, as isenções e assim por diante, estabelecidos para a tributação sobre o consumo, mesmo se as despesas forem tomadas como parâmetro, ainda assim ela é regressiva.7
7
Como já foram apontadas, as conclusões dos estudos empíricos de Siqueira, Nogueira e Souza (2010) são diferentes das de Silveira (2012).
,8
8
Uma análise detida da seletividade no ICMS e no IPI, apontando as distorções do seu uso atual, é feita por Godoi (2017).
Por um lado, esse fato aponta para uma situação peculiar e para mudanças que poderiam melhorar o sistema brasileiro; por outro lado, é importante lembrar que a tributação sobre o consumo foi concebida para arrecadar de forma a distorcer, no menor grau possível, as condições de mercado. E que o momento mais adequado para uma avaliação efetiva sobre o alcance dos efeitos distributivos dessa tributação deveria ser o momento posterior ao gasto do montante arrecadado. Ainda que considerada regressiva antes dos gastos, a tributação sobre o consumo, combinada com políticas de gasto público bem desenhadas, pode resultar, em algumas situações, em mais distribuição, inclusive mais do que um sistema progressivo de tributação sobre a renda (Bird; Zolt, 2005BIRD, Richard Miller; ZOLT, Eric M. Redistribution Via Taxation: The Limited Role of the Personal Income Tax in Developing Countries. UCLA Law Review, Los Angeles, v. 52, p. 1627-1695, 2005.).9 9 Como escreve Mehrotra (2022, p. 244, tradução livre): “Como demonstram os estudiosos do direito comparado e da economia política, existe um elevado grau de correlação no espaço e no tempo entre impostos nacionais regressivos sobre o consumo, como o IVA, e despesas robustas e progressivas com bem-estar social”.
2. Razões para as alíquotas diferenciadas
Sem entrar no mérito de qual é o melhor parâmetro para se avaliar o impacto distributivo da tributação sobre o consumo, trata-se de chamar atenção para o fato de que existe uma literatura internacional e um debate já consolidados, mas que são sistematicamente desconsiderados nas discussões que estão acontecendo no Brasil sobre a reforma dessa tributação.10 10 Mencionamos aqui os livros e artigos indicados na seção “Referências”, ao final deste artigo, mas destacamos, especialmente, o material produzido para a Comissão Europeia, os estudos realizados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI, International Monetary Fund, em inglês) e pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, Organisation for Economic Co-Operation and Development, em inglês). Quanto aos textos produzidos para a Comissão Europeia, referimo-nos, principalmente, aos seguintes: Copenhagen Economics (2007), Comissão Europeia (2011); pelo FMI (Ebrill et al., 2001) e com relação aos textos da OCDE, especialmente os estudos de Thomas (2020) e de OCDE e KIPF (2014). Além desses textos, indicamos a ampla e clássica revisão feita para o governo do Reino Unido coordenada por James Mirrlees (Crawford; Keen; Smith, 2010). ,11 11 Uma notável exceção no debate nacional é o artigo de Marciano Seabra de Godoi (2017), que dialoga com um texto da OCDE. Um dos tópicos bastante presentes nessa literatura é o de que o uso de alíquotas diferenciadas não beneficia os mais pobres; esse tópico será desenvolvido adiante. No entanto, não é exclusivamente para proteger os mais pobres que se defende a diferenciação de alíquotas na tributação sobre o consumo, trata-se, em primeiro lugar, de identificar todas as razões que poderiam justificar o uso de alíquotas diferenciadas para depois analisar os problemas na sua adoção.
De acordo com esse amplo conjunto de textos,12 12 Verificar toda a bibliografia indicada na nota 8. haveria, grosso modo, três razões para legitimar o uso de alíquotas diferenciadas. Ainda que o principal argumento seja o de que elas devem ser utilizadas por razões de equidade, há também um argumento com relação aos bens e serviços que têm mérito (na produção ou no consumo) e um argumento referente à eficiência econômica.
2.1. Eficiência econômica
Com relação a esse último argumento, do ponto de vista teórico, as alíquotas não deveriam, em princípio, ser uniformes. Um sistema tributário é tanto mais eficiente quanto menor for o deadweight loss. E isso acontece quando ele for capaz de alterar o menos possível as decisões de consumo das pessoas (Copenhagen Economics, 2007COPENHAGEN ECONOMICS. Study on Reduced VAT Rates Applied to Goods and Services in the Member States of the European Union: Final Report. Copenhague: Copenhagen Economics, 2007., p. 8).
As alterações potenciais, por sua vez, vão depender das diferentes elasticidades-preço dos produtos: quanto mais elástico for o bem, mais a alteração na alíquota de um imposto (que se reflete no preço) pode afetar o comportamento dos consumidores. Por isso, em tese, “um sistema de IVA eficiente economicamente deve ser necessariamente não uniforme, impondo alíquotas altas nos bens inelásticos e não nos elásticos” (Copenhagen Economics, 2007COPENHAGEN ECONOMICS. Study on Reduced VAT Rates Applied to Goods and Services in the Member States of the European Union: Final Report. Copenhague: Copenhagen Economics, 2007., p. 9, tradução livre).
No entanto, a imposição de alíquotas diferentes conforme a elasticidade dos bens dependeria de que essas elasticidades e suas variações fossem constantemente medidas, o que é uma tarefa impossível. Assim, ainda que a teoria pudesse apontar para a maior eficiência do uso de alíquotas diferenciadas, de um ponto de vista prático, formou-se um consenso em torno de que o mais adequado seriam as alíquotas uniformes. Nesse sentido, concluiu o estudo de Copenhagen Economics (2007COPENHAGEN ECONOMICS. Study on Reduced VAT Rates Applied to Goods and Services in the Member States of the European Union: Final Report. Copenhague: Copenhagen Economics, 2007., p. 9, tradução livre) preparado para a Comissão Europeia: “[...] é improvável que diferenciar alíquotas sem conhecimento detalhado das elasticidades-preço possa conduzir a ganhos de eficiência e deve mesmo conduzir a grandes perdas de eficiência na medida em que são os bens e serviços errados que têm as alíquotas reduzidas”.13 13 Seguindo os desenvolvimentos da literatura sobre a teoria da tributação ótima, Ricardo Varsano (2014) argumenta que alíquotas múltiplas alteram os preços relativos e distorcem a decisão de escolha dos consumidores. “Isto, por sua vez, afeta a estrutura da produção e da alocação de recursos reduzindo a eficiência econômica” (Varsano, 2014, p. 24). ,14 14 O professor de Economia da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE FGV/RJ), Aloisio Araujo, tem participado do debate sobre a reforma tributária no Brasil. Ele apresentou, recentemente, com coautores, texto em que argumenta que dadas diferentes taxas de evasão, comprovadas para o Brasil, perder-se-ia o maior sustentáculo para uma alíquota única, em termos de eficiência. A experiência do aumento da alíquota da Cofins, em 1999, sem que o PIS tivesse sofrido alteração, permitiu a eles calcular a diferença de elasticidades de compliance entre setores, concluindo que ela é muito maior para a construção civil, por exemplo, do que para a área financeira e imobiliária (Albuquerque et al., 2023). Mesmo se aceita a conclusão dos autores a respeito da variação das elasticidades, a parte propositiva do argumento teria de lidar com as dificuldades práticas para estimar a variação das elasticidades-preço e das elasticidades de compliance. E com o fato de que não é apenas por razões de eficiência que se defende a alíquota uniforme. Como será observado ao longo deste artigo, para sustentar a adoção de uma alíquota uniforme, além de razões de eficiência, há razões de equidade e benefícios para o sistema como um todo. ,15 15 Bruno Delalibera et al. (2023) publicaram um texto usando um modelo de equilíbrio geral que inclui múltiplos setores com poder de mercado. Eles avaliaram os efeitos de uma reforma tributária que eliminasse a heterogeneidade de alíquotas e a cumulatividade. Segundo os autores, uma “reforma tributária neutra gera ganhos de 7,8% do PIB e 1,9% em bem-estar. A simples eliminação da dispersão de alíquotas do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) leva a um aumento de 5,6% do PIB” (Delalibera et al., 2023, p. 1).
Se, em termos mais gerais, aparecem dificuldades para a sustentação do argumento, há, além disso, algumas situações específicas nas quais se pretende justificar a diferenciação de alíquotas também por razões de eficiência.16 16 Nos termos do Copenhagen Economics (2007, p. 21, tradução nossa), “[n]ão há dúvida de que reduções cuidadosamente concebidas nas alíquotas de IVA ou esquemas de suporte diretos equivalentes devem, por várias razões, melhorar o bem-estar dos Estados-Membros e da comunidade”. Nesse caso, a argumentação para justificar as alíquotas diferenciadas parte da constatação de que há atividades que não são tributadas por definição. Isso acontece com o que se convencionou chamar de trabalho “Do It Yourself” (DIY): a preparação de comida em casa, os pequenos reparos, cuidar das crianças pequenas, o serviço de limpeza nas casas e mesmo muito do que é feito em salões de beleza. Todas essas são atividades para as quais as pessoas podem contratar prestadores de serviço, ou podem fazer, elas mesmas, em casa.
Há, então, uma diferenciação que é causada pela tributação: quando o serviço é tomado de terceiros, sobre ele incide tributo, mas, quando ele é feito em casa, pelo próprio tomador, não incide tributo. Utilizemos o exemplo da comida. Sobre a atividade de preparar comida em casa não incide tributo, enquanto a atividade dos restaurantes, mesmo “por quilo”, é tributada.
