Resumo:
O principal objetivo desta pesquisa foi compreender a percepção dos atores sociais sobre o turismo no espaço rural (TER), analisando os desafios para atingir o turismo rural integrado (TRI). A pesquisa adota uma abordagem de estudo de caso no município de Piranguçu (MG). O método qualitativo usou de coleta de dados primários e secundários. As fontes dos dados secundários foram documentos institucionais. Os dados primários foram compilados a partir de 49 entrevistas semiestruturadas com agricultores, empreendedores do turismo, representantes do governo e da organização não governamental (ONG), além da observação participante no Conselho Municipal de Turismo (COMTUR). Os resultados mostraram que os efeitos socioeconômicos positivos sustentam o comportamento de apoio ao turismo. O potencial do turismo se baseia nos recursos naturais e culturais incorporados à localidade. No entanto, o papel do turismo no desenvolvimento local ainda não atingiu o potencial máximo. Os principais desafios são maior assertividade do governo local, melhorias de infraestrutura e serviços, colaboração entre os atores e a participação social. A pesquisa destaca a importância do turismo para a diversificação da economia rural e orienta os gestores e instituições com propostas voltadas para impulsionar a revitalização do meio rural.
Palavras-chave:
governança turística integrada; impactos do turismo; desenvolvimento rural
Abstract:
The main objective of this research was to understand the perception of social actors about tourism in rural areas (TRA), analyzing the challenges to achieve integrated rural tourism (IRT). The research adopts a case study approach in the municipality of Piranguçu. The qualitative method used primary and secondary data collection. The sources of the secondary data were institutional documents. Primary data were compiled from 49 semi-structured interviews with farmers, tourism entrepreneurs, government and non-governmental organization (NGO) representatives, and participant observation at the Municipal Tourism Council (COMTUR). The results showed that positive socioeconomic effects underpin tourism supportive behavior. The potential of tourism is based on the natural and cultural resources incorporated in the locality. However, the role of tourism in local development has not yet reached its full potential. The main challenges are greater assertiveness of local government, improvements in infrastructure and services, collaboration among stakeholders, and social participation. The research highlights the importance of tourism for the diversification of the rural economy and guides managers and institutions with proposals aimed at boosting the revitalization of rural areas.
Keywords:
Integrated tourism governance; Tourism impacts; Rural development
Resumen:
La presente investigación tuvo como objetivo principal comprender la percepción de los actores sociales sobre el turismo en zonas rurales (TZR), analizando los desafíos para alcanzar el turismo rural integrado (TRI). La investigación adopta un enfoque de estudio de caso en el municipio de Piranguçu. El método cualitativo utilizó la recolección de datos primarios y secundarios. Las fuentes de los datos secundarios fueron documentos institucionales. Los datos primarios se recopilaron a partir de 49 entrevistas semiestructuradas con agricultores, empresarios turísticos, representantes del gobierno y de organizaciones no gubernamentales (ONG), y de la observación participante en el Consejo Municipal de Turismo (COMTUR). Los resultados mostraron que los efectos socioeconómicos positivos sustentan el comportamiento de apoyo al turismo. El potencial del turismo se basa en los recursos naturales y culturales incorporados a la localidad. Sin embargo, el papel del turismo en el desarrollo local aún no ha alcanzado todo su potencial. Los principales retos son una mayor asertividad del gobierno local, la mejora de las infraestructuras y los servicios, la colaboración entre las partes interesadas y la participación social. La investigación destaca la importancia del turismo para la diversificación de la economía rural y orienta a gestores e instituciones con propuestas dirigidas a impulsar la revitalización de las zonas rurales.
