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COMPREENDENDO O “INGLÊS COMO LÍNGUA FRANCA” (ILF) ATRAVÉS DA “SUPERAÇÃO POR INCORPORAÇÃO” (AUFHEBUNG): ESCLARECIMENTOS SOBRE AS CRÍTICAS MARXISTAS DE O’REGAN EM RELAÇÃO AO ILF

RESUMO

Este é um artigo analítico que se enquadra em uma disputa específica e controversa enfrentada pelos estudiosos do Inglês como Língua Franca (ILF) que ainda reverbera em estudos no campo da Linguística Aplicada. O ILF, como área, foi questionado durante seu desenvolvimento e suas maiores críticas parecem derivar de uma postura marxista. Nesse cenário, a partir de quatro artigos que retratam os ataques e defesas publicados na revista Applied Linguistics entre os anos de 2014 e 2015, este trabalho objetiva analisar essas publicações, elucidando alguns de seus pontos de divergência para, posteriormente, apresentar uma compreensão sobre ILF superada por uma postura epistemológica marxista, com potencial de responder algumas das críticas que O’Regan dirige ao campo. A postura epistemológica marxista deste estudo deriva de sua filiação à abordagem histórico-cultural de Vigotski para o desenvolvimento humano embasado no materialismo histórico-dialético. Nesse sentido, este artigo tenta fazer um movimento dialético de aufhebung, propondo superar por incorporação (abolir, preservar e transcender) alguns aspectos que ainda possibilitam tais críticas ao ILF, ao mesmo tempo em que apresenta, dialeticamente, o ILF como um conceito científico vigotskiano para, então, tentar responder a algumas das críticas recebidas de O’Regan.

Inglês como língua franca; marxismo; Vigotski; linguística aplicada

ABSTRACT

This is an analytical paper that fits within a specific and controversial dispute faced by English as a Lingua Franca (ELF) scholars, which still reverberates in studies, within the field of Applied Linguistics. The ELF field has been questioned during its development; the fiercest criticisms seem to have derived from a Marxist stance. In this scenario, departing from four significant articles depicting the ‘attacks and defenses’ published in the Applied Linguistics journal between the years of 2014 and 2015, this paper aims to analyze these publications elucidating some of the points of disagreement that the authors present to subsequently put forward a different understanding on ELF, one sublated by a Marxist epistemological stance, capable of answering to some of O’Regan’s criticisms addressed towards this field. The Marxist epistemological stance of this study derives from its affiliation with Vygotsky’s Cultural-Historical approach to human development based on dialectical and historical materialism. In this vein, this paper attempts a dialectical movement of aufhebung proposing to abolish, preserve and transcend some aspects of ELF still open to such criticism, while dialectically proposing ELF as a Vygotskian scientific concept and then, endeavoring to answer to some of O’Regan’s criticisms.

English as a lingua franca; marxism; Vygotsky; applied linguistics

Introdução

O Inglês como Língua Franca (ILF) é uma perspectiva para o ensino e aprendizagem do inglês que, segundo Kohn (2019)KOHN, K. Towards the reconciliation of ELF and EFL: theoretical issues and pedagogical challenges. In: SIFAKIS, N.; TSANTILA, N. (ed.). English as a lingua franca for EFL context. Bristol: Multilingual Matters, 2019. p. 32–49., oferece um arcabouço conceitual com foco no sucesso da comunicação em inglês. Nesse sentido, o ILF assume que a aprendizagem de línguas é uma construção criativa e, assim, reconhece as implicações do status pedagógico do inglês padrão (SE, em inglês) ao mesmo tempo em que defende a legitimidade dos usos criativos dessa língua.

Considerando esse contexto, o ILF tem estado intensamente presente nos estudos de Linguística Aplicada há mais de 20 anos e, mesmo depois de todo esse tempo, estudiosos ainda têm que responder algumas críticas — principalmente alinhadas ao fato de que esse campo desafia os privilégios dados à língua inglesa (normativa). Embora uma das fundadoras do campo, Jenkins (2018)JENKINS, J. The future of english as a lingua franca. In: JENKINS, J.; WILL, B.; DEWEY, M. (ed.). The Routledge handbook of english as a lingua franca. London: Routledge, 2018. p. 594–605., afirme que a maioria das críticas foram esclarecidas, uma em específico parece permanecer sem resposta para o que aparenta ser resultado de alguns mal-entendidos sobre as raízes dessa crítica. Diante disso, este é um artigo analítico que pretende se enquadrar dentro de uma situação controversa muito específica que envolve o campo do Inglês como Língua Franca e o marxismo. Portanto, as análises e reflexões deste artigo partem de quatro publicações significativas disponíveis no periódico Applied Linguistics:1 1 Disponível em: https://academic.oup.com/applij/pages/About. Acesso em: 17 nov. 2023. O’Regan (2014)O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
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, Baker, Jenkins e Baird (2015), Widdowson (2015)WIDDOWSON, H. G. Contradiction and conviction. a reaction to O’Regan. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p.124–127, 2015. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amu026.
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e O’Regan (2015)O’REGAN, J. P. On anti-intellectualism, cultism, and one-sided thinking: O’Regan replies. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p. 128–132, 2015. DOI: https://doi.org/ 10.1093/applin/amu049.
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.

As discussões desencadeadas pelos artigos acima mencionados são importantes porque seus conteúdos são materializados em outros artigos do ILF, embora nem sempre sejam reconhecidas por leitores que não estejam cientes desse impasse na área. Para esclarecer essa afirmação, é possível apontar algumas ocorrências do fato mencionado com exemplos cronologicamente locais e globais de tal materialização. Os debates iniciados pelos quatro artigos podem ser observados em outro material, escrito pela pesquisadora brasileira da área do ILF Telma Gimenez (2015GIMENEZ, T. Renomeando o inglês e formando professores de uma língua global. Estudos Linguísticos e Literários, Salvador, n. 52, p. 73–93, 2015. DOI: https://doi.org/10.9771/2176-4794ell.v0i52.15464.
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, p. 81), que, no mesmo ano em que as respostas à primeira crítica de O’Regan foram publicadas, apontou que “muitas restrições aos estudos do ILF resultam ou do contato com literatura menos recente ou de divergências resultantes de perspectivas teóricas distintas das adotadas pelos estudiosos do ILF”. Ela também mencionou, em uma nota de rodapé, como um exemplo de tais críticas à visão do ILF de O’Regan, que, baseada em estudos marxistas, situa o inglês em um prisma da economia política. Outro exemplo da repercussão das quatro publicações supracitadas pode ser encontrado em Schmitz (2017SCHMITZ, J. R. English as a lingua franca: applied linguistics, marxism, and post-marxist theory. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 17, n. 2, p. 335–354, 2017. DOI: https://doi.org/10.1590/1984-6398201710866.
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, p. 335). Este estudioso brasileiro do ILF explicou, já no resumo, que seu “trabalho é motivado pela leitura do [texto de O’Regan] “English as a Lingua Franca: an immanent critique [...]”” e que, por essa razão, ele construiria seus argumentos opostos aos apresentados pelo artigo original de orientação marxista. Em uma esfera mais global, o debate realizado pelas quatro publicações que são o centro deste artigo pode ser encontrado em Jenkins (2018JENKINS, J. The future of english as a lingua franca. In: JENKINS, J.; WILL, B.; DEWEY, M. (ed.). The Routledge handbook of english as a lingua franca. London: Routledge, 2018. p. 594–605., p. 597, tradução própria). Em seu trabalho, ela menciona que “anti-ELFers [...] que não gostam do fenômeno do ILF [...] publicaram ataques ao ILF advindos de [...] várias outras persuasões ideológicas, incluindo o marxismo”2 2 Original: “anti-ELFers [...] who dislike the phenomenon of ELF [...] published attacks on ELF from [...] various other ideological persuasions including Marxism” (Jenkins, 2018, p. 597). .

Considerando as materializações de tal “disputa” desencadeada pela publicação dos quatro artigos na revista Applied Linguistics (2014–2015), o ILF e o marxismo têm se relacionado em um emaranhado de ideias e discussões que estão espalhadas e presentes, direta ou indiretamente, em muitos outros estudos. Nesse contexto, eu, como pesquisadora de Vigotski3 3 Levando-se em consideração as diferentes formas de escrita do nome do estudioso russo Lev Semenovich Vygotsky (Vygotsky, Vigotsky, Vygotski, Vigotskii, Vigotski, entre outras), será assumido no corpo do texto em português a forma adotada por autores brasileiros ‘Vigostki’; a exceção se dará quando o texto de referência for em língua inglesa no qual, geralmente, optam pela grafia Vygotsky. que considera sua base marxiniana, também interessada em ILF, senti-me motivada (tomando emprestada a expressão de Schmitz) a contribuir um pouco para essa discussão. Portanto, com base nas leituras de ambas as áreas, considero que o que pode estar faltando é uma compreensão mais aprofundada das posturas epistemológicas diferentes entre as áreas, ou seja, a compreensão da essência (em um sentido marxista) dos pontos de discordância apresentados por cada parte.

Em relação a esse entendimento, o objetivo deste artigo é analisar os quatro estudos supracitados na tentativa de elucidar alguns dos pontos de discordância que os autores apresentam para, posteriormente, expor uma compreensão diferente do ILF, superada por incorporação por uma postura epistemologicamente marxista, com a intenção de responder a algumas das críticas que O’Regan dirigiu à área do ILF.

Como este artigo visa a abordar uma situação muito específica, que relaciona o campo do ILF ao marxismo, está fora de seu escopo introduzir ambas as áreas. No entanto, é imprescindível revisitar a série de publicações que compõe o palco dessa discussão antes de passar para a explicação de pontos divergentes, a fim de situar o leitor que não está familiarizado com esse embate.

A acusação e as réplicas — um breve resumo da série de publicações que compõe este cenário

As controvérsias discutidas aqui começaram com a publicação de um artigo de O’Regan (2014)O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
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, que desenvolve estudos dentro de uma perspectiva marxista associada à Escola de Teoria Crítica de Frankfurt e submeteu o ILF a uma crítica imanente. Esta publicação gerou respostas de um grupo de pesquisadores do ILF na forma de dois artigos, lançados em 2015, juntamente com uma resposta do próprio O’Regan. As críticas ao ILF parecem ser consideradas por Jenkins (2018)JENKINS, J. The future of english as a lingua franca. In: JENKINS, J.; WILL, B.; DEWEY, M. (ed.). The Routledge handbook of english as a lingua franca. London: Routledge, 2018. p. 594–605. como divididas da seguinte forma:

Os “anti-ELFers” se dividem amplamente em dois campos, um que não gosta do fenômeno do ILF por causa de sua ameaça ao inglês “padrão” (seja qual for o significado desse termo ambíguo) e o outro que (erroneamente) vê o paradigma de pesquisa do ILF como propondo um novo tipo monolítico de inglês: um novo padrão global. (Jenkins, 2018JENKINS, J. The future of english as a lingua franca. In: JENKINS, J.; WILL, B.; DEWEY, M. (ed.). The Routledge handbook of english as a lingua franca. London: Routledge, 2018. p. 594–605., p. 597, tradução própria)4 4 Original: “‘anti-ELFers’ divide broadly into two camps, one who dislikes the phenomenon of ELF because of its threat to ‘Standard’ English (whatever they mean by this ambiguous term), and the other who (mistakenly) sees the ELF research paradigm as proposing a new monolithic kind of English: a new global standard” . (Jenkins, 2018, p. 597). .