Essa diferença pode levar as pessoas a optarem por preparar a comida em casa, em vez de ir a restaurantes. Porém, do ponto de vista da eficiência do sistema, essa não é a melhor opção. Isso porque ela introduz “uma distorção que pode levar pessoas altamente produtivas e especializadas a executar ‘trabalho DIY’, mesmo que elas não sejam boas nisso” (Copenhagen Economics, 2007COPENHAGEN ECONOMICS. Study on Reduced VAT Rates Applied to Goods and Services in the Member States of the European Union: Final Report. Copenhague: Copenhagen Economics, 2007., p. 22, tradução livre), o que é fonte de ineficiência econômica.
A preparação da comida em casa leva tempo, o que reduz o tempo disponível para o trabalho, enquanto os pratos prontos congelados ou as refeições nos restaurantes economizam tempo. Se pessoas especializadas no trabalho que conduzem são levadas a trocar algumas horas desse trabalho por trabalho do tipo DIY em casa, a economia está funcionando de forma não eficiente. Por isso, o relatório apresentado para a Comissão Europeia (Copenhagen Economics, 2007COPENHAGEN ECONOMICS. Study on Reduced VAT Rates Applied to Goods and Services in the Member States of the European Union: Final Report. Copenhague: Copenhagen Economics, 2007., p. 21), entre vários outros estudos, conclui que essas são situações nas quais maior eficiência econômica seria alcançada com o uso de alíquotas diferenciadas para esses serviços, de forma a desincentivar o trabalho DIY.
A literatura não nega que pode haver situações em que a diferenciação de alíquotas pode conduzir a um aumento de eficiência econômica, mas aponta, assim como ocorreu com a análise que propõe alíquotas diferentes em função de elasticidades diferentes, para a complexidade da avaliação de tal ganho, e destaca que não é claro que os bens que atualmente possuem alíquotas reduzidas (impostos que deixam de ser arrecadados) estão gerando esse resultado (Abramovsky; Phillips; Warwick, 2017ABRAMOVSKY, Laura; PHILLIPS, David; WARWICK, Ross. Redistribution, Efficiency and the Design of VAT: A Review of the Theory and Literature. IFS, Londres, 10 jul. 2017. Disponível em: Disponível em: https://ifs.org.uk/publications/redistribution-efficiency-and-design-vat-review-theory-and-literature . Acesso em: 27 fev. 2024.
https://ifs.org.uk/publications/redistri...
, p. 15).
2.2. Bens que têm mérito
O segundo argumento para justificar o uso de alíquotas diferenciadas diz respeito ao que se convencionou chamar de “bens que têm mérito”. As pessoas fazem suas escolhas e transacionam no mercado de acordo com o que acreditam ser bom para elas. Contudo, considera-se que o consumo (e a produção) de determinados bens pode ser considerado mais benéfico para a sociedade e para as próprias pessoas do que elas próprias conseguem avaliar.
Assim, pode-se dizer que há tanto externalidades quanto internalidades associadas a esses bens. Haveria externalidades positivas, porque o seu consumo geraria mais benefícios para a sociedade como um todo do que o comprador individual é capaz de perceber e levar em consideração na sua decisão de compra.
Haveria também internalidades, pois, por falta de informação, o próprio comprador não se daria conta, de modo satisfatório, dos benefícios que a compra de determinado bem traria para ele próprio.
Em função desses dois fatores, “os consumidores têm uma tendência a comprar menos do que o nível socialmente ótimo de tais bens e serviços” e uma redução do imposto teria como objetivo alterar esse estado de coisas (Comissão Europeia, 2011COMISSÃO EUROPEIA. A Retrospective Evaluation of Elements of the EU VAT System. Final Report TAXUD/2010/CC/104, Londres, 5 dez. 2011. Disponível em: Disponível em: https://taxation-customs.ec.europa.eu/system/files/2016-09/report_evaluation_vat.pdf . Acesso em: 14 maio 2021.
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, p. 551, tradução livre).
Dessa forma, em um número significativo de países, a tributação sobre o consumo de certos bens, como livros, revistas, jornais, atividades culturais e transporte público, é tratada de forma diferenciada (Comissão Europeia, 2011COMISSÃO EUROPEIA. A Retrospective Evaluation of Elements of the EU VAT System. Final Report TAXUD/2010/CC/104, Londres, 5 dez. 2011. Disponível em: Disponível em: https://taxation-customs.ec.europa.eu/system/files/2016-09/report_evaluation_vat.pdf . Acesso em: 14 maio 2021.
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). Também entram nessa categoria os produtos ambientalmente amigáveis, por exemplo, painéis solares ou turbinas de vento, para estimular a geração de energia limpa.
2.3. Razões distributivas
O terceiro argumento normalmente apresentado em favor das alíquotas diferenciadas está relacionado ao desejo de distribuição e igualdade. Como o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, o argumento ganha especial relevância no país. É fundamental que se protejam os mais pobres e que o problema da desigualdade seja equacionado. Assim, no âmbito do IVA, acredita-se que um instrumento para isso poderia ser a redução da alíquota de alguns bens e serviços. Que bens seriam esses?
Há determinados bens sem os quais não é possível viver. A lista desses bens inclui, por exemplo, água, alguns itens básicos de alimentação, gás e alguns medicamentos. No entanto, para que possam ser candidatos a terem alíquotas reduzidas, além de serem essenciais, o consumo desses bens teria de comprometer uma fração maior do orçamento das famílias mais pobres e uma fração menor do orçamento das famílias mais ricas.
Esse era, já em 1998, um dos pontos levantados por Cnossen quando argumentava contra a diferenciação de alíquotas no âmbito da União Europeia. Ele apontava que a experiência dos países europeus mostrava uma convergência entre os padrões de consumo de pobres e ricos (Cnossen, 1998CNOSSEN, Sijbren. Global Trends and Issues in Value Added Taxation. International Tax and Public Finance, [s.l.], v. 5, n. 3, p. 399-428, 1998., p. 409). Desse modo, uma diferenciação não beneficiaria, nem mesmo em termos relativos, os mais pobres.
Ainda assim, o relatório do consórcio liderado pelo IFS para a Comissão Europeia analisou o impacto distributivo das alíquotas diferenciadas em nove países da União Europeia e concluiu que “as alíquotas zero e as alíquotas reduzidas existentes, tomadas em conjunto, reduzem a proporção de gasto com o IVA para as famílias mais pobres mais que para as famílias mais ricas” (Comissão Europeia, 2011COMISSÃO EUROPEIA. A Retrospective Evaluation of Elements of the EU VAT System. Final Report TAXUD/2010/CC/104, Londres, 5 dez. 2011. Disponível em: Disponível em: https://taxation-customs.ec.europa.eu/system/files/2016-09/report_evaluation_vat.pdf . Acesso em: 14 maio 2021.
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, p. 542, tradução livre).
Entretanto, mesmo que esses efeitos possam existir, é preciso analisar se essa justificativa é suficiente para fundamentar a redução de alíquotas e o tratamento diferenciado para os bens escolhidos. Na próxima seção, pretende-se fazer essa análise e examinar, particularmente, os problemas gerados pelas alíquotas diferenciadas.
3. Problemas das alíquotas diferenciadas
Pelo menos quatro problemas são apontados pela literatura internacional para esse uso das alíquotas diferenciadas. Em primeiro lugar, elas não se mostram um meio eficiente para a redução das desigualdades, porque o benefício não é dirigido exclusivamente aos mais pobres, mas a todos, inclusive, os mais ricos acabam aproveitando a redução de preços. Nesse sentido, outros instrumentos de política tributária mais focalizados poderiam ser muito mais eficientes para atingir o objetivo proposto. Além disso, um mecanismo não direcionado pode ter outros efeitos que não estejam em sintonia com a política fiscal do governo como um todo, por exemplo, alíquotas reduzidas para gasolina podem não estar em sintonia com preocupações ambientais.
Em segundo lugar, a opinião pública acredita que a implementação de alíquotas reduzidas significa preço menor, como se houvesse um repasse automático de toda a redução de alíquota para os preços. Porém, esse repasse envolve outros fatores, como a estrutura de mercado e as elasticidades de oferta e demanda do bem. As pesquisas empíricas internacionais indicam que esse não é um tema pacífico.
Em terceiro lugar, alíquotas diferenciadas tornam o sistema muito mais complexo, o que prejudica sua produtividade e afeta sua eficiência. Com isso, contribui para a diminuição do produto interno a ser dividido, inclusive para os mais pobres.
Por último, e esse é um argumento especialmente pertinente para o Brasil, a existência de alíquotas diferenciadas torna o campo dos tributos especialmente sujeito aos lobbies. Alguns “setores” contestam que eles vivenciariam situações muito particulares que, supostamente, iriam distingui-los dos outros e fariam com que merecessem tratamento diferenciado. A seguir, será desenvolvido mais detidamente cada um desses argumentos.
3.1. Alíquotas diferenciadas incluem gastos dos mais ricos
Antes de tudo, alíquotas diferenciadas podem, efetivamente, tornar o sistema mais progressivo. Isso, no entanto, não ocorre necessariamente. Para isso, a parte do consumo dos mais pobres dos bens e serviços com alíquotas reduzidas teria de ser proporcionalmente maior que a parte do consumo dos mais ricos desses mesmos bens e serviços.
Apenas nesse caso - em que os mais pobres consomem mais, em termos relativos, dos bens que têm alíquotas diferenciadas em relação aos mais ricos -, as alíquotas reduzidas tornariam o sistema mais progressivo (Ebrill et al., 2001EBRILL, Liam P. et al. The Modern VAT. Washington, D.C.: International Monetary Fund, 2001., p. 74). Primeiro, já foi observado que isso nem sempre ocorre, pois, como apontou Cnossen (1998CNOSSEN, Sijbren. Global Trends and Issues in Value Added Taxation. International Tax and Public Finance, [s.l.], v. 5, n. 3, p. 399-428, 1998.) para a União Europeia, os padrões de consumo podem ser semelhantes.