Palabras clave:
Gobernanza turística integrada; Impactos del turismo; Desarrollo rural
INTRODUÇÃO
O turismo é cada vez mais reforçado como vetor de regeneração da economia rural diante da recessão global das áreas rurais (Lane & Kastenholz, 2015Lane, B., & Kastenholz, E. (2015). Rural tourism: the evolution of practice and research approaches - towards a new generation concept? Journal of Sustainable Tourism , 23 (8/9), 1133-1156. ), favorecendo o desenvolvimento de comunidades rurais do Brasil (Ushizima, 2018Ushizima, L. Y. (2018). Circuitos locais de produção e consumo de alimentos: um olhar sobre o trade turístico de Bonito, MS.Caderno Virtual de Turismo , 18(1). ; Tasso et al., 2019Tasso, J. P. F., Nascimento, E. P., & Costa, H. A. (2019). Paradoxos do turismo sustentável no Brasil: obstáculos à inclusão socioprodutiva de pescadores artesanais e agricultores familiares. Caderno Virtual de Turismo , 19(3).), EUA (Barcus, 2013Barcus, H. (2013). Sustainable development or integrated rural tourism? Considering the overlap in rural development strategies. Journal of Rural and Community Development, 8(3), 127-143. ), China (Gao e Wu, 2017Gao, J., & Wu, B. (2017). Revitalizing traditional villages through rural tourism: A case study of Yuanjia Village, Shaanxi Province, China.Tourism management, 63, 223-233.), Europa (Ćurčić et al., 2021; Petrou et al., 2007Petrou, A., Pantziou, E. F., Dimara, E., & Skuras, D. (2007). Resources and activities complementarities: the role of business networks in the provision of integrated rural tourism. Tourism Geographies , 9(4), 421-440. ) e África (Pillay & Rogerson, 2013Pillay, M., & Rogerson, C. M. (2013). Agriculture-tourism linkages and pro-poor impacts: The accommodation sector of urban coastal KwaZulu-Natal, South Africa. Applied Geography, 36, 49-58.). O TER engloba todas as manifestações do turismo que ocorrem no campo, incluindo o turismo rural (TR) (Lane & Kastenholz, 2015). Contudo, um dos principais desafios do TER é manter o equilíbrio entre autenticidade do meio rural e competitividade no setor turístico (Rosalina et al., 2021Rosalina, P. D., Dupre, K., & Wang, Y. (2021). Rural tourism: A systematic literature review on definitions and challenges.Journal of Hospitality and Tourism Management , 47, 134-149.). A relação turismo-agricultura pode variar da competição por recursos à simbiose econômica (Telfer & Wall, 2000Telfer, D. J., & Wall, G. (2000). Strengthening backward economic linkages: local food purchasing by three Indonesian hotels. Tourism Geographies , 2(4), 421-447.).
Para reduzir os conflitos e impactos negativos do turismo, é essencial uma governança turística que amplie o protagonismo dos diferentes grupos sociais nas tomadas de decisões (Gonzáles, 2014Gonzáles, M. V. P. (2014). Gobernanza turística: ¿Políticas públicas innovadoras o retórica banal? Caderno Virtual de Turismo , 14(1), 9-22.). Nesse sentido, o TER pode ser operacionalizado utilizando a estrutura do turismo rural integrado (TRI), que reconhece a necessidade da sustentabilidade e a complexidade das áreas rurais (Cawley & Gilmor, 2008Cawley, M., & Gillmor, D. (2008). A. Integrated rural tourism: Concepts and practice. Annals of Tourism Research , 35(2), 316-337.; Saarinen & Lenao, 2014Saarinen, J., & Lenao, M. (2014). Integrating tourism to rural development and planning in the developing world. Development Southern Africa, 31(3), 363-372.). Para ser opção de desenvolvimento rural sustentável, os projetos turísticos precisam ser complementares à agricultura local (Barcus, 2013Barcus, H. (2013). Sustainable development or integrated rural tourism? Considering the overlap in rural development strategies. Journal of Rural and Community Development, 8(3), 127-143. ; Navarro et al., 2017Navarro, M. M., Iglesias, M. P., & Vinzón, L. (2017). Key variables for developing integrated rural tourism. Tourism Geographies , 19(3), 575-594. ).