Em suma, a crítica imanente de O’Regan parece ter sido a “avaliação crítica” mais memorável ao campo do ILF, pois gerou respostas de diferentes pesquisadores da área. Para expor as publicações em foco, a próxima subseção apresenta brevemente o artigo que colocou essa disputa em movimento: a crítica imanente, de John O’Regan (2014).

A acusação — o Inglês como Língua Franca: uma crítica imanente (O’Regan, 2014, p. 533–552)

John O’Regan provavelmente se tornou o crítico mais feroz do ILF, alegando “[...] que o movimento do ILF é ideologicamente conservador, é inconsistente em seus argumentos e carece de teorização” (O’Regan, 2014, p. 534, tradução própria).5 5 Original: “[...] that the ELF movement is ideologically conservative, is inconsistent in its arguments and is lacking in theorization” (O’Regan, 2014, p. 534). Com comentários ásperos para o ILF e, como apontado por ele, com base no método da crítica imanente, O’Regan (2014O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
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, p. 534, tradução própria) deixa claro desde o início de seu artigo que seu trabalho não se volta para os “méritos estruturais linguísticos”6 6 Original: “linguistic structural merits” (O’Regan, 2014, p. 534). do ILF, mas, sim,

[...] para fazer algo diferente, que é confrontar o movimento do ILF com as contradições e ausências que seus próprios textos revelam e, como parte disso, questionar sua adequação teórica ao mesmo tempo em que desvela seus pressupostos ideológicos. A crítica imanente […] pode, assim, ser entendida como uma leitura crítica, bem como histórico-social do discurso e da teoria do movimento do ILF, como se apresentam em seus próprios textos. (O’Regan, 2014O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
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, p. 536, tradução própria)7 7 Original: “to do something different, which is to confront the ELF movement with its contradictions and absences which its own texts reveal and, as part of this, to question its theoretical adequacy whilst also uncovering its ideological presuppositions. The immanent critique […] can thus be understood as a critical, as well as historical-social reading of ELF movement discourse and theory as this, is presented in its own texts” . (O’Regan, 2014, p. 536). .

Nesse sentido, ele afirma que o “discurso do movimento do ILF é marcado pelo deslizamento” (O’Regan, 2014O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
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, p. 536, tradução própria)8 8 Original: “ELF movement discourse is marked by slippage” (O’Regan, 2014, p. 536). , pois parece apresentar discursos pós-modernistas, pós-estruturalistas e transformacionais baseados em, aparentemente, três teorias sobre a globalização: hiperglobalismo, ceticismo e transformacionalismo. Além disso, acrescenta que a investigação sobre o ILF apresenta metodologias que contradizem o seu discurso, uma vez que alguns estudos adotam modelos de investigação positivistas e objetivistas.

O’Regan critica que é somente através da hipostatização9 9 O filósofo e intérprete japonês de Marx, chamado Hiromatsu, iguala a hipostatização com o conceito marxista de reificação. Nesse sentido, ele “redefine a reificação como o equívoco hipostasiante do que é realmente uma relação funcional” (Hiromatsu, 2022, p. 4, tradução própria). do inglês na forma de língua franca que os teóricos do ILF podem fazê-lo parecer “real/material”. Ele apresenta como exemplos os termos “escrito em ILF”, “comunicação via ILF” e “usuários de ILF”, encontrados em artigos da área como modelos da prática de hipostatização. Segundo O’Regan, essa hipostatização é a fórmula para que os autores bem estabelecidos do ILF, e também os novos, possam identificá-lo como uma área de pesquisa.

Para resumir as críticas de O’Regan, vale destacar sua afirmação de que há um fetichismo nos estudos do ILF, que parecem afirmá-lo como “uma coisa em si” (thing-in-itself). Conforme o autor, isso mostra uma falsa consciência para se legitimar ao borrar as distinções de classe, economia, gênero e raça, o que reforça a posição de algo místico e irreal, “uma coisa em si”.

As réplicas do fórum

Após a publicação do artigo de O’Regan, em dezembro de 2014, na seção Fórum da primeira edição de 2015 da revista Applied Linguistics (v. 36, n. 1), duas respostas a ele, além de sua própria tréplica, foram publicadas. A primeira réplica ao artigo de O’Regan (2014)O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
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foi escrita por Baker, Jenkins e Baird (2015, p.121–123) e intitulada “ELF researchers take issue with English as a lingua franca: an immanent critique”; e a segunda foi feita por Widdowson (2015WIDDOWSON, H. G. Contradiction and conviction. a reaction to O’Regan. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p.124–127, 2015. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amu026.
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, p.124–127) e intitulada “Contradiction and conviction: A reaction to O’Regan”. Além desses dois artigos, pode-se também encontrar a resposta de O’Regan (2015O’REGAN, J. P. On anti-intellectualism, cultism, and one-sided thinking: O’Regan replies. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p. 128–132, 2015. DOI: https://doi.org/ 10.1093/applin/amu049.
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, p. 128–132) a ambos, intitulada “On anti-intellectualism, cultism, and one-sided thinking. O’Regan replies”.

Voltando a atenção para a resposta de Baker, Jenkins e Baird (2015), é possível observar que esses estudiosos apresentam argumentos sobre a questão da hipostatização. Do ponto de vista desses autores, o ILF é hipostasiado como um produto da própria interpretação de O’Regan, na qual ele indica que os pesquisadores dessa área fazem parte do “movimento do ILF”. Focalizando os pontos contraditórios, os autores lembram que foi o próprio O’Regan que escolheu usar o termo “movimento do ILF” e indicam que nem mesmo os pesquisadores do campo se descrevem dessa maneira.

Baker e seus colegas destacam ainda que a crítica de O’Regan (2014)O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
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representava o ILF como uma área de pesquisa homogênea, composta por interesses e filosofias bem estabelecidos. Além disso, e ainda assim contraditório à sua própria visão do ILF como homogêneo, O’Regan indica que o ILF tem “escorregões” dentro de suas pesquisas por causa das tensões e discursos concorrentes em seus estudos. Dessa forma, Baker e seus colaboradores afirmam que são precisamente as tensões e os discursos concorrentes dentro dos estudos desse campo que permitem a ocorrência de avanços. Eles também apontam que essas áreas tão interdisciplinares, quanto a Linguística Aplicada, comumente apresentam discursos em tensão em suas pesquisas.

Na sequência, Baker, Jenkins e Baird contra-argumentam as críticas de O’Regan de que os estudos do ILF ignoram “questões ideológicas”. Esses autores afirmam que as pesquisas da área levantam tais questões ao discutirem a ideologia do falante nativo, a ideologia da linguagem padrão ou mesmo a ideologia dos pesquisadores do ILF. Eles também apontam que o fracasso de O’Regan em reconhecer como a ideologia é tratada dentro das pesquisas se deve ao fato de que “ele discorda das abordagens adotadas até agora porque elas não concordam com sua própria compreensão marxista das questões” (Baker; Jenkins; Baird, 2015, p. 122, tradução própria)10 10 Original: “he disagrees with the approaches taken so far because they do not accord with his own Marxist understanding of the issues” (Baker; Jenkins; Baird, 2015, p.122). . Nesse sentido, afirmam que o tratamento dado à ideologia, classes, capital e poder dentro dos estudos do ILF pode diferir de como O’Regan os trata em sua perspectiva marxista e, dentro desse contexto, esses autores do ILF respondem que “não é realista esperar que um campo de pesquisa seja explicável em termos de uma outra área” (Baker; Jenkins; Baird, 2015, p. 122, tradução própria).11 11 Original: “it is not realistic to expect one research field to be accountable in terms related to another” (Baker; Jenkins; Baird, 2015, p.122).

Finalmente, esse trio de estudiosos argumenta que O’Regan descreveu o ILF de uma maneira que poucos pesquisadores da própria área reconheceriam e, em seu entendimento, esse fato por si só enfraquece a crítica imanente do autor, uma vez que o propósito de uma crítica imanente é “avaliar o campo em seus próprios termos” (Baker; Jenkins; Baird, 2015, p. 122, tradução própria).12 12 Original: “evaluate the field in its own terms” (Baker; Jenkins; Baird, 2015, p.122).

Passando para a resposta de Widdowson ao artigo de O’Regan (2014)O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
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, pode-se dizer que ele considerou seus argumentos em um nível mais pessoal. De acordo com Widdowson, ele também se sentiu provocado a responder a O’Regan, mas sua resposta não era direcionada ao que foi dito sobre o Inglês como Língua Franca, mas, sim, sobre como o argumento no artigo de O’Regan foi construído. Widdowson afirma que ele tomou o artigo de modo pessoal por duas razões:

Em primeiro lugar, o artigo de O’Regan deriva de discussões de um grupo de leitura de Marx do Instituto de Educação da Universidade de Londres e presumivelmente representa sua maneira de pensar. Como antigo membro acadêmico desta instituição, estou naturalmente curioso para saber qual é o tipo de atividade intelectual em que os seus atuais membros estão envolvidos. Em segundo lugar, uma vez que o periódico Applied Linguistics, de acordo com suas notas aos colaboradores, exige que os artigos “representem excelente erudição”, estou interessado, como editor fundador da revista, em ver que tipo de artigo é agora considerado como atendendo a esse requisito (Widdowson, 2015WIDDOWSON, H. G. Contradiction and conviction. a reaction to O’Regan. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p.124–127, 2015. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amu026.
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, p. 124, tradução própria)13 13 Original: “[f]irst, O’Regan’s paper derives from discussions of a Marx reading group at the University of London Institute of Education, and presumably represents their way of thinking. As a former member of the academic staff of that institution, I am naturally curious to learn about the kind of intellectual activity its present members of staff are currently engaged in. Secondly, since Applied Linguistics, according to its notes to contributors, requires articles ‘to represent outstanding scholarship’, I am interested, as a founding editor of the journal, in seeing what kind of article is now deemed to meet this requirement” (Widdowson, 2015, p. 124). .