Entretanto, ainda que isso ocorra e que os padrões de consumo sejam diferentes, as alíquotas reduzidas não se mostram uma boa alternativa. Mesmo que, em termos relativos, as alíquotas diferenciadas conduzam a um maior aumento no poder de compra dos mais pobres que dos mais ricos, os mais ricos são os que mais se beneficiam com a medida em termos financeiros.
Empiricamente, essa foi a conclusão, por exemplo, da análise conduzida nos nove países da União Europeia na pesquisa já referida, entre diversos outros estudos (Comissão Europeia, 2011COMISSÃO EUROPEIA. A Retrospective Evaluation of Elements of the EU VAT System. Final Report TAXUD/2010/CC/104, Londres, 5 dez. 2011. Disponível em: Disponível em: https://taxation-customs.ec.europa.eu/system/files/2016-09/report_evaluation_vat.pdf . Acesso em: 14 maio 2021.
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, p. 543). Em termos absolutos, isto é, se comparado o total de dinheiro gasto com os bens com alíquotas reduzidas pelos mais ricos e pelos mais pobres, o total gasto pelos mais ricos foi maior.
O estudo da OCDE e do KIPF (2014ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE); INSTITUTO COREANO DE FINANÇAS PÚBLICAS (KIPF). The Distributional Effects of Consumption Taxes in OECD Countries. OECD Tax Policy Studies , n. 22. Paris: OECD Publishing, 2014.) chegou exatamente à mesma conclusão. Esse estudo analisou os efeitos distributivos da tributação sobre o consumo em 20 países da OCDE. E concluiu que as alíquotas reduzidas apresentaram, na média, um pequeno efeito progressivo em relação ao gasto com o tributo. Contudo, também confirmou que, em função do gasto maior das famílias mais ricas em termos agregados, elas teriam se beneficiado muito mais que as famílias mais pobres com a diferenciação. E concluiu que,
[a] despeito desse efeito progressivo, essas alíquotas reduzidas de VAT ainda se mostram um instrumento muito ruim para focalizar o apoio nas famílias mais pobres. Na melhor das hipóteses, as famílias mais ricas recebem tanto benefício agregado das alíquotas reduzidas quanto as mais pobres. Na pior das hipóteses, as famílias mais ricas se beneficiam imensamente mais, em termos agregados, que as famílias mais pobres (OCDE; KIPF, 2014ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE); INSTITUTO COREANO DE FINANÇAS PÚBLICAS (KIPF). The Distributional Effects of Consumption Taxes in OECD Countries. OECD Tax Policy Studies , n. 22. Paris: OECD Publishing, 2014., p. 56, tradução livre).
Cnossen (1998CNOSSEN, Sijbren. Global Trends and Issues in Value Added Taxation. International Tax and Public Finance, [s.l.], v. 5, n. 3, p. 399-428, 1998.) faz referência a uma pesquisa empírica na Irlanda que teria chegado à mesma conclusão: ainda que, em termos relativos, os mais pobres tenham sido mais beneficiados pela redução de alíquota, em termos absolutos, o benefício dos mais ricos teria sido duas vezes maior. E atribui isso ao fato de eles comprarem espécies mais caras dos bens objeto das reduções, comerem mais em restaurantes e jogarem comida fora com mais facilidade.
Ebrill et al. (2001EBRILL, Liam P. et al. The Modern VAT. Washington, D.C.: International Monetary Fund, 2001.) dão outro exemplo. Eles apontam que, em determinado país, o departamento de assuntos fiscais do FMI calculou que “para cada, vamos dizer, $100 de receita renunciada de IVA como resultado da alíquota zero para comida, menos de $15 eram alocados para os 30% mais pobres da população, enquanto $45 beneficiavam os 30% mais ricos” (Ebrill et al., 2001EBRILL, Liam P. et al. The Modern VAT. Washington, D.C.: International Monetary Fund, 2001., p. 76, tradução livre).17 17 O estudo da OCDE e do KIPF (2014) indica como esse efeito de ter havido, em termos agregados, um benefício maior para os mais ricos se repetiu para todos os produtos: comida, produtos farmacêuticos, roupas e sapatos para crianças, gás natural, eletricidade e fornecimento de água, tendo a diferença sido menor nesses dois últimos produtos. “Em quase todos os países o benefício tributário recebido pelo decil mais rico foi mais que o dobro do recebido pelo decil mais pobre” (OCDE; KIPF, 2014, p. 58, tradução livre). Na Estônia, onde a diferença foi maior, o benefício do decil mais rico foi seis vezes maior do que o do decil mais pobre.
Posto isso, o alcance da distribuição que se pode conseguir com a diferenciação de alíquotas é bastante limitado, se comparado a outros instrumentos possíveis, o que mostra que esse não é um mecanismo apropriado para esse propósito; muito do dinheiro gasto para subsidiar as alíquotas reduzidas será revertido para os mais ricos (Abramovsky; Phillips; Warwick, 2017ABRAMOVSKY, Laura; PHILLIPS, David; WARWICK, Ross. Redistribution, Efficiency and the Design of VAT: A Review of the Theory and Literature. IFS, Londres, 10 jul. 2017. Disponível em: Disponível em: https://ifs.org.uk/publications/redistribution-efficiency-and-design-vat-review-theory-and-literature . Acesso em: 27 fev. 2024.
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, p. 16). A conclusão da literatura examinada é uniforme no sentido de que, na presença de alternativas possíveis para se distribuir a renda, o imposto sobre o consumo é a pior opção.
Assim, um instrumento mais focalizado, como um sistema de transferências diretas - como o programa Bolsa Família, que existe no Brasil -, alcançaria os mesmos resultados com menos recursos.
Ao redor do mundo, o debate sobre uma alíquota uniforme na tributação sobre o consumo é um debate sobre reduções no âmbito do IVA. No Brasil, a situação é um pouco diferente e, por isso, há um argumento adicional em favor das alíquotas uniformes. Enquanto, ao redor do mundo, o IVA abrange mercadorias e serviços, por aqui há um imposto para os serviços (ISS) e outro para as mercadorias e alguns poucos serviços (ICMS). Como o ISS, ainda que cumulativo, possui alíquota muito menor, os serviços acabam sendo menos tributados que as mercadorias.
Isso faz com que a instituição de uma alíquota uniforme - que, no Brasil, viria acompanhada pela equalização da tributação de mercadorias e serviços - tenha um significado diferente e uma abrangência maior. Orair e Gobetti (2019ORAIR, Rodrigo Octávio; GOBETTI, Sérgio Wulff. Reforma tributária e federalismo fiscal: uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor agregado para o Brasil. Texto para Discussão IPEA n. 2530. Rio de Janeiro: Ipea, 2019.) mostram como essas medidas teriam o efeito de tornar o sistema menos regressivo. Isso se explica tanto porque os mais ricos consomem mais serviços que os mais pobres quanto pelo fato de que há serviços que compõem a cesta dos mais pobres que são muito tributados, como o serviço de telefonia.
Um último argumento sobre essa lógica de a diferenciação não ser o mecanismo mais eficiente para a distribuição diz respeito às versões de alto custo dos bens favorecidos. O relatório da Comissão Europeia, de 2011, desenvolve esse tema. As medidas tributárias que estabelecem o tratamento diferenciado não distinguem as versões de alto e de baixo custo do bem que tem sua alíquota reduzida. Por isso, perante uma política de redução de alíquota, as versões de alto custo do bem são igualmente beneficiadas (Comissão Europeia, 2011COMISSÃO EUROPEIA. A Retrospective Evaluation of Elements of the EU VAT System. Final Report TAXUD/2010/CC/104, Londres, 5 dez. 2011. Disponível em: Disponível em: https://taxation-customs.ec.europa.eu/system/files/2016-09/report_evaluation_vat.pdf . Acesso em: 14 maio 2021.
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, p. 551). No entanto, o benefício social do uso de uma versão de alto custo do bem não é superior (e provavelmente é muito inferior) a uma versão de baixo custo.
Utilizemos o exemplo dos livros. Alguns deles são consumidos fundamentalmente pelos mais ricos. Os livros de arte, por exemplo. Mesmo em relação aos livros convencionais, os editores podem fazer livros mais caros, com capa dura, e todos os livros seriam beneficiados por uma redução de alíquota na proporção do seu preço.
No caso da carne, nos diversos estados brasileiros, as alíquotas reduzidas não são estabelecidas para as carnes populares, mas para todos os tipos de carne, inclusive o filé-mignon. No caso dos peixes, as alíquotas favorecidas alcançam o salmão e os peixes consumidos apenas pelos mais ricos. Para todos os bens, podem ser encontradas versões de alto custo que são, em regra, igualmente beneficiadas pelo tratamento diferenciado. Esse é mais um argumento no sentido de que a redução de alíquotas não é um bom instrumento para a política pública, porque a diferenciação não é focalizada.
Assim, quando se argumenta contra o tratamento diferenciado para os livros, não se está negando nem as externalidades, nem as internalidades descritas anteriormente, na subseção 2.2, quando foram apresentadas as razões para o tratamento diferenciado dos bens que têm mérito. Trata-se apenas de apontar como o argumento de que a redução de alíquota aumenta, em termos gerais, o consumo agregado do bem é insuficiente para justificar a medida.
Messias e Canado (2021MESSIAS, Lorreine; CANADO, Vanessa Rahal. Tributar ou não os livros? JOTA, 13 abr. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/tributar-ou-nao-os-livros-13042021 . Acesso em: 23 mar. 2023.
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/...
