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Práticas colaborativas e a atuação dos bibliotecários multiplicadores da competência em informação

Collaborative practices and the performance of libraries multipliers of information literacy

Resumo:

Objetivo: O objetivo do artigo foi identificar as atividades desenvolvidas pelos bibliotecários multiplicadores da competência em informação e as práticas colaborativas que utilizam em seu desenvolvimento. Método: Pesquisa de campo, descritiva e com abordagem qualitativa, tendo como técnica de coleta de dados o grupo de foco, que foi realizado com um grupo de bibliotecárias de diferentes tipos de bibliotecas. Os dados foram analisados apoiando-se na análise de conteúdo. Resultado: Entre os resultados, foi possível identificar que ações realizadas por multiplicadores da competência em informação podem se referir desde o desenvolvimento de habilidades para a busca e uso da informação, até atividades educacionais e culturais que permitam a reflexão e auxiliem os sujeitos no desenvolvimento de pensamento crítico sobre a sociedade e que os instiguem a entender sua condição de sujeito informacional e social. Para tanto, os bibliotecários realizam diversas parcerias, especialmente com quatro ênfases: educacionais, culturais, sociais e institucionais. Conclusões: A atuação do bibliotecário multiplicador não se dá “descolada” de sua realidade, nesse sentido, é relevante que as instituições e o estado reconheçam a necessidade de formação contínua desses profissionais, assim como o papel essencial desenvolvido pela competência em informação na formação dos sujeitos. Enfatiza-se a relevância das universidades e cursos de Biblioteconomia incorporarem uma formação diversificada e humanística que possibilite aos bibliotecários condições de estabelecerem análises amplas sobre a realidade e condições de agirem para a sua transformação.

Palavras-chave:
habilidades informacionais; multiplicação da competência em informação; bibliotecário educador

Abstract:

Objective: The objective of the article was to identify the activities carried out by librarians who multiply information literacy and which collaborative practices they use in their development. Methods: Field research, descriptive and with a qualitative approach, using the focus group as data collection technique, which was carried out with a group of librarians from different types of libraries. Data were analyzed based on content analysis. Results: Among the results, it was possible to identify that actions carried out by information literacy multipliers can range from the development of skills for the search and use of information, to educational and cultural activities that allow reflection and help subjects in the development of critical thinking about society and that instigate them to understand their condition of informational and social subject. To this end, librarians carry out several partnerships, especially with four emphases: educational, cultural, social and institutional. Conclusions: The role of the multiplier librarian is not “detached” from its reality, in this sense, it is important that institutions and the state recognize the need for continuous training of these professionals, as well as the essential role played by the information literacy in the training of subjects. It emphasizes the importance of universities and Librarianship courses to incorporate a diversified and humanistic training that enables librarians to establish ample analysis of the reality and conditions to act for its transformation.

Keywords:
informational skills; multiplication of information literacy; educator librarian

1 Introdução

Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo ( FREIRE, 2005FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. , p. 68).

Para desenvolver atividades acadêmicas, sociais, pessoais ou profissionais os sujeitos precisam de habilidades para buscar, usar e compartilhar informação. Gasque (2013GASQUE, K. C. G. D. Competência em Informação: conceitos, características e desafios. Atoz, Curitiba, v. 2, n. 1, p. 5-9, jan./jun. 2013., p. 6) se refere a essas habilidades como a “[...] realização de cada ação específica e necessária para alcançar determinada competência.”. A autora ainda complementa que, entre as habilidades fundamentais ao contexto informacional está a identificação da necessidade de informação, a habilidade de formular questões acerca do que se deseja pesquisar, a habilidade de explorar fontes a fim de ampliar os conhecimentos sobre a temática, a habilidade de delimitar o foco da pesquisa, atribuir palavras-chave que representem adequadamente as necessidades informacionais, dentre outras.

Reflete-se, no entanto, que apenas as habilidades operacionais não são suficientes para se alcançar condições adequadas de atuação no contexto informacional. Isso porque para agir no ambiente informacional é necessária uma convergência de conhecimentos (saber), habilidades (saber-fazer) e atitudes (saber-ser), que pode permitir ao indivíduo uma ação consciente e reflexiva frente à informação. É válido reforçar que alguns elementos fundamentais são: saber quando e como acessar a informação, compreender, analisar, avaliar e sintetizar as informações, e utilizá-las para resolver problemas, para gerar redes de informações e promover a incorporação de novos conhecimentos ( BORGES, 2018BORGES, J. Competências infocomunicacionais: estrutura conceitual e indicadores de avaliação. Informação & Sociedade: Estudos, João Pessoa, v. 28, n. 1, p. 123-140, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.22478/ufpb.1809-4783.2018v28n1.38289 . Acesso em: 30 jan. 2023.
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; BORGES; BRANDÃO, 2017BORGES, J.; BRANDÃO, G. Evolução contexto-conceitual das competências infocomunicacionais. Logeion: Filosofia da Informação, Brasília, v. 3, n. 2, p. 75-86, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.21728/logeion.2017v3n2.p75-86 . Acesso em: 30 jan. 2023.
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).

Em relação a estas múltiplas habilidades, Borges (2018BORGES, J. Competências infocomunicacionais: estrutura conceitual e indicadores de avaliação. Informação & Sociedade: Estudos, João Pessoa, v. 28, n. 1, p. 123-140, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.22478/ufpb.1809-4783.2018v28n1.38289 . Acesso em: 30 jan. 2023.
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) aponta que há uma diferença entre mostrar as fontes de informação ao indivíduo e ensinar as estratégias de busca e auxiliar no desenvolvimento da compreensão do que está envolvido nesse processo. Nesse sentido, para ser competente em informação é preciso preocupar-se não apenas com o “como se realiza”, mas, também com o “por que se realiza” e mais ainda, “para que” se realiza determinada atividade. Assim, os fatores relacionados aos processos informacionais não se dão de forma isolada ou individual, são um conjunto complementar de aspectos que permite o uso adequado de ferramentas para a descoberta da informação, a habilidade de analisar criticamente tal informação e a atitude de utilizar esta informação de maneira ética, visando melhorias nos contextos ou comunidades em que o indivíduo esteja inserido.

Esse conjunto de habilidades perpassa as atividades dos sujeitos e se complementa de modo que é necessário que combinem “[...] aspectos cognitivos, sociais e habilidades técnicas” ( BORGES et al., 2012BORGES, J. et al. Competências infocomunicacionais: um conceito em desenvolvimento. Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, João Pessoa, v. 5, n. 1, p. 1-23, 2012. , p. 8). Não cabe aqui atribuir uma lista de requisitos, pois é possível considerar que cada sujeito desenvolverá suas habilidades de formas distintas, assim como aplicará estratégias diferentes que possibilitarão a recuperação e uso das informações necessárias.

Em decorrência do exposto, é possível considerar que o conjunto dessas habilidades, quando bem desenvolvido, pode tornar o indivíduo capaz de realizar o processo informacional contextualizado à competência em informação. A Association of College and Research Libraries (ACRL) caracteriza a competência em informação como um conjunto de habilidades integradas, que se relaciona com a busca reflexiva da informação, a compreensão de como essa informação é produzida e qual valor ela possui, assim como a possibilidade de aplicação dessa informação para o desenvolvimento de novos conhecimentos e na participação ética na comunidade ( ASSOCIATION OF COLLEGE AND RESEARCH LIBRARIES, 2016ASSOCIATION OF COLLEGE AND RESEARCH LIBRARIES (ACRL). Framework for information literacy for higher education. Chicago, 2016. ). É possível compreender que a competência em informação é resultado do desenvolvimento de diversas habilidades, voltadas para ação no ambiente informacional, que requer a complementariedade entre as habilidades que a constitui, de forma que sejam potencializadas umas pelas outras.