Depois de expor a motivação por trás de sua resposta, Widdowson também apresenta seu contra-argumento para a questão da hipostatização de O’Regan. Ele ressalta que, de acordo com O’Regan (2014), quando os pesquisadores do ILF se referem a “interações em ILF” ou “configurações ILF” ou “falantes de ILF’, o ILF é inevitavelmente invocado como um objeto hipostasiado” (Widdowson, 2015WIDDOWSON, H. G. Contradiction and conviction. a reaction to O’Regan. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p.124–127, 2015. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amu026.
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, p. 125, tradução própria)14 14 Original: “‘interactions in ELF’ or ‘ELF settings’ or ‘ELF speakers’, ELF is inevitably invoked as a hypostatized object” (Widdowson, 2015, p. 125). através do uso de frases nominais que podem significar que

[s]e toda nominalização invoca hipostasia, então os falantes de inglês – de qualquer tipo – são condenados por suas próprias bocas (por assim dizer) a aceitar uma versão muito parcial e inadequada da realidade. E qualquer pessoa que aprendesse o idioma seria, é claro, obrigada a aderir a essa versão. Aqui, O’Regan poderia ter indicado sutilmente um outro ponto que daria apoio ao seu argumento sobre o uso hegemônico do inglês no exercício do poder, que ele acusa de “o movimento do ILF” de não levar em conta. Aqui sua posição é essencialmente a mesma que a de Phillipson, a quem ele cita com aprovação, a saber, que chamar algo de ILF não altera o fato de que é inglês, essencialmente a mesma coisa como quer que seja usada, qualquer que seja a forma que tome. O inglês é, portanto, hipostasiado como uma “entidade limitada” em toda parte, a preservação do poder e do privilégio e um instrumento de opressão (Widdowson, 2015WIDDOWSON, H. G. Contradiction and conviction. a reaction to O’Regan. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p.124–127, 2015. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amu026.
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, p. 125–126, tradução própria)15 15 Original: “[i]f all nominalization invokes hypostatization, then speakers of English — of whatever stripe — are condemned out of their own mouths (so to speak) to accept a very partial and inadequate version of reality. And anybody learning the language would, of course, be obliged to subscribe to this version. Here, O’Regan might have gone on to make an even more subtle point, and one which would lend support to his argument about the hegemonic use of English in the exercise of power which he accuses ‘the ELF movement’ of failing to take into account. Here his position is essentially the same as that of Phillipson, whom he quotes with approval, namely that calling something ELF does not alter the fact that it is English, essentially the same thing however it is used, whatever form it takes. English is thus hypostatized as a ‘bounded entity’ everywhere the preserve of power and privilege and an instrument of oppression” (Widdowson, 2015, p. 125–126). .

Finalmente, ele conclui sua resposta observando que o que mais o perturbou no artigo de O’Regan (2014)O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
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foi sua intolerância epistemológica. No fim de sua escrita, Widdowson aponta que sua refutação não emerge de uma preocupação com os problemas com a pesquisa em ILF e seu campo; afinal, todas as áreas de pesquisa precisam constantemente serem analisadas criticamente. Contudo, ele indica que o que gerou sua resposta foi a falta de pensamento crítico no artigo de O’Regan, que era “conspícuo por sua ausência” (Widdowson, 2015, p. 127, tradução própria).16 16 Original: “conspicuous by its absence” (Widdowson, 2015, p. 127).

Passando ao direito de O’Regan (2015)O’REGAN, J. P. On anti-intellectualism, cultism, and one-sided thinking: O’Regan replies. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p. 128–132, 2015. DOI: https://doi.org/ 10.1093/applin/amu049.
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de responder aos comentários apresentados pelos artigos dos pesquisadores do campo do ILF mencionados acima, o autor da crítica imanente direcionou inicialmente sua resposta a Widdowson (2015)WIDDOWSON, H. G. Contradiction and conviction. a reaction to O’Regan. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p.124–127, 2015. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amu026.
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, apontando que o pesquisador foi superficial ao abordar sua crítica imanente e a questão da hipostatização. Ele descreve a resposta de Widdowson como apenas um pretexto que esse autor encontrou para questionar seus estudos e acusá-lo de ser um fundamentalista marxista. Neste artigo da seção Fórum, O’Regan indica que ele não se defenderá das críticas superficiais de Widdowson, pois prefere deixar a decisão dessa disputa para os leitores. No entanto, assume uma posição mais direta em relação à insinuação de que ele e seu grupo marxista não se envolvem em pensamento crítico. O’Regan indica que considera essa insinuação de um teor anti-intelectualista, no qual entende que os estudiosos do ILF descartam elaborações teóricas, como a feita por ele, pela simples razão de que elas não são bem-vindas.

Além disso, O’Regan (2015)O’REGAN, J. P. On anti-intellectualism, cultism, and one-sided thinking: O’Regan replies. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p. 128–132, 2015. DOI: https://doi.org/ 10.1093/applin/amu049.
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reforça que as múltiplas abordagens que adotou para descrever a “epistemologia do ILF” e a “verdade” ao longo de seu artigo poderiam demonstrar o quão diferentes e profundamente confusas são as posições epistemológicas apresentadas na literatura dessa área. Ele continua, em sua tréplica, afirmando que seu artigo de 2014 realmente trazia pontos relevantes, como o fato de que o ILF é projetado no mundo material como a hipostatização de uma coisa em si. O’Regan então responde à menção de Widdowson do fato de que todos os falantes de inglês hipostasiam as coisas na forma de frases nominais, como ele mesmo fez em seu artigo ao citar “o movimento do ILF” (um fato que Widdowson destacou em sua resposta como um deslize da parte de O’Regan). No entanto, O’Regan se defende, dizendo que a hipostasia do ILF encontrada em seu artigo, destacada por Widdowson como um deslize contraditório, não é fatal para seu argumento. Contra-atacando, ele afirma que o mesmo não pode ser dito sobre o que os estudos do ILF fazem, indicando esse fato como sendo a principal descoberta de sua crítica imanente.

Continuando sua resposta, O’Regan comenta o artigo de Baker, Jenkins e Baird (2015), responsabilizando os pesquisadores do ILF por não

[...] lidarem com qualquer um dos pontos substantivos: o fetichismo ideológico do “ILF”, o elitismo da pesquisa em “ILF”, a fusão de aprendizes com usuários na literatura do “ILF”, a quase total negligência da economia política do(s) inglês(es) sob as condições do capitalismo global neoliberal e as questões centrais da incomensurabilidade teórica e contradição epistemológica, preferindo empurrar a discussão para outro lugar (O’Regan, 2015O’REGAN, J. P. On anti-intellectualism, cultism, and one-sided thinking: O’Regan replies. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p. 128–132, 2015. DOI: https://doi.org/ 10.1093/applin/amu049.
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, p. 129, tradução própria)17 17 Original: “dealing with any of the substantive points: the ideological fetishism of ‘ELF’, the elitism of ‘ELF’ research, the conflation of learners with users in ‘ELF’ literature, the near total neglect of the political economy of English(es) under conditions of neoliberal global capitalism, and the central issues of the theoretical incommensurability and epistemological contradiction, [prefering] instead to push the discussion elsewhere” . .

O’Regan alude que não lidar com as críticas recebidas é uma prática comum para aqueles que vêm defender o campo do ILF. Ele afirma que esses defensores, em vez de direcionarem seus esforços para apresentar argumentos contra as críticas que recebem, geralmente acusam os críticos de terem entendido ou interpretado mal a área e cita a resposta recebida por Baker, Jenkins e Baird (2015) como um exemplo dessa prática seletiva. Nesse sentido, O’Regan (2015)O’REGAN, J. P. On anti-intellectualism, cultism, and one-sided thinking: O’Regan replies. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p. 128–132, 2015. DOI: https://doi.org/ 10.1093/applin/amu049.
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pontua que Baker e seus colegas quase não deram mais argumentos às questões levantadas em seu artigo de 2014, “somente no último tópico eles falam de um argumento substantivo [...] porém, fazem-no apenas de forma superficial e seletiva” (O’Regan, 2015O’REGAN, J. P. On anti-intellectualism, cultism, and one-sided thinking: O’Regan replies. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p. 128–132, 2015. DOI: https://doi.org/ 10.1093/applin/amu049.
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, p. 130, tradução própria)18 18 Original: “[o]nly on the last point do they speak to a substantive argument [...] they do so only in a superficial and selective way” (O’Regan, 2015, p. 129). . Por essa razão, afirma que mantém totalmente sua crítica sobre a incomensurabilidade da natureza da teoria do ILF.

Tendo apresentado os principais argumentos contidos nos quatro artigos mencionados, sinto, como leitora de ambas as áreas, que algumas das críticas de O’Regan podem não ter sido compreendidas pelos estudiosos do ILF, mesmo agora, pois há a possibilidade de estarem fora do horizonte (Löwy, 2000LÖWY, M. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000.) de leituras e/ou teorias “não marxistas”. Sob essa impressão, na próxima seção, tento elucidar algumas das críticas feitas por O’Regan (2014)O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
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, bem como sua essência para potencialmente esclarecer o raciocínio por trás delas e as razões pelas quais permanecem sem resposta.

Uma tentativa de elucidação dos argumentos de O’Regan (2014)

Parece que as publicações mencionadas anteriormente provocaram em alguns outros autores uma intenção de esclarecer e agregar os argumentos apresentados por ambos os lados da disputa (Schmitz, 2017SCHMITZ, J. R. English as a lingua franca: applied linguistics, marxism, and post-marxist theory. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 17, n. 2, p. 335–354, 2017. DOI: https://doi.org/10.1590/1984-6398201710866.
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; O’Regan, 2016O’REGAN, J. P. Intercultural communication and the possibility of english as a lingua franca. In: PRUE, H.; DERVIN, F. (ed.). The cultural and intercultural dimensions of english as a lingua franca. Bristol: Multilingual Matters, 2016. p. 203–217.; Ishikawa, 2015ISHIKAWA, T. Academic rigor in criticizing english as a lingua franca. Englishes in Practices, Warsaw, v. 2, n. 2, p. 39–48, 2015. DOI: https://doi.org/10.1515/ eip-2015-0002.
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; Gimenez, 2015GIMENEZ, T. Renomeando o inglês e formando professores de uma língua global. Estudos Linguísticos e Literários, Salvador, n. 52, p. 73–93, 2015. DOI: https://doi.org/10.9771/2176-4794ell.v0i52.15464.
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). No entanto, mesmo considerando essas publicações, é possível dizer que é escasso o número de estudos relacionando o ILF a qualquer postura alinhada ao marxismo. Essa falta de trabalhos que relacione ambas as áreas parece compreensível, uma vez que o marxismo e o ILF apresentam objetivos para diferentes condições de sociedade que, como aponta Barbosa (2009)BARBOSA, W. Tempos pós-modernos. In: LYOTARD, J. A condição pós-moderna. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa. 12. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009. p. vii–xiii., implicam em distintos entendimentos dos procedimentos científicos e políticos. Nesse contexto, as abordagens do marxismo devem partir do materialismo histórico (dialético), enquanto o ILF é desenvolvido a partir de construtos variados (multilinguismo/pluri/translingualismo e descolonialidade, para citar alguns). Diante disso, inserido no campo da Linguística Aplicada, o ILF é desenvolvido dentro do que Moita Lopes (2009)MOITA LOPES, L. P. Da aplicação da linguística à linguística aplicada indisciplinar. In: PEREIRA, R. C.; ROCA, P. (ed.). Linguística aplicada: um caminho com diferentes acessos. São Paulo: Contexto, 2009. p. 11–24. chama de “Linguística Aplicada Indisciplinar”, que, segundo Pennycook (2010)PENNYCOOK, A. Critical and alternative directions in applied linguistics. Australian Review of Applied Linguistics, Amsterdam, v. 33, n. 2, p. 16.1–16.16, 2010. DOI: http://dx.doi.org/10.2104/aral1016.
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, tem como características algumas influências de “novas viradas” nas ciências sociais. Essa pode ser a razão para o ILF estar inscrito nessa “nova virada pós-moderna da LA”, a ser formulada através de arcabouços teóricos variados. Em suma, o ILF é desenvolvido dentro de um paradigma pós-moderno.

