Resumo
O presente estudo consiste em uma pesquisa empírica de caráter quantitativo da produção normativa da Receita Federal do Brasil (RFB) entre os anos de 1988 e 2020. A partir de dados coletados do portal eletrônico da RFB referentes a 13.273 atos normativos, e utilizando técnicas de programação e processamento de linguagem natural, o artigo busca responder ao seguinte problema de pesquisa: qual a dimensão da evolução da produção normativa da RFB ao longo do período indicado, seja em quantidade de normas produzidas, seja no que tange à extensão dos atos infralegais editados e à complexidade gerada para o sistema vigente? Os dados indicam não apenas um aumento expressivo do número de atos normativos publicados a cada ano, mas também um incremento da extensão média desses atos, sugerindo um processo de adensamento da rede de regulamentos que afetam o sistema tributário em nível federal. Os resultados sugerem também que a produção normativa da RFB vem se tornando crescentemente complexa, o que implica um significativo aumento do papel regulatório do órgão. Concomitantemente, essa expansão da regulação tributária federal interfere diretamente nos custos de conformidade tributária, e demanda, portanto, a adoção de instrumentos de análise e controle da produção normativa da RFB.
Palavras-chave
Pesquisa empírica; Receita Federal do Brasil; produção normativa; regulação tributária; custos de conformidade
Abstract
The present study consists in an empirical quantitative analysis of the Brazilian Federal Revenue Office’s (RFB) rulemaking activities between 1988 and 2020. Using data collected in the electronic portal of the RFB for 13,273 normative acts and employing programming techniques and natural language processing tools, the article seeks to answer the following research question: how has the rulemaking activities of the RFB evolved over the period in question, both in terms of the quantity of rules created and in terms of the size of the acts that were approved and the complexity of the resulting system? The data shows not only a significant increase in the number of normative acts published each year, but also an increase in the average length of these acts, suggesting a process of densification of the network of rules that affect the federal tax system. The results also suggest that the normative production of the RFB is becoming increasingly complex, which could imply a significant increase of the regulatory role of the RFB. Concomitantly, this expansion of federal tax regulations directly affects the costs of tax compliance, thus requiring the adoption of instruments of analysis and control of the production of norms by the RFB.
Keywords
Empirical research; Brazilian Federal Revenue Office’s; normative production; tax regulation; compliance costs
Resumen
El presente estudio consiste en una investigación empírica de carácter cuantitativo sobre la producción normativa de la Receita Federal de Brasil (RFB) entre los años 1988 y 2020. A partir de datos recopilados del portal electrónico de la RFB, que incluyen 13.273 actos normativos, y utilizando técnicas de programación y procesamiento del lenguaje natural, el artículo busca responder a la siguiente cuestión: ¿Cuál es la magnitud de la evolución de la producción normativa de la RFB durante el período indicado, tanto en términos de cantidad de normas producidas como en lo que respecta a la extensión de los actos infralegales editados y la complejidad generada para el sistema vigente? Los datos indican no solo un aumento significativo en el número de actos normativos publicados cada año, sino también un incremento en la extensión promedio de estos actos, lo que sugiere un proceso de densificación de la red de regulaciones que afectan al sistema tributario a nivel federal. Los resultados también sugieren que la producción normativa de la RFB se está volviendo cada vez más compleja, lo que implica un aumento significativo del papel regulatorio del organismo. Al mismo tiempo, esta expansión de la regulación tributaria federal interfiere directamente en los costos de cumplimiento tributario, por lo que se requiere la adopción de instrumentos de análisis y control de la producción normativa de la RFB.
Palabras clave
Investigación empírica; Receita Federal de Brasil; producción normativa; regulación tributaria; costos de cumplimiento
Introdução
Os atos regulamentares editados pela Receita Federal do Brasil (RFB) vêm adquirindo crescente relevância para a administração tributária em nível federal.1 1 Neste artigo, adotaremos indistintamente expressões como “atos regulamentares”, “atos normativos”, “normas regulatórias”, “regulação tributária” para nos referirmos à produção normativa da RFB de caráter infralegal, decorrente do poder regulamentar. O fenômeno acompanha um processo mais amplo de complexificação das funções administrativo-regulatórias do Estado e consequente alargamento do papel exercido por normas regulamentares (ou secundárias) diante das normas legislativas primárias (Enterría, 1998ENTERRÍA, Eduardo García de. Legislación delegada, potestad reglamentaria y control judicial. 3. ed. Madri: Civitas, 1998., p. 220-221; Moreira Neto, 2003MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatório: a alternativa participativa e flexível para a administração pública de relações setoriais complexas no estado democrático. Rio de Janeiro: Renovar, 2003., p. 127-128). A literatura tributária clássica, contudo, entende que os contornos da legalidade tributária devem ser definidos em termos restritos e que o estabelecimento de tributos deveria atender a critérios formais de tipicidade fechada (Oliveira, 1999OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Direito tributário e meio ambiente: proporcionalidade, tipicidade aberta, afetação da receita. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1999., p. 219; Xavier, 1978XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978., p. 59).
Tradicionalmente, a normatização do direito tributário pauta-se por critérios rígidos de controle pela lei em sentido estrito. A ideia de que tributos devem estar atrelados às escolhas políticas de órgãos representativos exerceu um papel histórico fundacional para o direito tributário, consolidando-se pela máxima segundo a qual nenhum tributo deve ser criado sem estar respaldado pela representatividade democrática (traduzida na célebre frase cunhada na época da Revolução Americana “no taxation without representation”). No Direito brasileiro, o art. 150, I, da Constituição Federal de 1988 (CF/88)2
2
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; [...]” (Brasil, 1988).
e o art. 97 do Código Tributário Nacional (CTN) (Brasil, 1966BRASIL. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, DF: Presidência da República, 1966. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm . Acesso em: 6 maio 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
)3
3
“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção; II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3o do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades” (Brasil, 1966).
amparam essa posição ao vedarem conjuntamente o estabelecimento, a majoração ou a redução de tributos sem o intermédio da lei. Assim, ainda que a deslegalização tributária já tenha sido admitida pela jurisprudência em alguns casos,4
4
Cf., por exemplo, Recurso Extraordinário n. 140.669-1 (Brasil, 1998).
o tema suscita polêmica no campo acadêmico (Jatahy, 2003JATAHY, Aline Reis de Souza. A norma regulatória e a legalidade tributária: uma convivência possível? Revista de Direito da Procuradoria Geral, Rio de Janeiro, v. 57, p. 42-63, 2003. Disponível em: Disponível em: https://pge.rj.gov.br/comum/code/MostrarArquivo.php?C=ODc3Ng%2C%2C . Acesso em: 15 mar. 2022.
https://pge.rj.gov.br/comum/code/Mostrar...
, p. 42-43).
No entanto, o direito administrativo contemporâneo - em especial, o campo do direito regulatório - atravessa há alguns anos um movimento particular no que diz respeito à tênue linha que separa o princípio da legalidade do exercício do poder regulamentar por parte da administração pública, sobretudo no âmbito das agências reguladoras (Medeiros; Nelson, 2016MEDEIROS, Jackson Tavares da Silva de; NELSON, Rocco Antonio Rangel Rosso. A constitucionalidade do poder normativo das agências reguladoras na ótica do redimensionamento do princípio da legalidade. RDA - Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 271, p. 109-141, jan./abr. 2016. Disponível em: https://doi.org/10.12660/rda.v271.2016.60763. Acesso em: 15 mar. 2022.
https://doi.org/https://doi.org/10.12660...
, p. 131-135). Esse cenário ganha relevância diante da relação de vinculação existente entre o direito tributário e o direito administrativo/regulatório, visto que ambas as áreas se preocupam com a ação e a organização de órgãos e agentes públicos - no caso do primeiro, por meio da denominada “administração tributária”. Isso também se reflete na produção normativa em matéria tributária, que demanda uma série de atos de natureza infralegal para o adequado cumprimento da atividade arrecadatória e fiscalizadora. Inclusive, o exercício do poder regulamentar no campo tributário possui expressa previsão no próprio CTN, em seu art. 100, I.5
5
“Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos: I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas; [...]” (Brasil, 1966).
Nesse sentido, a competência normativa/regulatória da RFB é prevista em seu regimento interno, o qual determina, entre as finalidades do órgão da administração tributária, a edição de atos normativos, incluindo atos que estabelecem obrigações tributárias acessórias.6
6
Anexo I do Regimento Interno da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil:
“Art. 1o A Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB), órgão específico singular, diretamente subordinado ao Ministro de Estado da Economia, tem por finalidade: [...].
III - interpretar e aplicar a legislação tributária, aduaneira, de custeio previdenciário e correlata, e editar os atos normativos e as instruções necessárias à sua execução;
V - estabelecer obrigações tributárias acessórias e disciplinar a entrega de declarações; [...]” (Brasil, 2020a).
Não se discute aqui o papel que o referido órgão exerce no que tange à complementação da legislação tributária federal, mas sim na medida em que tal competência é exercida ou, em outros termos, qual o real tamanho (e potencial impacto) da produção normativa da RFB.
Sob tal perspectiva, este artigo propõe-se a responder ao seguinte problema de pesquisa: qual a dimensão da evolução da produção normativa da RFB ao longo do período de 1988 a 2020, seja em quantidade de normas produzidas, seja no que tange à extensão dos atos infralegais editados e à complexidade gerada para o sistema vigente? A partir desse problema derivam-se diretamente outras questões, como: A RFB desempenha (e/ou deveria desempenhar) atividades normativas semelhantes às de um órgão regulador? Do ponto de vista teórico, quais os possíveis impactos econômicos decorrentes da atividade regulamentar exercida pela RFB? Há (e, se sim, quais seriam) critérios de controle e avaliação das normas de caráter infralegal produzidas pela RFB? Tais perguntas tornam-se significativas a partir do momento em que se identifica ampla atuação normativa por parte da RFB, até então nunca mapeada do ponto de vista quantitativo, produção essa que não só possui relação direta com a atividade regulatória, mas também traz impactos imediatos sobre diferentes agentes econômicos, em particular, os contribuintes e os responsáveis tributários.