, p. 3) estimaram a partir da POF 2017-2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a aquisição de livros com recursos próprios pelas famílias, por estrato de renda domiciliar. As famílias foram divididas por elas em sete grupos, de acordo com a renda domiciliar mensal: no primeiro, ficaram as famílias com renda inferior a dois salários mínimos por mês e, no último, famílias com renda superior a 25 salários mínimos mensais. Elas concluíram que famílias do primeiro grupo gastam cerca de R$ 70,00/ano com livros, enquanto as famílias do último grupo gastam cerca de R$ 620,00/ano. E que, portanto, uma redução de alíquotas é uma medida muito pouco eficiente, pois acaba beneficiando muito mais quem precisa menos da política pública.18
18
O estudo da OCDE e do KIPF (2014) analisou a distribuição dos benefícios com os chamados bens que têm mérito: livros, jornais, periódicos, cinema, teatro, concertos, museus e zoológicos. No caso desses bens, os resultados agregados mostram um gasto tão maior por parte dos mais ricos que, mesmo em termos proporcionais, eles favorecem os decis mais ricos da população, o que faz com que, em todos os países, as alíquotas sejam regressivas para esses bens (OCDE; KIPF, 2014, p. 63).
Se não for bem direcionada, a política pode não alcançar o objetivo de aumentar o consumo da parcela que não consome, a despeito do aumento do consumo em termos absolutos. Trata-se, assim, de indicar seu custo e de mostrar que é necessário que a política de redução de alíquotas seja confrontada com outras políticas públicas possíveis, tal como uma política de subsídios diretos, para obtenção dos mesmos objetivos. Messias e Canado (2021MESSIAS, Lorreine; CANADO, Vanessa Rahal. Tributar ou não os livros? JOTA, 13 abr. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/tributar-ou-nao-os-livros-13042021 . Acesso em: 23 mar. 2023.
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/...
, p. 3) abordam também como políticas de tax refund ou isenção personalizada seriam muito mais apropriadas.19
19
Godoi (2017, p. 569) escreve não acreditar que os estados brasileiros teriam “condições administrativas de criar e gerir um eficiente mecanismo de operacionalização e controle dos créditos e transferências tal como ocorre no Canadá (tax refund)”. Ele argumenta que, no Brasil, a administração do sistema depende das informações transmitidas ao Fisco por meio da declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), mas a população de baixa renda não é contribuinte do IRPF (Godoi, 2017, p. 568). Porém, o programa do governo do estado do Rio Grande do Sul, a experiência com o programa Bolsa Família e a Nota Fiscal de Serviço Eletrônica (NFS-e) mostram como isso não só é possível, mas tem acontecido de forma eficiente.
Além de gerar as distorções que serão examinadas posteriormente, em termos de contencioso tributário, uma política de redução de alíquotas necessariamente vai ser menos focada e usar mal uma parte dos recursos, que poderiam ser mais bem alocados se a política se configurasse de outra maneira.
Ainda a respeito da dimensão dos custos de uma tal política, o “C-efficiency” é a ferramenta que tem sido usada em diversos trabalhos para se medir a razão entre a atual receita de IVA e o produto do que seria a alíquota padrão com o consumo total. Se for utilizado um ranking dos países do mundo com relação a esse quesito, os países europeus - nos quais há muitas alíquotas reduzidas - tendem a se posicionar abaixo da média da OCDE, que é de 52,9, enquanto a Nova Zelândia, por exemplo, que aplica uma alíquota uniforme, apresenta 90 pontos nesse ranking (Feria; Walpole, 2020FERIA, Rita de la; WALPOLE, Michael. The Impact of Public Perceptions on General Consumption Taxes. British Tax Review, [s.l.], v. 67, n. 5, p. 637-669, 2020., p. 645).
Nesta subseção foi argumentado que a redução de alíquotas não é um bom instrumento para se distribuir renda, porque os mais ricos se apropriam da maior parte do valor do imposto objeto de renúncia. Porém, mesmo que esse não fosse o caso e os mais pobres se beneficiassem da maior parte, a tese de que uma política de redução de alíquotas poderia ser utilizada como um instrumento adequado para a distribuição da renda está fundada em outro pressuposto que, até este momento, foi assumido como válido, sem ter sido demonstrado: o de que haveria repasse da redução de alíquota para o consumidor final.
3.2. O repasse das reduções para o preço dos bens e serviços
A opinião pública acredita que reduções de alíquotas tornam os preços menores, como se houvesse um repasse automático das reduções de alíquota para os preços. Até mesmo os formuladores de política tributária partem desse pressuposto. Sabe-se que há outros fatores, como as elasticidades de oferta e demanda e as estruturas dos mercados, que interferem na formação dos preços. Entretanto, como o exame dessas circunstâncias tornaria qualquer análise sobre os efeitos precisos de eventual redução muito complexa e difícil, os formuladores de política tributária acabam assumindo o pressuposto.
Nesse sentido, Bird e Gendron (2007BIRD, Richard Miller; GENDRON, Pierre-Pascal. The VAT in Developing and Transitional Countries. Cambridge: Cambridge University Press, 2007., p. 71, tradução livre) escrevem: “[...] a análise convencional da incidência tributária geralmente evita essas complexidades e simplesmente assume que o tributo é totalmente repassado pelo vendedor ao consumidor final”. Mesmo a literatura mais sofisticada assume o pressuposto. Como apontam Benzarti et al. (2020BENZARTI, Youssef et al. What Goes Up May Not Come Down: Asymmetric Incidence of Value-Added Taxes. Journal of Political Economy, Chicago, v. 128, n. 12, p. 4438-4474, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.nber.org/system/files/working_papers/w23849/w23849.pdf . Acesso em: 27 fev. 2024.
https://www.nber.org/system/files/workin...
, p. 4441, tradução livre), “as propostas relativas ao IVA naquela revisão [‘Mirrlees Review’] assumem a suposição-chave de que a incidência do IVA recai toda ela sobre os consumidores - uma suposição que é implícita”. No entanto, é assim mesmo que as coisas acontecem?
Esse foi um tema que preocupou em especial a União Europeia. Foram três relatórios, em 2003, 2007 e 2011 (os dois últimos já referidos no presente artigo), que analisaram extensamente esse problema. Além deles, vários outros estudos foram publicados tratando do tema. A seguir, pretende-se apresentar esse material.
A preocupação em avaliar empiricamente se reduções de preços foram efetivamente repassadas aos consumidores quando foram implementadas alíquotas diferenciadas remonta pelo menos a 2003, data em que a União Europeia publicou o relatório que avaliou os resultados de um experimento de 1999.
Esse relatório foi contratado para avaliar o experimento da redução de alíquotas para os serviços intensivos em mão de obra e concluiu que, “[q]uando conduzidas pesquisas de preço, os Estados-Membros descobriram que as alíquotas reduzidas de IVA nunca refletiam integralmente preços menores aos consumidores. Parte da redução de IVA foi usada para aumentar as margens dos prestadores de serviço” (Comissão Europeia, 2003COMISSÃO EUROPEIA. Report from the Comission to the Council and the European Parliament. Experimental Application of a Reduced Rate of VAT to a certain Labour-Intensive Services. Bruxelas: Commission of the European Communities, 2003., p. 23, tradução livre).
Além dos relatórios preparados para a Comissão Europeia, uma série de estudos foi desenvolvida nos últimos anos com o propósito de identificar o repasse no preço para os consumidores de reduções (e aumentos) de alíquota. Nesse sentido, Carbonnier (2007CARBONNIER, Clément. Who Pays Sales Taxes? Evidence from French VAT Reforms, 1987-1999. Journal of Public Economics, [s.l.], v. 91, n. 5-6, p. 1219-1229, 2007.) analisou dados da França; Kosonen (2015KOSONEN, Tuomas. More and Cheaper Haircuts After VAT Cut? On the Efficiency and Incidence of Service Sector Consumption Taxes. Journal of Public Economics, [s.l.], v. 131, n. C, p. 87-100, 2015.), da Finlândia; Gaarder (2019GAARDER, Ingvil. Incidence and Distributional Effects of Value Added Taxes. The Economic Journal, [s.l.], v. 129, n. 618, p. 853-876, fev. 2019. Disponível em: Disponível em: https://academic.oup.com/ej/issue/129/618 . Acesso em: 28 fev. 2024.
https://academic.oup.com/ej/issue/129/61...
), da Noruega; Nipers et al. (2019NIPERS, Aleksejs et al. Effect of VAT Rate Reduction for Fruits and Vegetables on Prices in Latvia: Ex-Post Analysis. Journal of Agricultural Science, [s.l.], v. 1, n. 30, p. 25-31, 2019.), da Letônia; Ván e Oláh (2018VÁN, Bálint; OLÁH, Dániel. Does VAT Cut Appear on the Menu? The Consumer Price Impact of Hungarian VAT Decreases of 2016-2017. Public Finance Quarterly, Budapeste, v. 63, n. 3, p. 355-375, 2018.), da Hungria; e Politi e Mattos publicaram, em 2011POLITI, Ricardo Batista; MATTOS, Enlinson. Ad-Valorem Tax Incidence and After-Tax Price Adjustments: Evidence from Brazilian Basic Basket of Food. Canadian Journal of Economics, [s.l.], v. 44, n. 4, p. 1438-1470, 2011., um estudo que analisou os repasses nas alterações (75% delas reduções) ocorridas entre 1994 e 2008, no Brasil, em dez produtos integrantes da cesta básica.
Politi e Mattos (2011POLITI, Ricardo Batista; MATTOS, Enlinson. Ad-Valorem Tax Incidence and After-Tax Price Adjustments: Evidence from Brazilian Basic Basket of Food. Canadian Journal of Economics, [s.l.], v. 44, n. 4, p. 1438-1470, 2011.) examinaram os dados de 16 estados brasileiros e buscaram estimar não apenas o repasse, mas também se havia diferença entre o repasse nas situações de aumento e nas de redução de alíquota. Os resultados indicaram, para todos os bens, não ter havido um repasse integral no caso das reduções de alíquota, mas que isso ocorreu em parte das vezes que houve aumento. Os autores concluíram haver assimetria com relação às diferentes direções das mudanças de alíquota.
