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Educação para os algoritmos: levantamento bibliográfico e debate sobre o conceito de literacia algorítmica

Resumo

O estudo tem como objetivo mapear o campo de investigação sobre literacia algorítmica nas línguas portuguesa, espanhola e inglesa. A crescente importância e presença dos algoritmos em diversas facetas da vida social motivou esta pesquisa. Para isso, foram utilizados quatro eixos de investigação: 1) definição de propostas conceptuais; 2) identificação de técnicas e estratégias pedagógicas emergentes nestes debates; 3) descrição das funções e domínios destas diferentes formas de conhecimento e 4) reflexão sobre os desafios e dificuldades revelados na literatura. A metodologia utilizada foi uma revisão sistemática da literatura nas bases de dados Scopus e Web of Science, utilizando os descritores literacy AND algorithmic, algorithmic OR algorithm AND literacy OR literacies. Posteriormente, 21 publicações foram analisadas após um fluxo sistemático de seleção. Inicialmente, a análise indica um aumento significativo de trabalhos nos últimos anos (2021 e 2022), a diversidade de áreas e a predominância de publicações em língua inglesa. A capacitação crítica, a consciencialização e a compreensão dos algoritmos surgem como temas-chave no debate, mas existe uma variação considerável nas abordagens pedagógicas adotadas para encorajar o envolvimento crítico com os sistemas algorítmicos.

Palavras-chave:
Dataficação; Plataformização; Sistemas algorítmicos; Educação

Abstract

This study aimed to map the field of research on algorithmic literacy in Portuguese, Spanish, and English. The growing importance and presence of algorithms in various facets of social life motivated this research. To achieve this, four axes of investigation were utilized: 1) definition of conceptual proposals;, 2) identification of emerging pedagogical techniques and strategies in these debates; 3) description of the functions and domains of these different forms of knowledge, and 4) reflection on the challenges and difficulties revealed in the relevant literature. The methodology used was a systematic literature review in the Scopus and Web of Science databases, using the descriptors Literacy AND Algorithmic, algorithmic OR algorithm AND literacy OR literacies. Subsequently, 21 publications were analyzed following a systematic selection process. Initially, the analysis indicates a significant increase in work in recent years (2021 and 2022), the diversity of areas, and the predominance of publications in English. Critical empowerment, awareness, and understanding of algorithms emerge as key themes in the debate, but there is considerable variation in the pedagogical approaches adopted to encourage critical engagement with algorithmic systems.

Keywords:
Datafication; Platformization; Algorithmic systems; Education

1 Introdução

Para muitos, um dia comum envolve diversas ocasiões nas quais plataformas on-line são usadas para consumir notícias, interagir com amigos, estudar, fazer compras ou assistir a séries e filmes. Em todas essas atividades, estruturas digitais baseadas em dados e conformadas por algoritmos atuam ao sugerir ou determinar quais são os conteúdos e as informações mais relevantes ou os perfis mais compatíveis com nossos interesses em uma determinada plataforma. A inserção dessas estruturas na mediação de diferentes práticas sociais tem reconfigurado profundamente como os sujeitos passam a constituir suas relações com o mundo e com a coletividade ( Zuboff, 2020ZUBOFF, S. A era do capitalismo de vigilância: A luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2020. ; Mbembe, 2021 MBEMBE, Achille. Futures of Life and Futures of Reason. Public Cultures, v. 33, n. 1, p. 11–33, jan. 2021. ISSN 0899-2363. DOI: 10.1215/08992363-8742136. eprint: https://read.dukeupress.edu/public-culture/article-pdf/33/1(93)/11/927025/11mbembe.pdf .
https://read.dukeupress.edu/public-cultu...
).

Viver em uma sociedade dataficada, argumenta Siles ( 2023SILES, Ignacio. Vivir con algoritmos: plataformas digitales y cultura en Costa Rica. Costa Rica: Cicom, 2023. ), tem se configurado pela crescente conversão de experiências, relações e identidades em dados que alimentam uma das mais prósperas indústrias da economia global. Essas dinâmicas dependem dramaticamente dos algoritmos e dos sistemas de recomendação, que desempenham papel central nos modelos de negócio de plataformas digitais. As técnicas algorítmicas que dão lógica ao funcionamento desses sistemas atuam ao analisar grandes volumes de dados a fim de identificar padrões e tendências. Com base nessa análise, sistemas de recomendação almejam personalizar suas funcionalidades a partir da apresentação de conteúdos que têm maior probabilidade de atrair e engajar os sujeitos.

Ao passo que desfrutamos de um impressionante acesso a conteúdos e serviços, estamos expostos a agressivos processos de captação de dados da atividade humana, utilizados para que se possa quantificar, analisar e gerar lucros às empresas desse setor ( Couldry; Mejias, 2019COULDRY, N.; MEJIAS, U. The costs of connection: how data is colonizing human life and appropriating it for capitalism. Stanford: Stanford University Press, 2019. ; Siles, 2023SILES, Ignacio. Vivir con algoritmos: plataformas digitales y cultura en Costa Rica. Costa Rica: Cicom, 2023. ). A crescente dependência das plataformas e a consequente dataficação da vida ( Van Es; Schäfer, 2017 VAN ES, Karin; SCHÄFER, Mirko Tobias. The datafied society: Studying culture through data. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2017. ISBN 9789462981362. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/j.ctt1v2xsqn .
http://www.jstor.org/stable/j.ctt1v2xsqn...
) têm levantado discussões relevantes sobre seus desdobramentos, como os debates sobre os efeitos psíquicos e emocionais das táticas de modulação do comportamento humano ( Bruno; Bentes; Faltay, 2019 BRUNO, F.; BENTES, A. C.; FALTAY, P. Economia psíquica dos algoritmos e laboratório de plataforma: mercado, ciência e modulação do comportamento. Revista FAMECOS (Online), v. 26, p. 33095–19357, 2019. DOI: 10.15448/1980-3729.2019.3.33095. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/33095 .
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
), a disseminação de desinformação e as campanhas difamatórias on-line ( Rogers, 2023 ROGERS, Richard. The Propagation of Misinformation in Social Media: A Cross-platform Analysis. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2023. ISBN 9789463720762. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/jj.1231864 .
http://www.jstor.org/stable/jj.1231864...
), as dinâmicas de exploração e precarização do trabalho ( Grohmann, 2023GROHMANN, Rafael. Not just platform, nor cooperatives: Worker-owned technologies from below. Communication, Culture & Critique, v. 16, n. 4, p. 274–282, 2023. ) e as políticas de regulação em plataformas digitais ( Fletcher, 2023 FLETCHER, Amelia. International pro-competition regulation of digital platforms: healthy experimentation or dangerous fragmentation? Oxford Review of Economic Policy, v. 39, n. 1, p. 12–33, 2023. ISSN 0266-903x. DOI: https://doi.org/10.1093/oxrep/grac047 . eprint: https://academic.oup.com/oxrep/article-pdf/39/1/12/49590354/grac047.pdf .
https://doi.org/10.1093/oxrep/grac047...
).

Em paralelo, cada vez mais, entende-se que respostas do campo da educação são fundamentais para lidar com os desdobramentos, parte deles nocivos, dessas dinâmicas sociais plataformizadas. Recentemente, a Organização das Nações Unidas (ONU) ( 2023 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Informe de Política para a Nossa Agenda Comum: Integridade da Informação nas Plataformas Digitais, 2023. Disponível em: https://brasil.un.org/sites/default/files/2023-10/ONU_Integridade_Informacao_Plataformas_Digitais_Informe-Secretario-Geral_2023.pdf . Acesso em: 13 nov. 2023.
https://brasil.un.org/sites/default/file...
) apelou pela necessidade de investimento em “iniciativas robustas de alfabetização digital”, como forma de oferecer aos sujeitos em contato com esses sistemas conhecimento e habilidades para lidar com tais condições, especialmente no que toca à circulação de informação falsa e discursos de ódio.

Está no cerne desse diagnóstico o apelo para o desenvolvimento de uma consciência crítica sobre as lógicas do capitalismo digital ( Buckingham, 2022BUCKINGHAM, D. Manifesto pela Educação Midiática. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2022. ). Na literatura acadêmica, tal preocupação tende a localizar-se em debates sobre a noção de literacia algorítmica (LA) 1 1 Neste estudo, adotamos o termo "literacia algorítmica" em vez de "alfabetização algorítmica" ou "letramento algorítmico", pois as traduções desses termos podem variar significativamente seu sentido em espanhol e português. Os termos "alfabetização" e “letramento” estão mais relacionados a uma ideia instrumental e tendem a desconsiderar as múltiplas linguagens dos sujeitos em suas culturas ( Mora, 2016 ). Existem outras propostas conceituais, como educomunicação e mídia-educação, que podem abranger parcialmente ideias relacionadas à literacia ( Rosa, 2016 ). , enquanto campo de estudos voltado para discussão de conhecimentos, competências e habilidades necessárias para uma relação mais autônoma e crítica com os sistemas computacionais que atuam em nossa vida ( DogrueL, 2021 DOGRUEL, Leyla. What is algorithm literacy? A conceptualization and challenges regarding its empirical measurement. Edição: Monika Taddicken e Christina Schumann. 75898, Berlin, v. 9, p. 67–93, 2021. ISSN 2198-7610. DOI: https://doi.org/10.48541/dcr.v9.3 .
https://doi.org/10.48541/dcr.v9.3...
).

A ideia de literacia tem uma longa trajetória nas discussões sobre competências informacionais e midiáticas ( Mora, 2016 MORA, Raúl Alberto. Translating literacy as global policy and advocacy. Journal of Adolescent & Adult Literacy, v. 59, n. 6, p. 647–651, 2016. DOI: https://doi.org/10.1002/jaal.515 . Disponível em: https://ila.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/jaal.515 .
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). Porém, nas últimas décadas, o conceito tem sido estendido para designar as “habilidades e competências envolvendo a busca, a seleção, a análise, a avaliação e o processo da informação, considerando os meios, contextos e ambientes em que se encontra e se produz o conhecimento” ( Rosa, 2016ROSA, Beatrice Bonami. A transdisciplinariedade das literacias emergentes no contemporâneo conectado: um mapeamento do universo documental das literacias de mídia e informação (MIL). 2016. Mestrado em Interfaces Sociais da Comunicação – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo. DOI: 10.11606/D.27.2017.tde-09032017-143021. Acesso em: 3 jun. 2024.
https://doi.org/10.11606/D.27.2017.tde-0...
). As abordagens que almejam promover a literacia buscam desenvolver capacidades reflexivas e críticas para propiciar o seu envolvimento ativo com as lógicas dos sistemas que conformam as sociedades contemporâneas ( Pangrazio; Sefton-Green, 2022PANGRAZIO, L.; SEFTON-GREEN, J. (ed.). Learning to live with datafication: Educational case studies and initiatives from across the world. Londres: Routledge, 2022. ).