Assim, o presente artigo pretende contribuir com o debate em torno dessas questões por meio da análise empírica das normas publicadas pela RFB em seu portal eletrônico. Para tanto, foram levantados metadados e o texto integral de 13.273 atos normativos editados pelo órgão desde a promulgação da CF/88 até o ano de 2020. Com esses dados, busca-se apresentar um panorama da produção normativa desse órgão e evidenciar a evolução do papel das normas regulamentares no âmbito da administração tributária federal ao longo do tempo. A análise empírica empreendida pretende, por um lado, demonstrar o crescimento da produção normativa da RFB e, por outro lado, lastrear uma discussão mais ampla acerca dos potenciais impactos desse conjunto de normas, em especial para os sujeitos diretamente afetados.
Para tanto, o artigo subdivide-se em três seções, além desta introdução e das conclusões. Na primeira seção, são descritos a metodologia, os procedimentos de coleta e o tratamento dos dados, assim como o recorte analítico utilizado para selecionar os tipos de atos que formam o objeto deste estudo. Os dados para este artigo foram obtidos mediante o emprego de técnicas de ciência de dados e do uso de ferramentas de programação. Tais métodos são apresentados e são oferecidas referências para o acesso direto às ferramentas e bases de dados criadas.
Na segunda seção, revelam-se os principais resultados da pesquisa. Os dados indicam não apenas um aumento expressivo do número de atos normativos publicados a cada ano, mas também um incremento da extensão média desses atos, o que sugere um processo de adensamento da rede de regulamentos que afetam o sistema tributário em nível federal. Utilizando técnicas de processamento de linguagem natural, este artigo também buscou analisar o conteúdo textual dos atos normativos, identificando quais tributos são mais frequentemente mencionados pelas normas da RFB. Por meio de proxies textuais adotados para identificar a regulamentação de obrigações acessórias, de multas e penalidades ou de prazos legais, o estudo procurou ainda estimar a incidência de normas de conteúdo regulatório aptas a gerar efeitos econômicos, assim como verificar a complexidade do sistema vigente por meio das relações (de alteração ou revogação) estabelecidas pelos atos editados ao longo do tempo.
Por fim, na terceira seção, discutem-se, brevemente, as possíveis implicações dos resultados obtidos, sobretudo no que diz respeito aos custos de conformidade da tributação no Brasil e nas tendências da regulação tributária. Com base na literatura especializada, apresenta-se o atual cenário brasileiro dos custos derivados do cumprimento de obrigações tributárias instrumentais e como a produção normativa da RFB influencia diretamente esses custos, bem como se (e como) é possível realizar algum tipo de controle e de avaliação dessa mesma produção normativa a partir de critérios técnicos, de racionalidade e de eficiência.
1. Metodologia, coleta e tratamento dos dados
Este artigo adota como metodologia a pesquisa empírica, de caráter quantitativo, e utiliza, como mencionado anteriormente, técnicas de programação e processamento de linguagem natural. Para o estudo da evolução da produção normativa da RFB, foi realizado um levantamento de informações publicadas na seção de “Normas” do portal eletrônico do órgão,7 7 Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/consulta.action. Acesso em: 25 mar. 2022. utilizando uma ferramenta de coleta automatizada de dados (webscrapping) desenvolvida em linguagem R para essa finalidade.8 8 Esta pesquisa vincula-se ao movimento da pesquisa reproduzível em estatística (Stodden, 2014). Desse modo, todos os códigos desenvolvidos para coletar os dados, processá-los e produzir as visualizações e os resumos estatísticos utilizados neste artigo, assim como as bases de dados utilizadas, podem ser livremente acessados por meio do repositório: https://github.com/lthevenard/receita. A base de dados pode ser também acessada por meio da página da revista no sistema ScieloData, pelo link: https://doi.org/10.48331/scielodata.S9BTQS. Os dados obtidos a partir dessa fonte incluem informações sobre: o tipo de ato (portaria, resolução, instrução normativa, etc.), o número do ato, o órgão ou a unidade interna da RFB responsável pela edição do ato, a data de publicação do ato e a ementa do ato. A coleta desses metadados e dos links para a página que contém o texto integral de cada ato foi realizada entre os dias 27/11/2021 e 28/11/2021. O processo de coleta foi operacionalizado por meio de buscas automatizadas pelo “ano do ato”, utilizando-se valores entre 1988 e 2020. Em seguida, foram excluídos os atos editados antes da promulgação da CF/88, mantendo-se, portanto, apenas os atos publicados a partir de 05/10/1988. Dessa forma, o recorte temporal adotado procurou preservar os dados disponíveis e oferecer um amplo panorama da produção normativa da RFB no período pós-CF/88. Essa busca resultou na consolidação de uma base de dados que contém informações acerca de 78.966 atos administrativos publicados pela RFB no período de análise.9 9 Apesar de o ano de 2021 não ter sido incluído entre os valores utilizados na busca por ano do ato, os resultados obtidos pela ferramenta de extração de dados incluíram 188 atos publicados em 2021. Isso ocorreu porque a RFB mantém duas datas em seu sistema interno para cada ato: a data do ato (data em que o ato é editado internamente) e a data de publicação (data em que o ato é publicado no Diário Oficial da União). O sistema da RFB permite a realização de buscas utilizando a data do ato, mas não inclui essa variável nos resultados da pesquisa. Por essa razão, optamos por utilizar a data da publicação nas análises que se seguem.
Nesse universo total de atos publicados pela RFB no período estudado, constatou-se a presença de grande volume de atos que não possuíam caráter normativo e geral. Atos administrativos concretos, destinados à aplicação de sanções, à concessão de habilitações, a emissões e declarações, entre outros, produzem efeitos apenas para os destinatários especificados no próprio texto do ato. De modo análogo, há atos que, pela sua própria natureza, não possuem conteúdo vinculante, como consultas públicas e editais. As publicações inseridas nessas duas categorias não constituem propriamente atos normativos, na medida em que não geram efeitos jurídicos gerais e, portanto, não são pertinentes ao objeto do presente artigo.
Logo, para evitar que tais atos introduzissem distorções nos resultados da pesquisa, foram excluídos da base os tipos mais suscetíveis a incluir atos sem caráter normativo e geral, tais como despachos, convênios, termos, notas, entre outros.10 10 Foram excluídos os seguintes tipos: ato declaratório executivo (51.625 atos), solução de consulta (10.308 atos), ato declaratório (2.621 atos), solução de divergência (318 atos), ato declaratório interpretativo (279 atos), solução de consulta interna (197 atos), decisão (69 atos), despacho (68 atos), parecer (51 atos), ato declaratório executivo conjunto (42 atos), ordem de serviço (41 atos), nota (32 atos), nota técnica (10 atos), recomendação (8 atos), despacho decisório (7 atos), termo de exclusão do Simples Nacional (6 atos), consulta pública (3 atos), edital (2 atos), edital de intimação (2 atos), ordem de serviço conjunta (2 atos), convênio (1 ato), edital de transação por adesão (1 ato). Com esse recorte, foi identificado um total de 13.273 atos normativos que formaram a base de dados deste artigo. Foram mantidos na base os seguintes tipos de ato: portarias (8.347 atos), instruções normativas (3.731 atos), atos declaratórios normativos (353 atos), resoluções (345 atos), portarias conjuntas (307 atos), pareceres normativos (88 atos), instruções normativas conjuntas (39 atos), normas de execução (30 atos), portarias interministeriais (19 atos), normas de execução conjunta (13 atos) e orientações normativas (1 ato). Vale destacar que o recorte de tipos utilizado não elimina completamente a presença de atos não normativos no universo de documentos estudados. Com efeito, a classificação tipológica utilizada pela RFB, assim como as tipologias utilizadas por outros órgãos da Administração Pública brasileira, não diferencia perfeitamente atos regulamentares com conteúdo normativo de outros atos administrativos concretos.11 11 Além disso, há ainda o fato de que certos atos normativos editados pela RFB não impactam a tributação em si, destinando-se prioritariamente a disciplinar aspectos internos do órgão. Essa é uma característica particularmente comum com as portarias, em quantidade considerável na base. Esse fator qualitativo, entretanto, será relevante para as análises de conteúdo deste artigo, sendo endereçado na seção 2.3, adiante. No entanto, a seleção adotada aproxima-se do universo de atos normativos produzidos pela RFB ao longo do período estudado, servindo adequadamente ao propósito do presente artigo.12 12 Vale destacar que um eventual erro de seleção nesse caso tende a estar uniformemente distribuído ao longo do tempo. Não há bons motivos para se supor que a RFB tenha modificado sensivelmente a forma como classifica seus atos administrativos no período analisado e, portanto, não há indícios de mudanças suficientemente marcantes nos critérios de recorte dos dados para levar a uma distorção dos resultados encontrados na pesquisa.
Para esse conjunto de 13.273 atos normativos foram obtidos (nas páginas do portal da RFB de cada ato): o texto integral do ato, o status do ato (quanto à sua vigência no momento da consulta) e as informações sobre os atos que o alteraram ou foram por ele alterados (dados relacionais). O acesso às páginas dos atos para a coleta do texto e dos dados relacionais foi realizado entre os dias 29/11/2021 e 03/12/2021. Não foi possível acessar a página do ato para baixar o seu texto apenas em três casos.13 13 São eles: o Ato Declaratório Normativo n. 5, publicado em 23/03/1999, a Portaria n. 29, publicada em 07/10/2003, e a Resolução n. 23, publicada em 27/10/2010. Para os demais casos, foi possível acessar a página do ato e obter o seu texto; no entanto, dados relacionais sobre o status de vigência e as interações com outros atos normativos não estavam disponíveis em todos os casos, sobretudo nos primeiros anos do período analisado. Assim, foi possível coletar dados relacionais para um conjunto de 12.551 atos, que compreendem a maior parte dos atos editados a partir de 1994.14 14 Entre os anos de 1988 e 1993 a disponibilidade de dados relacionais foi baixa, quando comparada aos anos subsequentes.