No mesmo sentido, Pinheiro et al. (2023PINHEIRO, Maurício Canêdo et al. Repasses de impostos aos preços dos alimentos: evidências com dados brasileiros. Relatório da Pesquisa Alíquota Única na Tributação sobre o Consumo. Projeto 2. São Paulo: FGV DIREITO SP, 2023. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.fgv.br/server/api/core/bitstreams/4eedf0c7-8dcb-46a5-bc43-e8bf1b459dd8/content . Acesso em: 6 mar. 2024.
https://repositorio.fgv.br/server/api/co...
) analisaram dados de quatro estados brasileiros para uma cesta de 79 produtos alimentícios no período 1994-2021 e concluíram que, em média, cada ponto percentual de variação no ICMS gera aproximadamente 0,13 ponto percentual de variação nos preços. Tal repasse estende-se por quatro meses após a alteração na alíquota.
A literatura aponta para casos em que o repasse foi integral, como o descrito por Gaarder (2019GAARDER, Ingvil. Incidence and Distributional Effects of Value Added Taxes. The Economic Journal, [s.l.], v. 129, n. 618, p. 853-876, fev. 2019. Disponível em: Disponível em: https://academic.oup.com/ej/issue/129/618 . Acesso em: 28 fev. 2024.
https://academic.oup.com/ej/issue/129/61...
), na Noruega; para situações em que o repasse foi parcial, como as relatadas por Carbonnier (2007CARBONNIER, Clément. Who Pays Sales Taxes? Evidence from French VAT Reforms, 1987-1999. Journal of Public Economics, [s.l.], v. 91, n. 5-6, p. 1219-1229, 2007.), na França; e para ocasiões em que não ocorreu repasse, como o caso dos restaurantes descrito por Ván e Oláh (2018VÁN, Bálint; OLÁH, Dániel. Does VAT Cut Appear on the Menu? The Consumer Price Impact of Hungarian VAT Decreases of 2016-2017. Public Finance Quarterly, Budapeste, v. 63, n. 3, p. 355-375, 2018.), na Hungria. Além disso, o repasse parcial, eventualmente, é próximo do integral, como nas situações apresentadas por Nipers et al. (2019NIPERS, Aleksejs et al. Effect of VAT Rate Reduction for Fruits and Vegetables on Prices in Latvia: Ex-Post Analysis. Journal of Agricultural Science, [s.l.], v. 1, n. 30, p. 25-31, 2019.), na Letônia, e às vezes é muito inferior ao integral, como nos casos descritos por Politi e Mattos (2011POLITI, Ricardo Batista; MATTOS, Enlinson. Ad-Valorem Tax Incidence and After-Tax Price Adjustments: Evidence from Brazilian Basic Basket of Food. Canadian Journal of Economics, [s.l.], v. 44, n. 4, p. 1438-1470, 2011.) e Pinheiro et al. (2023PINHEIRO, Maurício Canêdo et al. Repasses de impostos aos preços dos alimentos: evidências com dados brasileiros. Relatório da Pesquisa Alíquota Única na Tributação sobre o Consumo. Projeto 2. São Paulo: FGV DIREITO SP, 2023. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.fgv.br/server/api/core/bitstreams/4eedf0c7-8dcb-46a5-bc43-e8bf1b459dd8/content . Acesso em: 6 mar. 2024.
https://repositorio.fgv.br/server/api/co...
) quando trataram do Brasil.
Porém, tanto o amplo estudo de Benzarti et al. (2020BENZARTI, Youssef et al. What Goes Up May Not Come Down: Asymmetric Incidence of Value-Added Taxes. Journal of Political Economy, Chicago, v. 128, n. 12, p. 4438-4474, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.nber.org/system/files/working_papers/w23849/w23849.pdf . Acesso em: 27 fev. 2024.
https://www.nber.org/system/files/workin...
) quanto o de Politi e Mattos (2011POLITI, Ricardo Batista; MATTOS, Enlinson. Ad-Valorem Tax Incidence and After-Tax Price Adjustments: Evidence from Brazilian Basic Basket of Food. Canadian Journal of Economics, [s.l.], v. 44, n. 4, p. 1438-1470, 2011.) apontam que há assimetria nos repasses nos casos de aumento e de redução, sendo maior nos aumentos e menor nas reduções. Nos termos do último relatório para a União Europeia, a principal hipótese para explicar as diferenças nos repasses é de que os mercados e as elasticidades de oferta e demanda são também diferentes.
Ainda que, infelizmente, a maioria dos estudos não confronte os resultados alcançados com as características do mercado,
[a]queles que fornecem informações sobre as estruturas de mercado parecem encontrar evidência de que os mercados que são representantes mais próximos de uma situação de concorrência perfeita com frequência apresentam repasse total, enquanto os mercados menos competitivos apresentam tanto repasse parcial quanto um repasse maior que o total (Comissão Europeia, 2011COMISSÃO EUROPEIA. A Retrospective Evaluation of Elements of the EU VAT System. Final Report TAXUD/2010/CC/104, Londres, 5 dez. 2011. Disponível em: Disponível em: https://taxation-customs.ec.europa.eu/system/files/2016-09/report_evaluation_vat.pdf . Acesso em: 14 maio 2021.
https://taxation-customs.ec.europa.eu/sy... , p. 317, tradução livre).
3.3. Problemas trazidos para o sistema como um todo
Além de não se ter certeza de que reduções serão repassadas aos consumidores, a introdução de alíquotas diferenciadas traz uma série de consequências negativas para o funcionamento do sistema como um todo. Em primeiro lugar, a introdução da diferenciação faz aumentar os custos de conformidade para os contribuintes e os encargos da administração pública para fiscalizá-los. Como escrevem Abramovsky, Phillips e Warwick (2017ABRAMOVSKY, Laura; PHILLIPS, David; WARWICK, Ross. Redistribution, Efficiency and the Design of VAT: A Review of the Theory and Literature. IFS, Londres, 10 jul. 2017. Disponível em: Disponível em: https://ifs.org.uk/publications/redistribution-efficiency-and-design-vat-review-theory-and-literature . Acesso em: 27 fev. 2024.
https://ifs.org.uk/publications/redistri...
, p. 13, tradução livre),
[a]s empresas que compram ou vendem bens tributados com alíquotas diferentes precisam de procedimentos contábeis e de faturamento que assegurem a recuperação e a cobrança do imposto pela alíquota correta em cada transação e possam refletir isso em seus registros fiscais (mais complexos).
O trabalho de fiscalização para as autoridades fiscais também aumenta. As auditorias são mais difíceis, pois “não apenas os valores totais de vendas e compras devem ser verificados, mas também os bens e serviços sujeitos a alíquotas diferentes” (Abramovsky; Phillips; Warwick, 2017ABRAMOVSKY, Laura; PHILLIPS, David; WARWICK, Ross. Redistribution, Efficiency and the Design of VAT: A Review of the Theory and Literature. IFS, Londres, 10 jul. 2017. Disponível em: Disponível em: https://ifs.org.uk/publications/redistribution-efficiency-and-design-vat-review-theory-and-literature . Acesso em: 27 fev. 2024.
https://ifs.org.uk/publications/redistri...
, p. 13, tradução livre).
O número de reembolsos de IVA também tende a aumentar. Não são apenas as empresas que exportam que acumulam saldos credores, pode haver mais situações nas quais, aplicadas às vendas alíquotas superiores às compras, esses saldos e os pedidos de reembolso se acumulem. E cria-se um incentivo para a classificação errada dos bens e serviços (Ebrill et al., 2001EBRILL, Liam P. et al. The Modern VAT. Washington, D.C.: International Monetary Fund, 2001.).
Além de aumentar o custo de conformidade para o contribuinte e o custo de fiscalizar a conformidade para o Fisco, alíquotas diferenciadas fazem aumentar o contencioso tributário. Quando se estabelece uma alíquota diferenciada, há uma tendência do contribuinte de tentar incluir o maior número possível de bens ou serviços entre aqueles que receberão o tratamento diferenciado.
Como há sempre uma zona cinzenta, parte do contencioso tributário se explica justamente em razão de problemas de classificação e interpretação que decorrem dessa diferenciação de alíquotas. Rita de la Feria e Michael Walpole (2020FERIA, Rita de la; WALPOLE, Michael. The Impact of Public Perceptions on General Consumption Taxes. British Tax Review, [s.l.], v. 67, n. 5, p. 637-669, 2020.) apontam exemplos de produtos que foram objeto de grande contencioso em razão da alíquota, sendo o dos Jaffa Cakes o mais famoso. Discutiu-se, por anos, nos tribunais, se eles deveriam ser tratados como bolos (e sujeitos, assim, à alíquota zero) ou como biscoitos, sujeitos à alíquota padrão (Feria; Walpole, 2020FERIA, Rita de la; WALPOLE, Michael. The Impact of Public Perceptions on General Consumption Taxes. British Tax Review, [s.l.], v. 67, n. 5, p. 637-669, 2020., p. 647).20 20 Em outro texto, Rita de la Feria (2021) discorre sobre como alíquotas múltiplas podem fazer aumentar as oportunidades de planejamento, elisão e fraude. Segundo ela, “de todos os casos de elisão de IVA decididos pela corte de justiça da União Europeia nos últimos 20 anos, por exemplo, somente dois não diziam respeito a alíquotas diferenciadas ou isenções” (Feria, 2021, p. 143, tradução livre).
No caso do Brasil, as situações análogas são ainda mais numerosas. A seguir, será indicado apenas um exemplo, em caráter ilustrativo.