Nesse sentido, Lyotard (2009)LYOTARD, J. A condição pós-moderna. 12. ed. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009. explica que a pós-modernidade é a condição atual da sociedade e que sua principal característica é a invalidade das verdades universais. Na visão deste autor, essa recusa em aceitar grandes narrativas deslocou o foco de parâmetros válidos da vida social coletiva para as pessoas isoladas que formam tal coletivo. Em outras palavras, as micronarrativas agora servem como parâmetros para a validade da verdade. A pós-modernidade, que é a forma mais desenvolvida da sociedade, emerge negando inteiramente sua condição anterior (a modernidade). Löwy (2000)LÖWY, M. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000. indica que esse movimento nega completamente as três principais, e ainda muito diferentes, escolas de pensamento encontradas dentro do paradigma moderno: o positivismo, o historicismo e o marxismo.

A partir dos apontamentos feitos até agora, é possível observar que a invalidade das verdades universais assumidas por uma escola de pensamento pós-moderna leva a diferenças basilares entre as raízes do ILF e do marxismo. Essa compreensão pode tornar mais robusta a afirmação de Baker, Jenkins e Baird (2015, p. 122, tradução própria) de que “não é realista esperar que um campo de pesquisa seja explicável em termos de uma outra área”19 19 Original: “it is not realistic to expect one research field to be accountable in terms related to another” . (Baker; Jenkins; Baird, 2015, p. 122). . Não apenas porque isso pode implicar no fato de que estudos do ILF e os marxistas, de qualquer vertente, podem não apenas entender as condições sociais de maneira diferente, mas, principalmente, e mais importante, porque esses entendimentos distintos implicam em maneiras distinguíveis de questionar e responder a problemas sociais. Em suma, dificilmente a área do ILF, como é originalmente proposta, será capaz de responder (ou mesmo questionar) questões sociais da mesma forma que um estudo marxista.

Olhando mais detalhadamente esse ponto, como uma leitora do ILF a partir de uma base epistemológica marxista, o fato de que o campo do ILF está estabelecido na pós-modernidade torna muito difícil responder a questões, ou mesmo definir objetos e problematizações, que, para o marxismo (uma escola de pensamento moderno), são considerados como prioridades. Löwy (2000)LÖWY, M. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000. discute essa relação diamétrica quando destaca que diferentes pontos de vista podem implicar em valores e ideologias distintas, pois

[...] a problemática de uma investigação científico-social não é somente um corte do objeto: ela define um certo campo de visibilidade (e de não-visibilidade), impõe uma certa forma de conceber este objeto, e circunscreve os limites de variação das respostas possíveis. A carga valorativa ou ideológica da problemática repercute, portanto, necessariamente sobre o conjunto da pesquisa e é normal que isso seja questionado pelos cientistas que não partilham estes valores ou pressuposições: eles se recusam, com razão, a partir de seu ponto de vista, a se situar sobre um terreno minado e aceitar um campo teórico que lhes parece falso de antemão (Löwy, 2000LÖWY, M. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000., p. 41–42).

Tendo em mente a explicação de Löwy, algumas das críticas que O’Regan (2014)O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
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dirigiu ao campo do Inglês como Língua Franca podem soar razoáveis, pois entendo que “o marxismo é uma visão de mundo completa”.20 20 A frase é de Plekhanov, citado por Fetscher (1991, p. 347). Original: “Marxism is a whole world view” . que tem como pilar principal a possibilidade de emancipação do proletariado através de uma transformação social que exige a abolição da sociedade de classes. Em síntese, do ponto de vista marxista sobre qualquer assunto, a extinção da divisão de classes é uma questão obrigatória/basilar, é o ponto de partida para qualquer discussão em foco — e isso, nem de longe, está no campo de visibilidade dos estudos do ILF.

Nesse sentido, a erradicação da sociedade capitalista e suas formas de produção estão fora do escopo do corpo de pesquisa do ILF, dado seu campo de visibilidade (Löwy, 2000LÖWY, M. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000.) ou afiliação. Por esse motivo, o ILF não defende uma real transformação dessa sociedade. Em outras palavras, os estudos do ILF aceitam e se adaptam ao status quo. Neste assunto, Rajagopalan (2003)RAJAGOPALAN, K. Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e a questão ética. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. elucida que o marxismo é a única escola de pensamento que considera filosofia e ciência como ferramentas para a transformação social, por isso, ainda que se considerasse uma situação hipotética em que os estudos do ILF tentariam, por qualquer acaso, enfrentar questões como o status quo da sociedade dividida em classes e o capitalismo, seria improvável que os enfrentassem da mesma maneira que os estudos que assumem uma postura marxista o fazem. E isso porque os resultados encontrados pelo campo do ILF já são “largamente predeterminado[s] pela própria formulação da pergunta […] o conjunto da démarche cognitiva está viciado pela própria natureza da questão” (Löwy, 2000LÖWY, M. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000., p. 41) que os estudos do ILF apresentam. Mais uma vez, porque a problemática e o campo de visibilidade do ILF impõem limites às respostas que podem ser encontradas — a sociedade de classes não é a raiz dos problemas ou o ponto de partida dos estudos dessa área. Os pesquisadores do ILF defendem principalmente a descentralização do falante nativo inglês como o usuário/modelo (unicamente competente), revelando também que a exploração completa do repertório linguístico dos falantes (quer dizer, a utilização de outras formas de linguagem, sua capacidade de negociar e ajustar o significado) foi delimitada por estudos/campos interessados em aquisição/aprendizagem de línguas adicionais.

Dito isso, parece-me que, embora o campo do ILF não vise à transformação da sociedade, em termos marxistas, não se pode descreditar os méritos e avanços científicos que seus pesquisadores alcançaram. Portanto, é importante reconhecer que a área do Inglês como Língua Franca propõe transformações dentro de suas próprias controvérsias e tensões. Logo, é dentro desse entendimento que essa elucidação dos argumentos de O’Regan parece ser necessária.

Foi mencionado que os estudos do ILF se desenvolvem a partir de uma epistemologia pós-moderna que, segundo Lyotard (2009LYOTARD, J. A condição pós-moderna. 12. ed. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009., p. xv), representa “[…] a posição do saber nas sociedades mais desenvolvidas”, isto é, burguesa e, como tal, pautada pela eficiência e pelo lucro. Além disso, o saber na sociedade burguesa “é e será produzido para ser vendido, e ele é e será consumido para ser valorizado em uma nova produção: nos dois casos, para ser trocado” (Lyotard, 2009LYOTARD, J. A condição pós-moderna. 12. ed. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009., p. 5). Nessas circunstâncias, o saber é transformado em uma mercadoria que é vendida e consumida, resultando no abandono de “qualquer pensamento crítico sobre a injustiça social do ponto de vista da sociedade de classes” (Norris, 1993NORRIS, C. The truth about postmodernism. Oxford: Blackwell, 1993.apudFortes, 2014FORTES, C. O pós-modernismo, Lyotard e a história: a condição pós-moderna e uma tentativa de aproximação ao fazer historiográfico. Revista de História e Estudos Culturais, Uberlândia, v. 11, n. 2, p. 1–20, 2014. Disponível em: https://www.revistafenix.pro.br/revistafenix/article/view/593. Acesso em: 25 out. 2023.
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, p. 9).

Nesse contexto, parece lícito dizer que o inglês (como o saber/conhecimento), nessa sociedade, se tornou uma mercadoria à qual nem todos têm acesso. A negligência dessa realidade (capitalista), em que alguns têm acesso a mercadorias que outros não têm — ou seja, na qual os seres humanos são alienados dos produtos historicamente desenvolvidos na sociedade humana —, amadureceu com a Revolução Industrial e se aprofundou na sociedade como algo dado, como uma situação natural. É fundamental entender que essa ilusão da “naturalidade do capitalismo” é necessária para a manutenção da sociedade capitalista e de seu estado burguês (seu status quo). Nesse sentido, é primordial destacar que o não conhecimento da realidade social em todas as suas formas (histórica e social) com máxima profundidade também é condição obrigatória para a (re)produção da condição pós-moderna (Tonet, 2013TONET, I. Método científico: uma abordagem ontológica. São Paulo: Instituto Lukács, 2013.). A manutenção do capitalismo e o reforço da sua “naturalidade” baseia-se na “exploração do homem pelo homem, pela desigualdade social com todas as suas consequências e da qual depende a sua própria (da burguesia) [e também o capital] existência” (Tonet, 2013TONET, I. Método científico: uma abordagem ontológica. São Paulo: Instituto Lukács, 2013., p. 53).

Pelas razões apresentadas, é fundamental compreender que as classes sociais medeiam a relação entre os indivíduos e a sociedade (Tonet, 2013TONET, I. Método científico: uma abordagem ontológica. São Paulo: Instituto Lukács, 2013.), portanto, elaborações sobre qualquer preocupação social devem considerar questões de classe para desnaturalizar o status quo de uma forma que vise a confrontá-lo e a transformá-lo. Nesse sentido, é possível reconhecer que, embora os estudos do ILF apresentem argumentos sobre questões como ideologia, poder e direitos, não os exploram com o desejo de transcender/transformar a realidade da sociedade classista. No entanto, os fazem numa posição adaptativa, uma vez que tais questões parecem ser tratadas como isoladas da realidade (essa sociedade está dividida em duas classes antagônicas) e consideradas fontes dos problemas discutidos no campo.

A problemática das questões que o campo do Inglês como Língua Franca se propõe a responder “contém já uma concepção [...] ideologicamente carregada da estrutura social” (Löwy, 2000LÖWY, M. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000., p. 41). Portanto, se o ILF não está desafiando o status quo de uma sociedade dividida em classes, parece concebível inferir que essa área seja desenvolvida (conscientemente ou não) dentro dos “limites adaptativos” da sociedade que já está estabelecida. Dito isso, também é essencial salientar que, embora assumindo um modo mais “adaptativo”, os estudos do ILF o fazem de forma não-hegemônica-imperialista (dentro de seus limites), e esse fato merece seus méritos. Em suma, a partir de uma postura marxista, essas críticas são válidas, pois o campo do ILF (em sua essência) não procurará desafiar abertamente a realidade social dessa sociedade — sua divisão em classes —, logo, qualquer movimento contra-hegemônico que os estudos em ILF façam apresenta sua natureza adaptativa, mas, em alguma medida, eles tentam desafiar o sistema dentro de seus próprios limites.

De maneira geral, o ILF não propõe essa transformação, pois transformar a sociedade não está no “campo da visibilidade” (Löwy, 2000LÖWY, M. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000.) dos estudos do Inglês como Língua Franca. Para ser mais clara, esta é uma questão que apenas o marxismo desafia, nenhuma outra postura epistemológica o faz. Contudo, tendo isso em mente, também entendo que os estudos do ILF expandiram as discussões no campo do Ensino da Língua Inglesa (ELT), trazendo progressos significativos para a área da Linguística Aplicada. Em nome dos pesquisadores em ILF, posso salientar que tais questões também não estavam diretamente no campo da visibilidade dos linguistas marxistas.