A partir de dados textuais e relacionais foi possível produzir novas variáveis de análise, como um indicador da extensão textual dos atos normativos (cômputo do número de palavras do ato), indicadores de interações normativas do ato (a partir das contagens de publicações que alteraram ou foram alteradas pelo ato normativo em questão), além da busca textual para identificar menções a tributos federais e a termos de interesse específico. Tais análises textuais serão apresentadas em mais detalhes na seção a seguir.
2. Resultados da pesquisa e análise dos dados coletados
Nesta seção, apresentamos os principais resultados obtidos pela análise dos dados descritos na seção anterior. Tais resultados indicam que a produção de normas regulatórias pela RFB tem se expandido significativamente nos últimos anos, o que sugere um aumento da atividade regulatória praticada pelo órgão. Para a apresentação de um quadro descritivo geral acerca da produção normativa da RFB, foram examinadas diferentes dimensões dessa produção, incluindo não apenas a quantidade das normas produzidas, mas também a extensão dessas normas (tamanho do corpus textual); a presença de referências a tributos federais nesse corpus; a recorrência de menções a obrigações acessórias, multas e prazos, bem como as interações normativas entre diferentes atos e os respectivos dados relacionais.
2.1. Quantidade e extensão dos atos normativos
Os dados levantados apontam evidente aumento do volume da produção normativa da RFB ao longo do tempo. A série histórica apresenta um salto quantitativo, facilmente observável, a partir da década de 2010. O Gráfico 1 mostra a evolução da quantidade total anual de normas produzidas pelo órgão no período analisado e evidencia um aumento substancial na última década do período.15 15 Como observado anteriormente (cf. nota de rodapé de número 9), o conjunto de dados possui normas publicadas em 2021. Nas análises temporais que se seguem, os dados de 2021 foram removidos dos gráficos que indicam quantidades absolutas e mantidos nos gráficos que apresentam variações percentuais ou médias anuais.
Além de um volume maior de atos produzidos, a análise do corpus textual levantado também permite identificar um incremento da extensão média dos atos normativos publicados pela RFB ao longo do período analisado.16 16 Este artigo é acompanhado de um apêndice estatístico, disponível no link: https://docs.google.com/document/d/1MSiQyOfcWDDnKiCdles7D21-L-UAe3yD/edit?usp=sharing&ouid=112851104996751355911&rtpof=true&sd=true. A Tabela 1 do Apêndice Estatístico deste artigo apresenta um quadro mais completo acerca da quantidade e da extensão de atos publicados pela RFB, incluindo a quantidade total de palavras publicadas por ano e a mediana e desvio-padrão do número de palavras por ato, para cada ano da série histórica. O Gráfico 2 sinaliza a evolução do número médio de palavras por ato normativo ao longo dos anos. Os dados revelam um aumento substancial na extensão dos atos publicados pela RFB nos anos 2000. No início da década seguinte, essa variável apresenta tendência de queda, mas volta a subir no final da série histórica. O gráfico mostra ainda a correlação linear positiva entre a passagem dos anos e a média do número de palavras por ano, e indica a tendência de crescimento da extensão dos atos normativos ao longo do período analisado.17 17 No período examinado, constatou-se uma correlação de Pearson de 0,405136 entre a variável “ano” e a variável “número médio de palavras por ato normativo, por ano”. O índice de Pearson é o método usual para medir correlações lineares entre duas variáveis. Valores do índice de Pearson próximos de 1 indicam forte correlação positiva entre as variáveis (quando uma cresce, a outra também cresce, em proporção linear); valores próximos de -1 indicam forte correlação negativa entre as variáveis (quando uma cresce, a outra decresce, em proporção linear); e valores próximos de 0 indicam a ausência de correlação entre as variáveis. Um índice de aproximadamente 0,4, neste caso, indica a presença de uma correlação linear moderada entre o decurso dos anos e o aumento do número de atos normativos produzidos pela RFB.
2.2. Menções aos tributos federais
Por meio do processamento do conteúdo textual das normas levantadas, também foi possível verificar a existência de menções aos seguintes tributos federais: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), Imposto de Importação (II), Imposto sobre Operações de Crédito (IOF), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), Programa de Integração Social (PIS), Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), assim como as contribuições previdenciárias ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Para identificar as menções, foram realizadas buscas textuais utilizando expressões regulares, uma linguagem de identificação de padrões comumente utilizada para esse tipo de tarefa (Friedl, 2006FRIEDL, Jeffrey E. F. Mastering Regular Expressions. 3. ed. Sebastapol: O’Reilly Media, 2006., p. 4-23). Para tanto, os textos dos atos normativos foram normalizados em caixa-baixa (letras minúsculas) para a aplicação das buscas. As expressões regulares utilizadas foram construídas de forma padronizada, buscando identificar variações de termos-chave que compõem o nome dos tributos, assim como as respectivas siglas.18 18 No caso do Imposto de Importação, a sigla convencional (II) pode ser confundida com o número 2 em algarismos romanos. Não havendo um método simples para evitar que esse problema gere distorções significativas na análise, não foi possível incluir a sigla na expressão regular utilizada para identificar menções a esse imposto. Cabe destacar que isso pode implicar uma sub-representação do Imposto de Importação na análise realizada. Acreditamos que esse não seja um viés significativo, tendo em vista a baixa probabilidade de que um ato normativo que trate do Imposto de Importação não faça menção, em nenhum trecho, à forma extensiva do nome desse tributo. ,19 19 Foram utilizadas as seguintes expressões regulares: <impostos?(\s+\S+){0,3}\s+importa[cç]([aã]o|[õo]es)> (Imposto de Importação); <impostos?(\s+\S+){0,3}\s+renda(\s+\S+){0,3}\s+pessoas?\s+f[íi]sicas?|\birpf\b> (IRPF); <impostos?(\s+\S+){0,3}\s+renda(\s+\S+){0,3}\s+pessoas?\s+jur[íi]dicas?|\birpj\b> (IRPJ); <impostos?(\s+\S+){0,3}\s+opera[cç]([aã]o|[õo]es)(\s+\S+){0,3}\s+cr[ée]dito|\biof\b> (IOF); <impostos?(\s+\S+){0,3}\s+produtos?(\s+\S+){0,3}\s+industrializados?|\bipi\b> (IPI); <contribui[çc]([ãa]o|[õo]es)(\s+\S+){0,3}\s+socia(l|is)(\s+\S+){0,3}\s+financiamentos?(\s+\S+){0,3}\s+seguridades?(\s+\S+){0,3}\s+socia(l|is)|\bcofins\b> (COFINS); <programas?(\s+\S+){0,3}\s+integra[çc]([ãa]o|[õo]es)(\s+\S+){0,3}\s+socia(l|is)|\bpis\b> (PIS); <programas?(\s+\S+){0,3}\s+forma[çc]([ãa]o|[õo]es)(\s+\S+){0,3}\s+patrim[ôo]nios?(\s+\S+){0,3}\s+servidor(es)?(\s+\S+){0,3}\s+p[úu]blicos?|\bpasep\b> (PASEP); <contribui[çc]([ãa]o|[õo]es)(\s+\S+){0,3}\s+socia(l|is)(\s+\S+){0,3}\s+lucros?(\s+\S+){0,3}\s+l[íi]quidos?|\bcsll\b> (CSLL); <contribui[çc]([ãa]o|[õo]es)(\s+\S+){0,3}(?<!excetuadas\sas)\s+previd[êe]nci[áa]rias?|\binss\b> (INSS). As variações de termos identificadas por esse método foram avaliadas ao final da busca, e foi possível constatar que as expressões regulares utilizadas apresentaram um resultado suficientemente robusto. Não foram identificados casos de evidente identificação incorreta dos respectivos tributos e o método utilizado permitiu a checagem de múltiplas variações textuais do nome dos tributos, capturando corretamente as menções mesmo quando havia erros de ortografia comuns no texto dos atos normativos.20 20 A Tabela 2 do Apêndice Estatístico (cf. nota de rodapé n. 16) apresenta a lista completa de termos e expressões identificados pelo método empregado, com a indicação do número total de casos em que cada termo foi encontrado em todos os atos normativos da base.
Com isso foi possível identificar quais tributos foram mencionados no corpus normativo da RFB. Essa análise permite constatar que o IPI foi o imposto mencionado pelo maior número de atos normativos da base estudada, seguido pelo Imposto de Importação.21 21 Uma possível inferência para uma maior quantidade de atos normativos ao IPI e ao Imposto de Importação deriva do seu caráter extrafiscal/regulatório, o qual confere maior liberdade para o ente competente - a União Federal - alterar as alíquotas dos referidos impostos por meio de atos infralegais, em uma exceção ao princípio da legalidade tributária, conforme previsto no art. 153, § 1o, da CF/88 (Brasil, 1988). O IOF, por sua vez, foi o tributo mencionado pelo menor número de atos normativos da RFB no período estudado.22 22 Alguns esclarecimentos a respeito dessa medida são necessários. A unidade de análise da medida é o ato normativo, e não a menção individual ao tributo. Evidentemente, um mesmo ato normativo pode mencionar determinado tributo mais de uma vez e, nesse caso, a medida adotada desconsidera variações no número de menções que são internas a determinado ato normativo. Entretanto, se um mesmo ato normativo menciona mais de um tributo, a medida contabiliza a menção para ambos os tributos. A justificativa para esse critério de contagem é a própria pergunta de pesquisa que se quer analisar: o interesse aqui está na identificação de quantos atos normativos regulamentam cada tributo, ainda que a densidade da regulamentação possa variar de ato para ato. A quantidade de vezes em que o nome do tributo aparece em cada ato, por sua vez, pode flutuar consideravelmente por motivos de técnica legislativa que não são relevantes para a pergunta de pesquisa que guiou a análise. A Tabela 1 apresenta essas relações.