Há diversas autuações, por exemplo, diante da pretensão de se aplicar aos hambúrgueres de lanchonetes fast-food, como o McDonald’s, a isenção que existe para as carnes. Um exemplo dessa situação está no AIIM 4062297-6 do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT/SP) (Governo do Estado de São Paulo, s.d.GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Auto de Infração e Imposição de Multa (AIIM) n. 4062297-6. [S.d.]. Disponível em: Disponível em: https://www.fazenda.sp.gov.br/VDTIT/ConsultarVotos.aspx?instancia=2 . Acesso em: 21 mar. 2024.
https://www.fazenda.sp.gov.br/VDTIT/Cons...
). A controvérsia está no fato de o dispositivo que concede a isenção referir-se à carne in natura.
Conforme as autoridades fiscais, as carnes de hambúrguer não seriam carne in natura, ou “carne resultante de abate” (conforme diferentes redações da lei), mas sofreriam transformação em decorrência de processo de industrialização. De acordo com os contribuintes, as etapas de moagem, compactação, modelagem, formatação e congelamento da carne fazem parte do processo produtivo desse bem, mas se trata 100% de carne e não são adicionados ingredientes ao produto, pelo que argumentam se tratar de carne in natura.
Essas situações são apresentadas em caráter ilustrativo e haveria dezenas de outras que mostram o contencioso que se cria quando se estabelecem quaisquer formas de tratamento diferenciado.
3.4. Campo propício para os grupos de interesse
Um último argumento contra as alíquotas reduzidas é o de que a diferenciação torna o sistema mais vulnerável aos lobbies. Em primeiro lugar, há uma constatação empírica: conforme relatado, há uma experiência geral de que “o tratamento preferencial, uma vez garantido, tende a se ampliar, e que, com isso, a coerência mais ampla do sistema tributário sofre” (Crawford; Keen; Smith, 2010CRAWFORD, Ian; KEEN, Michael; SMITH, Stephen. Value Added Tax and Excises. In: INSTITUTE FOR FISCAL STUDIES. Dimensions of Tax Design: The Mirrlees Review. Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 275-422., p. 301, tradução livre).
Estabelecida uma exceção, fica muito mais difícil evitar que novas exceções sejam criadas. No Reino Unido, as roupas para crianças, por exemplo, tinham alíquotas reduzidas. Qual a racionalidade por trás desse tratamento diferenciado? Se as roupas têm, por que não devem ter também alíquotas reduzidas muitos outros itens para crianças, como cadeirinhas para transportá-las nos carros e bebês-conforto (Crawford; Keen; Smith, 2010CRAWFORD, Ian; KEEN, Michael; SMITH, Stephen. Value Added Tax and Excises. In: INSTITUTE FOR FISCAL STUDIES. Dimensions of Tax Design: The Mirrlees Review. Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 275-422.)?
Uma vez estabelecidas exceções, a tendência é haver uma ampliação da lista com grande velocidade. Identifica-se alguma semelhança entre o produto que foi objeto do tratamento diferenciado e o novo produto que postula esse tratamento e pleiteia-se a equiparação. E, à medida que as exceções vão aumentando, há cada vez mais produtos que podem ser objeto de comparação e há cada vez mais analogias possíveis de serem feitas.
Originalmente, o Decreto-Lei n. 399, de 1938 (Brasil, 1938BRASIL. Decreto-Lei n. 399, de 30 de abril de 1938. Aprova o regulamento para execução da lei n. 185, de 14 de janeiro de 1936, que institue as Comissões de Salário Mínimo. Disponível em: Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/523433/publicacao/15708212 . Acesso em: 6 mar. 2024.
https://legis.senado.leg.br/norma/523433...
), criou a cesta básica no Brasil com 13 itens. Atualmente, no estado de São Paulo, o art. 3o do anexo II do Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (RICMS), que trata da redução de base de cálculo para os produtos da cesta básica, contém 27 itens e cada Estado possui uma cesta básica diferente, com itens específicos (São Paulo, 2000SÃO PAULO. Decreto n. 45.490, de 30 de novembro de 2000. Aprova o Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - RICMS. 2000. Disponível em: Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2000/decreto-45490-30.11.2000.html . Acesso em: 6 mar. 2024.
https://www.al.sp.gov.br/repositorio/leg...
).
Mas o problema é que é muito difícil avaliar a justiça de cada um dos pedidos de diferenciação. Conforme os tratamentos diferenciados se ampliam,
torna-se cada vez mais difícil resistir a pressões por outras e talvez menos merecedoras medidas de diferenciação. Permitindo algumas diferenciações, os governos podem se revelar mais dispostos a conviver com as complicações que essas diferenciações trazem e assim aumentar sua vulnerabilidade para uma futura erosão da base tributária (Ebrill et al., 2001EBRILL, Liam P. et al. The Modern VAT. Washington, D.C.: International Monetary Fund, 2001., p. 79, tradução livre).
A concessão de tratamento diferenciado torna o campo dos impostos muito mais suscetível aos lobbies e aos grupos de interesse que lutam por tratamento diferenciado no interesse particular desses mesmos grupos.
Considerações finais
No Brasil, as alíquotas diferenciadas na tributação sobre o consumo são defendidas porque elas, supostamente, beneficiariam os mais pobres e seriam responsáveis por maior justiça distributiva. O presente artigo buscou apresentar, a partir da análise da literatura internacional, que, ainda que se admita que as alíquotas diferenciadas tornam a tributação sobre o consumo mais progressiva, esse é um péssimo meio de se tentar proteger os mais pobres.
Foram analisados, em primeiro lugar, os argumentos que poderiam ser utilizados em prol das alíquotas diferenciadas: além do argumento pela equidade, notou-se que elas também são defendidas porque se acredita que, em algumas situações, poderiam assegurar maior eficiência econômica e porque há bens que, por terem mérito, mereceriam proteção especial.
Em seguida, foram examinadas quatro críticas à diferenciação: observou-se como a ideia de que as alíquotas diferenciadas beneficiam os mais pobres parte do pressuposto de que as reduções são repassadas, no preço, aos consumidores finais. E foi mostrado que há muitos estudos empíricos que se debruçaram sobre esse tema e não confirmam esse pressuposto. Ainda que, algumas vezes e em alguns países, tenha havido situações em que as reduções de imposto foram repassadas integralmente para os consumidores, muitas outras vezes isso não aconteceu, o repasse foi apenas parcial ou, em algumas situações, nem sequer houve repasse.
Isso se explica em função das diferentes elasticidades de oferta e demanda e estruturas de mercado. Nos mercados mais competitivos, o repasse tende a ser maior. Estudo feito para o caso do Brasil identificou assimetria nos repasses, quando comparadas as situações de aumento e redução de alíquota. E concluiu que, para as reduções, o repasse foi, em regra, apenas parcial.
Mesmo que o repasse sempre ocorra de forma integral, foram examinados mais três problemas em se usar esse instrumento para proteger os mais pobres. Primeiro, foi visto que, ainda que as alíquotas diferenciadas possam, em termos relativos, favorecer mais os mais pobres - que consomem proporcionalmente mais dos bens com alíquotas reduzidas -, os mais ricos deixam de gastar em tributos, em termos absolutos, mais dinheiro que os mais pobres. A experiência mostra como isso aconteceu em todos os países nos quais isso foi medido por estudos empíricos.
Além disso, foi visto como a diferenciação cria complexidade para o Fisco e para o contribuinte e faz, inevitavelmente, crescer o contencioso entre ambos: há sempre situações sobre as quais há dúvidas interpretativas e, quanto mais exceções existirem, mais controvérsias surgirão. Foram apontados alguns exemplos do tipo de problema interpretativo que as alíquotas diferenciadas trazem a partir do exame da jurisprudência do TIT/SP.
Entretanto, foi mostrado como a existência de algumas situações com tratamento diferenciado torna mais difícil a tarefa de evitar a criação de novas e cada vez mais exceções à regra geral. A possibilidade de se estabelecerem sempre novas exceções torna a legislação mais suscetível aos lobbies e aos grupos de interesse.
Se a intenção é criar um sistema progressivo, não é necessário que todos os impostos do sistema sejam, em igual medida, progressivos. O importante é que o sistema como um todo favoreça a distribuição e a equidade. E, para esses propósitos, o imposto sobre a renda e um sistema de transferências diretas são os candidatos naturais. O sistema de tributação da renda pode ter, dependendo do país, mais ou menos condições de cumprir esses objetivos.
No Brasil, o programa Bolsa Família é um caso de sucesso. Uma alíquota uniforme na tributação sobre o consumo, acompanhada por medidas complementares - como a ampliação das transferências diretas ou a devolução do imposto para as camadas mais pobres (medida também conhecida como isenção personalizada ou tax refund) -, tem condições de atender aos objetivos que se pretende alcançar com as alíquotas diferenciadas, sem incorrer nos quatro problemas que foram apontados neste artigo.
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» https://publications.iadb.org/pt/tributacao-do-valor-adicionado-o-icms-e-reformas-necessarias-para-conforma-lo-melhores-praticas
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Este artigo resulta do Projeto de Pesquisa Regular n. 2022/02375-0, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O autor agradece ao professor Isaias Coelho pelos comentários à primeira versão deste texto.