A respeito especificamente do conceito de LA, pode-se afirmar que essa é uma noção ainda com inconsistências significativas ( Hargittai et al., 2020 HARGITTAI, Eszter et al. Black box measures? How to study people’s algorithm skills. Information, Communication & Society, Routledge, Londres, v. 23, n. 5, p. 764–775, 2020. DOI: https://doi.org/10.1080/1369118X.2020.1713846 .
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). ( DogrueL; Masur; Joeckel, 2022 DOGRUEL, Leyla; MASUR, Philipp; JOECKEL, Sven. Development and validation of an algorithm literacy scale for internet users. Communication Methods and Measures, Routledge, Londres, v. 16, n. 2, p. 115–133, 2022. DOI: 10.1080/19312458.2021.1968361. Disponível em: https://doi.org/10.1080/19312458.2021.1968361 .
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) indicam que, nas primeiras publicações relacionadas à LA, a maioria se concentra na conscientização sobre o uso de algoritmos ou no conhecimento sobre eles, mas não detalha como esses aspectos se relacionam ou constituem a literacia algorítmica enquanto conceito presumivelmente mais amplo. Nesse sentido, Ridley; Pawlick-Potts ( 2021, p. 2 RIDLEY, M.; PAWLICK-POTTS, D. Algorithmic Literacy and the Role for Libraries. Information Technology and Libraries, v. 40, n. 2, 2021. DOI: 10.6017/ital.v40i2.12963. Disponível em: https://ital.corejournals.org/index.php/ital/article/view/12963 . Acesso em: 8 jan. 2024.
https://ital.corejournals.org/index.php/...
) 2 2 Todas as citações em língua estrangeira foram traduzidas livremente pelos autores. sustentam que:

sem uma definição clara, reconhecida e acionável que a diferencie de conceitos como literacia digital, pensamento computacional e pensamento algorítmico, a literacia algorítmica será relegada a uma frase da moda e a urgência do seu reconhecimento e aplicação serão perdidas.

Assim, nosso artigo almeja desenvolver uma revisão sistemática sobre o conceito de literacia algorítmica. O objetivo é mapear os principais estudos relacionados à LA em espanhol, inglês e português, nas bases de dados Scopus e Web of Science. Organizada metodologicamente como uma revisão sistemática da literatura, a seleção das publicações segue três fases da declaração PRISMA (identificação, triagem e elegibilidade), que orientam a qualificação da seleção de publicações e a eficiência da investigação ( Moher et al., 2009 MOHER, David et al. Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: the PRISMA statement (Chinese edition). Journal of Chinese Integrative Medicine, v. 7, n. 9, p. 889–896, 2009. DOI: 10.3736/jcim20090918. Disponível em: http://www.jcimjournal.com/EN/abstract/article_1309.shtml .
http://www.jcimjournal.com/EN/abstract/a...
).

A análise dos dados gerais das publicações mostra aumento significativo de estudos nos últimos anos, especialmente em 2021 e 2022, diversidade de áreas de origem dos estudos e baixo número de publicações em português e espanhol. Em relação à análise dos artigos, observa-se variedade de modelos conceptuais e abordagens pedagógicas, reflexo da natureza emergente e multidisciplinar do campo.

2 Metodologia

As revisões sistemáticas da literatura representam abordagens metodológicas que buscam identificar, avaliar e interpretar tendências em um dado campo de estudo ( García-Peñalvo, 2022 GARCÍA-PEÑALVO, Francisco José. Developing robust state-of-the-art reports: Systematic Literature Reviews. Education in the Knowledge Society, v. 23, 2022. DOI: https://doi.org/10.14201/eks.28600 . Disponível em: https://revistas.usal.es/tres/index.php/eks/article/view/28600 .
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). Por se tratar de uma proposta conceitual transdisciplinar emergente, a consideramos a mais adequada para delinear o debate sobre literacia algorítmica (LA) nesta investigação. Projetadas para reduzir vieses e fornecer evidências para embasar debates acadêmicos, a revisão sistemática de literatura envolve uma série de passos, como introdução, planejamento, realização e relato da revisão ( White; Schmidt, 2005 WHITE, Adrian; SCHMIDT, Katja. Systematic literature reviews. Complementary therapies in medicine, v. 13, n. 1, p. 54–60, 2005. ISSN 0965-2299. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ctim.2004.12.003 . Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S096522990500004X .
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). Neste artigo, estruturamos cada etapa a partir de quatro questões Tabela 1 . A definição das questões de pesquisa é a etapa mais importante de uma revisão sistemática de literatura, pois estabelece as bases que orientam as decisões ao longo do processo de investigação, buscando, assim, efetivamente contribuir para a produção de conhecimento sobre lacunas em uma dada literatura ( García-Peñalvo, 2022 GARCÍA-PEÑALVO, Francisco José. Developing robust state-of-the-art reports: Systematic Literature Reviews. Education in the Knowledge Society, v. 23, 2022. DOI: https://doi.org/10.14201/eks.28600 . Disponível em: https://revistas.usal.es/tres/index.php/eks/article/view/28600 .
https://doi.org/10.14201/eks.28600...
).

Em nosso estudo, as questões são construídas a partir de quatro eixos de investigação sobre a ideia de literacia algorítmica: a) suas propostas conceituais, b) as técnicas e as estratégias pedagógicas emergentes nestes debates, c) funções e espaços de aplicação destes conhecimentos e, por fim, d) os desafios e as dificuldades retratadas na literatura. A partir destes eixos, identificamos quatro questões norteadoras da revisão, apresentadas no Tabela 1 .

Tabela 1
. Questões orientadoras do processo de revisão sistemática de literatura sobre literacia algorítmica

O processo de seleção das publicações analisadas neste artigo foi inspirado pela chamada declaração PRISMA ( Moher et al., 2009 MOHER, David et al. Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: the PRISMA statement (Chinese edition). Journal of Chinese Integrative Medicine, v. 7, n. 9, p. 889–896, 2009. DOI: 10.3736/jcim20090918. Disponível em: http://www.jcimjournal.com/EN/abstract/article_1309.shtml .
http://www.jcimjournal.com/EN/abstract/a...
), que se configura como um fluxo de análise com quatro fases para revisões sistemáticas. Em nossa investigação, nos apropriamos das primeiras três etapas da declaração PRISMA (identificação, triagem e elegibilidade), por considerar que dão conta do processo de qualificação da seleção de publicações a serem analisadas e da redução de vieses.

A Figura 1 apresenta o fluxo de seleção das publicações analisadas nesta revisão sistemática sobre LA. Na Fase 1, Identificação, momento de captação inicial das publicações, utilizamos duas importantes bases de dados, a Scopus e a Web of Science. A escolha delas foi fundamentada na abrangência e na reputação acadêmica. Ambas as plataformas são conhecidas por indexarem um amplo espectro de revistas científicas, conferências e outras fontes relevantes, garantindo uma busca abrangente e diversificada de publicações sobre o tema. Além disso, a Scopus e a Web of Science possuem recursos avançados de filtragem e busca, permitindo a utilização de descritores específicos em múltiplos idiomas, como português, inglês e espanhol, o que possibilitou uma abordagem multilíngue na captação de artigos e pesquisas relacionadas à LA. A busca foi conduzida utilizando termos nos três idiomas. Em português e espanhol, acionamos os descritores ‘Literacia AND Algorítmica’. Já para a língua inglesa, usamos os descritores ‘ algorithmic OR algorithm AND literacy OR literacies ’. No sistema de busca das duas plataformas, os termos foram pesquisados no título, resumo e palavras-chave das publicações. Ao final do processo de busca, identificamos um total de 42 publicações na Scopus e 25 na Web of Science.

Figura 1
. Fluxo de seleção das publicações a serem analisadas.

Na fase de Triagem, foram identificadas 24 publicações duplicadas, ou seja, estudos que apareceram em ambas as plataformas de busca. Ademais, durante a triagem, 6 publicações foram consideradas inacessíveis pelos pesquisadores. Esses trabalhos não puderam ser obtidos por diferentes motivos: restrições de assinatura, pagamento em determinadas plataformas ou indisponibilização do texto completo pelos autores ou revistas. A decisão de remover essas publicações inacessíveis foi tomada com base na necessidade de garantir a confiabilidade e a completude da revisão, visto que a impossibilidade de acessar o conteúdo completo poderia afetar negativamente a análise e a interpretação dos resultados.

Após identificação e remoção das duplicações e publicações inacessíveis, restaram 37 artigos para a fase de Elegibilidade. Nessa etapa, tornam-se fundamentais os critérios de inclusão e exclusão. Tais definições são estabelecidas para garantir que o foco analítico das questões orientadoras se reflita na seleção das publicações, dando maior clareza e eficiência ao processo de análise. Conforme mostra a Tabela 2 , os critérios de inclusão contemplam estudos que abordam o conceito de LA, apresentam propostas e reflexões sobre práticas para geração de literacia algorítmica, além de artigos escritos em português, inglês ou espanhol publicados até a data do corte desta revisão (dezembro de 2022). Já os critérios de exclusão buscam eliminar estudos cujo texto completo estava indisponível no momento da coleta de dados, trabalhos não relacionados à LA e estudos em que a LA é abordada apenas como elemento contextual para análise de uma temática mais específica.