2.3. Obrigações acessórias, multas e prazos
A partir do texto dos atos normativos, foram criados proxies textuais cujo objetivo é identificar, por meio da análise de citações, temas sensíveis capazes de gerar impactos regulatórios para os agentes econômicos e para a coletividade como um todo. A análise foi dividida em três áreas distintas, de forma a permitir resultados mais específicos, que de fato indiquem que a produção normativa da RFB está produzindo consequências jurídicas e econômicas cada vez mais significativas para o sistema tributário nacional. Essas áreas foram: (i) normas referentes à criação de obrigações acessórias; (ii) normas relacionadas à administração de multas e penalidades; e (iii) normas relativas a prazos legais. Essas três dimensões foram escolhidas por estarem associadas a campos semânticos bem determinados e por serem suficientemente comuns na prática da regulação tributária para permitir a construção de um volume adequado de dados a partir do corpus analisado.
Novamente, a implementação da análise foi feita por meio de buscas textuais, utilizando-se expressões regulares para identificar termos que frequentemente se associam ao tipo de norma que se quer examinar.23 23 As expressões regulares utilizadas nesse caso foram: <(\S+\s+){0,6}(\bdeve|\bobriga|\brespons|arcar|[ôo]nus)\S*(\s+\S+){0,6}> (deveres / obrigações); <(\S+\s+){0,6}(\bpena|\bmulta|\bsanç|\binfraç|\bautua[çd])\S*(\s+\S+){0,6}> (multas / penalidades); e <(\S+\s+){0,6}(\bprazo|\bdia(..)?\s*([úu]teis|[úu]til|corridos?)?|\bprorroga|d[ea]\s+ci[êe]ncia)\S*(\s+\S+){0,6}> (prazos legais). Para a análise de normas referentes às obrigações acessórias, foram utilizadas variações dos termos: “dever”, “obrigação”, “responsabilidade”, “arcar” e “ônus”. Para a análise de normas relacionadas a multas e penalidades, foram usadas variações dos termos “multa”, “pena”, “sanção”, “infração” e “autuação”. Por fim, para a análise de normas relativas a prazo legais, foram utilizadas variações dos termos: “prazo”, “dias (úteis/corridos)”, “prorrogação” e “de/da ciência”. Todas as expressões regulares criadas a partir desses termos incluíram a captura de até seis termos adjacentes, de forma a impedir problemas de múltipla contagem.
Aplicando essa busca, foi identificado um total de 51.019 trechos associados ao estabelecimento de obrigações acessórias, 27.739 trechos associados a prazos legais e 11.122 trechos associados a multas e penalidades. Partindo desses resultados, foi realizada uma seleção aleatória de 50 trechos para cada área analisada, os quais foram verificados para garantir que os resultados se aproximavam dos interesses da pesquisa.24 24 As Tabelas 3 a 5 do Apêndice Estatístico (cf. nota de rodapé n. 16) apresentam as seleções aleatórias de trechos das três áreas analisadas.
Vale ressaltar que a análise de citações e a construção de proxies textuais nunca apresentam resultados perfeitos. O objetivo não é medir determinado aspecto da realidade de forma quantitativamente precisa, mas sim produzir aproximação capaz de identificar corretamente tendências de variação de fenômenos de difícil mensuração, utilizando uma metodologia transparente e o mais rigorosa possível (Ellickson, 2000ELLICKSON, Robert C. Trends in Legal Scholarship: A Statistical Study. The Journal of Legal Studies, Chicago, v. 29, n. 1, p. 517-543, 2000. Disponível em: Disponível em: https://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/405 . Acesso em: 15 mar. 2022.
https://digitalcommons.law.yale.edu/fss_...
, p. 518-521), dadas as limitações práticas de cada contexto de pesquisa.25
25
No caso da produção normativa da RFB, fugiria ao escopo do presente artigo analisar qualitativamente um volume suficiente de atos normativos para afirmar com alguma margem de segurança que o impacto regulatório da produção normativa da RFB está aumentando ou diminuindo.
Diante desses objetivos, após a análise dos trechos selecionados aleatoriamente, as variáveis criadas foram consideradas proxies adequados para a análise que se pretendia realizar.
Em seguida, os resultados das buscas foram utilizados para gerar índices anuais de incidência total (número total de trechos identificados no ano) e de incidência média (número médio de trechos por ato normativo publicado no ano) para as três áreas analisadas. Os Gráficos 3, 4 e 5 mostram os resultados para cada área, evidenciando a tendência de aumento em todos os casos.26 26 Foi possível identificar fortes correlações positivas entre o ano da publicação e o escore de incidência total para todas as três áreas estudadas. Tais índices de correlação, calculados pelo método de Pearson, foram: Obrigações Acessórias - 0,7506091; Multas e Penalidades - 0,7388637; Prazos Legais - 0,6956455. O Gráfico 6 apresenta os dados de incidência total das três áreas, mantendo fixa a escala do Eixo Y, de forma a permitir a comparação direta entre essas áreas. É possível notar que a tendência de aumento foi particularmente relevante no caso dos termos relacionados a deveres e obrigações. Todos os indicadores, tanto de incidência total quanto de incidência média, apresentam tendência de aumento ao longo do período analisado.27 27 A Tabela 6 do Apêndice Estatístico (cf. nota de rodapé n. 16) apresenta resumos estatísticos a respeito da incidência dos termos selecionados pelas três áreas de estudo deste artigo.
Incidência de termos que indicam o estabelecimento de obrigações e penalidades ou as alteração de prazos
Como se pode observar, os dados indicam um crescimento substancial de normas que estabelecem deveres e obrigações, impõem multas e penalidades ou alteram prazos legais. A relevância dessa análise reside no fato de que se pode verificar que a expansão da produção normativa da RFB também traz implicações para os contribuintes, podendo gerar aumento dos custos de conformidade por eles incorridos. Essa conclusão, contudo, é mitigada por também existirem na base, ainda que em quantidade mais reduzida, normas que se reservam unicamente a produzir efeitos para a própria RFB, mas que não trazem quaisquer implicações tributárias nem fazem recair sobre os contribuintes as obrigações criadas.
Atos destinados a produzir efeitos internos ao órgão são tipicamente editados pela RFB como portarias. Esse tipo de ato está presente em quantidade considerável em nossa base. Sendo assim, para garantir que essas hipóteses não estejam gerando um efeito distorcivo sobre o indicador que se pretendeu construir, faz-se necessário verificar se as tendências constatadas anteriormente se mantêm quando as portarias não são incluídas na análise. O Gráfico 7 mostra, para as três categorias analisadas anteriormente, os resultados obtidos quando as portarias não são consideradas.28 28 Para tanto, foram excluídos da análise três tipos de atos normativos: (i) portaria, (ii) portaria interministerial e (iii) portaria conjunta. Em razão dessa exclusão, a análise empreendida baseou-se em uma seleção composta de 4.600 atos normativos no total. Como se pode notar, a mesma tendência de crescimento anteriormente identificada se confirma.
Incidência de termos que indicam o estabelecimento de obrigações e penalidades ou as alteração de prazos, sem considerar as portarias
2.4. Interações normativas e dados relacionais
Por fim, os dados disponibilizados pelo portal eletrônico da RFB permitiram a análise do nível de interação entre os atos normativos que compõem a base, ao longo do tempo. Como mencionado na seção 1 deste artigo, a RFB disponibilizou em seu portal dados relacionais a respeito de 12.551 dos 13.273 atos que compõem a base. Os casos de indisponibilidade de dados relacionais estão concentrados nos anos de 1988 a 1994, de forma que, na análise das interações normativas, optou-se por utilizar dados apenas de 1995 em diante.
Os dados disponíveis indicam, para cada ato na base, quais outros atos alteraram aquele ato, ou foram alterados por ele, de forma a mostrar um quadro geral das interações entre os atos normativos. Essa informação pode ser relevante para a avaliação do nível de complexidade regulatória produzida pelas normas da RFB: um maior nível de interações normativas tende a implicar maior complexidade do sistema normativo vigente, sobretudo se determinado ato não se limita a derrogar ou revogar um único ato, mas antes estabelece relações com múltiplos atos, alterando e sofrendo alterações simultaneamente. Para expressar de forma simplificada essas relações, foram construídos três índices: um escore de modificações passivas (quantas vezes as normas publicadas em determinado ano sofreram alterações de outros atos); um escore de modificações ativas (quantas normas foram alteradas pelas normas publicadas em determinado ano); e um escore de interações (resultante da composição dos dois escores anteriores).
Para reduzir as oscilações e permitir melhor visualização das tendências da série histórica, os índices foram criados a partir da aplicação de uma escala logarítmica (log de base 10) aos somatórios de casos de interação analisados. Assim, sendo o número de atos normativos publicados em determinado ano, o número de modificações passivas sofridas pelo ato daquele ano, o número de modificações ativas sofridas pelo ato daquele ano, o escore de modificações passivas, o escore de modificações ativas e o escore de interações totais, o cálculo dos escores de interação deu-se pelas fórmulas:
Escore de modificações passivas:
Escore de modificações ativas:
Escore de interações:
Por se tratar de uma transformação monotônica, a aplicação da função logarítmica não altera as tendências de crescimento ou a queda presente nos dados. No entanto, além de reduzir as variações anuais,29 29 Como é possível conferir a seguir, os atos publicados em 2000 apresentaram um volume extremamente alto de interações normativas, sendo um claro outlier no período. Como a maior parte dessas interações foi passiva, verifica-se que as normas publicadas no ano de 2000 foram frequentemente objeto de modificações posteriores, no mesmo ano ou em anos subsequentes. Não há, contudo, dados suficientes no presente artigo para que possamos determinar com segurança qual foi a causa desse fenômeno. Seria necessário empreender uma análise qualitativa para tanto. a opção pela aplicação da função log após a soma dos escores de modificação cumpre o papel estratégico de aproximar o resultado do escore total da medida de modificação mais relevante em cada ano. Assim, podemos visualizar claramente em que anos o escore é determinado pelas modificações passivas ou ativas.