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2
Duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs), com teor semelhante, iniciaram sua tramitação, uma na Câmara e a outra no Senado. A PEC 45/2019 (Brasil, 2019aBRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição n. 45/2019. Altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2019a. Disponível em: Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2196833 . Acesso em: 6 mar. 2024.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb... ), que tramitou na Câmara dos Deputados, propunha a substituição de cinco tributos - Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto Sobre Serviços (ISS) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) - por um tributo único sobre o consumo, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e um Imposto Seletivo (IS) sobre alguns produtos. A PEC 110/2019 (Brasil, 2019bBRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição n. 110, de 2019. Altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências. Brasília, DF: Senado Federal, 2019b. Disponível em: Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137699 . Acesso em: 6 mar. 2024.
https://www25.senado.leg.br/web/atividad... ) iniciou sua tramitação no Senado e propunha a substituição de nove tributos, quais sejam: IPI, Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), PIS, Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), Cofins, Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide-combustíveis), Salário-Educação, ICMS e ISS, também por um IBS e um IS. Em uma tentativa de unificar as duas propostas, foi criada uma comissão mista entre Câmara e Senado, que teve como relator o deputado Aguinaldo Ribeiro e como presidente o senador Roberto Rocha. O relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro conciliava as duas PECs em um único texto. Depois da apresentação do relatório, o presidente eleito da Câmara, deputado Arthur Lira, não deu andamento aos trabalhos nessa casa e a comissão foi esvaziada. Os trabalhos seguiram então no Senado, em que a tramitação da PEC 110 foi retomada. No lugar da redação original da PEC, no entanto, o relator, senador Roberto Rocha, teve como base para o seu relatório o texto do deputado Aguinaldo Ribeiro, mas procurou conciliá-lo com o Projeto de Lei n. 3.887/2020 (Brasil, 2020BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 3.887/2020. Institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços - CBS, e altera a legislação tributária federal. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2258196 . Acesso em: 6 mar. 2024.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb... ), enviado pelo Governo Federal ao Congresso, e que previa a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Nessa nova versão, a PEC 110 passou a prever a extinção do ICMS, ISS, PIS, Cofins e Cofins-Importação e sua substituição por um IVA dual e a substituição do IPI por um IS. Com a eleição de Lula no final de 2022, a reforma tributária recebeu novo impulso. No início de 2023, Fernando Haddad, Ministro da Fazenda, nomeou Bernard Appy - um dos autores do texto no qual foi baseada a PEC 45 - Secretário Extraordinário da Reforma Tributária, e a PEC 45 foi retomada na Câmara. O deputado Aguinaldo Ribeiro foi indicado novamente relator, mas o novo texto apresentado incorporou muitas das alterações promovidas pelo texto do senador Roberto Rocha. O texto foi aprovado nos plenários da Câmara e do Senado e, em 20 de dezembro de 2023, foi promulgada a Emenda Constitucional n. 132 (Brasil, 2023BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos. Emenda Constitucional n. 132, de 20 de dezembro de 2023. Altera o Sistema Tributário Nacional. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc132.htm . Acesso em: 6 mar. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co... ), resultante da PEC. Para um histórico mais detalhado das propostas de reforma tributária e uma comparação entre elas, ver Orair e Gobetti (2019ORAIR, Rodrigo Octávio; GOBETTI, Sérgio Wulff. Reforma tributária e federalismo fiscal: uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor agregado para o Brasil. Texto para Discussão IPEA n. 2530. Rio de Janeiro: Ipea, 2019.). -
3
Esse também é um dos argumentos mais utilizados contra a criação de um VAT nos Estados Unidos (Metcalf, 1994METCALF, Gilbert E. Life Cycle versus Annual Perspectives on the Incidence of a Value Added Tax. In: POTERBA, James M. (ed.). Tax Policy and the Economy. Cambridge: MIT Press, 1994. (v. 8). p. 45-64.).
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4
Essa percepção enraizada também se observa no Canadá, apesar de existirem muito poucos estudos aplicados sobre a incidência dos impostos nesse país. Richard Bird e Michael Smart (2016BIRD, Richard Miller; SMART, Michael. Finances of the Nation: Taxing Consumption in Canada: Rates, Revenues, and Redistribution. Canadian Tax Journal, [s.l.], v. 64, n. 2, p. 417-442, 2016.) escrevem que a presumida regressividade da tributação sobre o consumo deve ser considerada uma questão de fé e não de fato.
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5
A diferença entre os dois parâmetros possíveis é apresentada, por exemplo, pela Comissão Europeia (2011COMISSÃO EUROPEIA. A Retrospective Evaluation of Elements of the EU VAT System. Final Report TAXUD/2010/CC/104, Londres, 5 dez. 2011. Disponível em: Disponível em: https://taxation-customs.ec.europa.eu/system/files/2016-09/report_evaluation_vat.pdf . Acesso em: 14 maio 2021.
https://taxation-customs.ec.europa.eu/sy... , p. 361), Thomas (2020THOMAS, Alastair. Reassessing the Regressivity of the VAT. OECD Taxation Working Papers , n. 49. Paris: OECD Publishing, 2020., p. 5), Feria e Walpole (2020FERIA, Rita de la; WALPOLE, Michael. The Impact of Public Perceptions on General Consumption Taxes. British Tax Review, [s.l.], v. 67, n. 5, p. 637-669, 2020., p. 639). -
6
De acordo com Due e Friedlaender (1977DUE, John Fitzgerald; FRIEDLAENDER, Ann Fetter. Government Finance: Economics of the Public Sector. 6. ed. Homewood, Illinois: Richard D. Irving, 1977.), essa ideia remonta ao filósofo inglês Thomas Hobbes e foi explorada no trabalho de Irving Fisher.
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7
Como já foram apontadas, as conclusões dos estudos empíricos de Siqueira, Nogueira e Souza (2010SIQUEIRA, Rozane Bezerra de; NOGUEIRA, José Ricardo Bezerra; SOUZA, Evaldo Santana de. Alíquotas efetivas e a distribuição da carga indireta sobre as famílias no Brasil. In: SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL (org.). XV Prêmio do Tesouro Nacional - 2010: homenagem a Joaquim Nabuco. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, 2010. Disponível em: Disponível em: https://premios.tesouro.gov.br/stn2010/assets/pdf/tema4/Tema%204%20-%20Mencao%20Honrosa%20-%20Rozane%20Bezerra.pdf . Acesso em: 27 fev. 2024.
https://premios.tesouro.gov.br/stn2010/a... ) são diferentes das de Silveira (2012SILVEIRA, Fernando Gaiger. Equidade fiscal: impactos distributivos da tributação e gasto social. In: SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL (org.). XVII Prêmio do Tesouro Nacional - 2012: coletânea de monografias. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, 2012. Disponível em: Disponível em: https://premios.tesouro.gov.br/stn2012/assets/pdf/tema1/Tema%201%20-%203%20Lugar%20-%20Fernando%20Gaiger%20Silveira.pdf . Acesso em: 19 out. 2022.
https://premios.tesouro.gov.br/stn2012/a... ). -
8
Uma análise detida da seletividade no ICMS e no IPI, apontando as distorções do seu uso atual, é feita por Godoi (2017GODOI, Marciano Seabra de. Tributação do consumo e efeitos redistributivos: alíquotas reduzidas conforme a essencialidade dos produtos/serviços (seletividade) versus alíquotas uniformes com transferências financeiras (redundable tax credits) para famílias de baixa renda. In: AFONSO, José R. et al. (orgs.). Tributação e desigualdade. Belo Horizonte: Letramento, 2017. p. 545-573.).
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9
Como escreve Mehrotra (2022MEHROTRA, Ajay K. Experts, Democracy, and the Historical Irony of U.S. Tax Policy: Thomas S. Adams and the Beginnings of the Value-Added Tax. Modern American History, v. 5, n. 3, p. 239-262, nov. 2022., p. 244, tradução livre): “Como demonstram os estudiosos do direito comparado e da economia política, existe um elevado grau de correlação no espaço e no tempo entre impostos nacionais regressivos sobre o consumo, como o IVA, e despesas robustas e progressivas com bem-estar social”.
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Mencionamos aqui os livros e artigos indicados na seção “Referências”, ao final deste artigo, mas destacamos, especialmente, o material produzido para a Comissão Europeia, os estudos realizados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI, International Monetary Fund, em inglês) e pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, Organisation for Economic Co-Operation and Development, em inglês). Quanto aos textos produzidos para a Comissão Europeia, referimo-nos, principalmente, aos seguintes: Copenhagen Economics (2007COPENHAGEN ECONOMICS. Study on Reduced VAT Rates Applied to Goods and Services in the Member States of the European Union: Final Report. Copenhague: Copenhagen Economics, 2007.), Comissão Europeia (2011COMISSÃO EUROPEIA. A Retrospective Evaluation of Elements of the EU VAT System. Final Report TAXUD/2010/CC/104, Londres, 5 dez. 2011. Disponível em: Disponível em: https://taxation-customs.ec.europa.eu/system/files/2016-09/report_evaluation_vat.pdf . Acesso em: 14 maio 2021.
https://taxation-customs.ec.europa.eu/sy... ); pelo FMI (Ebrill et al., 2001EBRILL, Liam P. et al. The Modern VAT. Washington, D.C.: International Monetary Fund, 2001.) e com relação aos textos da OCDE, especialmente os estudos de Thomas (2020THOMAS, Alastair. Reassessing the Regressivity of the VAT. OECD Taxation Working Papers , n. 49. Paris: OECD Publishing, 2020.) e de OCDE e KIPF (2014ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE); INSTITUTO COREANO DE FINANÇAS PÚBLICAS (KIPF). The Distributional Effects of Consumption Taxes in OECD Countries. OECD Tax Policy Studies , n. 22. Paris: OECD Publishing, 2014.). Além desses textos, indicamos a ampla e clássica revisão feita para o governo do Reino Unido coordenada por James Mirrlees (Crawford; Keen; Smith, 2010CRAWFORD, Ian; KEEN, Michael; SMITH, Stephen. Value Added Tax and Excises. In: INSTITUTE FOR FISCAL STUDIES. Dimensions of Tax Design: The Mirrlees Review. Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 275-422.). -
11
Uma notável exceção no debate nacional é o artigo de Marciano Seabra de Godoi (2017GODOI, Marciano Seabra de. Tributação do consumo e efeitos redistributivos: alíquotas reduzidas conforme a essencialidade dos produtos/serviços (seletividade) versus alíquotas uniformes com transferências financeiras (redundable tax credits) para famílias de baixa renda. In: AFONSO, José R. et al. (orgs.). Tributação e desigualdade. Belo Horizonte: Letramento, 2017. p. 545-573.), que dialoga com um texto da OCDE.