Tabela 2
. Critérios de seleção para fase de elegibilidade

Na etapa de Elegibilidade, o processo de análise consistiu em uma leitura minuciosa dos textos das publicações, junto à produção de resumos sobre cada pesquisa e seus principais achados. A partir desses resumos e dos textos originais, a análise de elegibilidade foi conduzida. O critério de exclusão com maior preponderância foi a eliminação de publicações que não aprofundam a discussão sobre o conceito de literacia algorítmica ou não apresentam propostas formativas ou pedagógicas relacionadas ao tema (ao todo, 16). Nessas publicações, a literacia algorítmica surge como discussão lateral, geralmente acionada como um imperativo para a educação contemporânea, sem explorar de forma substancial seu significado ou suas possíveis aplicações. Podemos citar o artigo de Cotter; Reisdorf ( 2020, p. 759 COTTER, Kelley; REISDORF, Bianca C. Algorithmic knowledge gaps: A new horizon of (digital) inequality. International Journal of Communication, v. 14, p. 21, 2020. Disponível em: https://ijoc.org/index.php/ijoc/article/view/12450 .
https://ijoc.org/index.php/ijoc/article/...
), que analisa como o contexto socioeconômico segue moldando o uso de tecnologias digitais e aprofundando disparidades, o que indica que “uma maior literacia algorítmica também pode implicar na familiaridade com o funcionamento dos algoritmos, bem como na habilidade de avaliar seus resultados informativos”. Embora destaquem a relevância da literacia algorítmica, não há um debate sobre o que exatamente compreende este conceito. De modo similar, o artigo de Kapsch ( 2022 KAPSCH, P. H. Exploring user agency and small acts of algorithm engagement in everyday media use. Media International Australia, v. 183, n. 1, p. 16–29, 2022. DOI: 10.1177/1329878x211067803. Disponível em: https://doi.org/10.1177/1329878X211067803 .
https://doi.org/10.1177/1329878X21106780...
), que explora como jovens adultos dão sentido e refletem sobre sua agência enquanto usuários em relação aos algoritmos, enxerga a literacia algorítmica como um possível resultado da proposta metodológica do estudo, sem efetivamente traçar uma definição sistemática. Ainda neste grupo de trabalhos eliminados na fase de Elegibilidade, há uma série de estudos que posicionam a literacia algorítmica como ferramenta da aprendizagem de matemática e computação ( Astambayeva et al., 2021 ASTAMBAYEVA, Z. et al. Algorithmic methodological and mathematical literacy of the future primary education teacher: Perspective of learning technology. World Journal on Educational Technology: Current Issues, v. 13, n. 4, p. 758–774, 2021. DOI: 10.18844/wjet.v13i4.6263. Disponível em: https://un-pub.eu/ojs/index.php/wjet/article/view/6263 .
https://un-pub.eu/ojs/index.php/wjet/art...
; How, 2022 HOW, M.-L. Advancing Multidisciplinary STEM Education with Mathematics for Future-Ready Quantum Algorithmic Literacy. Mathematics, v. 10, n. 7, p. 1146, 2022. ISSN 2227-7390. DOI: 10.3390/math10071146. Disponível em: https://www.mdpi.com/2227-7390/10/7/1146 .
https://www.mdpi.com/2227-7390/10/7/1146...
), abordagem que se distancia dos objetivos e questões orientadoras de nosso estudo.

3 Análise

Nesta seção, realizaremos a análise dos 21 artigos selecionados para a revisão sistemática de literatura sobre o conceito de literacia algorítmica (LA). Todos os artigos analisados estão detalhados em tabela no ( Seção 4 Apêndice Tabela 3 . Local de publicação de acordo com área de concentração e natureza Autores(as) Ano Título do texto Tipo Fonte da publicação Lloyd, A. Chasing Frankenstein’s monster: information literacy in the black box society Artigo em Periódico Journal of Documentation Bakke, A. Everyday Googling: Results of an Observational Study and Applications for Teaching Algorithmic Literacy Artigo em Periódico Computers and Composition Cech, F. Beyond transparency: Exploring algorithmic accountability Texto publicado em anais de eventos Proceedings of the International ACM SIGGROUP Conference on Supporting Group Work Klumbyte, G.; Lücking, P.; Draude, C. Reframing AX with Critical Design: The Potentials and Limits of Algorithmic Experience as a Critical Design Concept Texto publicado em anais de eventos 11th Nordic Conference on Human-Computer Interaction: Shaping Experiences, Shaping Society (NordiCHI ’20), Koenig, A. The Algorithms Know Me and I Know Them: Using Student Journals to Uncover Algorithmic Literacy Awareness Artigo em Periódico Computers and Composition Aleman, E.; Nadolny, L.; Ferreira, A.; Gabetti, B.; Ortíz, G.; Zanoniani, M. Screening bot: A playground for critical algorithmic literacy engagement with youth Texto publicado em anais de eventos CHI PLAY 2021 - Extended Abstracts of the 2021 Annual Symposium on Computer-Human Interaction in Play DeVito, M.A. Adaptive Folk Theorization as a Path to Algorithmic Literacy on Changing Platforms Artigo em Periódico Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction Kampa, P.; Balzer, F. Algorithmic literacy in medical students – results of a knowledge test conducted in Germany Artigo em Periódico Health Information and Libraries Journal Reisdorf, B.C.; Blank, G. Algorithmic literacy and platform trust Capítulo de livro Handbook of Digital Inequality Ridley, M.; Pawlick-Potts, D. Algorithmic literacy and the role for libraries Artigo em Periódico Information Technology and Libraries Swart, J. Experiencing Algorithms: How Young People Understand, Feel About, and Engage With Algorithmic News Selection on Social Media Artigo em Periódico Social Media and Society Bell, A.R., Tennfjord, M.K., Tokovska, M., Eg, R. Exploring the role of social media literacy in adolescents experiences with personalization: A Norwegian qualitative study Artigo em Periódico Journal of Adolescent and Adult Literacy Dogruel, L., Masur, P., Joeckel, S. Development and Validation of an Algorithm Literacy Scale for Internet Users Artigo em Periódico Communication Methods and Measures Jeong, H.-S., Oh, Y.J., Kim, A. CRITICAL ALGORITHM LITERACY EDUCATION IN THE AGE OF DIGITAL PLATFORMS: Teaching children to understand YouTube recommendation algorithms Capítulo de livro Learning to Live with Datafication: Educational Case Studies and Initiatives from Across the World König, P.D. Challenges in enabling user control over algorithm-based services Artigo em Periódico AI and Society Lv, X., Chen, Y., Guo, W. Adolescents’ Algorithmic Resistance to Short Video APP’s Recommendation: The Dual Mediating Role of Resistance Willingness and Resistance Intention Artigo em Periódico Frontiers in Psychology Parnell, S.I., Klein, S.H., Gaiser, F. Do we know and do we care Algorithms and Attitude towards Conversational User Interfaces: Comparing Chatbots and Voice Assistants Texto publicado em anais de eventos 4th Conference on Conversational User Interfaces (CUI 2022) Shin, D. How do people judge the credibility of algorithmic sources? Artigo em Periódico AI and Society Shin, D., Rasul, A., Fotiadis, A. Why am I seeing this? Deconstructing algorithm literacy through the lens of users Artigo em Periódico Internet Research Silva, D.E., Chen, C., Zhu, Y. Facets of algorithmic literacy: Information, experience, and individual factors predict attitudes toward algorithmic systems Artigo em Periódico New Media and Society Sued, G.E. TRAINING THE ALGORITHM: GOVERNANCE, AGENCY, AND LITERACY IN THE USE OF YOUTUBE [Entrenar al algoritmo: gobernanza, agencia y literacidad en el uso de YouTube] Artigo em Periódico Contratexto Fonte: Elaboração própria. ), que inclui o nome dos/das autores/as, ano da publicação, título do artigo, tipo e local de publicação. Inicialmente, apresentaremos uma análise dos metadados das publicações, entre eles o ano de publicação, autores, periódicos ou eventos em que foram apresentadas, junto a outros detalhes relevantes. Em seguida, realizamos efetivamente a análise do corpus , considerando as questões que dirigem nossa investigação.

3.1 Perspectivas iniciais a partir dos metadados

Ao analisar a lista de publicações, observamos que os dados abrangem um período de quatro anos, de 2019 a 2022 ( Figura 2 ). Notadamente, a maioria das publicações se concentra nos anos de 2021 e 2022, quando encontramos, respectivamente, 6 e 10 publicações. Essa concentração do debate sobre o conceito de LA nos últimos quatro anos, assim como a tendência ascendente do número de publicações sobre o tema, pode indicar o aumento do reconhecimento da importância da compreensão dos algoritmos e seus papéis na vida social contemporânea, bem como o avanço das discussões em torno da LA.

Figura 2
. Número de publicações por ano.