O Gráfico 8 apresenta a evolução anual desses índices, novamente indicando clara tendência de aumento ao longo do período analisado. Verifica-se, desse modo, que não apenas a rede de atos normativos se torna mais volumosa, mas também o número de interações produzidas pelos atos normativos aumenta a cada ano, elevando o nível de complexidade do sistema normativo mantido pela RFB. A tendência de aumento, ao longo de todo o período, das modificações ativas apresenta um quadro de normas que produzem cada vez mais efeitos sobre outros atos normativos. A elevação das modificações passivas, por sua vez, é ainda mais surpreendente tendo em vista que as normas mais antigas já tiveram mais tempo para serem modificadas (pois os dados estão sendo agrupados pela data de publicação de cada ato normativo). Assim, o resultado indica redução substancial no tempo necessário para que novas normas introduzidas no sistema sofram alterações por outros atos normativos.
3. Discussões e apontamentos preliminares: custos de conformidade da tributação e tendências da regulação tributária
A principal contribuição deste artigo para o debate em torno da política tributária brasileira consiste em identificar elementos materiais que permitam verificar empiricamente o crescimento da produção normativa da RFB e descrever a sua evolução ao longo do tempo. A partir da análise dos dados coletados e apresentados anteriormente, pode-se comprovar evidente expansão das normas regulamentares publicadas durante o recorte temporal realizado. Sob tal perspectiva, algumas discussões de caráter teórico e consequencial podem ser apontadas, sobretudo no que diz respeito aos custos de conformidade da tributação brasileira e ao necessário controle e avaliação das normas regulatórias em matéria tributária.
A literatura tributária e contábil tem investigado, desde 1980, os custos de conformidade da tributação (no original, “compliance costs of taxation”), com referência aos trabalhos seminais de Sandford, Godwin e Hardwick (1989SANDFORD, Cedric; GODWIN, Michael; HARDWICK, Peter. Administrative and Compliance Costs of Taxation. Bath: Fiscal Publications, 1989.), os quais representam, em essência, os custos derivados do cumprimento de obrigações tributárias acessórias (Bertolucci; Nascimento, 2002BERTOLUCCI, Aldo V.; NASCIMENTO, Diogo Toledo do. Quanto custa pagar tributos? Revista Contabilidade & Finanças, São Paulo, v. 13, n. 29, p. 55-67, ago. 2002. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1519-70772002000200004. Acesso em: 15 mar. 2022.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
, p. 58), a exemplo das diferentes normas regulatórias elaboradas pela RFB. Sob tal perspectiva, em matéria tributária é possível identificar duas categorias de custos que incidem sobre os contribuintes, quais sejam: (i) o custo dos tributos em si, representado pela carga tributária, um custo direto e facilmente identificável em razão da dinâmica da tributação, que adota parâmetros quantitativos para o cálculo do valor dos tributos (alíquotas, bases de cálculo, etc.); e (ii) os custos de conformidade ou operacionais, custos indiretos, nem sempre explícitos ou de fácil identificação, que decorrem das diferentes exigências obrigacionais por parte do Fisco, a exemplo do preenchimento de declarações, do envio de informações, da elaboração de formulários, do atendimento de fiscalizações, da conservação de documentos, da contratação de profissionais da área tributária/contábil, do investimento em tecnologia, etc.
Sob outra perspectiva, é possível inferir que a carga tributária não deriva somente da relação entre o valor total da arrecadação (federal, estadual e municipal) e o Produto Interno Bruto (PIB), mas também é influenciada pelos custos operacionais da arrecadação, o que incluiria os custos administrativos de arrecadar (custos da administração tributária) e aqueles derivados do cumprimento das obrigações tributárias acessórias por parte dos contribuintes (Plutarco; Gico Jr.; Valadão, 2012PLUTARCO, Hugo Mendes; GICO JR., Ivo Teixeira; VALADÃO, Marco Aurélio Pereira. The Social Cost of Accessory Tax Obligations. Economic Analysis of Law Review [on-line], Brasília, v. 3, n. 2, p. 338-353, jul./dez. 2012. Disponível em: Disponível em: https://portalrevistas.ucb.br/index.php/EALR/article/view/3%20EALR%20338 . Acesso em: 15 mar. 2022.
https://portalrevistas.ucb.br/index.php/...
, p. 341). Nesse aspecto, os custos operacionais da arrecadação estão diretamente relacionados à quantidade de normas regulatórias que instituem obrigações acessórias, a exemplo das normas editadas pela RFB. Em termos de competitividade e atração de investimentos (Porto; Garoupa, 2022PORTO, Antônio Maristrello; GAROUPA, Nuno. Curso de análise econômica do Direito. São Paulo: Atlas, 2022., p. 20-24), uma elevada carga tributária (como é o caso da brasileira, que nos últimos anos têm girado em torno de 32% do PIB [Brasil, 2021aBRASIL. Secretaria do Tesouro Nacional. Estimativa da Carga Tributária Bruta do Governo Federal. Brasília, DF: Presidência da República, 2021a. Disponível em: Disponível em: https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:38233 . Acesso em: 15 mar. 2022.
https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2...
, p. 6]) associada a altos custos de conformidade da tributação representa um péssimo indicador do ponto de vista econômico. O recente estudo Subnational Doing Business in Brazil 2021, organizado pelo Banco Mundial, constatou que o Brasil possui um dos sistemas tributários mais complexos e onerosos do mundo, com uma alta carga tributária e longos processos pós-declaração (postfiling) (Banco Mundial, 2021BANCO MUNDIAL. Subnational Doing Business in Brazil 2021: Comparing Business Regulation for Domestic Firms in 27 Brazilian Locations with 190 Others Economies. Washington, DC: World Bank Group, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.doingbusiness.org/en/reports/subnational-reports/brazil . Acesso em: 15 mar. 2022.
https://www.doingbusiness.org/en/reports...
, p. 102). Além disso, em todas as 27 localidades brasileiras examinadas pelo Banco Mundial, foi verificado que as empresas despendem entre 1.483 e 1.501 horas por ano para preparar, declarar e pagar tributos, mais do que em qualquer outro país avaliado. Apenas em matéria de IRPJ e CSLL, dois dos principais tributos federais, a média é de 361 horas por ano (Banco Mundial, 2021BANCO MUNDIAL. Subnational Doing Business in Brazil 2021: Comparing Business Regulation for Domestic Firms in 27 Brazilian Locations with 190 Others Economies. Washington, DC: World Bank Group, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.doingbusiness.org/en/reports/subnational-reports/brazil . Acesso em: 15 mar. 2022.
https://www.doingbusiness.org/en/reports...
, p. 104).
O complexo sistema normativo infralegal estabelecido pelas normas regulatórias levantadas por este estudo é um dos fatores mais relevantes para compreender os custos de conformidade da tributação no Brasil. Naturalmente, a pesquisa aqui empreendida, em razão das bases de dados disponíveis (e das não disponíveis), adotou como recorte metodológico as normas produzidas pela RFB. Nesse sentido, cabe salientar que outros entes subnacionais (estados, Distrito Federal e municípios), devido às regras de competência tributária, também produzem normas regulamentares, as quais influenciam os custos de conformidade (o destaque aqui vai para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços [ICMS], de competência estadual e um dos tributos mais complexos do sistema tributário nacional, que demanda das empresas entre 867 e 885 horas por ano [Banco Mundial, 2021BANCO MUNDIAL. Subnational Doing Business in Brazil 2021: Comparing Business Regulation for Domestic Firms in 27 Brazilian Locations with 190 Others Economies. Washington, DC: World Bank Group, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.doingbusiness.org/en/reports/subnational-reports/brazil . Acesso em: 15 mar. 2022.
https://www.doingbusiness.org/en/reports...
, p. 103]).
No entanto, os dados coletados no âmbito da RFB demonstraram que a regulação tributária federal: (i) está em constante expansão; (ii) recebe modificações e alterações regularmente, isto é, não é estável; (iii) demanda contínuo acompanhamento por parte dos contribuintes e responsáveis tributários, aumenta o custo e o tempo gasto para o pagamento dos tributos, assim como permite que eventuais irregularidades - ainda que não intencionais - surjam em razão do descumprimento das referidas normas, resultando em novos custos decorrentes do acionamento do contencioso tributário, seja ele administrativo, seja judicial.
Sob outra abordagem, de viés econômico, é importante mencionar que os custos de conformidade da tributação (assim como a carga tributária) também repercutem em termos de ganhos ou perdas de eficiência. A ciência econômica (em particular, a economia do setor público) já aponta de longa data que a atividade arrecadatória deve possuir baixos custos administrativos, seja para o Fisco, seja para os contribuintes (Stiglitz, 2000STIGLITZ, Joseph E. Economics of Public Sector. 3. ed. Nova York: W. W. Norton & Company, 2000., p. 464). Custos de conformidade elevados resultam em perdas de eficiência econômica e de bem-estar, visto que, em vez de os contribuintes alocarem seus recursos em atividades produtivas, aplicam parte desses mesmos recursos no cumprimento de obrigações acessórias as quais, ainda que necessárias, podem ser dispendiosas em razão da maciça quantidade de normas a serem cumpridas, da complexidade dessas mesmas normas e do consequente incremento dos níveis de burocracia tributária.