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12
Verificar toda a bibliografia indicada na nota 8.
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13
Seguindo os desenvolvimentos da literatura sobre a teoria da tributação ótima, Ricardo Varsano (2014VARSANO, Ricardo. A tributação do valor adicionado, o ICMS e as reformas necessárias para conformá-lo às melhores práticas internacionais. [S.l.]: Banco Interamericano de Desenvolvimento, 2014. Disponível em: Disponível em: https://publications.iadb.org/pt/tributacao-do-valor-adicionado-o-icms-e-reformas-necessarias-para-conforma-lo-melhores-praticas . Acesso em: 18 out. 2023.
https://publications.iadb.org/pt/tributa... ) argumenta que alíquotas múltiplas alteram os preços relativos e distorcem a decisão de escolha dos consumidores. “Isto, por sua vez, afeta a estrutura da produção e da alocação de recursos reduzindo a eficiência econômica” (Varsano, 2014VARSANO, Ricardo. A tributação do valor adicionado, o ICMS e as reformas necessárias para conformá-lo às melhores práticas internacionais. [S.l.]: Banco Interamericano de Desenvolvimento, 2014. Disponível em: Disponível em: https://publications.iadb.org/pt/tributacao-do-valor-adicionado-o-icms-e-reformas-necessarias-para-conforma-lo-melhores-praticas . Acesso em: 18 out. 2023.
https://publications.iadb.org/pt/tributa... , p. 24). -
14
O professor de Economia da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE FGV/RJ), Aloisio Araujo, tem participado do debate sobre a reforma tributária no Brasil. Ele apresentou, recentemente, com coautores, texto em que argumenta que dadas diferentes taxas de evasão, comprovadas para o Brasil, perder-se-ia o maior sustentáculo para uma alíquota única, em termos de eficiência. A experiência do aumento da alíquota da Cofins, em 1999, sem que o PIS tivesse sofrido alteração, permitiu a eles calcular a diferença de elasticidades de compliance entre setores, concluindo que ela é muito maior para a construção civil, por exemplo, do que para a área financeira e imobiliária (Albuquerque et al., 2023ALBUQUERQUE, Breno et al. Should Governments Tax Commodities Uniformly? Theory and Evidence from Brazil. Mimeo, 2023.). Mesmo se aceita a conclusão dos autores a respeito da variação das elasticidades, a parte propositiva do argumento teria de lidar com as dificuldades práticas para estimar a variação das elasticidades-preço e das elasticidades de compliance. E com o fato de que não é apenas por razões de eficiência que se defende a alíquota uniforme. Como será observado ao longo deste artigo, para sustentar a adoção de uma alíquota uniforme, além de razões de eficiência, há razões de equidade e benefícios para o sistema como um todo.
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15
Bruno Delalibera et al. (2023DELALIBERA, Bruno Ricardo et al. Tax Reforms and Network Effects. Ensaios Econômicos, Rio de Janeiro, n. 832, jan. 2023. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.fgv.br/server/api/core/bitstreams/b2791346-7962-4b43-be04-4e28fc27ee07/content . Acesso em: 18 out. 2023.
https://repositorio.fgv.br/server/api/co... ) publicaram um texto usando um modelo de equilíbrio geral que inclui múltiplos setores com poder de mercado. Eles avaliaram os efeitos de uma reforma tributária que eliminasse a heterogeneidade de alíquotas e a cumulatividade. Segundo os autores, uma “reforma tributária neutra gera ganhos de 7,8% do PIB e 1,9% em bem-estar. A simples eliminação da dispersão de alíquotas do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) leva a um aumento de 5,6% do PIB” (Delalibera et al., 2023DELALIBERA, Bruno Ricardo et al. Tax Reforms and Network Effects. Ensaios Econômicos, Rio de Janeiro, n. 832, jan. 2023. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.fgv.br/server/api/core/bitstreams/b2791346-7962-4b43-be04-4e28fc27ee07/content . Acesso em: 18 out. 2023.
https://repositorio.fgv.br/server/api/co... , p. 1). -
16
Nos termos do Copenhagen Economics (2007COPENHAGEN ECONOMICS. Study on Reduced VAT Rates Applied to Goods and Services in the Member States of the European Union: Final Report. Copenhague: Copenhagen Economics, 2007., p. 21, tradução nossa), “[n]ão há dúvida de que reduções cuidadosamente concebidas nas alíquotas de IVA ou esquemas de suporte diretos equivalentes devem, por várias razões, melhorar o bem-estar dos Estados-Membros e da comunidade”.
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O estudo da OCDE e do KIPF (2014ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE); INSTITUTO COREANO DE FINANÇAS PÚBLICAS (KIPF). The Distributional Effects of Consumption Taxes in OECD Countries. OECD Tax Policy Studies , n. 22. Paris: OECD Publishing, 2014.) indica como esse efeito de ter havido, em termos agregados, um benefício maior para os mais ricos se repetiu para todos os produtos: comida, produtos farmacêuticos, roupas e sapatos para crianças, gás natural, eletricidade e fornecimento de água, tendo a diferença sido menor nesses dois últimos produtos. “Em quase todos os países o benefício tributário recebido pelo decil mais rico foi mais que o dobro do recebido pelo decil mais pobre” (OCDE; KIPF, 2014ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE); INSTITUTO COREANO DE FINANÇAS PÚBLICAS (KIPF). The Distributional Effects of Consumption Taxes in OECD Countries. OECD Tax Policy Studies , n. 22. Paris: OECD Publishing, 2014., p. 58, tradução livre). Na Estônia, onde a diferença foi maior, o benefício do decil mais rico foi seis vezes maior do que o do decil mais pobre.
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O estudo da OCDE e do KIPF (2014ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE); INSTITUTO COREANO DE FINANÇAS PÚBLICAS (KIPF). The Distributional Effects of Consumption Taxes in OECD Countries. OECD Tax Policy Studies , n. 22. Paris: OECD Publishing, 2014.) analisou a distribuição dos benefícios com os chamados bens que têm mérito: livros, jornais, periódicos, cinema, teatro, concertos, museus e zoológicos. No caso desses bens, os resultados agregados mostram um gasto tão maior por parte dos mais ricos que, mesmo em termos proporcionais, eles favorecem os decis mais ricos da população, o que faz com que, em todos os países, as alíquotas sejam regressivas para esses bens (OCDE; KIPF, 2014ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE); INSTITUTO COREANO DE FINANÇAS PÚBLICAS (KIPF). The Distributional Effects of Consumption Taxes in OECD Countries. OECD Tax Policy Studies , n. 22. Paris: OECD Publishing, 2014., p. 63).
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Godoi (2017GODOI, Marciano Seabra de. Tributação do consumo e efeitos redistributivos: alíquotas reduzidas conforme a essencialidade dos produtos/serviços (seletividade) versus alíquotas uniformes com transferências financeiras (redundable tax credits) para famílias de baixa renda. In: AFONSO, José R. et al. (orgs.). Tributação e desigualdade. Belo Horizonte: Letramento, 2017. p. 545-573., p. 569) escreve não acreditar que os estados brasileiros teriam “condições administrativas de criar e gerir um eficiente mecanismo de operacionalização e controle dos créditos e transferências tal como ocorre no Canadá (tax refund)”. Ele argumenta que, no Brasil, a administração do sistema depende das informações transmitidas ao Fisco por meio da declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), mas a população de baixa renda não é contribuinte do IRPF (Godoi, 2017GODOI, Marciano Seabra de. Tributação do consumo e efeitos redistributivos: alíquotas reduzidas conforme a essencialidade dos produtos/serviços (seletividade) versus alíquotas uniformes com transferências financeiras (redundable tax credits) para famílias de baixa renda. In: AFONSO, José R. et al. (orgs.). Tributação e desigualdade. Belo Horizonte: Letramento, 2017. p. 545-573., p. 568). Porém, o programa do governo do estado do Rio Grande do Sul, a experiência com o programa Bolsa Família e a Nota Fiscal de Serviço Eletrônica (NFS-e) mostram como isso não só é possível, mas tem acontecido de forma eficiente.
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Em outro texto, Rita de la Feria (2021FERIA, Rita de la. Addressing VAT Regressivity. Revista Técnica Tributária, [s.l.], v. 1, n. 132, p. 131-151, 2021.) discorre sobre como alíquotas múltiplas podem fazer aumentar as oportunidades de planejamento, elisão e fraude. Segundo ela, “de todos os casos de elisão de IVA decididos pela corte de justiça da União Europeia nos últimos 20 anos, por exemplo, somente dois não diziam respeito a alíquotas diferenciadas ou isenções” (Feria, 2021FERIA, Rita de la. Addressing VAT Regressivity. Revista Técnica Tributária, [s.l.], v. 1, n. 132, p. 131-151, 2021., p. 143, tradução livre).
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Como citar este artigo
PESSÔA, Leonel Cesarino. Uma alíquota uniforme na tributação sobre o consumo beneficia os mais pobres: apresentação e análise do debate internacional. Revista Direito GV, São Paulo, v. 20, e2416, 2024. https://doi.org/10.1590/2317-6172202416
Editora responsável
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
20 Maio 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
04 Abr 2023 -
Aceito
11 Dez 2023