Em relação à origem das publicações, é possível observar uma diversidade de formatos, abrangendo artigos em periódicos (15), capítulos de livros (2) e artigos em anais de eventos acadêmicos (4). Conforme se vê na tabela do Seção 4 Apêndice Tabela 3 . Local de publicação de acordo com área de concentração e natureza Autores(as) Ano Título do texto Tipo Fonte da publicação Lloyd, A. Chasing Frankenstein’s monster: information literacy in the black box society Artigo em Periódico Journal of Documentation Bakke, A. Everyday Googling: Results of an Observational Study and Applications for Teaching Algorithmic Literacy Artigo em Periódico Computers and Composition Cech, F. Beyond transparency: Exploring algorithmic accountability Texto publicado em anais de eventos Proceedings of the International ACM SIGGROUP Conference on Supporting Group Work Klumbyte, G.; Lücking, P.; Draude, C. Reframing AX with Critical Design: The Potentials and Limits of Algorithmic Experience as a Critical Design Concept Texto publicado em anais de eventos 11th Nordic Conference on Human-Computer Interaction: Shaping Experiences, Shaping Society (NordiCHI ’20), Koenig, A. The Algorithms Know Me and I Know Them: Using Student Journals to Uncover Algorithmic Literacy Awareness Artigo em Periódico Computers and Composition Aleman, E.; Nadolny, L.; Ferreira, A.; Gabetti, B.; Ortíz, G.; Zanoniani, M. Screening bot: A playground for critical algorithmic literacy engagement with youth Texto publicado em anais de eventos CHI PLAY 2021 - Extended Abstracts of the 2021 Annual Symposium on Computer-Human Interaction in Play DeVito, M.A. Adaptive Folk Theorization as a Path to Algorithmic Literacy on Changing Platforms Artigo em Periódico Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction Kampa, P.; Balzer, F. Algorithmic literacy in medical students – results of a knowledge test conducted in Germany Artigo em Periódico Health Information and Libraries Journal Reisdorf, B.C.; Blank, G. Algorithmic literacy and platform trust Capítulo de livro Handbook of Digital Inequality Ridley, M.; Pawlick-Potts, D. Algorithmic literacy and the role for libraries Artigo em Periódico Information Technology and Libraries Swart, J. Experiencing Algorithms: How Young People Understand, Feel About, and Engage With Algorithmic News Selection on Social Media Artigo em Periódico Social Media and Society Bell, A.R., Tennfjord, M.K., Tokovska, M., Eg, R. Exploring the role of social media literacy in adolescents experiences with personalization: A Norwegian qualitative study Artigo em Periódico Journal of Adolescent and Adult Literacy Dogruel, L., Masur, P., Joeckel, S. Development and Validation of an Algorithm Literacy Scale for Internet Users Artigo em Periódico Communication Methods and Measures Jeong, H.-S., Oh, Y.J., Kim, A. CRITICAL ALGORITHM LITERACY EDUCATION IN THE AGE OF DIGITAL PLATFORMS: Teaching children to understand YouTube recommendation algorithms Capítulo de livro Learning to Live with Datafication: Educational Case Studies and Initiatives from Across the World König, P.D. Challenges in enabling user control over algorithm-based services Artigo em Periódico AI and Society Lv, X., Chen, Y., Guo, W. Adolescents’ Algorithmic Resistance to Short Video APP’s Recommendation: The Dual Mediating Role of Resistance Willingness and Resistance Intention Artigo em Periódico Frontiers in Psychology Parnell, S.I., Klein, S.H., Gaiser, F. Do we know and do we care Algorithms and Attitude towards Conversational User Interfaces: Comparing Chatbots and Voice Assistants Texto publicado em anais de eventos 4th Conference on Conversational User Interfaces (CUI 2022) Shin, D. How do people judge the credibility of algorithmic sources? Artigo em Periódico AI and Society Shin, D., Rasul, A., Fotiadis, A. Why am I seeing this? Deconstructing algorithm literacy through the lens of users Artigo em Periódico Internet Research Silva, D.E., Chen, C., Zhu, Y. Facets of algorithmic literacy: Information, experience, and individual factors predict attitudes toward algorithmic systems Artigo em Periódico New Media and Society Sued, G.E. TRAINING THE ALGORITHM: GOVERNANCE, AGENCY, AND LITERACY IN THE USE OF YOUTUBE [Entrenar al algoritmo: gobernanza, agencia y literacidad en el uso de YouTube] Artigo em Periódico Contratexto Fonte: Elaboração própria. , apenas dois periódicos contêm mais de um artigo sobre o tema ( AI and Society e Computers and Composition ). Nota-se que os estudos encontrados abarcam uma ampla gama de áreas: comunicação, computação, psicologia, ciência da informação, educação, além de outras disciplinas relacionadas ao debate sobre tecnologias da informação e comunicação (como a Interação Humano-Computador). Esse aspecto pode indicar o interesse multidisciplinar no tema e a relevância da noção de LA em diversos contextos acadêmicos.

Nessa etapa da análise, também foi percebida a ausência de textos em português e o baixo número de publicações em espanhol entre os 21 artigos selecionados para a revisão sistemática sobre LA. Essa observação pode indicar um cenário de escassez de investigações sobre o tema no contexto latino e ibero-americano.

Com essas informações como base, a próxima etapa da nossa análise aprofunda o estudo dessas publicações, considerando as questões orientadoras da investigação sobre propostas conceituais, técnicas pedagógicas, aplicações práticas e dificuldades relacionadas à LA.

3.2 Explorando os fundamentos da literacia algorítmica: modelos conceituais, distinções e aplicações multidisciplinares

A análise dos artigos que abordam a LA revela um cenário diversificado e complexo, no qual não se observa uma unidade conceitual. Inicialmente, nota-se que o debate em torno da LA tem propostas que derivam de abordagens de literacia preexistentes e mais consolidadas, como a literacia informacional, a literacia para o ambiente digital e a literacia para os dados ( Lloyd, 2019LLOYD, A. Chasing Frankenstein’s monster: information literacy in the black box society. Journal of Documentation, v. 75, n. 6, p. 1475–1485, 2019. ). Essas abordagens enfatizam o processo de criação de consciência individual sobre como a informação é produzida, classificada e distribuída em diferentes ambientes ( Bakke, 2020 BAKKE, A. Everyday Googling: Results of an Observational Study and Applications for Teaching Algorithmic Literacy. Computers and Composition, v. 57, p. 102577, 2020. ISSN 8755-4615. DOI: https://doi.org/10.1016/j.compcom.2020.102577 . Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S8755461520300384 .
https://doi.org/10.1016/j.compcom.2020.1...
). Nestes estudos, a LA emerge como resposta aos efeitos da introdução da agência algorítmica, uma série de competências mais específicas no cenário de uma vida dataficada ( Kampa; Balzer, 2021 KAMPA, P.; BALZER, F. Algorithmic literacy in medical students – results of a knowledge test conducted in Germany. Health Information & Libraries Journal, v. 38, n. 3, p. 224–230, 2021. DOI: https://doi.org/10.1111/hir.12392 . Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/hir.12392 .
https://doi.org/10.1111/hir.12392...
). Neste contexto, os apelos por literacias são frequentemente uma resposta a novas tecnologias que criam novas estruturas de poder ( Devito, 2021DEVITO, M. A. Adaptive Folk Theorization as a Path to Algorithmic Literacy on Changing Platforms. Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction, Acm, New York, v. 5, Cscw2, p. 1–38, 2021. DOI: 10.1145/3476080.
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).

Para Ridley; Pawlick-Potts ( 2021, p. 3 RIDLEY, M.; PAWLICK-POTTS, D. Algorithmic Literacy and the Role for Libraries. Information Technology and Libraries, v. 40, n. 2, 2021. DOI: 10.6017/ital.v40i2.12963. Disponível em: https://ital.corejournals.org/index.php/ital/article/view/12963 . Acesso em: 8 jan. 2024.
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), LA é um dos desdobramentos das variadas literacias do mundo digitalizado: “Embora cada uma delas tenha seu próprio domínio e foco, elas compartilham ideias comuns e geralmente são simbióticas entre si” Ridley; Pawlick-Potts ( 2021, p. 3 RIDLEY, M.; PAWLICK-POTTS, D. Algorithmic Literacy and the Role for Libraries. Information Technology and Libraries, v. 40, n. 2, 2021. DOI: 10.6017/ital.v40i2.12963. Disponível em: https://ital.corejournals.org/index.php/ital/article/view/12963 . Acesso em: 8 jan. 2024.
https://ital.corejournals.org/index.php/...
). De modo similar, Devito ( 2021, p. 30DEVITO, M. A. Adaptive Folk Theorization as a Path to Algorithmic Literacy on Changing Platforms. Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction, Acm, New York, v. 5, Cscw2, p. 1–38, 2021. DOI: 10.1145/3476080.
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) sustenta que a LA não deve ser observada isoladamente, mas sim como “um componente de uma literacia de plataforma mais ampla que abrange todas as literacias mencionadas anteriormente”. Para ( Lloyd, 2019LLOYD, A. Chasing Frankenstein’s monster: information literacy in the black box society. Journal of Documentation, v. 75, n. 6, p. 1475–1485, 2019. ), o que difere a LA de propostas de literacias mais gerais é que ela necessita de um exame aprofundado da cultura de desenvolvimento desses sistemas, movimento que vai ao encontro de propostas de investigação como a de Seaver ( 2017 SEAVER, Nick. Algorithms as culture: Some tactics for the ethnography of algorithmic systems. Big data & society, v. 4, n. 2, p. 2053951717738104, 2017. DOI: 10.1177/2053951717738104. Disponível em: https://doi.org/10.1177/2053951717738104 .
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). “De acordo com esta perspectiva, a construção de um algoritmo é uma prática que está inserida dentro de outras práticas e é influenciada por visões específicas do mundo” ( Lloyd, 2019, p. 1483LLOYD, A. Chasing Frankenstein’s monster: information literacy in the black box society. Journal of Documentation, v. 75, n. 6, p. 1475–1485, 2019. ).

Nesse contexto, a especificidade da LA em relação a outras abordagens pedagógicas do digital reside na necessidade de um exame crítico de propriedades características da agência algorítmica, a partir de noções como performatividade, opacidade, diversidade, confiança, viés e justiça social ( Lloyd, 2019LLOYD, A. Chasing Frankenstein’s monster: information literacy in the black box society. Journal of Documentation, v. 75, n. 6, p. 1475–1485, 2019. ). Complementarmente, Devito ( 2021DEVITO, M. A. Adaptive Folk Theorization as a Path to Algorithmic Literacy on Changing Platforms. Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction, Acm, New York, v. 5, Cscw2, p. 1–38, 2021. DOI: 10.1145/3476080.
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) indica que qualquer proposta de LA deve lidar com a natureza movediça dos sistemas algorítmicos em constante transformação, incorporando nas construções pedagógicas essa flexibilidade e capacidade de atualização. Para a autora, isso faz com que seja fundamental reconhecer que “os sujeitos já estão imersos no ambiente em questão, tornando a LA um exercício principalmente de formalizar e corrigir o conhecimento encontrado no mundo, em vez de introduzir conhecimentos puramente novos” ( Devito, 2021, p. 3–4DEVITO, M. A. Adaptive Folk Theorization as a Path to Algorithmic Literacy on Changing Platforms. Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction, Acm, New York, v. 5, Cscw2, p. 1–38, 2021. DOI: 10.1145/3476080.
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).