É possível indicar como principal característica da pesquisa em ILF a reconceituação da compreensão dos diferentes usos da língua inglesa na sociedade contemporânea. Suas discussões, se ainda não provocam transformações no ELT, estão, ao menos, questionando ideias naturalizadas à medida que as pessoas são confrontadas com essa nova perspectiva. Os estudos do ILF, de fato, têm se desenvolvido continuamente, construindo-se a partir de diferentes áreas (como World Englishes), em um movimento da Linguística Aplicada Indisciplinar (Moita Lopes, 2009MOITA LOPES, L. P. Da aplicação da linguística à linguística aplicada indisciplinar. In: PEREIRA, R. C.; ROCA, P. (ed.). Linguística aplicada: um caminho com diferentes acessos. São Paulo: Contexto, 2009. p. 11–24.), que sugere que eles estão se expandindo em direção à sua terceira fase — ILF 3: Inglês como Multilíngua Franca (Jenkins, 2015JENKINS, J. Repositioning English as multilingualism in english as a lingua franca. Englishes in Practice, Warsaw, v. 2, n. 3, p. 49–85, 2015. DOI: https://doi.org/10.1515/eip-2015-0003.
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) —, agora conscientemente localizada dentro do guarda-chuva do Multilinguismo. Além disso, em uma postura mais localizada, os desenvolvimentos do ILF também deram início ao movimento brasileiro chamado “ILF feito no Brasil” (Duboc, 2019DUBOC, A. P. Falando francamente: uma leitura bakhtiniana do conceito de “inglês como língua franca” no componente curricular da língua inglesa na BNCC. Revista da Anpoll, Florianópolis, v. 1, n. 48, p. 10–22, 2019. DOI: https://doi.org/10.18309/anp.v1i48.1255.
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; Duboc; Siqueira, 2020DUBOC, A. P.; SIQUEIRA, S. ELF feito no Brasil: expanding theoretical notions, reframing educational policies. Status Quaestionis, Roma, n. 19, p. 297–321, 2020. DOI: https://doi.org/10.13133/2239-1983/17135.
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), com base em epistemologias decoloniais. Em resumo, os estudos do ILF oferecem ricas discussões para o campo do Ensino da Língua Inglesa que devem ser consideradas. A conceituação que os estudos do ILF propõem, sob diferentes perspectivas, envolve, entre muitas coisas, o entendimento de que os falantes que têm o inglês como língua adicional devem ser tratados/compreendidos como falantes legítimos do inglês (ou de muitos ingleses), bem como falantes que têm essa língua como língua materna. O campo do ILF é revolucionário dentro de suas próprias controvérsias porque procura transformar o depreciado status do “falante não nativo de inglês” no status de falantes ou usuários de inglês (e muitas outras línguas) dentro de seus próprios direitos (in their own right). Nenhuma outra posição sobre idiomas adicionais assumiu totalmente esse objetivo. Considerando essa afirmação, entende-se também que o campo do ILF não enfrentará, e não pode enfrentar, questões relacionadas à busca de transcender a sociedade dividida em classes devido à limitação à cientificidade imposta por sua ideologia/visão de mundo, que é a vendida por nossa realidade — a capitalista.

Apesar das limitações apresentadas, não parece certo pleitear a eliminação de todo o campo de estudos do ILF, como O’Regan (2014O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
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, 2015O’REGAN, J. P. On anti-intellectualism, cultism, and one-sided thinking: O’Regan replies. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p. 128–132, 2015. DOI: https://doi.org/ 10.1093/applin/amu049.
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) parece indicar. Essa não aparenta ser a maneira mais adequada de agir, pois os estudos dessa área apresentam avanços muito significativos na compreensão da comunicação intercultural de hoje. Tentando responder a algumas das críticas de O’Regan, reconheço neste artigo a necessidade de abolir, preservar e transcender (aufhebung),21 21 Aufhebung é uma palavra alemã difícil de traduzir para o inglês. Essa palavra representa o movimento dialético de negação e afirmação de algo e deriva dos escritos hegelianos e marxistas. Aufhebung é geralmente traduzida como “sublação” quando colocada em inglês, no entanto, essa escolha de redação ainda perde algumas nuances contidas na palavra alemã. Por esse motivo, decidiu-se expor os três principais aspectos da palavra alemã aufhebung, representada pelas palavras “abolir, preservar e transcender”. Essas três palavras têm o potencial de transmitir o movimento de “negação-afirmação”. Dessa forma, o campo dos estudos em ILF está sendo “negado” como é, mas, em uma nova conceituação, aspectos dele serão “preservados”, ‘transcendendo’ a proposta anterior. Em português, o sentido de aufhebung foi refletido na expressão “superar por incorporação”, utilizada em estudos marxistas. ou seja, superar por incorporação a compreensão do ILF a partir da maneira como é construída, na tentativa de colocar as descobertas de seus estudos em uma compreensão que pode, talvez, estar mais alinhada a uma visão de mundo marxista que prevê o futuro em uma sociedade não classista. Além disso, o próprio Marx pôde reconhecer a importância e o valor do conhecimento desenvolvido pelo economista Ricardo — que ele percebia como tendo uma compreensão limitada dos aspectos internos da sociedade e dos processos burgueses. Mesmo assim, Marx percebe que Ricardo foi capaz de desvelar, até certo ponto, alguns desses aspectos com um “valor científico indubitável” (Löwy, 2000LÖWY, M. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000., p. 102). Parece estranho, então, que O’Regan negue abertamente reconhecer ou creditar alguns dos “méritos do Inglês como Língua Franca” (O’Regan, 2014, p. 536, tradução nossa)22 22 Original: “the merits of English as a Lingua Franca” (O’Regan, 2014, p. 536). .

Em suma, parece que o objetivo de analisar as quatro publicações disponíveis na revista Applied Linguistics (O’Regan, 2014O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
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; Baker; Jenkins; Baird, 2015; Widdowson, 2015WIDDOWSON, H. G. Contradiction and conviction. a reaction to O’Regan. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p.124–127, 2015. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amu026.
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; O’Regan, 2015O’REGAN, J. P. On anti-intellectualism, cultism, and one-sided thinking: O’Regan replies. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p. 128–132, 2015. DOI: https://doi.org/ 10.1093/applin/amu049.
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), elucidando alguns dos pontos de discordância entre os autores, foi alcançado. Por essa razão, na próxima seção, apresentarei uma compreensão diferente do ILF: superada e incorporada por uma visão epistemológica de base marxista, o que significa que essa tentativa será feita dentro de uma postura marxista por meio da afiliação deste artigo à abordagem histórico-cultural de Vigotski para o desenvolvimento humano. Com base na psicologia vigotskiana, que, segundo Elhammoumi (2002ELHAMMOUMI, M. To create psychology’s own capital. Journal for the Theory of Social Behaviour, West Sussex, v. 32, n. 1, p. 89–104, 2002. DOI: https://doi.org/ 10.1111/1468-5914.00177.
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, p. 91, tradução nossa), é “uma teoria dos fenômenos mentais superiores [...] [enraizados] no materialismo [histórico] dialético, a teoria de que as alterações históricas na sociedade e na vida material produzem alterações na mente humana”23 23 Original: “a theory of higher mental phenomena [...] [rooted] in dialectical materialism, the theory that historical changes in society and material life produce changes in the human mind” (Elhammoumi, 2002, p. 91). . Este artigo tenta, assim, fazer um movimento dialético marxista de aufhebung, que propõe superar por incorporação a noção dualista do ILF — por vezes entendido/apresentado como um campo teórico (ILF como teoria) enquanto, em outras, parece ser entendido como um meio de comunicação (ILF como uma função/fenômeno). À luz de tudo o que foi dito, esta última parte da discussão pretende advogar por uma “nova” compreensão do ILF, que o assuma como um conceito científico vigotskiano que talvez seja capaz de responder a algumas das críticas de O’Regan.

O movimento de aufhebung: ILF assumido como um conceito científico vigotskiano e a questão da hipostatização nos argumentos de O’Regan (2014, 2015)

Após os pontos apresentados nas seções anteriores, verifica-se que uma leitura marxista de Vigotski (Duarte, 2011DUARTE, N. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 2. ed. São Paulo: Autores Associados, 2011.) pode ajudar a abordar algumas das críticas de O’Regan (2014O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
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, 2015O’REGAN, J. P. On anti-intellectualism, cultism, and one-sided thinking: O’Regan replies. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p. 128–132, 2015. DOI: https://doi.org/ 10.1093/applin/amu049.
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) sobre a questão da hipostatização/reificação do Inglês como Língua Franca.24 24 Está fora do escopo deste artigo abordar todos os aspectos da crítica de O’Regan. No entanto, focando-se em alguns deles, tenta revelar as diferentes camadas da discussão feita por O’Regan que foi apresentada ao longo das seções anteriores, o que significa uma tentativa para mover as discussões da aparência para sua essência. Além disso, apesar de poder ser visto como inicialmente redundante, é fundamental reforçar que a palavra/signo “essência”, ao longo deste estudo, deve ser entendida em termos marxistas em relação à díade essência/aparência. Dito isso, é essencial observar que qualquer pesquisa dentro do campo educacional no Brasil requer considerar a política educacional apresentada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), concordando ou não com este documento. Assim, é sempre necessária uma visão crítica sobre ele. Nesse sentido, como pesquisadora, reconheço que a BNCC coloca a perspectiva do Inglês como Língua Franca como aquela a ser adotada para o ensino e aprendizagem da língua inglesa nas escolas brasileiras. Não obstante, ao trabalhar com ILF a partir de uma formação histórico-cultural vigotskiana, sinto, metodologicamente, a atração de transformar, ou, em um termo melhor, de superar por incorporação, as descobertas dos estudos deste campo expondo as contradições entre essas diferentes visões de mundo de uma maneira dialética e histórico-materialista.

Explorar as tensões entre o ILF e a teoria histórico-cultural é necessário para esclarecer os pontos que os tornam realmente diferentes em seu núcleo/essência. Além disso, em consonância com Vygotsky (1987)VYGOTSKY, L. The Collected Works of L. S. Vygotsky. New York: Plenum Press, 1987. Vol. I: Problems of general psychology., que discutiu os riscos na mistura de ideias a partir de diferentes bases epistemológicas/metodológicas, entendo que há uma tendência em considerar contradições e tensões como secundárias ou exageradas: é dentro dessa lógica que a essência de diferentes abordagens geralmente acaba sendo apagada ou perdida.

Para evitar cair nessa armadilha, presumo que adotar o ILF como é colocado atualmente no campo representa uma dificuldade (até mesmo uma incoerência teórica?) para estudos que seguem uma perspectiva vigotskiana — lembrando que cada base epistemológica tem seu horizonte intelectual e campo de visibilidade que permitem e restringem os tipos de problemas a serem enfrentados. Portanto, como estudiosa e professora de línguas, considero essencial superar por incorporação (aufhebung) as discussões do ILF de uma forma que exponha abertamente a necessidade de I) negar a concepção neoliberal/pós-moderna de sociedade na qual o aprendizado e o ensino da língua inglesa estão centrados, enquanto; II) incorpora os avanços feitos pelas pesquisas relacionadas ao ILF para; III) superar o conhecimento desenvolvido nesse campo.