Face a isso evidencia-se a relevância do bibliotecário educador ou bibliotecário multiplicador, que é aquele que se propõe a formar os usuários para que estes possam desenvolver suas buscas com autonomia e sabendo julgar as diferentes informações que estão à disposição. Durodolu (2018DURODOLU, O. O. Information literacy, self-concept and metacognitive ability of teacher-librarians at the University of Zululand. Library Philosophy and Practice, Nebraska, feb. 2018.) considera que bibliotecários educadores têm condições de identificar determinados fatores nas fontes de informação como seus preconceitos, vieses de pesquisa; também são capazes de aplicar critérios de avaliação e ferramentas de revisão para a fonte de informação, assim como observar e aplicar diretrizes éticas no uso da informação.

De forma ampla o bibliotecário multiplicador é aquele que trabalha “[...] com os estudantes como orientador, mentor e guia, à medida que estes navegam por esse complexo ecossistema de informações em diferentes estágios de seu desenvolvimento pessoal e cognitivo.” ( ASSOCIATION OF COLLEGE AND RESEARCH LIBRARIES, 201ASSOCIATION OF COLLEGE AND RESEARCH LIBRARIES (ACRL). Roles and Strengths of Teaching Librarians, Chicago, 2017. Disponível em: http://www.ala.org/acrl/standards/teachinglibrarians . Acesso em: 23 set. 2021
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7, p. 2, tradução nossa). Vale refletir que o bibliotecário multiplicador é essencial no planejamento e execução de ações educativas que visem desenvolver nos sujeitos habilidades informacionais, tanto relacionadas à busca e uso da informação, como relacionadas a sua análise crítica e ética.

Assim, o papel do bibliotecário, como multiplicador da competência em informação, se dá diante das ações de mediação pedagógica, nas propostas de ações educacionais, no planejamento de feiras, cursos, oficinas e demais atividades que visam a formação das habilidades informacionais dos usuários. Trabalhos estes, que reforçam sua condição de agente transformador e multiplicador voltado à informação e ao aprendizado, e legitimando seu papel de liderança neste processo social ( DUDZIAK, 2007DUDZIAK, E. A. O bibliotecário como agente de transformação em uma sociedade complexa: integração entre ciência, tecnologia, desenvolvimento e inclusão social. Ponto de Acesso, Salvador, v. 1, n. 1, p. 88-98, 2007. ; 2013DUDZIAK, E. A. Bibliotecário como agente multiplicador da competência informacional e midiática. In: BELLUZZO, R. C. B.; FERES, G. G. (org). Competência em informação: de reflexões às lições aprendidas. São Paulo: FEBAB, 2013. p. 202-217.; SANTOS, 2013SANTOS, J. R. C. T. Competência em Informação na Biblioteca Central da Universidade de Brasília - BCE/UnB: teoria e prática para a capacitação de multiplicadores. 2013. Monografia (Graduação em Biblioteconomia) - Faculdade de Ciência da Informação, Universidade de Brasília. Brasília, 2013. ).

Nesse contexto, requer-se o desenvolvimento de ambientes propícios a essas relações, a esse processo de troca e construção da realidade com o outro. Varela e Barbosa (2012VARELA, A.; BARBOSA, M. L. A. Trajetórias cognitivas subjacentes ao processo de busca e uso da informação: fundamentos e transversalidades. Encontros Bibli: Revista Eletrônica de Biblioteconomia e Ciência da informação, Florianópolis, v. 17, n. esp. 1, p. 142-168, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.5007/1518-2924.2012v17nesp1p142 . Acesso em: 30 jan. 2023.
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) consideram que cabe à educação responder essas demandas da sociedade e que deve haver um projeto educativo que envolva a comunidade e atenda suas questões cotidianas, ou seja, um projeto que possua significados e sentidos partilhados, que auxilie no fortalecimento do ensino e da aprendizagem, que se volte para a participação e desenvolvimento do estudante e da comunidade.

A partir do exposto, a questão que norteou esta pesquisa foi: Quais ações têm sido desenvolvidas pelos bibliotecários multiplicadores? Para tanto, com o objetivo de identificar as atividades desenvolvidas pelos bibliotecários multiplicadores da competência em informação e quais práticas colaborativas utilizam em seu desenvolvimento, realizou-se uma pesquisa de campo, descritiva e com abordagem qualitativa, tendo como técnica de coleta de dados o grupo de foco.

Esse grupo de foco foi realizado no segundo semestre de 2019, com uma amostra intencional de cinco bibliotecárias atuantes em diferentes tipos de unidades de informação (biblioteca escolar, biblioteca pública e biblioteca universitária). Posterior à sua realização, os dados gravados em áudio, foram transcritos e selecionados trechos que poderiam contribuir para responder aos objetivos da pesquisa. Apoiando-se na análise de conteúdo de Bardin (1977BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70 , 1977. ), os dados foram categorizados a partir dos objetivos da pesquisa, sendo que este escrito é um recorte dos resultados da categoria de análise definida a priori, denominada de “iniciativas (ações e atividades) dos bibliotecários como multiplicadores da competência em informação”, na sequência estes dados foram analisados com o apoio da literatura sobre a temática. Cabe ainda mencionar que, este texto é parte dos resultados da pesquisa de mestrado de uma das autoras, cujo projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos, tendo sido aprovado e obtido o CAAE: 20526819.0.0000.5231.

2 O bibliotecário multiplicador e a competência em informação

Não se pode afirmar que um multiplicador da competência em informação trata-se de um profissional específico, de uma área específica, mas sim de um “[...] variado leque de especialistas que ao dominar determinado assunto, possuem um indispensável pré-requisito para se tornarem multiplicadores.” ( BERTÚLIO, 2012BERTÚLIO, A. L. A. Estudo e Formação de Multiplicadores em Competência Informacional. 2012. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Faculdade de Ciência da Informação, Universidade de Brasília, Brasília, 2012., p. 39). Apesar disso, nesta pesquisa não se pretende analisar com exaustão os mais diversos multiplicadores da competência em informação, mas enfatizar o papel de educador do bibliotecário no desenvolvimento de ações que compõem a construção de habilidades para a competência em informação.

Bertúlio (2012BERTÚLIO, A. L. A. Estudo e Formação de Multiplicadores em Competência Informacional. 2012. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Faculdade de Ciência da Informação, Universidade de Brasília, Brasília, 2012.) define os indivíduos considerados multiplicadores da competência em informação, como:

[...] responsáveis por difundir os conceitos e a filosofia da Competência em Informação, e de compartilhar seus conhecimentos informacionais e tecnológicos com os demais, [assim como] todos os conhecimentos que possuem, de forma que os ajude a torná-los independentes, habilitados e competentes ao lidar com a informação em seus diversos formatos, origens e nuances ( BERTÚLIO, 2012BERTÚLIO, A. L. A. Estudo e Formação de Multiplicadores em Competência Informacional. 2012. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Faculdade de Ciência da Informação, Universidade de Brasília, Brasília, 2012., p. 12).