Nos estudos analisados, um dos objetivos centrais para a LA é o desenvolvimento de consciência sobre a agência dos sistemas algorítmicos nas diferentes interações com os sujeitos ( Bakke, 2020 BAKKE, A. Everyday Googling: Results of an Observational Study and Applications for Teaching Algorithmic Literacy. Computers and Composition, v. 57, p. 102577, 2020. ISSN 8755-4615. DOI: https://doi.org/10.1016/j.compcom.2020.102577 . Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S8755461520300384 .
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), seja na busca por informações e conteúdos ( Kampa; Balzer, 2021 KAMPA, P.; BALZER, F. Algorithmic literacy in medical students – results of a knowledge test conducted in Germany. Health Information & Libraries Journal, v. 38, n. 3, p. 224–230, 2021. DOI: https://doi.org/10.1111/hir.12392 . Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/hir.12392 .
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), na interação com sistemas de interação automatizados ( Shin, 2022SHIN, D. How do people judge the credibility of algorithmic sources? AI & Society, v. 37, n. 1, p. 81–96, 2022. DOI: 10.1007/s00146-021-01158-4.
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) ou na relação com a personalização algorítmica ( Devito, 2021DEVITO, M. A. Adaptive Folk Theorization as a Path to Algorithmic Literacy on Changing Platforms. Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction, Acm, New York, v. 5, Cscw2, p. 1–38, 2021. DOI: 10.1145/3476080.
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; Lv; Chen; Guo, 2022 LV, X.; CHEN, Y.; GUO, W. Adolescents’ Algorithmic Resistance to Short Video APP’s Recommendation: The Dual Mediating Role of Resistance Willingness and Resistance Intention. Frontiers in Psychology, v. 13, p. 859597, 2022. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2022.859597. Disponível em: https://www.frontiersin.org/journals/psychology/articles/10.3389/fpsyg.2022.859597 .
https://www.frontiersin.org/journals/psy...
; Bell et al., 2023 BELL, A. R. et al. Exploring the role of social media literacy in adolescents’ experiences with personalization: A Norwegian qualitative study. Journal of Adolescent & Adult Literacy, v. 66, n. 4, p. 239–248, 2023. DOI: https://doi.org/10.1002/jaal.1273 . Disponível em: https://ila.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/jaal.1273 .
https://doi.org/10.1002/jaal.1273...
). Trata-se, segundo Ridley; Pawlick-Potts ( 2021 RIDLEY, M.; PAWLICK-POTTS, D. Algorithmic Literacy and the Role for Libraries. Information Technology and Libraries, v. 40, n. 2, 2021. DOI: 10.6017/ital.v40i2.12963. Disponível em: https://ital.corejournals.org/index.php/ital/article/view/12963 . Acesso em: 8 jan. 2024.
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), de uma maneira de reconhecer e dar consciência sobre as formas de poder deste padrão tecnológico e, ao mesmo tempo, enfatizar os empoderamentos possíveis aos sujeitos diante dessas estruturas. Nesta abordagem, a LA pode ser definida como a capacidade de estar ciente tanto da presença quanto dos desdobramentos de sistemas conduzidos algoritmicamente e, assim, cristalizar essa compreensão em um uso estratégico desses sistemas para que os sujeitos integrantes desse processo possam alcançar objetivos individuais ou coletivos ( Devito, 2021DEVITO, M. A. Adaptive Folk Theorization as a Path to Algorithmic Literacy on Changing Platforms. Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction, Acm, New York, v. 5, Cscw2, p. 1–38, 2021. DOI: 10.1145/3476080.
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). Dessarte, LA deve ser entendida como mais do que instruções para um uso mais eficiente de sistemas algorítmicos. Ela é uma prática ideológica de produção de sentido e de subjetivações dissonantes ao que a performatividade desses sistemas permite ( Ridley; Pawlick-Potts, 2021 RIDLEY, M.; PAWLICK-POTTS, D. Algorithmic Literacy and the Role for Libraries. Information Technology and Libraries, v. 40, n. 2, 2021. DOI: 10.6017/ital.v40i2.12963. Disponível em: https://ital.corejournals.org/index.php/ital/article/view/12963 . Acesso em: 8 jan. 2024.
https://ital.corejournals.org/index.php/...
).

No próximo segmento deste item da análise, serão exploradas duas dimensões constituintes dos debates que emergem dos artigos examinados. Primeiramente, será discutido o significado da noção de empoderamento crítico. Depois, será abordado o espectro dos diferentes níveis de consciência dos sujeitos em relação aos sistemas algorítmicos. Ambos os debates são centrais para as propostas conceituais de LA analisadas.

3.3 Empoderamento crítico: caminhos da agência diante de sistemas algorítmicos

Poder e controle são duas noções centrais no debate estabelecido pela literatura crítica sobre algoritmos. Magalhães ( 2018 MAGALHÃES, João Carlos. Do algorithms shape character? Considering algorithmic ethical subjectivation. Social Media+ Society, v. 4, n. 2, p. 2056305118768301, 2018. DOI: 10.1177/2056305118768301. Disponível em: https://doi.org/10.1177/2056305118768301 .
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) sustenta que parte da literatura, que chama de paradigma do dano , considera o poder dos algoritmos como resultado e também como impulsionador de uma disparidade original entre os sujeitos (que têm suas vidas afetadas pela análise de dados digitais sem estarem cientes disso) e os operadores das plataformas (que deliberada e estrategicamente controlam a coleta e a análise desses dados). Conforme indica Rieder ( 2018RIEDER, Bernhard. Examinando uma técnica algorítmica: o classificador de bayes como uma leitura interessada da realidade. Parágrafo, v. 6, n. 1, p. 123–142, 2018. ), essas abordagens estão orientadas, muitas vezes, a apenas denunciar os efeitos políticos e sociais dos sistemas algorítmicos, negligenciando a análise de como essas infraestruturas se articulam material e discursivamente para produzir os efeitos de poder.

Na análise dos artigos da amostra, nos parece claro que poder e controle são questões para as quais as investigações analisadas buscam oferecer algum tipo de resposta ou abordagem crítica. Neles, a LA tende a ser posicionada enquanto conhecimento pedagógico para o desenvolvimento de consciência crítica e, consequentemente, ampliação da capacidade de agência dos sujeitos. É neste contexto que emerge a noção de empoderamento crítico como resultado esperado da LA. Nas propostas conceituais analisadas há ênfase em um empoderamento individual a partir da capacidade de observar criticamente os modos de funcionamento desses sistemas ( Bakke, 2020 BAKKE, A. Everyday Googling: Results of an Observational Study and Applications for Teaching Algorithmic Literacy. Computers and Composition, v. 57, p. 102577, 2020. ISSN 8755-4615. DOI: https://doi.org/10.1016/j.compcom.2020.102577 . Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S8755461520300384 .
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; König, 2020 KÖNIG, P. D. Challenges in enabling user control over algorithm-based services. Computers and Composition, v. 58, p. 102611, 2020. ISSN 8755-4615. DOI: https://doi.org/10.1016/j.compcom.2020.102611 . Disponível em: https://link.springer.com/10.1007/s00146-022-01395-1 . Acesso em: 8 jan. 2024.
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).

König ( 2020 KÖNIG, P. D. Challenges in enabling user control over algorithm-based services. Computers and Composition, v. 58, p. 102611, 2020. ISSN 8755-4615. DOI: https://doi.org/10.1016/j.compcom.2020.102611 . Disponível em: https://link.springer.com/10.1007/s00146-022-01395-1 . Acesso em: 8 jan. 2024.
https://doi.org/10.1016/j.compcom.2020.1...
), por exemplo, sustenta que a LA pode formar sujeitos com uma postura reflexiva em relação a sistemas algorítmicos, permitindo que compreendam que, a cada sugestão ou resultado gerado por esses sistemas, há trações de objetivos, interesses e suposições que não necessariamente estão claros. De modo similar, Lloyd ( 2019, p. 1483LLOYD, A. Chasing Frankenstein’s monster: information literacy in the black box society. Journal of Documentation, v. 75, n. 6, p. 1475–1485, 2019. ) entende que os processos de reflexão são centrais nas literacias, por isso podem colaborar para gerar atenção sobre como “os algoritmos são expressos e operacionalizados (por meio de nossas ações e interações com interfaces e programas), juntamente com as condições, suposições e vieses que são inerentes à sua produção e operacionalização.” Sued ( 2022, p. 177 SUED, G. E. Entrenar al algoritmo: gobernanza, agencia y literacidad en el uso de YouTube. Contratexto, Scielo, Lima, n. 037, p. 159–182, 2022. ISSN 1025-9945. Disponível em: http://www.scielo.org.pe/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1025-99452022000100159&nrm=iso .
http://www.scielo.org.pe/scielo.php?scri...
) indica que a consciência crítica e o conhecimento desenvolvidos a partir da LA podem garantir aos sujeitos “um maior agenciamento e liberdade de ação”.

Porém, adverte König ( 2020 KÖNIG, P. D. Challenges in enabling user control over algorithm-based services. Computers and Composition, v. 58, p. 102611, 2020. ISSN 8755-4615. DOI: https://doi.org/10.1016/j.compcom.2020.102611 . Disponível em: https://link.springer.com/10.1007/s00146-022-01395-1 . Acesso em: 8 jan. 2024.
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), o empoderamento crítico como resultado da LA revela-se limitado por duas razões. Primeiramente, o efeito de uma compreensão crítica dos algoritmos é naturalmente restrito, já que não há garantias de que as pessoas poderão incorporar esses conhecimentos e atitudes para exercer controle sobre as operações de um sistema algorítmico. As configurações, interfaces e regras desses sistemas, muitas vezes, atuam para limitar as possibilidades de escolha individual. Mesmo que seja possível conceder aos usuários mais controle por meio de influência individual sobre a configuração e o comportamento do sistema, permanece um segundo obstáculo: a produção de uma postura mais ativa e engajada desses sujeitos no processo de definição dos seus objetivos, interesses e valores dentro desses sistemas.

Portanto, no debate sobre LA, a capacidade de desenvolver uma consciência crítica em relação a sistemas algoritmos é vista como caminho para ampliar a agência dos sujeitos, uma resposta crítica. Nesse sentido, em conformidade com a abordagem de Siles ( 2023SILES, Ignacio. Vivir con algoritmos: plataformas digitales y cultura en Costa Rica. Costa Rica: Cicom, 2023. ), consideramos que o debate sobre LA está imbricado com a noção de agência. Ao olhar o que as pessoas fazem com os algoritmos, Siles ( 2023SILES, Ignacio. Vivir con algoritmos: plataformas digitales y cultura en Costa Rica. Costa Rica: Cicom, 2023. ) propõe uma abordagem de agência mais fluida, que deriva da bricolagem entre discussões dos Estudos Culturais e dos Estudos de Ciência e Tecnologia. Nessa proposta, a relação com algoritmos passa a ser vista menos como polos opostos sólidos ou estados definitivos e mais como relações de convergência, instabilidade, coexistência, fricção e mudança. Às vezes os usuários seguem as sugestões dos algoritmos, outras vezes resistem a elas. Muitas vezes, têm as duas posturas nas mesmas ações. Passa-se a considerar que a agência é um processo relacional que se dá no espaço intermediário da relação entre sujeitos e algoritmos ( Siles, 2023SILES, Ignacio. Vivir con algoritmos: plataformas digitales y cultura en Costa Rica. Costa Rica: Cicom, 2023. ).