Um aspecto relevante a ser destacado sobre esse problema diz respeito à importância da estabilidade do sistema fiscal ao longo do tempo (Mirrlees, 2011MIRRLEES, James A. The Economic Approach to Tax Design. In: INSTITUTE FOR FISCAL STUDIES. Tax by Design: The Mirrlees Review. Oxford: Oxford University Press, 2011. Disponível em: Disponível em: https://ifs.org.uk/books/tax-design . Acesso em: 15 mar. 2022.
https://ifs.org.uk/books/tax-design...
, p. 44). A falta de estabilidade tributária não apenas gera ineficiências por reduzir a capacidade de os agentes econômicos realizarem planejamentos de longo prazo, mas também produz efeitos adversos sobre a dinâmica dos custos de conformidade. Isso ocorre porque a recorrente criação e/ou alteração das obrigações tributárias acessórias impõe a necessidade de que os contribuintes adequem seu comportamento para atender às novas regulações. Via de regra, essa adaptação implica um processo de interpretação e aprendizagem, principalmente no âmbito da atividade empresarial, em que o desempenho dessas tarefas se dá no interior de uma estrutura de gestão. Por essa razão, os custos de conformidade tendem a ser mais altos em um primeiro momento e, ao longo do tempo, tendem a cair, à medida que as empresas adaptam e otimizam suas rotinas internas para melhor atender às suas obrigações tributárias (Suécia, 2006, p. 43). No entanto, se o sistema tributário muda a todo momento, o dispêndio com custos de conformidade mantém-se elevado, gerando perdas líquidas de bem-estar para a sociedade. Na margem, altos custos de conformidade podem repercutir diretamente no comportamento dos contribuintes, que optam por regimes tributários menos complexos (o que, por vezes, resulta em perdas de arrecadação para o Fisco)30
30
Um recorrente exemplo dessa afirmação é representado nas empresas optantes de algum regime jurídico do Simples Nacional (enquadrando-se como microempresa ou empresa de pequeno porte) e que, em determinados casos, preferem ou optam por “não crescer” em termos de majoração do seu faturamento para não perderem os benefícios decorrentes do regime de tributação simplificado, quando comparado a outros regimes mais complexos em termos de conformidade tributária, a exemplo do lucro presumido ou do lucro real.
ou simplesmente não cumprem espontaneamente com determinada obrigação (Seixas, 2016SEIXAS, Luiz Felipe Monteiro. Tributação, finanças públicas e política fiscal: uma análise sob a óptica do Direito e Economia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016., p. 180).
Contudo, a discussão recebe novos contornos a partir do contexto da regulação em matéria tributária e da “função regulatória” exercida pela RFB. Embora no Brasil a temática da regulação ainda seja frequentemente associada às agências reguladoras independentes, ela não deve ser encarada apenas a partir desse conjunto restrito de órgãos, considerando que a definição de regulação (Koop; Lodge, 2017KOOP, Christel; LODGE, Martin. What is Regulation? An Interdisciplinary Concept Analysis. Regulation & Governance, [s.l.], v. 11, n. 1, p. 95-108, 2017., p. 95-97; Orbach, 2012ORBACH, Barak. What Is Regulation? Yale Journal on Regulation [on-line], [s.l.], v. 30, n. 1, p. 1-10, 2012. Disponível em: Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2143385 . Acesso em: 15 mar. 2022.
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
, p. 2-7; Black, 2001BLACK, Julia. Decentring Regulation: Understanding the Role of Regulation and Self-Regulation in a “Post-Regulatory” World. Current Legal Problems, [s.l.], v. 54, n. 1, p. 103-146, 2001., p. 105-112) excede o escopo das agências reguladoras, não podendo ser examinada a partir de uma perspectiva estrita ou legalista do que se entende por “agência” (Vermeule, 2009VERMEULE, Adrian. Our Schmittian Administrative Law. Harvard Law Review, Cambridge, v. 122, n. 4, p. 1095-1149, 2009., p. 1107-1112). Essa constatação é relevante porque, se identificamos que a RFB exerce funções regulatórias, passamos a entender que a atividade do referido órgão deve ser objeto dos mesmos instrumentos de controle e avaliação (Black, 2005BLACK, Julia. Proceduralisation and Polycentric Regulation. Revista Direito GV, São Paulo, v. 1, n. 5, Especial 1, p. 99-130, 2005. Disponível em: Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/35248/34046 . Acesso em: 15 mar. 2022.
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
, p. 113-124) que vêm sendo associados à atividade regulatória nos últimos anos.
Esse segundo ponto - o controle, o acompanhamento e a avaliação da atividade regulatória estatal - ganhou uma nova dimensão a partir de 2019, em razão da edição da Lei n. 13.874/2019 (Brasil, 2019BRASIL. Lei n. 13.874, de 20 de setembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica [...]. Brasília, DF: Presidência da República, 2019.), também conhecida como Lei de Liberdade Econômica, a qual passou a exigir expressamente a realização de Análise de Impacto Regulatório (AIR) para qualquer proposta de edição/alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos, cuja edição seja realizada por órgão da administração pública federal,31
31
“Art. 5o As propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública federal, incluídas as autarquias e as fundações públicas, serão precedidas da realização de análise de impacto regulatório, que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico.
Parágrafo único. Regulamento disporá sobre a data de início da exigência de que trata o caput deste artigo e sobre o conteúdo, a metodologia da análise de impacto regulatório, os quesitos mínimos a serem objeto de exame, as hipóteses em que será obrigatória sua realização e as hipóteses em que poderá ser dispensada” (Brasil, 2019).
o que inclui a RFB. A AIR constitui, em essência, um procedimento ou método voltado para avaliar, previamente à edição de determinada norma regulatória, seus potenciais efeitos (desejáveis e indesejáveis), sua real necessidade de criação, se possui o condão de resolver o problema para o qual foi criada (ou se criará novos problemas), auxiliando o processo de tomada de decisão do regulador (Brasil, 2018BRASIL. Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais et al. Diretrizes Gerais e Guia Orientativo para Elaboração de Análise de Impacto Regulatório - AIR. Brasília, DF: Presidência da República, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/casacivil/pt-br/centrais-de-conteudo/downloads/diretrizes-gerais-e-guia-orientativo_final_27-09-2018.pdf/view . Acesso em: 15 mar. 2022.
https://www.gov.br/casacivil/pt-br/centr...
, p. 23).32
32
Também merece destaque a Avaliação de Resultado Regulatório (ARR), procedimento voltado para examinar, posteriormente à edição de determinada norma, os efeitos dela decorrentes, considerados o alcance (ou não) das finalidades originalmente pretendidas e os demais resultados e impactos observados sobre o sistema socioeconômico. Diferentemente da AIR, a realização da ARR ainda não é obrigatória no âmbito da administração pública federal, não obstante haver uma tendência de sua institucionalização em termos de boas práticas regulatórias. Sobre o tema, cf. o recente Guia Orientativo para Elaboração de Avaliação de Resultado Regulatório - ARR (Brasil, 2022).
Posteriormente, com a edição do Decreto n. 10.411/2020, que regulamentou a AIR em nível federal, ficou estabelecido que a realização do procedimento por parte do Ministério da Economia (e, por conseguinte, da RFB) foi tornada obrigatória a partir de 15 de abril de 2021 (art. 24, I, “a”, do Decreto n. 10.411/2020 [Brasil, 2020bBRASIL. Decreto n. 10.411, de 30 de junho de 2020. Regulamenta a análise de impacto regulatório, de que tratam o art. 5o da Lei n. 13.874, de 20 de setembro de 2019, e o art. 6o da Lei n. 13.848, de 25 de junho de 2019. Brasília, DF: Presidência da República, 2020b.]). Mais importante do que isso é a expressa previsão de que, “no âmbito da administração tributária e aduaneira da União, o disposto neste Decreto aplica-se somente aos atos normativos que instituam ou modifiquem obrigação acessória” (art. 3o, § 1o, do Decreto n. 10.411/2020 [Brasil, 2020bBRASIL. Decreto n. 10.411, de 30 de junho de 2020. Regulamenta a análise de impacto regulatório, de que tratam o art. 5o da Lei n. 13.874, de 20 de setembro de 2019, e o art. 6o da Lei n. 13.848, de 25 de junho de 2019. Brasília, DF: Presidência da República, 2020b.]). Em outros termos: atualmente, qualquer norma de caráter regulamentar expedida pela RFB que implique criação ou alteração de obrigações acessórias (a exemplo de diversas normas coletadas neste artigo) demanda, previamente à sua edição, a realização de AIR por parte do órgão. O propósito, conforme já discutido, é conferir ao processo regulatório maior grau de racionalidade, tecnicidade e eficácia/eficiência, especialmente no que diz respeito à real necessidade ou não da criação da norma, bem como à sua capacidade de alcançar os objetivos pretendidos ou à possibilidade de resultar em novos e diferentes problemas para os contribuintes e responsáveis tributários afetados.33 33 A RFB, em recente portaria (Portaria RFB n. 20, de 5 de abril de 2021), procurou disciplinar a realização da AIR em seu entorno, basicamente reiterando o conteúdo de alguns dos dispositivos do Decreto n. 10.411/2020.
Até o momento, não foi possível identificar experiências de realização de AIR por parte da RFB, algo que, diante do elevado índice de normas regulamentares criadas e/ou alteradas pelo órgão e seus efeitos em termos de custos de conformidade tributária, demanda um acompanhamento constante. A AIR e os demais instrumentos relacionados às boas práticas regulatórias, como a consulta pública, a elaboração de uma agenda regulatória por parte do órgão, o dimensionamento do estoque regulatório, entre outros, podem servir como instrumentos extremamente úteis para conferir maior grau de racionalidade à regulação tributária, permitindo uma otimização da produção normativa, simplificação, redução da complexidade e, consequentemente, diminuição dos custos de conformidade da tributação.