Dessa forma, considera-se os bibliotecários profissionais chave no que tange ao contexto da multiplicação da competência em informação, isso porque podem contribuir no desenvolvimento de habilidades informacionais dos mais diversos aprendizes. Convertendo assim, a biblioteca em espaço adequado para a realização de ações e atividades que contribuam para a promoção da competência em informação.

Sobre as atividades desenvolvidas pelos multiplicadores, Dudziak (2007DUDZIAK, E. A. O bibliotecário como agente de transformação em uma sociedade complexa: integração entre ciência, tecnologia, desenvolvimento e inclusão social. Ponto de Acesso, Salvador, v. 1, n. 1, p. 88-98, 2007. ) evidencia que o papel do bibliotecário é cada dia mais complexo, perpassa atividades e responsabilidades como agente educacional de transformação social.

Para a Association of College and Research Libraries (2017ASSOCIATION OF COLLEGE AND RESEARCH LIBRARIES (ACRL). Framework for information literacy for higher education. Chicago, 2016. , p. 2), o bibliotecário educador pode ser definido como aquele que atua em diversos contextos, de forma que sua atuação pode se dar totalmente ou parcialmente por meio do ensino. Assim, o bibliotecário não é apenas instrutor, que apresenta estratégias de busca da informação, mas pode ser um educador, cujos objetivos educacionais são mais amplos.

De acordo com Varela e Barbosa (2012VARELA, A.; BARBOSA, M. L. A. Trajetórias cognitivas subjacentes ao processo de busca e uso da informação: fundamentos e transversalidades. Encontros Bibli: Revista Eletrônica de Biblioteconomia e Ciência da informação, Florianópolis, v. 17, n. esp. 1, p. 142-168, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.5007/1518-2924.2012v17nesp1p142 . Acesso em: 30 jan. 2023.
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, p. 160):

[...] o bibliotecário, nas atividades de promoção da leitura e formação de leitores-usuários, desempenha funções docentes e, nesse sentido, prescinde de bases pedagógicas, que lhe torne proficiente no ofício de bibliotecário-educador, quando atua em processos de formação de pessoas.

Nota-se que o bibliotecário não deve se limitar a orientação dos usuários para o processo de busca da informação, é seu papel ir além nos aspectos que se relacionam à formação de seus usuários, sendo eles, profissionais, estudantes ou demais cidadãos, isso principalmente no que tange ao desenvolvimento de habilidades para que estes usuários possam compreender e utilizar as informações recuperadas. Para tanto, é importante que o bibliotecário tenha algumas habilidades didáticas e pedagógicas que o auxiliem nesse processo formativo, tais como realização de atividades lúdicas e formativas, habilidades comunicativas, habilidades para a mobilização da atenção do público, habilidades de atuação e contação de histórias, habilidade para incentivar reflexões e debates sociais e contextuais em torno da informação, entre outras.

O bibliotecário multiplicador precisa apresentar exemplos atuais que possam colaborar na relação que os aprendizes farão de um tema com suas atividades cotidianas; estar aberto às novas ideias; motivado para debater e refletir sobre aspectos a serem estudados, assim como estar disposto a sempre buscar novas informações visando a sua formação ou a de seu usuário. Ele também deve se manter acessível, para sanar dúvidas e questionamentos a respeito de temáticas ligadas ou próximas aos conteúdos ministrados por ele ( BERTÚLIO, 2012BERTÚLIO, A. L. A. Estudo e Formação de Multiplicadores em Competência Informacional. 2012. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Faculdade de Ciência da Informação, Universidade de Brasília, Brasília, 2012.).

Nesse escopo, a formação de habilidades para a competência em informação deve ser realizada de forma holística, conectando-se tanto aos fatores cognitivos dos sujeitos, quanto à imaginação, valores e sentimentos. Isso porque, não basta formar sujeitos para pensar criticamente a informação na sua pesquisa ou no seu trabalho, é necessário auxiliá-los a se importarem com as questões informacionais, desenvolvendo seu autoconhecimento e seu envolvimento com a informação ( WARD, 2006WARD, D. Revisioning information literacy for lifelong meaning. The Journal of Academic Librarianship, Columbus, v. 32, n. 4, p. 396-402, 2006. Available in: Available in: https://doi.org/10.1016/j.acalib.2006.03.006 . Accessed on: 30 jan. 2023.
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).

A Association of College and Research Libraries (2017ASSOCIATION OF COLLEGE AND RESEARCH LIBRARIES (ACRL). Framework for information literacy for higher education. Chicago, 2016. ) publicou o Roles and strengths of teaching librarians, com o objetivo de apresentar uma visão mais global, ampla e contextual da atuação do bibliotecário educador. De acordo com Miranda e Alcará (2021MIRANDA, A. M. M.; ALCARÁ; A. R. A formação de bibliotecários multiplicadores da competência em informação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 21., 2021, Rio de Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Informação Ciência e Tecnologia, 2021. p. 1-17. ) esse documento visa apresentar aspectos relacionados ao contexto de atuação dos profissionais e sugere possíveis práticas aos bibliotecários educadores. Para tanto, são apresentados sete eixos de atuação a saber: advocacy, coordenador, designer instrucional, eterno aprendiz, líder, professor e parceiro de ensino.

Destaca-se para esta pesquisa o sétimo papel desenvolvido pelo bibliotecário educador, que é o parceiro de ensino. Nesta função o bibliotecário procura envolver os parceiros de ensino e de colaboração para as iniciativas educacionais, desenvolve respeito mútuo e confiança com colaboradores; incentiva a colaboração eficaz com outros parceiros de ensino, explana benefícios em atuar com bibliotecários educadores; compartilha visão de metas e conhecimentos com outros parceiros; negocia as responsabilidades e expectativas dos colaboradores com o bibliotecário educador ( ASSOCIATION OF COLLEGE AND RESEARCH LIBRARIES, 2017ASSOCIATION OF COLLEGE AND RESEARCH LIBRARIES (ACRL). Framework for information literacy for higher education. Chicago, 2016. ).

É possível compreender essas parcerias desenvolvidas por bibliotecários com outros profissionais como práticas colaborativas, que possibilitam ao bibliotecário multiplicador ampliar seu leque de ações, visto que soma seus conhecimentos ao de outros atores educacionais, culturais e sociais que contribuem para a formação de dimensões distintas que compõem a competência em informação. Ao se referir ao campo do ensino, Rio (2014RIO, V. L. C. D. Práticas colaborativas no ensino de funções: uma aplicação no Programa de Educação de Jovens e Adultos do município do Rio de Janeiro. 2014. Dissertação (Mestrado Profissional em Rede Nacional em Matemática) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. , p. 33) pontua que as “[...] práticas colaborativas colocam os membros em comunidade de modo que todos possam contribuir com seus conhecimentos e entendimentos em favor do grupo”. Há desta forma uma colaboração dos membros da comunidade no processo educativo, trazendo conhecimentos diversos para somar no processo de ensino aprendizagem.