No próximo item, são discutidas reflexões sobre os diferentes níveis de consciência sobre o funcionamento de sistemas algorítmicos, um ponto de destaque na literatura acerca do tema.

3.4 Níveis de consciência e percepção sobre algoritmos

A consciência sobre a existência e funcionamento de algoritmos é um tema recorrente nas discussões sobre plataformas digitais. As pesquisas iniciais, realizadas na metade da década anterior, indicaram um baixo nível de consciência sobre a existência e o funcionamento dos algoritmos ( Eslami et al., 2015 ESLAMI, M. et al. I always assumed that i wasn’t really that close to [her]: reasoning about invisible algorithms in news feeds. In: (Chi ’15), p. 153–162. ISBN 9781450331456. DOI: https://doi.org/10.1145/2702123.2702556 .
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). Bucher ( 2017 BUCHER, Taina. The algorithmic imaginary: Exploring the ordinary affects of Facebook algorithms. In: THE Social Power of Algorithms. Londres: Routledge, 2017. p. 30–44. DOI: 10.1080/1369118x.2016.1154086. Disponível em: https://doi.org/10.1080/1369118X.2016.1154086 .
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), por exemplo, investigou o modo como as pessoas tomam consciência sobre a agência algorítmica, sugerindo que os imaginários sobre o funcionamento desses sistemas podem condicionar a forma como esses indivíduos desenvolvem suas práticas em uma determinada plataforma.

Nos debates observados em nosso estudo, a percepção dos sujeitos sobre algoritmos é posicionada como fator central na literacia algorítmica (LA), a partir da premissa de que as formas de compreensão sobre esses sistemas podem moldar significativamente as práticas e interações dos sujeitos com os ambientes digitais. Nos estudos observados na amostra analisada, notam-se diferentes abordagens que dialogam com esta questão. Bell et al. ( 2023 BELL, A. R. et al. Exploring the role of social media literacy in adolescents’ experiences with personalization: A Norwegian qualitative study. Journal of Adolescent & Adult Literacy, v. 66, n. 4, p. 239–248, 2023. DOI: https://doi.org/10.1002/jaal.1273 . Disponível em: https://ila.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/jaal.1273 .
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) apontam que a consciência sobre o funcionamento de sistemas algorítmicos pode variar dramaticamente em um grupo semelhante. No estudo, indica-se que a percepção sobre sistemas algorítmicos pode variar entre plataformas e costuma ser mais verbalizada quando se fala de serviços nos quais sistemas de personalização são mais proeminentes no uso, como o TikTok ( Bell et al., 2023 BELL, A. R. et al. Exploring the role of social media literacy in adolescents’ experiences with personalization: A Norwegian qualitative study. Journal of Adolescent & Adult Literacy, v. 66, n. 4, p. 239–248, 2023. DOI: https://doi.org/10.1002/jaal.1273 . Disponível em: https://ila.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/jaal.1273 .
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). Segundo as autoras, essa percepção inclusive pode depender da maneira como o tema é colocado aos sujeitos (por exemplo, a partir da variação dos termos escolhidos, como algoritmo ou personalização). Já a pesquisa de Lv; Chen; Guo ( 2022 LV, X.; CHEN, Y.; GUO, W. Adolescents’ Algorithmic Resistance to Short Video APP’s Recommendation: The Dual Mediating Role of Resistance Willingness and Resistance Intention. Frontiers in Psychology, v. 13, p. 859597, 2022. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2022.859597. Disponível em: https://www.frontiersin.org/journals/psychology/articles/10.3389/fpsyg.2022.859597 .
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) correlaciona essa consciência com a intenção dos adolescentes de resistir aos algoritmos em plataformas on-line . Para as autoras, os diferentes níveis de conscientização e conhecimento sobre algoritmos estão relacionados à disposição de os adolescentes buscarem formas de lidar ou evitar esses sistemas ( Lv; Chen; Guo, 2022 LV, X.; CHEN, Y.; GUO, W. Adolescents’ Algorithmic Resistance to Short Video APP’s Recommendation: The Dual Mediating Role of Resistance Willingness and Resistance Intention. Frontiers in Psychology, v. 13, p. 859597, 2022. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2022.859597. Disponível em: https://www.frontiersin.org/journals/psychology/articles/10.3389/fpsyg.2022.859597 .
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). O estudo de ( Parnell; Klein; Gaiser, 2022, p. 352 PARNELL, S. I.; KLEIN, S. H.; GAISER, F. Do we know and do we care? Algorithms and Attitude towards Conversational User Interfaces: Comparing Chatbots and Voice Assistants. In: 2022, Cui (ed.). CUI 2022: 4th Conference on Conversational User Interfaces, 2022, Glasgow United Kingdom. Proceedings of the 4th Conference on Conversational User Interfaces. Glasgow, United Kingdom: Acm, 2022. p. 1–6. ISBN 9781450397391. DOI: 10.1145/3543829.3544517. Disponível em: https://dl.acm.org/doi/10.1145/3543829.3544517 . Acesso em: 8 jan. 2024.
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), que analisa as consultas a buscadores on-line , apresenta achados empíricos que indicam que “uma maior literacia algorítmica tem um efeito positivo nas habilidades autorrelatadas no uso de sistemas de busca e no uso mais frequente da Internet”.

É possível perceber nesses estudos um esforço para a criação de parâmetros que tornem possível mensurar graus de consciência e conhecimento sobre sistemas algorítmicos. Seriam graus de LA que podem ser identificados a partir das práticas dos sujeitos. Uma das propostas que mais avança nesse propósito é a de Devito ( 2021DEVITO, M. A. Adaptive Folk Theorization as a Path to Algorithmic Literacy on Changing Platforms. Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction, Acm, New York, v. 5, Cscw2, p. 1–38, 2021. DOI: 10.1145/3476080.
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). A autora busca estabelecer categorias para estratificar esses diferentes níveis de consciência e conhecimento, que nomeia como Níveis de Complexidade da Teorização do Indivíduo. Os graus de entendimento observados pela autora são desenvolvidos, principalmente, a partir das folk theories , ou teorizações informais, como resultado da experiência dos sujeitos em suas relações com sistemas algorítmicos e, ao mesmo tempo, do contato com outros conteúdos que abordam o tema. Tais conteúdos passam a ser incorporados nos modos como esses sujeitos organizam suas práticas ( Devito, 2021DEVITO, M. A. Adaptive Folk Theorization as a Path to Algorithmic Literacy on Changing Platforms. Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction, Acm, New York, v. 5, Cscw2, p. 1–38, 2021. DOI: 10.1145/3476080.
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).

A estratificação proposta pela autora está dividida em dois níveis que têm, cada um, subdivisões: a primeira é o dos Teóricos Funcionais, que retrata os sujeitos que têm consciência inicial e compreensão limitada dos aspectos funcionais dos algoritmos. Essa categoria é dividida em Consciência Básica (quando o sujeito identifica que um sistema algorítmico está em operação em uma plataforma, tendo algum efeito, mas não afirma ou consegue refletir sobre qual efeito específico) e Poderes Causais (quando o sujeito indica que um sistema algorítmico é causa de um dado resultado). O segundo nível é o dos Teóricos Estruturais, que destaca os sujeitos que fazem ajustes substanciais em suas táticas para lidar diretamente com as questões algorítmicas, expandindo suas fontes de informação. Essa categoria é dividida por Devito ( 2021DEVITO, M. A. Adaptive Folk Theorization as a Path to Algorithmic Literacy on Changing Platforms. Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction, Acm, New York, v. 5, Cscw2, p. 1–38, 2021. DOI: 10.1145/3476080.
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) em Fragmentos Mecanicistas (quando o sujeito indica que um sistema algorítmico desempenha papéis específicos em uma plataforma e acredita que identificou múltiplos fatores que são ponderados pelo sistema para tomar decisões) e Ordenamento Mecanicista (quando o sujeito percebe que um sistema algorítmico desempenha papéis específicos em uma plataforma e acredita que identificou não apenas múltiplos fatores usados para tomar decisões, mas também a ordem de aplicação desses critérios ou o peso relativo de cada um deles).

Portanto, a percepção e o conhecimento dos sujeitos sobre algoritmos emergem como questões cruciais no contexto da LA. A literatura analisada demonstra que a compreensão desses sistemas pode variar significativamente entre os sujeitos e as plataformas observadas, variação que pode influenciar consideravelmente suas interações e práticas digitais. Além disso, pesquisas empíricas sugerem que níveis mais elevados de consciência sobre algoritmos estão relacionados a uma maior disposição para criar modos mais estratégicos de interação com esses sistemas. A categorização proposta por Devito ( 2021DEVITO, M. A. Adaptive Folk Theorization as a Path to Algorithmic Literacy on Changing Platforms. Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction, Acm, New York, v. 5, Cscw2, p. 1–38, 2021. DOI: 10.1145/3476080.
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) para estratificar os diferentes níveis de consciência e conhecimento sobre algoritmos oferece uma abordagem interessante para avaliar e compreender essas diferenças. Porém, é necessário destacar o papel contingente que os usos e práticas individuais podem ter no âmbito da relação com algoritmos, assim como a já citada natureza movediça desses sistemas. Esses fatores tornam limitadas qualquer proposta generalizante sobre níveis de percepção e conhecimento.

3.5 As propostas pedagógicas no contexto da literacia algorítmica

A análise desenvolvida em nosso estudo possibilitou observar nos artigos estudados um conjunto de propostas pedagógicas desenvolvidas com o objetivo de promover o conhecimento e a consciência acerca da atuação de sistemas algorítmicos. É interessante notar que as propostas observadas não formam um conjunto uniforme metodologicamente. Há diferentes percursos para o desenvolvimento da LA, apresentados a seguir.