Conclusão
É (ou deveria ser) um pressuposto básico das discussões em torno do campo tributário que a atividade arrecadatória não pode ser encarada como um fim em si mesma, mas um meio (no caso brasileiro, o principal meio) de financiamento do Estado e de suas políticas públicas. Disso derivam duas consequências que merecem referência.
A primeira delas é que o direito tributário, consubstanciado em diferentes normas jurídicas de caráter constitucional, legal e infralegal, define a moldura na qual o Estado exerce o seu poder de tributar. Sob esse aspecto, o desenho institucional do sistema tributário deve tanto atender aos interesses arrecadatórios do Fisco (dentro dos limites do poder de tributar) quanto garantir os direitos básicos dos contribuintes e ainda permitir que estes, de fato, consigam cumprir as diferentes obrigações tributárias (incluindo as instrumentais) que lhes são exigidas. Do contrário, ou os contribuintes buscarão formas (lícitas ou ilícitas) de evitar o cumprimento dessas normas, ou, então, os custos decorrentes da conformidade tributária impactarão adversamente a produtividade, a competitividade e o sistema econômico como um todo.
A segunda consequência decorre da própria essencialidade do Fisco, que precisa ser contemporizada, visto que suas atribuições, para além da arrecadação tributária, da produção normativa e da fiscalização, devem estar em consonância com direitos e garantias dos principais afetados, contribuintes e responsáveis tributários. Ainda que essa relação seja verticalizada, em decorrência do interesse público inerente à tributação, o Fisco, em suas diferentes representações (RFB, secretarias estaduais e municipais de tributação, etc.), deve obedecer aos limites e parâmetros de controle objetivo no exercício de suas funções, o que inclui a função regulatória. Ao exorbitar (ou exacerbar) a sua produção normativa em tais níveis que tornam sua compreensão, seu acompanhamento e cumprimento de difícil realização e demasiadamente custosos, criam-se problemas, entraves e consequências adversas para o sistema socioeconômico - inclusive repercutindo nos próprios níveis de arrecadação.
Sob esse aspecto, os resultados obtidos apresentam um panorama da produção normativa da RFB marcado por um papel cada vez mais importante desse tipo de norma no sistema tributário nacional. O conjunto de tendências aqui apresentadas converge para tornar as normas da RFB um fator cada vez mais presente na administração tributária e na vida dos contribuintes. As normas regulatórias produzidas pelo órgão vêm se tornando mais frequentes, mais extensas, ocasionando diferentes efeitos econômicos e tornando o sistema cada vez mais complexo e denso.
Nesse sentido, este artigo representa um ensaio ainda exploratório a respeito de uma temática de extrema importância nos dias atuais no que tange à regulação tributária. Mais estudos qualitativos e quantitativos precisam ser feitos para que a produção normativa da RFB seja efetivamente compreendida e dimensionada, sobretudo no que diz respeito às suas consequências. A análise de dados qualitativos, coletados a partir de amostras aleatórias representativas, é, sem dúvida, um componente essencial para estudos futuros, para que se produzam análises mais detalhadas de dimensões de conteúdo relevantes para a compreensão do sistema. Além disso, análises quantitativas mais avançadas, que utilizam métodos de processamento de linguagem natural auxiliados por aprendizagem de máquina ou análise de redes para entender mais profundamente as interações entre os atos normativos, também contribuiriam para oferecer um quadro mais preciso da produção normativa da RFB. Tendo em vista a inexistência de trabalhos semelhantes no Brasil, sugere-se também a necessidade de estabelecimento de novas frentes de pesquisa que permitam avaliar o papel normativo da RFB de forma sistemática e assim identificar as consequências regulatórias dessa atividade para a economia e para o sistema tributário nacional.
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- XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.
-
1
Neste artigo, adotaremos indistintamente expressões como “atos regulamentares”, “atos normativos”, “normas regulatórias”, “regulação tributária” para nos referirmos à produção normativa da RFB de caráter infralegal, decorrente do poder regulamentar.
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2
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; [...]” (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm . Acesso em: 5 mar. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Co... ). -
3
“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção; II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3o do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades” (Brasil, 1966BRASIL. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, DF: Presidência da República, 1966. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm . Acesso em: 6 maio 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le... ). -
4
Cf., por exemplo, Recurso Extraordinário n. 140.669-1 (Brasil, 1998BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 140.669-1. Tributário. IPI. Art. 66 da Lei n. 7.450/85, que autorizou o Ministro da Fazenda a fixar prazo de recolhimento do IPI, e Portaria n. 266/88/MF [...]. Relator: Min. Ilmar Galvão, 2 de dezembro de 1998. Disponível em: Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=208415 . Acesso em: 15 mar. 2022.
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pa... ). -
5
“Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos: I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas; [...]” (Brasil, 1966BRASIL. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, DF: Presidência da República, 1966. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm . Acesso em: 6 maio 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le... ). -
6
Anexo I do Regimento Interno da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil:“Art. 1o A Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB), órgão específico singular, diretamente subordinado ao Ministro de Estado da Economia, tem por finalidade: [...].III - interpretar e aplicar a legislação tributária, aduaneira, de custeio previdenciário e correlata, e editar os atos normativos e as instruções necessárias à sua execução;V - estabelecer obrigações tributárias acessórias e disciplinar a entrega de declarações; [...]” (Brasil, 2020aBRASIL. Ministério da Economia. Portaria ME n. 284, de 27 de julho de 2020. Aprova o Regimento Interno da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia. Brasília, DF: Presidência da República, 2020a.).
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7
Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/consulta.action. Acesso em: 25 mar. 2022.
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8
Esta pesquisa vincula-se ao movimento da pesquisa reproduzível em estatística (Stodden, 2014). Desse modo, todos os códigos desenvolvidos para coletar os dados, processá-los e produzir as visualizações e os resumos estatísticos utilizados neste artigo, assim como as bases de dados utilizadas, podem ser livremente acessados por meio do repositório: https://github.com/lthevenard/receita. A base de dados pode ser também acessada por meio da página da revista no sistema ScieloData, pelo link: https://doi.org/10.48331/scielodata.S9BTQS.
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9
Apesar de o ano de 2021 não ter sido incluído entre os valores utilizados na busca por ano do ato, os resultados obtidos pela ferramenta de extração de dados incluíram 188 atos publicados em 2021. Isso ocorreu porque a RFB mantém duas datas em seu sistema interno para cada ato: a data do ato (data em que o ato é editado internamente) e a data de publicação (data em que o ato é publicado no Diário Oficial da União). O sistema da RFB permite a realização de buscas utilizando a data do ato, mas não inclui essa variável nos resultados da pesquisa. Por essa razão, optamos por utilizar a data da publicação nas análises que se seguem.
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Foram excluídos os seguintes tipos: ato declaratório executivo (51.625 atos), solução de consulta (10.308 atos), ato declaratório (2.621 atos), solução de divergência (318 atos), ato declaratório interpretativo (279 atos), solução de consulta interna (197 atos), decisão (69 atos), despacho (68 atos), parecer (51 atos), ato declaratório executivo conjunto (42 atos), ordem de serviço (41 atos), nota (32 atos), nota técnica (10 atos), recomendação (8 atos), despacho decisório (7 atos), termo de exclusão do Simples Nacional (6 atos), consulta pública (3 atos), edital (2 atos), edital de intimação (2 atos), ordem de serviço conjunta (2 atos), convênio (1 ato), edital de transação por adesão (1 ato).
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Além disso, há ainda o fato de que certos atos normativos editados pela RFB não impactam a tributação em si, destinando-se prioritariamente a disciplinar aspectos internos do órgão. Essa é uma característica particularmente comum com as portarias, em quantidade considerável na base. Esse fator qualitativo, entretanto, será relevante para as análises de conteúdo deste artigo, sendo endereçado na seção 2.3, adiante.
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Vale destacar que um eventual erro de seleção nesse caso tende a estar uniformemente distribuído ao longo do tempo. Não há bons motivos para se supor que a RFB tenha modificado sensivelmente a forma como classifica seus atos administrativos no período analisado e, portanto, não há indícios de mudanças suficientemente marcantes nos critérios de recorte dos dados para levar a uma distorção dos resultados encontrados na pesquisa.
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São eles: o Ato Declaratório Normativo n. 5, publicado em 23/03/1999, a Portaria n. 29, publicada em 07/10/2003, e a Resolução n. 23, publicada em 27/10/2010.
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Entre os anos de 1988 e 1993 a disponibilidade de dados relacionais foi baixa, quando comparada aos anos subsequentes.
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Como observado anteriormente (cf. nota de rodapé de número 9), o conjunto de dados possui normas publicadas em 2021. Nas análises temporais que se seguem, os dados de 2021 foram removidos dos gráficos que indicam quantidades absolutas e mantidos nos gráficos que apresentam variações percentuais ou médias anuais.
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Este artigo é acompanhado de um apêndice estatístico, disponível no link: https://docs.google.com/document/d/1MSiQyOfcWDDnKiCdles7D21-L-UAe3yD/edit?usp=sharing&ouid=112851104996751355911&rtpof=true&sd=true. A Tabela 1 do Apêndice Estatístico deste artigo apresenta um quadro mais completo acerca da quantidade e da extensão de atos publicados pela RFB, incluindo a quantidade total de palavras publicadas por ano e a mediana e desvio-padrão do número de palavras por ato, para cada ano da série histórica.
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No período examinado, constatou-se uma correlação de Pearson de 0,405136 entre a variável “ano” e a variável “número médio de palavras por ato normativo, por ano”. O índice de Pearson é o método usual para medir correlações lineares entre duas variáveis. Valores do índice de Pearson próximos de 1 indicam forte correlação positiva entre as variáveis (quando uma cresce, a outra também cresce, em proporção linear); valores próximos de -1 indicam forte correlação negativa entre as variáveis (quando uma cresce, a outra decresce, em proporção linear); e valores próximos de 0 indicam a ausência de correlação entre as variáveis. Um índice de aproximadamente 0,4, neste caso, indica a presença de uma correlação linear moderada entre o decurso dos anos e o aumento do número de atos normativos produzidos pela RFB.