Para Freire (2005FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. ), quanto mais os sujeitos relacionam sua aprendizagem com um contexto amplo, mais serão incitados a responder questões que partem de sua totalidade no mundo, e, portanto, necessárias ao seu desenvolvimento. Dessa forma, não encontrarão respostas apenas às questões educacionais, mas aos problemas reais de sua existência, que os levarão a resolver tais problemas e entender a potencialidade desses processos. É essencial que o multiplicador evidencie aspectos políticos, sociais e éticos relacionados à informação, levando seus aprendizes a se questionarem sobre seus próprios processos de aprendizagem e reflexão a respeito da informação. Para tanto, será necessário que o próprio multiplicador possua habilidades para avaliar a informação, refletir sobre ela e questionar possíveis intencionalidades ou impactos dessa informação, assim como habilidades para auxiliar os estudantes em seu processo de reflexão sem, no entanto, impor suas próprias perspectivas.

Salienta-se ainda, a relevância de que o multiplicador mostre entusiasmo com relação às atividades realizadas e respeito às ideias apresentadas pelos aprendizes. Nesse aspecto, é importante reforçar que o multiplicador da competência em informação seja capaz de reconhecer a diversidade, respeitar questões de gênero, cultura, raça, religião, faixa etária, entre outros. Ele também deve estabelecer relações entre os conteúdos ensinados e suas aplicações na melhoria de vida do aprendiz ou da sociedade como um todo ( BERTÚLIO, 2012BERTÚLIO, A. L. A. Estudo e Formação de Multiplicadores em Competência Informacional. 2012. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Faculdade de Ciência da Informação, Universidade de Brasília, Brasília, 2012.).

Considerando a amplitude de sua atuação, é importante mencionar que bibliotecários multiplicadores devem estar cientes de sua responsabilidade social na formação de sujeitos capazes de lidar com a informação de maneira crítica, reflexiva e ética. Tocante a isso, Serafim e Freire (2012SERAFIM, L. A.; FREIRE, G. H. Ação de responsabilidade social para competências em informação. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 17, n. 3, p. 155-173, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-99362012000300011 . Acesso em: 30 jan. 2023.
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) argumentam que para o bibliotecário agir com responsabilidade social é necessário ter ética em relação aos desafios informacionais impostos a ele. A ética também deve integrar a formação dos sujeitos, tornando-a uma ação social, com vistas ao domínio das ferramentas de busca, de localização e avaliação da informação de maneira crítica, constituindo-se em fatores essenciais para inclusão social e para ação tendo em vista a cidadania.

Os multiplicadores devem expandir seus olhares para a competência em informação e suas relações com o contexto social, político e econômico, capazes de interferir tanto no processo de aprendizagem dos sujeitos como no próprio processo informacional. Para Ward (2006WARD, D. Revisioning information literacy for lifelong meaning. The Journal of Academic Librarianship, Columbus, v. 32, n. 4, p. 396-402, 2006. Available in: Available in: https://doi.org/10.1016/j.acalib.2006.03.006 . Accessed on: 30 jan. 2023.
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) os bibliotecários educadores também podem trabalhar questões subjetivas, que os oportunizem ter autoconhecimento de seus gostos informacionais, de suas preferências e necessidades informacionais, de forma consciente e facilitando seu desenvolvimento ao longo da vida.

Nesse sentido, é preciso compreender que os usuários da informação agem no mundo por meio de suas questões e pesquisas informacionais, assim como são influenciados por elas. Transformados por seu processo de aprendizagem, esses sujeitos se tornam mais dispostos e com habilidades para transformar seu entorno. Dessa forma, ainda que a realidade seja algo externo ao sujeito, ela é construída por meio da interação com o mundo e consigo mesmo ( WARD, 2006WARD, D. Revisioning information literacy for lifelong meaning. The Journal of Academic Librarianship, Columbus, v. 32, n. 4, p. 396-402, 2006. Available in: Available in: https://doi.org/10.1016/j.acalib.2006.03.006 . Accessed on: 30 jan. 2023.
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). Em virtude disso, a ação dos bibliotecários extrapola questões meramente externas à formação dos sujeitos, perpassando aspectos pessoais, sentimentais, motivacionais e subjetivos, que permitem aos usuários não apenas a apropriação de estratégias de busca, seleção e uso da informação, mas habilidades para olhar o universo informacional a partir de suas vivências, de maneira crítica, sensível e reflexiva.

Para tanto, Soares e Campello (2013SOARES, L. V. O.; CAMPELLO, B. S. Bibliotecário educador: a formação como aliada no exercício do papel educativo. 2014. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 14., 2013, Florianópolis. Anais [...]. Santa Catarina: ANCIB, UFSC, 2013. p. 1-7. , p. 5) consideram essencial que a formação destes profissionais “[...] construa uma base sólida de conhecimentos práticos e teóricos acerca do papel educativo dos bibliotecários”, desenvolvendo tanto habilidades informacionais, quanto pedagógicas que devem permear sua atuação como multiplicador. Destaca-se ainda que os bibliotecários multiplicadores devem estar dispostos a “[...] desenvolver uma práxis educacional - uma dinâmica entre teoria e prática - sujeita à reflexão contínua.” ( WHITWORTH, 2012WHITWORTH, A. The reflective information literacy educator. Nordic Journal of Information Literacy in Higher Education-NORIL, Bergen, Norway, v. 4, n. 1, p. 1-18, 2012. Available in: Available in: https://doi.org/10.15845/noril.v4i1.151. Accessed on: 30 jan. 2023.
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, p. 39).

Vale também mencionar Ward (2006WARD, D. Revisioning information literacy for lifelong meaning. The Journal of Academic Librarianship, Columbus, v. 32, n. 4, p. 396-402, 2006. Available in: Available in: https://doi.org/10.1016/j.acalib.2006.03.006 . Accessed on: 30 jan. 2023.
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) quando argumenta que a formação de habilidades para a competência em informação deve ser criada visando realizar uma diferença positiva no mundo. Para que isso ocorra é necessário que os bibliotecários trabalhem em conjunto com outros profissionais, tais como professores, no sentido de definir as metas, assim como ajudar os estudantes a se transformarem em sujeitos que possam transformar positivamente o mundo.

Cabe ainda refletir que, ser competente em informação não significa que o sujeito já aprendeu tudo o que precisa, pelo contrário, significa que ele desenvolveu habilidades necessárias para reconhecer o que não sabe, para questionar o que sabe e para reconhecer como obter, avaliar e usar as informações adequadas aos seus questionamentos.

A partir da compreensão das ações e atividades que podem contribuir para a multiplicação da competência em informação e como os bibliotecários podem se apresentar como profissionais relevantes nesse contexto, esta pesquisa, como já dito, teve como objetivo mapear algumas das atividades que têm sido desenvolvidas por bibliotecários no que tange ao seu papel de multiplicador. Para além dos aspectos mapeados mediante a literatura sobre a temática, a pesquisa de campo com bibliotecários em atuação muito contribuiu para o amadurecimento das reflexões a respeito da multiplicação da competência em informação.

3 Apresentação e análise dos resultados

Como já mencionado, esta pesquisa teve como técnica de coleta de dados um grupo de foco realizado com cinco bibliotecárias, cujos dados foram categorizados e serão apresentados e analisados nesta seção. Cabe referir que, visando manter em sigilo a identidade das participantes, essas serão identificadas ao longo da apresentação dos resultados como Participante 1 (biblioteca escolar e universitária), Participante 2 (biblioteca universitária e biblioteca pública municipal), Participante 3 (biblioteca escolar e especializada), Participante 4 (biblioteca de instituição pública de educação profissional e tecnológica) e Participante 5 (biblioteca pública municipal).