Ao tentarem sistematizar os caminhos metodológicos da LA, Silva; Chen; Zhu ( 2022 SILVA, D. E.; CHEN, C.; ZHU, Y. Facets of algorithmic literacy: Information, experience, and individual factors predict attitudes toward algorithmic systems. New Media & Society, v. 26, n. 5, p. 2992–3017, 2022. DOI: 10.1177/14614448221098042. Disponível em: https://doi.org/10.1177/14614448221098042 .
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) indicam duas possíveis vias. A primeira consiste na construção de conhecimentos básicos a partir da exploração dos objetivos dos desenvolvedores desses sistemas e dos efeitos dessas tecnologias em nossas sociedades. Essa abordagem, que classificamos como conteudista, é desenvolvida através da oferta de informações sólidas sobre os propósitos subjacentes aos algoritmos e como eles afetam diferentes dimensões da vida cotidiana. A segunda via concentra-se na produção de experiência a partir da interação com sistemas algorítmicos. Nesse caso, os aprendizes são incentivados a explorar as funcionalidades dos algoritmos, buscando desenvolver seus esquemas e conhecimentos para explicar como eles funcionam e como suas decisões são tomadas.

Explorar as experiências desenvolvidas pelos sujeitos em contato com sistemas algorítmicos também é uma proposta pedagógica central do estudo de Devito ( 2021DEVITO, M. A. Adaptive Folk Theorization as a Path to Algorithmic Literacy on Changing Platforms. Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction, Acm, New York, v. 5, Cscw2, p. 1–38, 2021. DOI: 10.1145/3476080.
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). Como já destacado, a autora centra sua discussão no âmbito das folk theories para “explicar os resultados, efeitos ou consequências de sistemas tecnológicos” ( Devito, 2021, p. 4DEVITO, M. A. Adaptive Folk Theorization as a Path to Algorithmic Literacy on Changing Platforms. Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction, Acm, New York, v. 5, Cscw2, p. 1–38, 2021. DOI: 10.1145/3476080.
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). Essa proposta tem como premissa a noção de que já temos, em maior ou menor medida, alguma experiência com esses sistemas, portanto a LA deve ser principalmente o exercício de formalizar e corrigir o conhecimento encontrado no mundo, em vez de puramente introduzir novos conhecimentos ( Devito, 2021DEVITO, M. A. Adaptive Folk Theorization as a Path to Algorithmic Literacy on Changing Platforms. Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction, Acm, New York, v. 5, Cscw2, p. 1–38, 2021. DOI: 10.1145/3476080.
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). O propósito metodológico da LA defendida por Devito ( 2021DEVITO, M. A. Adaptive Folk Theorization as a Path to Algorithmic Literacy on Changing Platforms. Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction, Acm, New York, v. 5, Cscw2, p. 1–38, 2021. DOI: 10.1145/3476080.
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) é desenvolver modos de aprendizagem que levem os sujeitos a um entendimento estrutural desses sistemas. Isso implica tanto em compreender que os algoritmos têm um efeito em resultados específicos quanto em identificar os diversos fatores específicos que são ponderados pelos algoritmos e a ordem em que esses critérios são aplicados.

Já Ridley; Pawlick-Potts ( 2021 RIDLEY, M.; PAWLICK-POTTS, D. Algorithmic Literacy and the Role for Libraries. Information Technology and Libraries, v. 40, n. 2, 2021. DOI: 10.6017/ital.v40i2.12963. Disponível em: https://ital.corejournals.org/index.php/ital/article/view/12963 . Acesso em: 8 jan. 2024.
https://ital.corejournals.org/index.php/...
) ancoram-se na literatura sobre pensamento computacional para o desenvolvimento de propostas pedagógicas no campo da LA. Para os autores, essas duas noções guardam uma interessante correlação e, por isso, a extensa literatura sobre pensamento computacional é considerada por eles como frutífera para a LA ( Ridley; Pawlick-Potts, 2021 RIDLEY, M.; PAWLICK-POTTS, D. Algorithmic Literacy and the Role for Libraries. Information Technology and Libraries, v. 40, n. 2, 2021. DOI: 10.6017/ital.v40i2.12963. Disponível em: https://ital.corejournals.org/index.php/ital/article/view/12963 . Acesso em: 8 jan. 2024.
https://ital.corejournals.org/index.php/...
). Os autores consideram que tal aproximação pode ajudar a desenvolver uma compreensão sobre algoritmos e seus processos, interpretar seus usos em diferentes sistemas, além de criar e aplicar técnicas e ferramentas algorítmicas para resolver problemas em uma variedade de domínios.

No caminho do desenvolvimento pedagógico a partir das experiências, Klumbbyte; Lücking; Draude ( 2020 KLUMBBYTE, G.; LÜCKING, P.; DRAUDE, C. Reframing AX with Critical Design: The Potentials and Limits of Algorithmic Experience as a Critical Design Concept. In: ’20, Nordichi (ed.). NORDICHI ’20: Shaping Experiences, Shaping Society, 2020, Tallinn Estonia. Proceedings of the 11th Nordic Conference on Human-Computer Interaction: Shaping Experiences, Shaping Society. Tallinn Estonia: Acm, 2020. p. 1–12. ISBN 9781450375795. DOI: 10.1145/3419249.3420120. Disponível em: https://dl.acm.org/doi/10.1145/3419249.3420120 . Acesso em: 8 jan. 2024.
https://dl.acm.org/doi/10.1145/3419249.3...
) discutem a promoção da LA por meio de abordagens pedagógicas que utilizam o design crítico para a interação com algoritmos. A proposta dos autores centra-se na ideia do desenvolvimento do Social Privilege Estimator , um sistema de pontuação social baseado em reconhecimento facial e classificação, que foi construído como um artefato de design crítico para conscientizar sobre as desigualdades existentes e os efeitos adversos dos sistemas de reconhecimento facial. Também no campo do design, Cech ( 2020 CECH, F. Beyond Transparency: Exploring Algorithmic Accountability. In: GROUP ’20: The 2020 ACM International Conference on Supporting Group Work, 2020, Sanibel Island Florida USA. Companion of the 2020 ACM International Conference on Supporting Group Work. Sanibel Island Florida USA: Acm, 2020. p. 11–14. ISBN 9781450367677. DOI: https://doi.org/10.1145/3323994.3371015 . Disponível em: https://dl.acm.org/doi/10.1145/3323994.3371015 . Acesso em: 8 jan. 2024.
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) propõe um debate sobre medidas de co-design como suporte ao desenvolvimento de LA e da compreensão dos processos algorítmicos. Por meio de princípios de design participativo e centrado no usuário, a autora sugere o desenho colaborativo de soluções materiais e processuais para a compreensão dos processos algorítmicos e de promoção nesses sistemas.

Por fim, observamos propostas que estabelecem o que nomeamos de interação narrativa como método para o desenvolvimento da LA: metodologias pedagógicas que estão baseadas no desenvolvimento de experiências a partir de propostas narrativas, como jogos e dinâmicas, nos quais os sujeitos são convidados a atuar e tomar decisões como se fossem desenvolvedores desses sistemas. Aleman et al. ( 2021, p. 199 ALEMAN, Ezequiel; NADOLNY, Larysa; FERREIRA, Alejandro; GABETTI, Bruno; ORTÍZ, Guillermo; ZANONIANI, Martín. Screening Bot: a Playground for Critical Algorithmic Literacy Engagement with Youth. In: ’21, Chi Play (ed.). Extended Abstracts of the 2021 Annual Symposium on Computer-Human Interaction in Play. New York, NY, USA: Association for Computing Machinery, out. 2021. p. 198–202. ISBN 9781450383561. DOI: 10.1145/3450337.3483478. Disponível em: https://doi.org/10.1145/3450337.3483478 . Acesso em: 1 ago. 2024.
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) apresentam a proposta de um jogo digital no qual os sujeitos são colocados em interação com “uma narrativa envolvente e um ambiente de programação que demonstram as limitações dos modelos preditivos”. A proposta dos autores busca levar educadores e estudantes a examinarem os vieses de modelos algorítmicos e, assim, fomentar a reflexão sobre as tensões com sistemas algorítmicos em suas vidas.

De modo similar, Jeong; Oh; Kim ( 2022 JEONG, H.-S.; OH, Y. J.; KIM, A. Critical algorithm literacy education in the age of digital platforms. In: PANGRAZIO, L.; SEFTON-GREEN, J. (ed.). Learning to Live with Datafication. 1. ed. Londres: Routledge, 2022. p. 153–168. Disponível em: https://www.taylorfrancis.com/books/9781003136842/chapters/10.4324/9781003136842-9 . Acesso em: 8 jan. 2024.
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) propõem a implementação de iniciativas educativas com foco no sistema de recomendação do YouTube a partir de uma dinâmica que busca colocar estudantes do ensino fundamental na pele do algoritmo, como responsáveis pelas definições do que é relevante na plataforma. A proposta dos autores é inspirada pela metodologia desenvolvida por Grosman; Jacques; Collard ( 2022GROSMAN, Jérémy; JACQUES, Jerry; COLLARD, Anne-Sophie. ”The Beatles with the Lower Score, it Breaks my Heart”: Framing a Media Education Response to Datafication and Algorithmic Recommendations in Digital Media Infrastructures. In: PANGRAZIO, Luci; SEFTON-GREEN, Julian (ed.). Learning to Live with Datafication.: Educational Case Studies and Initiatives from Across the World. [S. l.]: Routledge, 2022. p. 135–152. ), que consiste em uma dinâmica que oferece aos participantes dados e objetivos para a realização de sugestões musicais no YouTube. Conforme Jeong; Oh; Kim ( 2022 JEONG, H.-S.; OH, Y. J.; KIM, A. Critical algorithm literacy education in the age of digital platforms. In: PANGRAZIO, L.; SEFTON-GREEN, J. (ed.). Learning to Live with Datafication. 1. ed. Londres: Routledge, 2022. p. 153–168. Disponível em: https://www.taylorfrancis.com/books/9781003136842/chapters/10.4324/9781003136842-9 . Acesso em: 8 jan. 2024.
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), a proposta tem como objetivo incentivar os jovens a compreenderem como algoritmos de recomendação funcionam e afetam as interações dos sujeitos com o YouTube.