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No caso do Imposto de Importação, a sigla convencional (II) pode ser confundida com o número 2 em algarismos romanos. Não havendo um método simples para evitar que esse problema gere distorções significativas na análise, não foi possível incluir a sigla na expressão regular utilizada para identificar menções a esse imposto. Cabe destacar que isso pode implicar uma sub-representação do Imposto de Importação na análise realizada. Acreditamos que esse não seja um viés significativo, tendo em vista a baixa probabilidade de que um ato normativo que trate do Imposto de Importação não faça menção, em nenhum trecho, à forma extensiva do nome desse tributo.
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Foram utilizadas as seguintes expressões regulares: <impostos?(\s+\S+){0,3}\s+importa[cç]([aã]o|[õo]es)> (Imposto de Importação); <impostos?(\s+\S+){0,3}\s+renda(\s+\S+){0,3}\s+pessoas?\s+f[íi]sicas?|\birpf\b> (IRPF); <impostos?(\s+\S+){0,3}\s+renda(\s+\S+){0,3}\s+pessoas?\s+jur[íi]dicas?|\birpj\b> (IRPJ); <impostos?(\s+\S+){0,3}\s+opera[cç]([aã]o|[õo]es)(\s+\S+){0,3}\s+cr[ée]dito|\biof\b> (IOF); <impostos?(\s+\S+){0,3}\s+produtos?(\s+\S+){0,3}\s+industrializados?|\bipi\b> (IPI); <contribui[çc]([ãa]o|[õo]es)(\s+\S+){0,3}\s+socia(l|is)(\s+\S+){0,3}\s+financiamentos?(\s+\S+){0,3}\s+seguridades?(\s+\S+){0,3}\s+socia(l|is)|\bcofins\b> (COFINS); <programas?(\s+\S+){0,3}\s+integra[çc]([ãa]o|[õo]es)(\s+\S+){0,3}\s+socia(l|is)|\bpis\b> (PIS); <programas?(\s+\S+){0,3}\s+forma[çc]([ãa]o|[õo]es)(\s+\S+){0,3}\s+patrim[ôo]nios?(\s+\S+){0,3}\s+servidor(es)?(\s+\S+){0,3}\s+p[úu]blicos?|\bpasep\b> (PASEP); <contribui[çc]([ãa]o|[õo]es)(\s+\S+){0,3}\s+socia(l|is)(\s+\S+){0,3}\s+lucros?(\s+\S+){0,3}\s+l[íi]quidos?|\bcsll\b> (CSLL); <contribui[çc]([ãa]o|[õo]es)(\s+\S+){0,3}(?<!excetuadas\sas)\s+previd[êe]nci[áa]rias?|\binss\b> (INSS).
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A Tabela 2 do Apêndice Estatístico (cf. nota de rodapé n. 16) apresenta a lista completa de termos e expressões identificados pelo método empregado, com a indicação do número total de casos em que cada termo foi encontrado em todos os atos normativos da base.
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Uma possível inferência para uma maior quantidade de atos normativos ao IPI e ao Imposto de Importação deriva do seu caráter extrafiscal/regulatório, o qual confere maior liberdade para o ente competente - a União Federal - alterar as alíquotas dos referidos impostos por meio de atos infralegais, em uma exceção ao princípio da legalidade tributária, conforme previsto no art. 153, § 1o, da CF/88 (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm . Acesso em: 5 mar. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Co... ). -
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Alguns esclarecimentos a respeito dessa medida são necessários. A unidade de análise da medida é o ato normativo, e não a menção individual ao tributo. Evidentemente, um mesmo ato normativo pode mencionar determinado tributo mais de uma vez e, nesse caso, a medida adotada desconsidera variações no número de menções que são internas a determinado ato normativo. Entretanto, se um mesmo ato normativo menciona mais de um tributo, a medida contabiliza a menção para ambos os tributos. A justificativa para esse critério de contagem é a própria pergunta de pesquisa que se quer analisar: o interesse aqui está na identificação de quantos atos normativos regulamentam cada tributo, ainda que a densidade da regulamentação possa variar de ato para ato. A quantidade de vezes em que o nome do tributo aparece em cada ato, por sua vez, pode flutuar consideravelmente por motivos de técnica legislativa que não são relevantes para a pergunta de pesquisa que guiou a análise.
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As expressões regulares utilizadas nesse caso foram: <(\S+\s+){0,6}(\bdeve|\bobriga|\brespons|arcar|[ôo]nus)\S*(\s+\S+){0,6}> (deveres / obrigações); <(\S+\s+){0,6}(\bpena|\bmulta|\bsanç|\binfraç|\bautua[çd])\S*(\s+\S+){0,6}> (multas / penalidades); e <(\S+\s+){0,6}(\bprazo|\bdia(..)?\s*([úu]teis|[úu]til|corridos?)?|\bprorroga|d[ea]\s+ci[êe]ncia)\S*(\s+\S+){0,6}> (prazos legais).
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As Tabelas 3 a 5 do Apêndice Estatístico (cf. nota de rodapé n. 16) apresentam as seleções aleatórias de trechos das três áreas analisadas.
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No caso da produção normativa da RFB, fugiria ao escopo do presente artigo analisar qualitativamente um volume suficiente de atos normativos para afirmar com alguma margem de segurança que o impacto regulatório da produção normativa da RFB está aumentando ou diminuindo.
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Foi possível identificar fortes correlações positivas entre o ano da publicação e o escore de incidência total para todas as três áreas estudadas. Tais índices de correlação, calculados pelo método de Pearson, foram: Obrigações Acessórias - 0,7506091; Multas e Penalidades - 0,7388637; Prazos Legais - 0,6956455.
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A Tabela 6 do Apêndice Estatístico (cf. nota de rodapé n. 16) apresenta resumos estatísticos a respeito da incidência dos termos selecionados pelas três áreas de estudo deste artigo.
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Para tanto, foram excluídos da análise três tipos de atos normativos: (i) portaria, (ii) portaria interministerial e (iii) portaria conjunta. Em razão dessa exclusão, a análise empreendida baseou-se em uma seleção composta de 4.600 atos normativos no total.
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Como é possível conferir a seguir, os atos publicados em 2000 apresentaram um volume extremamente alto de interações normativas, sendo um claro outlier no período. Como a maior parte dessas interações foi passiva, verifica-se que as normas publicadas no ano de 2000 foram frequentemente objeto de modificações posteriores, no mesmo ano ou em anos subsequentes. Não há, contudo, dados suficientes no presente artigo para que possamos determinar com segurança qual foi a causa desse fenômeno. Seria necessário empreender uma análise qualitativa para tanto.
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Um recorrente exemplo dessa afirmação é representado nas empresas optantes de algum regime jurídico do Simples Nacional (enquadrando-se como microempresa ou empresa de pequeno porte) e que, em determinados casos, preferem ou optam por “não crescer” em termos de majoração do seu faturamento para não perderem os benefícios decorrentes do regime de tributação simplificado, quando comparado a outros regimes mais complexos em termos de conformidade tributária, a exemplo do lucro presumido ou do lucro real.
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“Art. 5o As propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública federal, incluídas as autarquias e as fundações públicas, serão precedidas da realização de análise de impacto regulatório, que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico.Parágrafo único. Regulamento disporá sobre a data de início da exigência de que trata o caput deste artigo e sobre o conteúdo, a metodologia da análise de impacto regulatório, os quesitos mínimos a serem objeto de exame, as hipóteses em que será obrigatória sua realização e as hipóteses em que poderá ser dispensada” (Brasil, 2019BRASIL. Lei n. 13.874, de 20 de setembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica [...]. Brasília, DF: Presidência da República, 2019.).
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Também merece destaque a Avaliação de Resultado Regulatório (ARR), procedimento voltado para examinar, posteriormente à edição de determinada norma, os efeitos dela decorrentes, considerados o alcance (ou não) das finalidades originalmente pretendidas e os demais resultados e impactos observados sobre o sistema socioeconômico. Diferentemente da AIR, a realização da ARR ainda não é obrigatória no âmbito da administração pública federal, não obstante haver uma tendência de sua institucionalização em termos de boas práticas regulatórias. Sobre o tema, cf. o recente Guia Orientativo para Elaboração de Avaliação de Resultado Regulatório - ARR (Brasil, 2022BRASIL. Ministério da Economia. Guia Orientativo para Elaboração de Avaliação de Resultado Regulatório - ARR. Brasília, DF: Presidência da República, 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/analise-de-impacto-regulatorio-air-e-avaliacao-de-resultado-regulatorio-arr/o-que-e-arr/guiaarrverso5.pdf . Acesso em: 15 mar. 2022.
https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/an... ). -
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A RFB, em recente portaria (Portaria RFB n. 20, de 5 de abril de 2021), procurou disciplinar a realização da AIR em seu entorno, basicamente reiterando o conteúdo de alguns dos dispositivos do Decreto n. 10.411/2020.
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Como citar este artigo
GOMES, Lucas Thevenard; SEIXAS, Luiz Felipe Monteiro. A evolução da produção normativa da Receita Federal do Brasil (1988-2020): análise empírica e implicações regulatórias. Revista Direito GV, São Paulo, v. 20, e2414, 2024. https://doi.org/10.1590/2317-6172202414 -
Declaração de Disponibilidade de Dados
O conjunto de dados deste artigo está disponível no SciELO Dataverse da Revista Direito GV, no link: https://doi.org/10.48331/scielodata.S9BTQS.
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Disponibilidade de dados
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
17 Jun 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
19 Abr 2022 -
Aceito
11 Dez 2023