O objetivo inicial da pesquisa era descrever algumas ações e atividades promovidas por bibliotecários em sua atuação que podem compor a multiplicação da competência em informação, entretanto, durante a organização dos dados coletados mediante o grupo de foco, identificou-se que seria relevante evidenciar as parcerias realizadas pelos bibliotecários para desenvolver suas atividades. Dessa forma, serão apresentadas aqui duas categorias que foram utilizadas para a análise dos dados, uma que trata das ações e atividades promovidas pelos bibliotecários multiplicadores e a outra, que se integra à primeira e relaciona-se às parcerias realizadas por esses profissionais para o desenvolvimento das ações.

Ambas as categorias são parte dos dados coletados por meio de gravação em áudio no grupo de foco, que foram transcritos e organizados de acordo com as categorias, analisando-os com aporte da literatura sobre a temática.

3.1 Ações dos bibliotecários multiplicadores da competência em informação a partir das parcerias ou práticas colaborativas

As participantes do grupo de foco foram questionadas acerca de sua atuação como multiplicadoras da competência em informação, nesse sentido apontaram atividades ou ações realizadas nas unidades de informação em que atuam. Sobre tais atividades, a Participante 1, bibliotecária de uma unidade de informação que atende desde estudantes do ensino fundamental I até estudantes de ensino superior, mencionou que em algumas ações teve dificuldade para lidar com as crianças, pois eram muito agitadas, não focavam na atividade e acabavam não aproveitando o espaço da biblioteca. Para resolver tal situação a bibliotecária relatou que se reuniu com as pedagogas da instituição para ver como poderiam desenvolver atividades que os estudantes pudessem realizar na biblioteca e sentirem-se envolvidos e motivados.

Para exemplificar, a Participante 1 explicou que desenvolveu uma parceria com docentes e pedagogos da instituição para criar cruzadinhas e caça-palavras que fossem relacionadas aos conteúdos ministrados em sala. A partir disso fizeram um jogo, que foi utilizado com os estudantes na biblioteca. Em uma relação bastante próxima, a Participante 2 mencionou que realizou uma gincana durante a Semana do Livro e da Biblioteca, que contou com apoio da equipe pedagógica da instituição.

Os relatos das duas bibliotecárias sinalizam que elas tem buscado relações de parceria com os demais profissionais, de maneira a potencializar as atividades desenvolvidas pela biblioteca. Sobre as bibliotecas que tem o processo educacional como parte do seu desenvolvimento, Dudziak (2002DUDZIAK, E. A. Information literacy e o papel educacional das bibliotecas e do bibliotecário na construção da competência em informação. In: CONGRESSO ANUAL EM CIÊNCIA DA COMUNICAÇÃO, 25., 2002, Salvador. Anais [...]. Salvador: ENDECOM, 2002. p. 1-13. , 2013DUDZIAK, E. A. Bibliotecário como agente multiplicador da competência informacional e midiática. In: BELLUZZO, R. C. B.; FERES, G. G. (org). Competência em informação: de reflexões às lições aprendidas. São Paulo: FEBAB, 2013. p. 202-217.) destaca que a abordagem cooperativa entre todos os setores relacionados à infraestrutura informacional e educacional é essencial para o desenvolvimento de novos processos e produtos informacionais que auxiliam na aprendizagem. Cabe mencionar que o estabelecimento de parceria com administradores e educadores, assim como com demais profissionais é considerado pela autora como uma tarefa relevante do bibliotecário multiplicador da competência em informação, pois tais parcerias podem auxiliar em práticas educacionais e medidas pedagógicas mais efetivas à formação dos sujeitos.

A Participante 3, relatou que além de realizar parcerias com atores da própria instituição, a biblioteca tem sido convidada para ser colaboradora em outras iniciativas, o que de acordo com ela, foi muito gratificante já que “[...] pode contribuir com a visão do outro, no planejamento do outro.”. Nesse sentido, a bibliotecária exemplificou que recebeu um convite para participar de uma atividade relacionada à robótica, que visa incentivar crianças de oito a 12 anos a resolver problemas com uma perspectiva que leva em conta o contexto global, evidenciando a importância de se pensar a formação de forma integrada às habilidades técnicas, tecnológicas e sociais. Segundo ela, a biblioteca colabora realizando o processo de design thinking com as crianças, de forma a despertar a criatividade.

Ainda em relação a essas parcerias, a Participante 3 enfatizou que “[...] é muito interessante ver esse movimento de outras pessoas te procurando, outras instituições, e você poder compartilhar [com elas] o que você criou, ou o que já errou”. Já no que se refere aos parceiros internos da instituição, a participante comentou que os professores são aliados no trabalho que é desenvolvido na biblioteca, e a biblioteca tem promovido atividades que visam formar a competência em informação também nos docentes que atuam na instituição, de maneira a estabelecer ainda mais parcerias entre o corpo docente e a biblioteca.

Spudeit (2016SPUDEIT, D. Programas para desenvolvimento de competências informacionais: implementação, metodologias e avaliação. In: ALVES, F. M. M.; CORRÊA, E. C. D.; LUCAS, E. R. (orgs.). Competência em informação: políticas públicas, teoria e prática. Salvador: EDUFBA, 2016. p. 235-278.) argumenta que no cerne da concepção de educação para competência em informação está a premissa de que os profissionais envolvidos no processo de formação precisam desenvolver ações e programas em que os estudantes possam ser atores centrais de sua própria aprendizagem, levando-os a uma maior reflexão e consciência crítica acerca da realidade, para tanto é relevante que tais atividades sejam mediadas por diferentes profissionais multiplicadores.

Em se tratando do papel educacional realizado pelo bibliotecário como um parceiro de ensino, é válido reforçar a importância da atuação desse profissional em redes colaborativas, que permitam compartilhar seus conhecimentos e as práticas desenvolvidas nas instituições em que atuam. Nesse contexto, cabe pontuar que a formação para a competência em informação refere-se a uma integração de saberes, essenciais para o desenvolvimento da sociedade e para uma educação humana, crítica e reflexiva ( SANTOS; SIMEÃO; BELLUZZO, 2019SANTOS, R. B.; SIMEÃO, E. L. M. S.; BELLUZZO, R. C. B. Atributos profissionais para o bibliotecário atuante nas iniciativas formadoras de competência em informação: um estudo baseado na metodologia do diagrama Belluzzo. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 20., 2019, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2019. p. 1-21. ).

A Participante 4 mencionou que alguns professores fazem parceria e estabelecem um tempo na aula para apresentação de fontes de informação bibliográficas, critérios de seleção de materiais e orientações para a normalização. Apesar dessas ações, a bibliotecária considerou que tem desenvolvido poucas atividades relacionadas à competência em informação e que a sua participação como estudante de pós-graduação em uma disciplina sobre a temática serviu como um alerta, de que ela deve focar em ações dessa natureza ao longo de sua atuação na biblioteca.

Ademais, sobre a parceria entre bibliotecários e docentes, vale refletir que as iniciativas relatadas pelas participantes são relevantes no desenvolvimento de ações para competência em informação. Inclusive no documento da Association of College and Research Libraries (2017ASSOCIATION OF COLLEGE AND RESEARCH LIBRARIES (ACRL). Framework for information literacy for higher education. Chicago, 2016. ) considera-se que uma das características do bibliotecário multiplicador é ser parceiro de ensino, que consiste em colaborar em contextos educacionais diversos com professores e demais profissionais da instituição.