Em síntese, é trazido à cena um entendimento diferente das palavras/signos “Inglês como Língua Franca/ILF” (em termos vygotskianos),25 25 Um entendimento do conceito de ferramentas é essencial nos estudos de Vygotsky. Vygotsky (1987) indica que no mundo existem dois tipos de ferramentas: as físicas (ou seja, livros e martelos) e as simbólicas, também chamadas de signos (ou seja, a linguagem e a numeracia). Os signos são representações psicológicas da realidade que medeiam a vida coletiva dos seres humanos. A linguagem é uma poderosa ferramenta psíquica, sendo assim, as palavras (sinonimamente chamadas de signos) são as portadoras materiais do significado delas (uma representação psicológica). Assim, neste texto, os dois signos distintos, “Inglês como Língua Franca”, também chamado de “ILF”, carregam os mesmos significados culturais. em que um movimento de aufhebung (Löwy, 2000LÖWY, M. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000.) busca entendê-lo superando seu dualismo: I) ILF às vezes compreendido como a teoria e/ou outras vezes também; II) entendido como uma função ou fenômeno.26 26 Essa dicotomia é um aspecto da crítica de O’Regan à reificação/hipostatização do ILF como uma coisa em si (O’Regan, 2014, 2015). Este documento propõe um entendimento que incorpora as discussões feitas pela área, que considere que os signos “Inglês como Língua Franca” e “ILF” carregam um coletivo de conhecimento sistemático no qual os significados culturais dessas palavras podem “servir como um meio para diferentes operações intelectuais e as diferentes operações intelectuais que são realizadas através da[s] palavra[s] [“ILF/Inglês como Língua Franca”] constituem diferenças básicas” (Vygotsky, 1987VYGOTSKY, L. The Collected Works of L. S. Vygotsky. New York: Plenum Press, 1987. Vol. I: Problems of general psychology., p. 160, tradução nossa)27 27 Original: “serve as a means for different intellectual operations and the different intellectual operations that are realized through the word [signs ELF/English as a Lingua Franca] underlie basic differences” (Vygotsky, 1987, p. 160). “em que processos naturais (conceitos espontâneos) são transformados por processos de nível superior (conceitos científicos) sobre os quais [...] (os seres humanos) exercem controle” (Miller, 2014MILLER, R. Introducing Vygotsky’s cultural-historical psychology. In: YASNITSKY, A.; VAN DER VEER, R.; FERRARI, M. (ed.). The Cambridge handbook of cultural-historical psychology. Cambridge: Cambridge University Press, 2014. p. 9–46., p. 34, tradução nossa)28 28 Original: “in which natural processes (spontaneous concepts) are transformed by higher-level processes (scientific concepts) over which […] (human beings) exercise control” (Miller, 2014, p. 34). .

Em outras palavras, a compreensão do ILF que está sendo proposta aqui reconhece que os signos (palavras) “ILF” e “Inglês como Língua Franca” carregam um corpo sistemático de conhecimento (fluido e em constante mudança/avanço), que representa um conceito científico desenvolvido a partir de sínteses de discussões realizadas durante todas as fases de seus estudos29 29 Chamar-lhes de fases pode implicar uma linearidade que falha o fato de os estudos situados nessas abordagens ‘diferentes’ coexistirem, no entanto, embasados em Jenkins (2015), essas “distintas” perspectivas serão nomeadas dessa maneira. (ILF1, ILF2, ILF3 e ILF feito no Brasil). É essencial observar que esses sinais ganham o seu significado social e individual através da utilização no coletivo, que pode funcionar como uma ferramenta psicológica para cada leitor, utilizador e/ou acadêmico. Essas ferramentas, uma vez apropriadas e desenvolvidas, medeiam a compreensão das ideias apresentadas pelo campo sobre os usos da língua inglesa no mundo contemporâneo. Essa compreensão do signo ILF (e sua forma estendida) a ser usado como conceito intercala teoria e prática. Isto é, o desenvolvimento da área tem impacto no funcionamento da atividade mental após a (re)apropriação e desenvolvimento (contínuo) do signo, e o conceito de ILF internalizado, por sua vez, influencia a forma como se atua no mundo.

Explorando ainda mais essa ideia, é importante lembrar que o círculo de Vigotski mostrou que os signos têm uma função social, pois é na palavra (signo) que a união entre pensamento e linguagem se reflete através dos significados socialmente construídos. As palavras/signos são generalizações das coisas no mundo e, nessa linha, Martins (2011)MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico cultural e da pedagogia histórico-crítica. 2011. Tese (Livre-docência em Psicologia da Educação) — Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2011. aponta que cada palavra é um reflexo na consciência de uma representação material – materialidade – que agora é convertida num signo/palavra ou ideia – quer dizer, é um conceito porque está no mundo simbólico e, agora, está livre do ambiente imediato. Contribuindo com essa ideia, Duarte (2016)DUARTE, N. Os conteúdos escolares e a ressurreição dos mortos: contribuição à teoria histórico-crítica do currículo. São Paulo: Autores Associados, 2016. enfatiza que uma representação material de uma coisa não é feita por seus aspectos físicos, mas pela especificidade de tal objeto social. Nesse sentido, este autor especifica que “[o]que caracteriza o livro, por exemplo, não é o papel nem a tinta, pois se assim o fosse não existiriam livros digitais. A materialidade, nesse caso, é apenas um suporte para a especificidade desse objeto social” (Duarte, 2016DUARTE, N. Os conteúdos escolares e a ressurreição dos mortos: contribuição à teoria histórico-crítica do currículo. São Paulo: Autores Associados, 2016., p. 30).

Isso posto, este artigo assume que a(s) palavra(s)/signo(s) “ILF/Inglês como Língua Franca” é (são) “algo que reflete outro algo”, como Martins (2011MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico cultural e da pedagogia histórico-crítica. 2011. Tese (Livre-docência em Psicologia da Educação) — Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2011., p. 59) enunciou. Os signos “ILF” e “Inglês como Língua Franca” representam, em suas essências, comunicações entre diferentes pessoas usando o inglês e, talvez, também outras línguas. Essa é a materialidade dos signos “ILF/Inglês como Língua Franca”. Esses signos carregam um conceito que apreende as especificidades da linguagem entendida como objeto social (Duarte, 2016DUARTE, N. Os conteúdos escolares e a ressurreição dos mortos: contribuição à teoria histórico-crítica do currículo. São Paulo: Autores Associados, 2016.) com suas “[…] propriedades essenciais, gerais, universais, fixando traços e funções comuns […]” (Martins, 2011MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico cultural e da pedagogia histórico-crítica. 2011. Tese (Livre-docência em Psicologia da Educação) — Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2011., p. 60). Assim, as “condições sociais e materiais [discutidas nos estudos da ILF] dialeticamente se inter-relacionam e comprovadamente contribuem para a formação de funções mentais de ordem superior” (Lantolf; Thorne, 2006LANTOLF, J.; THORNE, S. Sociocultural theory and the genesis of second language development. Oxford: Oxford University Press, 2006., p. 41, tradução nossa)30 30 Original: “social and material conditions [discussed in ELF studies] dialectically interrelate with, and demonstrably contribute to, the formation of higher-order mental functions” (Lantolf; Thorne, 2006, p. 41). . Sendo o conceito de ILF desenvolvido em uma ferramenta psicológica (um conceito, um tipo de função mental superior), ele tem uma dupla direcionalidade: dirigido externamente aos outros, enquanto também é dirigido internamente ao eu. Essa dupla orientação é primordial, pois, embora orientada para dentro, o ILF como signo pode ser capaz de promover novas atitudes em relação ao uso da língua inglesa (autorregulação) enquanto, externamente, é direcionado para a regulação/mediação de outros. “O signo [...] é um meio de ação psicológica sobre o comportamento, próprio ou alheio, um meio de atividade interna voltada para o domínio do próprio homem” (Vygotsky, 1997VYGOTSKY, L. The collected works of L. S. Vygotsky. New York: Plenum Press, 1997. Vol. 4: The history of the development of higher mental functions., p. 62, tradução nossa)31 31 Original: “The sign [...] is a means of psychological action on behavior, one’s own or another’s, a means of internal activity directed toward mastering man himself” (Vygotsky, 1997, p. 62). .

A esse respeito, resumindo as razões que me fazem discordar de que o ILF foi hipostatizado como “uma coisa em si”, vejo que sendo a conceituação do Inglês como Língua Franca algo refletindo outra coisa, o signo ILF captura o concreto-em-realidade. Existe uma realidade: as comunicações que ocorrem no mundo/natureza em que o inglês (entre outras línguas) é utilizado. Este concreto-em-realidade é convertido pelos estudos como um concreto-em-pensamento. Quando os estudiosos, entre seus pares, usam os signos ILF/Inglês como Língua Franca, eles o fazem em uma abstração concretamente determinada que, geralmente, chamam funcionalmente de “ILF como teoria”. Além disso, quando descrevem a mecânica das comunicações que estão estudando, parece haver uma tendência a nomeá-las funcionalmente como “ILF como fenômeno” ou, até mesmo, “ILF como função”. Nesse sentido, é a generalização do que esse signo (ou signos) representa (representam) que quando objetivado em concreto-em-pensamento (elaborações teóricas) transforma aquele que o apropria/internaliza e, por sua vez, dialeticamente transforma o ILF através das variadas elaborações vistas no campo (inclusive essa!).

Todos esses movimentos de pensamento são possíveis porque, como indicou Vygotsky (1987VYGOTSKY, L. The Collected Works of L. S. Vygotsky. New York: Plenum Press, 1987. Vol. I: Problems of general psychology., p. 169, tradução nossa), “o conceito não é simplesmente uma coleção de conexões associativas aprendidas com o auxílio da memória [...]. Em qualquer estágio de seu desenvolvimento, o conceito é um ato de generalização”32 32 Original: “the concept is not simply a collection of associative connections learned with the aid of memory [...]. At any stage of its development, the concept is an act of generalization” (Vygotsky, 1987, p. 169). . Assim, cada pessoa desenvolve o conceito de ILF à sua maneira e à medida que se apropria dos significados que esse signo/palavra carrega: em diferentes níveis/profundidades de acordo com suas próprias possibilidades e restrições. Nesse movimento, enquanto se objetivam os significados sociais de “ILF/Inglês como Língua Franca”, eles também se transformam. Não são uma cópia passiva, mas uma construção ativa dos significados individualizados (sentidos). As pessoas não aprendem/recebem conceitos finalizados, elas os desenvolvem pela mediação de outros – por meio de artigos ou interações presenciais, por exemplo. Nessa compreensão, as pessoas que desenvolvem o conceito de ILF e o internalizam têm mais uma ferramenta psicológica disponível para orientar suas práticas, que podem continuar se desenvolvendo como um processo ao longo da vida.

Desse modo, considerando que os sentidos de um signo se desenvolvem, a compreensão do ILF apresentada por este artigo oferece, ainda, mais um significado para os signos “Inglês como Língua Franca/ILF”, um sentido transformado que se alinha melhor aos estudos de Vigotski, minimizando embates epistemológicos. Essa nova compreensão desses signos passou por um processo de superação por incorporação — aufhebung (Löwy, 2000LÖWY, M. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000.) —, que permitiu que o signo Inglês como Língua Franca/ILF fosse entendido como um conceito científico.