Ainda no contexto da sala de aula, Koenig ( 2020KOENIG, A. The Algorithms Know Me and I Know Them: Using Student Journals to Uncover Algorithmic Literacy Awareness. Computers and Composition, v. 58, p. 102611, 2020. ) propõe a produção textual em diários como metodologia pedagógica de incentivo às reflexões de estudantes sobre suas interações com as plataformas. A proposta do autor consiste basicamente na criação de diários individuais para explorar e refletir sobre suas próprias interações com sistemas algorítmicos. Incentiva a reflexão sobre as experiências dos alunos com plataformas a partir da produção textual sobre experiências e hábitos. A partir do experimento empírico conduzido, Koenig ( 2020KOENIG, A. The Algorithms Know Me and I Know Them: Using Student Journals to Uncover Algorithmic Literacy Awareness. Computers and Composition, v. 58, p. 102611, 2020. ) indica que os alunos se tornaram mais críticos e conscientes sobre o funcionamento de plataformas.

A análise das propostas pedagógicas indica que há diferentes caminhos metodológicos que buscam promover o conhecimento e a consciência acerca da atuação de sistemas algorítmicos. As propostas observadas podem variar de abordagens mais tradicionais, conteudistas, nas quais almeja-se informar os sujeitos sobre a ação de algoritmos, até abordagens mais relacionais, nas quais os sujeitos são convidados a experienciar novos modos de interação com esses sistemas.

4 Considerações finais

Nosso estudo teve como objetivo mapear o campo de investigação sobre literacia algorítmica (LA) nas línguas portuguesa, espanhola e inglesa. Para isso, foram utilizados quatro eixos: a definição de propostas conceituais, a identificação de técnicas e estratégias pedagógicas emergentes, a descrição das funções e domínios dessas diferentes formas de conhecimento e a reflexão sobre os desafios e dificuldades revelados na literatura.

A respeito das propostas conceituais (Q1), observamos um conjunto diversificado de abordagens, que, embora faça referências a literacias preexistentes, possui especificidades que o diferenciam. De modo geral, o que difere a LA de propostas predecessoras de literacia é o foco crítico na agência dos sistemas algorítmicos, considerando sua natureza performática e mutável.

Quanto às abordagens pedagógicas (Q2), apesar do número restrito de publicações sobre o tema, é percebida uma diversidade de estratégias em torno do ensino e da conscientização sobre algoritmos. Dentre essas abordagens, destacam-se as metodologias conteudistas, que buscam informar os sujeitos dos desdobramentos da relação com algoritmos, e as metodologias experienciais, que incentivam a exploração das vivências e conhecimentos desenvolvidos nas interações com sistemas algorítmicos. Propostas de design crítico, interação em jogos, produção textual e dinâmicas narrativas também emergem como metodologias que almejam envolver os sujeitos no processo de compreensão e crítica. Sobre as áreas de conhecimento nas quais se localizam os debates sobre LA (Q3), consideramos ser possível afirmar que se trata de um objeto de pesquisa eminentemente transdisciplinar. Em nosso estudo, percebe-se uma significativa amplitude de campos de conhecimentos nas quais o tema vem sendo estudado, como comunicação, computação, educação, psicologia e ciência da informação. Quanto às dificuldades percebidas nos estudos analisados (Q4), consideramos que o desafio central para o campo de investigação está na falta de uma definição clara e consistente do conceito, junto à sua proximidade com outras formas de literacia. No que tange ao desenvolvimento de consciência crítica, os estudos analisados referem dificuldades relacionadas à própria natureza frequentemente opaca e complexa dos sistemas algorítmicos, sobretudo para compreensão e agência sobre seu funcionamento e desdobramentos. Também são referidas como dificuldades as desigualdades no acesso a tecnologias digitais.

Em conclusão, a LA é uma área emergente e transdisciplinar que carece de desenvolvimento tanto conceitual, para maior clareza, quanto metodológico, com o desenvolvimento de propostas que possam auxiliar no processo de promoção de consciência e senso crítico diante das ações dos algoritmos. Podemos posicioná-la como uma série de conhecimentos e dinâmicas que almejam produzir consciência sobre a agência dos algoritmos nas relações e que se estabelecem nas ambiências das plataformas. As diferentes abordagens da LA costumam emprazar modos pelos quais os sujeitos possam utilizar estrategicamente esses sistemas para alcançar objetivos pessoais e coletivos. Diferente de outras formas de literacia, a LA exige um exame crítico das práticas de desenvolvimento dos sistemas algorítmicos, abordando questões como performatividade, opacidade, viés e justiça social.

Referências

  • Financiamento
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. O estudo foi realizado também com o apoio do projeto ‘Percepción y generación de conocimiento sobre los algoritmos de personalización en las plataformas digitales de comunicación - ALCOM’ código PID2023-148682OA-I00, financiado pelo Ministério de Ciência, Inovação e Universidades da Espanha.
  • 1
    Neste estudo, adotamos o termo "literacia algorítmica" em vez de "alfabetização algorítmica" ou "letramento algorítmico", pois as traduções desses termos podem variar significativamente seu sentido em espanhol e português. Os termos "alfabetização" e “letramento” estão mais relacionados a uma ideia instrumental e tendem a desconsiderar as múltiplas linguagens dos sujeitos em suas culturas ( Mora, 2016 MORA, Raúl Alberto. Translating literacy as global policy and advocacy. Journal of Adolescent & Adult Literacy, v. 59, n. 6, p. 647–651, 2016. DOI: https://doi.org/10.1002/jaal.515 . Disponível em: https://ila.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/jaal.515 .
    https://doi.org/10.1002/jaal.515...
    ). Existem outras propostas conceituais, como educomunicação e mídia-educação, que podem abranger parcialmente ideias relacionadas à literacia ( Rosa, 2016ROSA, Beatrice Bonami. A transdisciplinariedade das literacias emergentes no contemporâneo conectado: um mapeamento do universo documental das literacias de mídia e informação (MIL). 2016. Mestrado em Interfaces Sociais da Comunicação – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo. DOI: 10.11606/D.27.2017.tde-09032017-143021. Acesso em: 3 jun. 2024.
    https://doi.org/10.11606/D.27.2017.tde-0...
    ).
  • 2
    Todas as citações em língua estrangeira foram traduzidas livremente pelos autores.

Apêndice

Tabela 3 . Local de publicação de acordo com área de concentração e natureza

Autores(as) Ano Título do texto Tipo Fonte da publicação
Lloyd, A. Chasing Frankenstein’s monster: information literacy in the black box society Artigo em Periódico Journal of Documentation
Bakke, A. Everyday Googling: Results of an Observational Study and Applications for Teaching Algorithmic Literacy Artigo em Periódico Computers and Composition
Cech, F. Beyond transparency: Exploring algorithmic accountability Texto publicado em anais de eventos Proceedings of the International ACM SIGGROUP Conference on Supporting Group Work
Klumbyte, G.; Lücking, P.; Draude, C. Reframing AX with Critical Design: The Potentials and Limits of Algorithmic Experience as a Critical Design Concept Texto publicado em anais de eventos 11th Nordic Conference on Human-Computer Interaction: Shaping Experiences, Shaping Society (NordiCHI ’20),
Koenig, A. The Algorithms Know Me and I Know Them: Using Student Journals to Uncover Algorithmic Literacy Awareness Artigo em Periódico Computers and Composition
Aleman, E.; Nadolny, L.; Ferreira, A.; Gabetti, B.; Ortíz, G.; Zanoniani, M. Screening bot: A playground for critical algorithmic literacy engagement with youth Texto publicado em anais de eventos CHI PLAY 2021 - Extended Abstracts of the 2021 Annual Symposium on Computer-Human Interaction in Play
DeVito, M.A. Adaptive Folk Theorization as a Path to Algorithmic Literacy on Changing Platforms Artigo em Periódico Proceedings of the ACM on Human-Computer Interaction
Kampa, P.; Balzer, F. Algorithmic literacy in medical students – results of a knowledge test conducted in Germany Artigo em Periódico Health Information and Libraries Journal
Reisdorf, B.C.; Blank, G. Algorithmic literacy and platform trust Capítulo de livro Handbook of Digital Inequality
Ridley, M.; Pawlick-Potts, D. Algorithmic literacy and the role for libraries Artigo em Periódico Information Technology and Libraries
Swart, J. Experiencing Algorithms: How Young People Understand, Feel About, and Engage With Algorithmic News Selection on Social Media Artigo em Periódico Social Media and Society
Bell, A.R., Tennfjord, M.K., Tokovska, M., Eg, R. Exploring the role of social media literacy in adolescents experiences with personalization: A Norwegian qualitative study Artigo em Periódico Journal of Adolescent and Adult Literacy
Dogruel, L., Masur, P., Joeckel, S. Development and Validation of an Algorithm Literacy Scale for Internet Users Artigo em Periódico Communication Methods and Measures
Jeong, H.-S., Oh, Y.J., Kim, A. CRITICAL ALGORITHM LITERACY EDUCATION IN THE AGE OF DIGITAL PLATFORMS: Teaching children to understand YouTube recommendation algorithms Capítulo de livro Learning to Live with Datafication: Educational Case Studies and Initiatives from Across the World
König, P.D. Challenges in enabling user control over algorithm-based services Artigo em Periódico AI and Society
Lv, X., Chen, Y., Guo, W. Adolescents’ Algorithmic Resistance to Short Video APP’s Recommendation: The Dual Mediating Role of Resistance Willingness and Resistance Intention Artigo em Periódico Frontiers in Psychology
Parnell, S.I., Klein, S.H., Gaiser, F. Do we know and do we care Algorithms and Attitude towards Conversational User Interfaces: Comparing Chatbots and Voice Assistants Texto publicado em anais de eventos 4th Conference on Conversational User Interfaces (CUI 2022)
Shin, D. How do people judge the credibility of algorithmic sources? Artigo em Periódico AI and Society
Shin, D., Rasul, A., Fotiadis, A. Why am I seeing this? Deconstructing algorithm literacy through the lens of users Artigo em Periódico Internet Research
Silva, D.E., Chen, C., Zhu, Y. Facets of algorithmic literacy: Information, experience, and individual factors predict attitudes toward algorithmic systems Artigo em Periódico New Media and Society
Sued, G.E. TRAINING THE ALGORITHM: GOVERNANCE, AGENCY, AND LITERACY IN THE USE OF YOUTUBE [Entrenar al algoritmo: gobernanza, agencia y literacidad en el uso de YouTube] Artigo em Periódico Contratexto
Fonte: Elaboração própria.

Editado por

Editor de seção: Daniervelin Pereira
Editor de layout: João Mesquita

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    02 Maio 2024
  • Aceito
    02 Ago 2024
  • Revisado
    08 Jan 2024
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