A Participante 3 ainda comentou sobre a contribuição ao mostrar seus erros e acertos em uma parceria. Nesse mesmo sentido, o documento da Association of College and Research Libraries (2017ASSOCIATION OF COLLEGE AND RESEARCH LIBRARIES (ACRL). Framework for information literacy for higher education. Chicago, 2016. ) reflete que os bibliotecários devem respeitar pontos fortes e fracos de seus colaboradores e valorizar essas contribuições de forma igualitária. Nesse relato também ficou evidente a importância do respeito mútuo, confiança e entendimento entre os colaboradores, assim como as atividades de formação da biblioteca para os docentes, que podem trazer diferentes perspectivas informacionais a estes parceiros.

Complementar a isso, a Participante 5, bibliotecária de uma biblioteca pública, relatou sobre a parceria que tem desenvolvido com assistentes sociais e funcionários do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), que é integrado à biblioteca em que ela atua. Como exemplo ela mencionou que durante a Semana do Livro e da Biblioteca tem sido promovida a parceria com uma Feira da Cidadania, em que foram realizados serviços à comunidade, apresentação dos órgãos envolvidos, além de atividades voltadas para crianças, barracas da economia solidária, apresentações culturais, entre outras. Sobre essa integração, a bibliotecária frisou que foi muito importante, pois a biblioteca se encontra no mesmo território atendido por tais órgãos e se apresenta como um equipamento cultural para a comunidade em questão. Com isso, ela participa das reuniões realizadas pela rede de assistência municipal, com intuito de melhor conhecer a realidade na qual a biblioteca está inserida e oferecer atividades que atendam às necessidades da comunidade.

Sobre a relação com órgãos de assistência, é possível refletir sobre a importância para inserção da biblioteca no dia a dia da comunidade e para o desenvolvimento de um trabalho que atenda às necessidades de seus usuários. Para Suaiden (1995SUAIDEN, E. Biblioteca pública e informação à comunidade. São Paulo: Global, 1995.) a biblioteca pública deve ser um centro convergente dos objetivos e necessidades da comunidade, ou seja, a comunidade precisa se identificar com a biblioteca, de maneira que a segunda dê subsídios à resolução dos problemas da primeira.

Nesse mesmo sentido, Dudziak (2005DUDZIAK, E. A. Competência em Informação: melhores práticas educacionais voltadas para a Information Literacy. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE BIBLIOTECONOMIA, DOCUMENTAÇÃO E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 21., 2005, Curitiba. Anais [...]. Curitiba: FEBAB, 2005. p. 1-15. , p. 4) considera que:

Envolver-se com a comunidade é a chave do sucesso dos programas de competência em informação. Estabelecer parcerias e co-responsabilidades, estar disponível e ter tempo para o diálogo, saber ouvir e ouvir realmente. Assumir que todos os processos têm altos e baixos. Perguntar, responder, fomentar a dúvida, contextualizar, explicitar contradições, pedir comparações, desenvolver habilidades, não dar receitas prontas, indicar caminhos, criar oportunidades, cultivar sua totalidade humana (conhecimentos, sentimentos, crenças, valores, habilidades).

Considerando a exposição da participante e a fala da autora supracitada, reflete-se que a relação da biblioteca com órgãos de assistência social é essencial no desenvolvimento de ações para a competência em informação. Ainda infere-se, que o fato da biblioteca estar localizada em uma região de vulnerabilidade social faz com que essa relação seja ainda mais necessária, já que, conforme relatado, os órgãos de assistência social têm grupos de trabalhos de acordo com as necessidades e informações socioeconômicas da comunidade. Isso pode ser um fator importante no reconhecimento do contexto de atuação da biblioteca e no desenvolvimento de atividades que atendam as demandas culturais, sociais e econômicas da região.

A Participante 5 também mencionou que nessas reuniões ela fez contatos com artistas e produtores culturais, que muitas vezes desenvolvem uma atividade, mas não tem espaços para suas apresentações. A bibliotecária então estabelece parcerias com esses profissionais, cedendo o espaço da biblioteca para essas apresentações e atividades. Ao que se refere às ações culturais nas bibliotecas, menciona-se Santos e Pedrosa (2019SANTOS, V.; PEDROSA, E. M. P. Ação cultural: o elo entre bibliotecário, biblioteca e formação humana integrada. Redin-Revista Educacional Interdisciplinar, Taquara, v. 8, n. 1, p. 1-12, 2019., p. 2), que apontam o uso de atividades culturais como “[...] ferramenta potencializadora da formação de cidadãos que aprendem a se informar para a vida, não apenas para atender aos anseios do mercado de trabalho.”

Suaiden (1995SUAIDEN, E. Biblioteca pública e informação à comunidade. São Paulo: Global, 1995.) também reflete que a biblioteca pública pode se apresentar como um centro de compartilhamento de informações para a comunidade, isso pressupõe um caráter democrático à biblioteca e a participação da comunidade nas ações desenvolvidas, que devem refletir as necessidades da comunidade. Dessa forma, “[...] a interação e vinculação com a comunidade mostrará que a biblioteca pública é uma instituição indispensável nos planos de desenvolvimento social, cultural e educacional de um país” ( SUAIDEN, 1995SUAIDEN, E. Biblioteca pública e informação à comunidade. São Paulo: Global, 1995., p. 67).

É importante ao bibliotecário multiplicador além de desenvolver atividades de formação dos seus usuários, construir uma biblioteca junto com a comunidade e desenvolver ações de formação para a competência em informação que condizem com a necessidade desses sujeitos. Nesse sentido, à biblioteca cabe mais do que formar cidadãos capazes de buscar informações úteis para a sua atuação diária, mas se apresenta também como espaço político, cultural e social que fomente a arte, a cultura e debates relevantes à sociedade e à comunidade onde está inserida, se apresentando como uma ferramenta informacional e cultural de contra hegemonia ao status quo.

Sobre outras ações promovidas, a Participante 3 mencionou o planejamento de uma atividade relacionada à temática “moda”, que foi idealizada para aproveitar a expertise de uma das profissionais da equipe, que é designer de moda. A bibliotecária reforçou que busca identificar os talentos das outras pessoas e potencializar isso na atuação no âmbito da biblioteca. Ela também enfatizou que nem sempre a bibliotecária é a líder das atividades, muitas vezes outros colaboradores acabam liderando a ação, devido ao tipo de habilidades que possuem. Nesse sentido, mencionou que o papel dela também está relacionado a buscar informação, comprar materiais, fazer orçamentos, realizar treinamentos da equipe, assim como encontrar e potencializar os talentos de cada pessoa que compõe a equipe, sempre incentivando o crescimento profissional dessas pessoas.

É relevante destacar, que conforme a Association of College and Research Libraries (2017ASSOCIATION OF COLLEGE AND RESEARCH LIBRARIES (ACRL). Framework for information literacy for higher education. Chicago, 2016. ), ao bibliotecário educador cabe coordenar as ações de formação de seus usuários, para isso deve ter habilidades diplomáticas e reconhecer as expectativas dos sujeitos envolvidos no processo de formação da competência em informação. Considera-se, então, que um bibliotecário multiplicador pode incentivar, liderar e capacitar outros bibliotecários ou profissionais no desenvolvimento dessas ações, assim como deve se utilizar da inteligência emocional para reconhecer e lidar com situações complexas e sensíveis, cultivando a colaboração nas iniciativas de desenvolvimento da competência em informação.