Em suma, esse movimento transformacional do ILF, agora entendido como um conceito científico, implica que os estudos aderentes à visão proposta devem considerar basilar a abolição da sociedade neoliberal ao investigar os usos da língua inglesa no mundo contemporâneo. Após traçar esse caminho, eu, como pesquisadora, acredito que essa compreensão de ILF como um conceito científico também pode oferecer um contra-argumento, pelo menos em parte, à questão da hipostatização/reificação indicada por O’Regan (2014O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
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, 2015O’REGAN, J. P. On anti-intellectualism, cultism, and one-sided thinking: O’Regan replies. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p. 128–132, 2015. DOI: https://doi.org/ 10.1093/applin/amu049.
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). Nesse sentido, o entendimento é que o ILF, sendo um conceito científico, permite que os pesquisadores vejam além das aparências das comunicações e, por meio das abstrações apresentadas pelos estudos da área, desvelem a essência de tais interações,33 33 Os estudos do ILF exploram a importância de aceitar todos os falantes de inglês como falantes legítimos (in their own right), o que se relaciona com questões de identidade e norma, para citar apenas alguns aspectos. não apenas manifestações externas de tais usos (em uma visão mais estrutural da linguagem). O conceito de Inglês como Língua Franca permite que as comunicações diárias que acontecem no concreto-em-realidade (condição material) se tornem concreto-em-pensamento (abstração/teoria) de forma mais holística.

Nesse contexto, essa ponderação do ILF como um conceito científico também permite o entendimento de que quando os pesquisadores da área usam termos como “escrito em ILF, comunicação via ILF, usuários de ILF”, entre outros semelhantes em seus escritos, eles estão falando por meio de conceitos: isso significa que eles estão falando em pedaços (chunks). Esse é um tipo robusto de comunicação, que requer um alto nível de intersubjetividade entre os interlocutores, uma vez que, em um discurso em pedaços, “o conhecimento compartilhado pelo falante e pelo ouvinte pode ser tão grande que há pouca necessidade de confiar em estímulos linguísticos externos para transmitir uma mensagem” (Yakubinskii, 1923 apudWertsch, 1985WERTSCH, J. Vygotsky and the social formation of mind. London: Harvard University Press, 1985., p. 87, tradução nossa)34 34 Original: “the knowledge shared by speaker and listener can be so great that there is very little need to rely on external linguistic stimuli to convey a message” (Yakubinskii, 1923 apudWertsch, 1985, p. 87). . Nesse cenário, esses estímulos linguísticos não representam formas de hipostatização de algo abstrato no mundo material, como indicou O”Regan (2014, 2015). Pelo contrário, tal estímulo linguístico parte do mundo material (concreto-em-realidade) que foi transformado em concreto-em-pensamento.

Sendo assim, as frases “escrito em ILF, comunicação via ILF” e muitas outras formas não significam “é algo escrito/comunicado em uma coisa chamada ILF”, mas retomam todo o conhecimento sistemático que é acessado através do uso do signo ILF. Na realidade, essas frases carregam as discussões teóricas (concreto-em-pensamento) que os estudos de ILF produzem e que seus signos simbolizam em acordo com o nível de formação em que esse conceito está desenvolvido nos interlocutores que o utilizam. Nesse sentido, Vygotsky (1987VYGOTSKY, L. The Collected Works of L. S. Vygotsky. New York: Plenum Press, 1987. Vol. I: Problems of general psychology., p. 193, tradução nossa) indica que “o conceito científico pressupõe necessariamente uma relação diferente com o objeto […] que pressupõe a presença de relações de conceitos entre si”35 35 Original: “the scientific concept necessarily presupposes a different relationship to the object […] that presupposes the presence of relationships of concepts to one another” (Vygotsky, 1987, p. 193). . Assim, tais frases são exemplos de fala em pedaços que i) economizam tempo durante as interações enquanto ii) exigem um alto nível de pensamento deliberado (pois exigem uma relação sistemática entre os conceitos) e uma sintonia entre os interlocutores para manter o fluxo de comunicação de forma eficiente.

Considerações finais

Após o exposto, parece que este artigo atingiu seu objetivo: analisar as quatro publicações disponíveis na revista Applied Linguistics (O’Regan, 2014O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
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; Baker; Jenkins; Baird, 2015; Widdowson, 2015WIDDOWSON, H. G. Contradiction and conviction. a reaction to O’Regan. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p.124–127, 2015. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amu026.
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; O’Regan, 2015O’REGAN, J. P. On anti-intellectualism, cultism, and one-sided thinking: O’Regan replies. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p. 128–132, 2015. DOI: https://doi.org/ 10.1093/applin/amu049.
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) elucidando alguns dos pontos de discordância que seus autores apresentam para, posteriormente, propor um entendimento diferente sobre o ILF, superado por uma postura epistemológica marxista, com potencial de responder a algumas das críticas de O’Regan dirigidas à área.

Este trabalho apresentou uma nova forma de entender os signos “Inglês como Língua Franca/ILF”, não considerados aqui como uma teoria, muito menos apenas como a representação/descrição da aparência de comunicações que têm o inglês como língua escolhida e utilizada. Tentou-se, aqui, oferecer um concreto-em-pensamento (abstração/teorização) que reconhece que é nos signos “Inglês como Língua Franca/ILF” que os significados desse conceito são trazidos à consciência e são desenvolvidos, transformando dialeticamente seus usuários enquanto o próprio signo se transforma ao longo da história. Ancorando-se no materialismo histórico-dialético, através de uma filiação vigotskiana, assume-se que essa transformação representa a objetivação do concreto-em-realidade em concreto-em-pensamento, ou seja, “a síntese de prévia-ideação e matéria natural. Nem apenas ideia, nem só matéria, mas uma síntese entre as duas, tipicamente realizada no e pelo trabalho, que origina uma nova forma de ser: o mundo dos homens” (Lessa; Tonet, 2011LESSA, S.; TONET, I. Introdução à filosofia de Marx. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011., p. 42).

As discussões em torno do conceito de Inglês como Língua Franca são resultado de um processo histórico contínuo que teve, e ainda tem, suas origens na expansão das colônias britânicas, desenvolvimento do poder econômico dos países hegemônicos, imigração de diferentes pessoas para esses países, avanço tecnológico, era digital, globalização e muitas outras condições históricas necessárias para que o inglês assumisse a posição da língua de contato mais amplamente utilizada globalmente, tornando-se uma língua franca. Esses aspectos foram, e ainda são, objetos de síntese — pré-ideação/descontextualização do material-em-realidade — do campo do ILF, em certa medida, e fazem parte do corpo sistemático de conhecimento que constrói o ILF como conceito científico.

Não reconhecer a importância do conceito científico de Inglês como Língua Franca para ajudar a compreender a condição material atual (concreto-em-realidade) — sua essência e aparência — é quase o mesmo que negar a materialidade de que há mais falantes de inglês como língua adicional no mundo do que falantes de inglês como língua materna (Mauranen, 2018MAURANEN, A. Conceptualising ELF. In: JENKINS, J.; WILL, B.; DEWEY, M. (ed.). The Routledge handbook of english as a lingua franca. London: Routledge, 2018. p. 7-24.). Não reconhecer essas mudanças no material-em-realidade que temos agora e ignorar a necessidade de uma maneira transformada de conceber o uso do inglês no mundo (que essa condição material atual exige) significa não reconhecer os méritos do ILF. Ignorar tudo isso é quase uma posição reacionária de não aceitar o conceito de ILF, que parece melhor retratar o atual material-em-realidade, postura que nos mantêm presos a velhos conceitos estáticos, sem aceitar suas possíveis transformações históricas.

Por fim, com base no materialismo histórico-dialético de Marx, apresentado neste estudo por meio dos escritos vigotskianos, a compreensão proposta do Inglês como Língua Franca como conceito científico representa uma objetivação a partir da materialidade social possibilitada pelo movimento de superação por incorporação (aufhebung). Essa compreensão cruza conceitos espontâneos e científicos, apagando, assim, a dicotomia entre teoria e prática que foi desenvolvida historicamente (Vygotsky, 1987VYGOTSKY, L. The Collected Works of L. S. Vygotsky. New York: Plenum Press, 1987. Vol. I: Problems of general psychology.). Além disso, e paralelamente, nesse movimento de aufhebung, as discussões neste artigo buscaram desenvolver respostas a algumas críticas advindas de uma perspectiva marxista em relação à área do Inglês como Língua Franca, tentando, de alguma forma, contribuir para o desenvolvimento desse campo.