Ao refletir sobre o seu dia a dia, a participante 3 relatou que é muito curiosa, que sempre está buscando conhecer novas coisas, aprender e pesquisar sobre aspectos relacionados a atuação do bibliotecário, assim como de outras profissões que possam contribuir com as atividades da biblioteca. A seguir destaca-se um trecho da fala da bibliotecária que exemplifica essa perspectiva e reforça a importância da formação continuada do profissional:

[...] na área de maker por exemplo, eu tento sempre fazer um curso mesmo se for online, sobre esse assunto, seguir pessoas que tem esse perfil, que tem o mesmo mindset que você, ter parcerias que pensam iguais, ou diferente, isso contribui muito no desenvolvimento de um trabalho (Participante 3).

Essa percepção reforça o que já foi enfatizado na literatura em relação às características do bibliotecário multiplicador, tais como ser um “[...] aprendiz ao longo da vida, [isto] é, curioso, aberto e flexível, buscando novas oportunidades de aprendizado contínuo.” ( ASSOCIATION OF COLLEGE AND RESEARCH LIBRARIES, 2017 ASSOCIATION OF COLLEGE AND RESEARCH LIBRARIES (ACRL). Framework for information literacy for higher education. Chicago, 2016. ,p. 6). O que evidencia que o bibliotecário multiplicador precisa ser um eterno aprendiz, motivado a buscar novos caminhos, ideias, conhecimentos e experiências.

A Participante 5 discorreu sobre os papéis do bibliotecário e para ela, além de trabalhar com o acervo, é necessário saber desenvolver ações de formação, atividades culturais, saber trabalhar com produtores, artistas e educadores, visando desenvolver atividades que atendam às necessidades da comunidade na qual a biblioteca está inserida. Para tanto, primeiramente o bibliotecário tem que compreender as vulnerabilidades da sua comunidade, de forma a desenvolver um papel de mediador entre as necessidades dos sujeitos e as atividades desenvolvidas na biblioteca.

A participante ainda destacou que muitas vezes o artista ou o produtor é parte da comunidade e desenvolve um trabalho muito bom, como uma oficina de hip hop na periferia, no meio da rua, porque ele não tem conhecimento de que a biblioteca é um espaço que pode ser utilizado para isso, então cabe ao bibliotecário realizar essa mediação entre esse artista ou produtor e o espaço e público da biblioteca.

Em um sentido próximo ao relatado pela participante, Sanches e Almeida Júnior (2010SANCHES, G. A. R.; ALMEIDA , O. F JÚNIOR . Mediação da informação e teorias pedagógicas: um estudo acerca das contribuições no fazer do bibliotecário mediador. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS, 16., 2010, Rio de Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro: FEBAB, 2010. p. 1-10., p. 2) argumentam sobre a mediação do bibliotecário educador:

Compreendido o contexto informacional e a participação da biblioteca como um locus, cuja razão de ser é promover condições efetivas para a produção de conhecimento a partir do conhecimento disponível, gera uma outra necessidade, intrínseca ao conceito de informação [...], a saber: a postura do bibliotecário frente ao cenário educacional. E para que este cenário se efetive o bibliotecário deve assumir o papel de mediador. Papel este que tem por objetivo aproximar o usuário e a informação.

Conforme destacado pelo autor supracitado, a mediação se apresenta como aspecto relevante na atuação do bibliotecário multiplicador, isso porque o desenvolvimento de ações para formação da competência em informação exige uma aproximação do profissional com a comunidade, a concepção das diferentes formas de se buscar, avaliar e compreender a informação.

Azevedo e Ogécime (2020AZEVEDO, K. R.; OGÉCIME, M. O papel do bibliotecário como mediador da informação na busca pelo letramento informacional. RDBCI: Revista Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação, Campinas, v. 18, p. 1-17, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.20396/rdbci.v18i0.8654473 . Acesso em: 30 jan. 2023.
https://doi.org/10.20396/rdbci.v18i0.865...
, p. 11) reforçam que o desenvolvimento da competência em informação vai além das habilidades profissionais do bibliotecário, isso porque as iniciativas são em muitas vezes interdisciplinares, assim “[...] a colaboração constitui um fator chave para a melhor efetivação do processo de formação em letramento informacional.” Nessa perspectiva, é necessária uma compreensão ampla do papel do bibliotecário como mediador da informação e multiplicador da competência em informação.

Nesse sentido, é importante dizer que, conforme apresenta Almeida Junior (2009ALMEIDA, O. F JUNIOR . Mediação da informação e múltiplas linguagens. Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, Brasília, v. 2, n. 1, p. 89-103, 2009. , p. 92), a atuação do bibliotecário mediador da informação caracteriza-se pela:

[...] ação de interferência, realizada pelo profissional da informação, direta ou indireta; consciente ou inconsciente, singular ou plural; individual ou coletiva; que propicia a apropriação da informação que satisfaça, plena ou parcialmente, uma necessidade informacional.

A Participante 5 também citou a orientação literária para indivíduos em situação de vulnerabilidade que são indicados pelo CRAS, como por exemplo, sujeitos que estão na fila para atendimento psiquiátrico e que se interessam pela leitura. Ela relatou que desenvolve o trabalho de indicação literária para essas pessoas de acordo com seus interesses e com as informações que são enviadas pelo órgão de assistência social. Nesse contexto, apontou o cuidado por parte do bibliotecário para indicar materiais condizentes com a condição desses usuários, a sensibilidade de reconhecer e não indicar materiais que possam piorar seu quadro, entre outros fatores relevantes nesse atendimento.

É válido estabelecer um paralelo entre a fala da participante e a argumentação de Santos e Pedrosa (2019SANTOS, V.; PEDROSA, E. M. P. Ação cultural: o elo entre bibliotecário, biblioteca e formação humana integrada. Redin-Revista Educacional Interdisciplinar, Taquara, v. 8, n. 1, p. 1-12, 2019.) que sustentam que a biblioteca deve incentivar o ato de ler nas comunidades, como estratégia de desenvolvimento social e de reconhecimento, por parte da comunidade, do papel transformador da leitura. Os autores reforçam que a biblioteca pode ser considerada uma instituição de ensino, ainda que esteja desvinculada de uma instituição educacional, isso porque tem potencial educador nas suas ações formativas, no desenvolvimento do pensamento crítico, no acesso à informação e na democratização da cultura, fatores estes que se apresentam como essenciais para formação dos sujeitos. Brisola e Schneider (2019BRISOLA, A. C.; SCHNEIDER, M. Contribuições freireanas para os estudos de competência crítica da informação: da experiência à práxis. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 20., 2019, Florianópolis. Anais [....]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2019. p. 1-19., p. 14) afirmam que a competência em informação se apropria dessa perspectiva de ensino, para se apresentar não como uma “[...] construção massificadora, mas construtiva e dialógica, uma educação crítica e criticizadora, que proporciona um crescimento progressivo e multiplicador do conhecimento neste indivíduo, uma solução à alienação massificante.”.

Reflete-se a partir da ideia dos autores que o papel da biblioteca e do bibliotecário extrapola a formação técnica de habilidades informacionais ou a democratização do acesso à literatura e cultura. A atuação de cada profissional vai se apresentar conforme as necessidades da comunidade em que ele atua. Assim, percebe-se na diversidade de ações apresentadas pelas participantes que a competência em informação não se limita ao uso do catálogo, das bases de dados ou dos buscadores online. Ser um multiplicador da competência em informação pressupõe possibilitar uma formação ampla e diversificada ao público da biblioteca, que perpassa aspectos operacionais, culturais, políticos, sociais e educacionais. Nesse aspecto, a “[...] percepção deste profissional a respeito das condições econômicas, sociais e culturais que incidem sobre a informação e o usuário [...] são fundamentais para que sua mediação com o usuário seja adequada, estimulante e crítica.” ( BRISOLA; ROMEIRO, 2018BRISOLA, A. C.; ROMEIRO, N. L. A competência crítica em informação como resistência: uma análise sobre o uso da informação na atualidade. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, v. 14, n. 3, p. 68-87, 2018. , p. 16). Na figura 1, a seguir, está uma síntese com a representação das principais ações que foram mencionadas pelas participantes e que podem promover a formação da competência em informação.

Figura 1 -
Ações que podem compor a atuação de bibliotecários multiplicadores

Whitworth (2012WHITWORTH, A. The reflective information literacy educator. Nordic Journal of Information Literacy in Higher Education-NORIL, Bergen, Norway, v. 4, n. 1, p. 1-18, 2012. Available in: Available in: https://doi.org/10.15845/noril.v4i1.151. Accessed on: 30 jan. 2023.
https://doi.org/10.15845/noril.v4i1.151....
) reforça que para se tornar um bibliotecário educador é preciso estabelecer uma dinâmica contínua entre teoria e prática. Nesse caso, a formação em Biblioteconomia e Pedagogia não são as únicas bases para essa atuação, é necessária uma visão crítica e holística sobre os processos de aprendizagem e sobre o desenvolvimento da competência em informação de forma contínua, tal como a capacidade de reconhecer as problemáticas de seus usuários e como contribuir para resolução desses problemas.

É válido refletir que a biblioteca se apresenta como organismo responsável na formação de sujeitos mais autônomos. Assim, espera-se que o bibliotecário multiplicador se dedique ao desenvolvimento de uma formação unitária, capaz de romper com as formas tradicionais de educação e comprometida com a emancipação dos sujeitos e com processos transformadores na sociedade. Esse papel do bibliotecário passa por práticas de ensino que permitam aos sujeitos superar suas dificuldades no processo de busca e uso da informação ( SANTOS; PEDROSA, 2019SANTOS, V.; PEDROSA, E. M. P. Ação cultural: o elo entre bibliotecário, biblioteca e formação humana integrada. Redin-Revista Educacional Interdisciplinar, Taquara, v. 8, n. 1, p. 1-12, 2019.).

Nesse sentido, os bibliotecários interessados em desenvolver a formação de uma competência em informação, nas perspectivas críticas e humanizadas, devem apresentar um envolvimento mais profundo com seu trabalho e com as implicações de suas ações. Eles também precisam estar conscientes da falta de neutralidade no processo de ensino e aprendizagem, assim como da impossibilidade de ignorar fatores sociopolíticos que emolduram o processo de aprendizagem dos estudantes. Para tanto, devem estar conscientes de formas que possam auxiliar os aprendizes a identificarem e agirem sobre as estruturas de poder as quais a informação está subordinada ( TEWELL, 2015TEWELL, E. A decade of critical information literacy: A review of the literature. Communications in Information Literacy, Norman, v. 9, n. 1, p. 24-43, 2015. Available in: Available in: https://doi.org/10.15760/comminfolit.2015.9.1.174 . Accessed on: 30 jan. 2023.
https://doi.org/10.15760/comminfolit.201...
).

No que se refere às práticas colaborativas realizadas pelos bibliotecários, na figura 2 pode-se observar que elas se voltam para quatro ênfases.

Figura 2 -
Práticas colaborativas do bibliotecário multiplicador

A primeira envolve atores educacionais, tais como professores, coordenadores e pedagogos, sendo representado principalmente pelas ações promovidas em bibliotecas escolares e universitárias, mas que podem também se estender a todas as demais, visto que a competência em informação também se apresenta como um processo de ensino e de aprendizagem. A segunda concerne às parcerias com atores culturais, como artistas, fotógrafos e produtores, que auxiliam os bibliotecários a abordar temáticas sensíveis e criativas, assim como aspectos próprios da dimensão estética da competência em informação. Cabe relembrar que a dimensão estética diz respeito a uma das quatro dimensões da competência em informação proposta por Vitorino e Piantola (2009VITORINO, E. V.; PIANTOLA, D. Competência informacional: bases históricas e conceituais: construindo significados. Ciência da Informação, Brasília, v. 38, n. 3, p. 130-141, 2009. ), e refere-se à sensibilidade, à criatividade e à harmonia, sendo essencial no que concerne à subjetividade humana e, portanto, relevante no desenvolvimento humano.

A terceira ênfase de parcerias é voltada para questões sociais, tais como psicólogos, assistentes sociais e funcionários dos centros de atendimento, que ao se juntarem aos bibliotecários assumem linha de frente para tratar de temáticas sociais e políticas, que fazem da competência em informação tão dinâmica e ampla. E finalmente, as instituições, que são parceiras no desenvolvimento das mais diversas atividades, dividindo com a biblioteca espaços formativos e de inovação.

Considerando estas questões identificou-se que as ações do bibliotecário multiplicador podem estar relacionadas a diversos aspectos do desenvolvimento humano, e contribuir de maneira distinta para a formação de habilidades informacionais. No mais, a relação do bibliotecário com outros profissionais e instituições permite ações mais transversais de desenvolvimento da competência em informação, possibilitando, dessa forma, uma compreensão mais holística e contextual da informação.

4 Considerações finais

As ações realizadas por multiplicadores da competência em informação podem se referir desde o desenvolvimento de habilidades para a busca e uso da informação, até atividades educacionais e culturais que permitam a reflexão em torno de informações e contextos informacionais que auxiliem os sujeitos no desenvolvimento de seu pensamento crítico sobre a sociedade e que os instiguem a entender sua condição de sujeito informacional e social.

É importante ressaltar que a atuação de um bibliotecário multiplicador não se dá “descolada” de sua realidade, nesse sentido, é relevante que as instituições e o estado reconheçam a necessidade de formação contínua desses profissionais, assim como o papel essencial desenvolvido pela competência em informação na formação dos sujeitos. Vale ainda pontuar a relevância das universidades e cursos de Biblioteconomia incorporarem, o máximo possível, uma formação diversificada e humanística que possibilite aos bibliotecários condições de estabelecerem análises amplas sobre a realidade e condições de agirem para a sua transformação.

Outro fator relevante que deve ser mencionado, é que uma atuação ética do bibliotecário é essencial para se pensar a informação e suas potencialidades de beneficiar diferentes classes ou grupos de pessoas. É essencial um profissional que reconheça as possíveis aplicações da informação e auxilie na formação de sujeitos que as utilizem para benefício coletivo, sem prejudicar o próximo. Consequentemente, cabe ao bibliotecário multiplicador a identificação das necessidades socioeconômicas, informacionais e culturais das comunidades em que atua, de forma que a informação seja utilizada para suprir essas necessidades, assim como para formar sujeitos conscientes de sua condição na sociedade.

Agradecimentos

Agradecimentos a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pelo fomento a esta pesquisa.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2022
  • Aceito
    03 Nov 2022
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