REFERÊNCIAS

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  • DUARTE, N. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 2. ed. São Paulo: Autores Associados, 2011.
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  • DUBOC, A. P.; SIQUEIRA, S. ELF feito no Brasil: expanding theoretical notions, reframing educational policies. Status Quaestionis, Roma, n. 19, p. 297–321, 2020. DOI: https://doi.org/10.13133/2239-1983/17135
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    » https://doi.org/10.1093/applin/amu026
  • 1
    Disponível em: https://academic.oup.com/applij/pages/About. Acesso em: 17 nov. 2023.
  • 2
    Original: “anti-ELFers [...] who dislike the phenomenon of ELF [...] published attacks on ELF from [...] various other ideological persuasions including Marxism” (Jenkins, 2018JENKINS, J. The future of english as a lingua franca. In: JENKINS, J.; WILL, B.; DEWEY, M. (ed.). The Routledge handbook of english as a lingua franca. London: Routledge, 2018. p. 594–605., p. 597).
  • 3
    Levando-se em consideração as diferentes formas de escrita do nome do estudioso russo Lev Semenovich Vygotsky (Vygotsky, Vigotsky, Vygotski, Vigotskii, Vigotski, entre outras), será assumido no corpo do texto em português a forma adotada por autores brasileiros ‘Vigostki’; a exceção se dará quando o texto de referência for em língua inglesa no qual, geralmente, optam pela grafia Vygotsky.
  • 4
    Original: “‘anti-ELFers’ divide broadly into two camps, one who dislikes the phenomenon of ELF because of its threat to ‘Standard’ English (whatever they mean by this ambiguous term), and the other who (mistakenly) sees the ELF research paradigm as proposing a new monolithic kind of English: a new global standard” . (Jenkins, 2018JENKINS, J. The future of english as a lingua franca. In: JENKINS, J.; WILL, B.; DEWEY, M. (ed.). The Routledge handbook of english as a lingua franca. London: Routledge, 2018. p. 594–605., p. 597).
  • 5
    Original: “[...] that the ELF movement is ideologically conservative, is inconsistent in its arguments and is lacking in theorization” (O’Regan, 2014O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
    https://doi.org/10.1093/applin/amt045...
    , p. 534).
  • 6
    Original: “linguistic structural merits” (O’Regan, 2014O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
    https://doi.org/10.1093/applin/amt045...
    , p. 534).
  • 7
    Original: “to do something different, which is to confront the ELF movement with its contradictions and absences which its own texts reveal and, as part of this, to question its theoretical adequacy whilst also uncovering its ideological presuppositions. The immanent critique […] can thus be understood as a critical, as well as historical-social reading of ELF movement discourse and theory as this, is presented in its own texts” . (O’Regan, 2014O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
    https://doi.org/10.1093/applin/amt045...
    , p. 536).
  • 8
    Original: “ELF movement discourse is marked by slippage” (O’Regan, 2014O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
    https://doi.org/10.1093/applin/amt045...
    , p. 536).
  • 9
    O filósofo e intérprete japonês de Marx, chamado Hiromatsu, iguala a hipostatização com o conceito marxista de reificação. Nesse sentido, ele “redefine a reificação como o equívoco hipostasiante do que é realmente uma relação funcional” (Hiromatsu, 2022, p. 4, tradução própria).
  • 10
    Original: “he disagrees with the approaches taken so far because they do not accord with his own Marxist understanding of the issues” (Baker; Jenkins; Baird, 2015, p.122).
  • 11
    Original: “it is not realistic to expect one research field to be accountable in terms related to another” (Baker; Jenkins; Baird, 2015, p.122).
  • 12
    Original: “evaluate the field in its own terms” (Baker; Jenkins; Baird, 2015, p.122).
  • 13
    Original: “[f]irst, O’Regan’s paper derives from discussions of a Marx reading group at the University of London Institute of Education, and presumably represents their way of thinking. As a former member of the academic staff of that institution, I am naturally curious to learn about the kind of intellectual activity its present members of staff are currently engaged in. Secondly, since Applied Linguistics, according to its notes to contributors, requires articles ‘to represent outstanding scholarship’, I am interested, as a founding editor of the journal, in seeing what kind of article is now deemed to meet this requirement” (Widdowson, 2015WIDDOWSON, H. G. Contradiction and conviction. a reaction to O’Regan. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p.124–127, 2015. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amu026.
    https://doi.org/10.1093/applin/amu026...
    , p. 124).
  • 14
    Original: “‘interactions in ELF’ or ‘ELF settings’ or ‘ELF speakers’, ELF is inevitably invoked as a hypostatized object” (Widdowson, 2015WIDDOWSON, H. G. Contradiction and conviction. a reaction to O’Regan. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p.124–127, 2015. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amu026.
    https://doi.org/10.1093/applin/amu026...
    , p. 125).
  • 15
    Original: “[i]f all nominalization invokes hypostatization, then speakers of English — of whatever stripe — are condemned out of their own mouths (so to speak) to accept a very partial and inadequate version of reality. And anybody learning the language would, of course, be obliged to subscribe to this version. Here, O’Regan might have gone on to make an even more subtle point, and one which would lend support to his argument about the hegemonic use of English in the exercise of power which he accuses ‘the ELF movement’ of failing to take into account. Here his position is essentially the same as that of Phillipson, whom he quotes with approval, namely that calling something ELF does not alter the fact that it is English, essentially the same thing however it is used, whatever form it takes. English is thus hypostatized as a ‘bounded entity’ everywhere the preserve of power and privilege and an instrument of oppression” (Widdowson, 2015WIDDOWSON, H. G. Contradiction and conviction. a reaction to O’Regan. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p.124–127, 2015. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amu026.
    https://doi.org/10.1093/applin/amu026...
    , p. 125–126).
  • 16
    Original: “conspicuous by its absence” (Widdowson, 2015WIDDOWSON, H. G. Contradiction and conviction. a reaction to O’Regan. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p.124–127, 2015. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amu026.
    https://doi.org/10.1093/applin/amu026...
    , p. 127).
  • 17
    Original: “dealing with any of the substantive points: the ideological fetishism of ‘ELF’, the elitism of ‘ELF’ research, the conflation of learners with users in ‘ELF’ literature, the near total neglect of the political economy of English(es) under conditions of neoliberal global capitalism, and the central issues of the theoretical incommensurability and epistemological contradiction, [prefering] instead to push the discussion elsewhere” .
  • 18
    Original: “[o]nly on the last point do they speak to a substantive argument [...] they do so only in a superficial and selective way” (O’Regan, 2015O’REGAN, J. P. On anti-intellectualism, cultism, and one-sided thinking: O’Regan replies. Applied Linguistics, [Oxford], v. 36, n. 1, p. 128–132, 2015. DOI: https://doi.org/ 10.1093/applin/amu049.
    https://doi.org/ 10.1093/applin/amu049...
    , p. 129).
  • 19
    Original: “it is not realistic to expect one research field to be accountable in terms related to another” . (Baker; Jenkins; Baird, 2015, p. 122).
  • 20
    A frase é de Plekhanov, citado por Fetscher (1991FETSCHER, I. Development of Marxism. In: BOTTOMORE, T. A dictionary of marxist thought. 2nd. ed. Oxford: Blackwell Publishers, 1991. p. 347–350., p. 347). Original: “Marxism is a whole world view” .
  • 21
    Aufhebung é uma palavra alemã difícil de traduzir para o inglês. Essa palavra representa o movimento dialético de negação e afirmação de algo e deriva dos escritos hegelianos e marxistas. Aufhebung é geralmente traduzida como “sublação” quando colocada em inglês, no entanto, essa escolha de redação ainda perde algumas nuances contidas na palavra alemã. Por esse motivo, decidiu-se expor os três principais aspectos da palavra alemã aufhebung, representada pelas palavras “abolir, preservar e transcender”. Essas três palavras têm o potencial de transmitir o movimento de “negação-afirmação”. Dessa forma, o campo dos estudos em ILF está sendo “negado” como é, mas, em uma nova conceituação, aspectos dele serão “preservados”, ‘transcendendo’ a proposta anterior. Em português, o sentido de aufhebung foi refletido na expressão “superar por incorporação”, utilizada em estudos marxistas.
  • 22
    Original: “the merits of English as a Lingua Franca” (O’Regan, 2014O’REGAN, J. P. English as lingua franca: an immanent critique. Applied Linguistics, [Oxford], v. 35, n. 5, p. 533–552, 2014. DOI: https://doi.org/10.1093/applin/amt045.
    https://doi.org/10.1093/applin/amt045...
    , p. 536).
  • 23
    Original: “a theory of higher mental phenomena [...] [rooted] in dialectical materialism, the theory that historical changes in society and material life produce changes in the human mind” (Elhammoumi, 2002ELHAMMOUMI, M. To create psychology’s own capital. Journal for the Theory of Social Behaviour, West Sussex, v. 32, n. 1, p. 89–104, 2002. DOI: https://doi.org/ 10.1111/1468-5914.00177.
    https://doi.org/ 10.1111/1468-5914.00177...
    , p. 91).
  • 24
    Está fora do escopo deste artigo abordar todos os aspectos da crítica de O’Regan. No entanto, focando-se em alguns deles, tenta revelar as diferentes camadas da discussão feita por O’Regan que foi apresentada ao longo das seções anteriores, o que significa uma tentativa para mover as discussões da aparência para sua essência. Além disso, apesar de poder ser visto como inicialmente redundante, é fundamental reforçar que a palavra/signo “essência”, ao longo deste estudo, deve ser entendida em termos marxistas em relação à díade essência/aparência.
  • 25
    Um entendimento do conceito de ferramentas é essencial nos estudos de Vygotsky. Vygotsky (1987) indica que no mundo existem dois tipos de ferramentas: as físicas (ou seja, livros e martelos) e as simbólicas, também chamadas de signos (ou seja, a linguagem e a numeracia). Os signos são representações psicológicas da realidade que medeiam a vida coletiva dos seres humanos. A linguagem é uma poderosa ferramenta psíquica, sendo assim, as palavras (sinonimamente chamadas de signos) são as portadoras materiais do significado delas (uma representação psicológica). Assim, neste texto, os dois signos distintos, “Inglês como Língua Franca”, também chamado de “ILF”, carregam os mesmos significados culturais.
  • 26
    Essa dicotomia é um aspecto da crítica de O’Regan à reificação/hipostatização do ILF como uma coisa em si (O’Regan, 2014, 2015).
  • 27
    Original: “serve as a means for different intellectual operations and the different intellectual operations that are realized through the word [signs ELF/English as a Lingua Franca] underlie basic differences” (Vygotsky, 1987VYGOTSKY, L. The Collected Works of L. S. Vygotsky. New York: Plenum Press, 1987. Vol. I: Problems of general psychology., p. 160).
  • 28
    Original: “in which natural processes (spontaneous concepts) are transformed by higher-level processes (scientific concepts) over which […] (human beings) exercise control” (Miller, 2014MILLER, R. Introducing Vygotsky’s cultural-historical psychology. In: YASNITSKY, A.; VAN DER VEER, R.; FERRARI, M. (ed.). The Cambridge handbook of cultural-historical psychology. Cambridge: Cambridge University Press, 2014. p. 9–46., p. 34).
  • 29
    Chamar-lhes de fases pode implicar uma linearidade que falha o fato de os estudos situados nessas abordagens ‘diferentes’ coexistirem, no entanto, embasados em Jenkins (2015)JENKINS, J. Repositioning English as multilingualism in english as a lingua franca. Englishes in Practice, Warsaw, v. 2, n. 3, p. 49–85, 2015. DOI: https://doi.org/10.1515/eip-2015-0003.
    https://doi.org/10.1515/eip-2015-0003...
    , essas “distintas” perspectivas serão nomeadas dessa maneira.
  • 30
    Original: “social and material conditions [discussed in ELF studies] dialectically interrelate with, and demonstrably contribute to, the formation of higher-order mental functions” (Lantolf; Thorne, 2006LANTOLF, J.; THORNE, S. Sociocultural theory and the genesis of second language development. Oxford: Oxford University Press, 2006., p. 41).
  • 31
    Original: “The sign [...] is a means of psychological action on behavior, one’s own or another’s, a means of internal activity directed toward mastering man himself” (Vygotsky, 1997VYGOTSKY, L. The collected works of L. S. Vygotsky. New York: Plenum Press, 1997. Vol. 4: The history of the development of higher mental functions., p. 62).
  • 32
    Original: “the concept is not simply a collection of associative connections learned with the aid of memory [...]. At any stage of its development, the concept is an act of generalization” (Vygotsky, 1987VYGOTSKY, L. The Collected Works of L. S. Vygotsky. New York: Plenum Press, 1987. Vol. I: Problems of general psychology., p. 169).
  • 33
    Os estudos do ILF exploram a importância de aceitar todos os falantes de inglês como falantes legítimos (in their own right), o que se relaciona com questões de identidade e norma, para citar apenas alguns aspectos.
  • 34
    Original: “the knowledge shared by speaker and listener can be so great that there is very little need to rely on external linguistic stimuli to convey a message” (Yakubinskii, 1923 apudWertsch, 1985WERTSCH, J. Vygotsky and the social formation of mind. London: Harvard University Press, 1985., p. 87).
  • 35
    Original: “the scientific concept necessarily presupposes a different relationship to the object […] that presupposes the presence of relationships of concepts to one another” (Vygotsky, 1987VYGOTSKY, L. The Collected Works of L. S. Vygotsky. New York: Plenum Press, 1987. Vol. I: Problems of general psychology., p. 193).
  • Declaração de financiamento: O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior — Brasil (CAPES) — Código Financeiro 001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Dez 2022
  • Aceito
    01 Ago 2023
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