As mudanças na valorização do espaço rural da Serra da Mantiqueira tornaram a conservação e o turismo elementos estratégicos de desenvolvimento local, mas ainda com resultados contraditórios (Andrade & Ferreira, 2013Andrade, A. C., & Ferreira, E. R. (2013). Produção familiar, conservação ambiental e turismo no espaço rural da microrregião de Itajubá, Minas Gerais. Campo-Território: revista de geografia agrária, 8(16), 315-341. ). Diante dessa perspectiva, a pesquisa abrange diferentes atores atuantes em um destino ainda em um estágio embrionário de desenvolvimento turístico (Butler, 1980Butler, R. W. (1980). The concept of a tourist area cycle of evolution: implications for management of resources. The Canadian Geographer, 24(1), 5-12. ). O objetivo do artigo foi compreender a percepção dos atores locais sobre o TER, analisando os desafios a partir das dimensões do TRI.
Além desta introdução, a seção 2 apresenta uma revisão da literatura sobre a governança turística em redes controladas localmente. A seção 3 descreve a metodologia de pesquisa. A seção 4 apresenta os resultados do estudo, os insights e os desafios para a ligação entre turismo e meio rural. Por fim, a conclusão do trabalho e as implicações são elencadas na seção 5.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
No mundo pós-moderno, as áreas rurais já não estão estritamente apoiadas na agricultura; o rural abrange uma combinação de atividades produtivas e de funções (Marsden, 1998Marsden, T. (1998). New rural territories: regulating the differentiated rural spaces. Journal of Rural Studies , 14(1), 107-117.; Silva, 1997Silva, J. G. (1997). O novo rural brasileiro. Revista Nova Economia, 7(1), 43-81.). Entre as principais funções está o turismo. Os alimentos locais, por exemplo, são uma das motivações centrais das viagens ao meio rural (Ilbery et al., 2007Ilbery, B., Saxena, G., & Kneafsey, M. (2007). Exploring tourists and gatekeepers’ attitudes towards integrated rural tourism in the england-wales Border Region. Tourism Geographies , 9(4), 441-468. ; Hillel et al., 2013Hillel, A., Belhassen, Y., & Shani, A. (2013). What makes a gastronomic destination attractive? Evidence from the Israeli Negev. Tourism Management, 36, 200-209. ; Frisvoll et al., 2016). O TER caracteriza-se por ocorrer em áreas essencialmente com funções rurais e ofertar experiências tipicamente rurais, em que a sustentabilidade e o empoderamento local são valores inegociáveis (Rosalina et al., 2021Rosalina, P. D., Dupre, K., & Wang, Y. (2021). Rural tourism: A systematic literature review on definitions and challenges.Journal of Hospitality and Tourism Management , 47, 134-149.).
A maior preocupação, no entanto, é o potencial de transformação da paisagem e das funções do rural pelo turismo (Candiotto, 2011Candiotto, L. Z. P. (2011). Implicações do turismo no espaço rural e em estabelecimentos da agricultura familiar. Pasos - Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4), 559-571. ; Cruz-Coria et al., 2012Cruz-Coria, E., Zizumbo-Villarreal, L., Cruz-Jiménez, G., & Quintanilla-Montoya, A. L. (2012). Las dinámicas de dominación capitalista en el espacio rural: la configuración de paisajes turísticos.Cuadernos de desarrollo rural, 9(69), 151-174.; Oliver & Jenkins, 2003Oliver, T., & Jenkins, T. (2003). Sustaining rural landscapes: the role of integrated tourism. Landscape Research, 28(3), 293-307. ). O turismo como atividade econômica afeta vários aspectos econômicos, socioculturais e ambientais das comunidades locais (García et al., 2015García, F. A., Vázquez, A. B., & Macía, R. C. (2015). Resident's attitudes towards the impacts of tourism. Tourism Management Perspectives, 13, 33-40. ; Gursoy et al., 2018Gursoy, D., Ouyang, Z., Nunkoo, R., & Wei, W. (2018). Residents’ impact perceptions of and attitudes towards tourism development: a meta-analysis. Journal of Hospitality Marketing & Management, 28(3), 1-28. ). Contudo, a resiliência do meio rural depende da diversificação das atividades econômicas, de capital social forte e de instituições eficazes voltadas para o mercado (Li et al., 2019Li, Y., Westlund, H., & Liu, Y. (2019). Why some rural areas decline while some others not: An overview of rural evolution in the world.Journal of Rural Studies, 68, 135-143.). Nesse sentido, o TER deve servir para diversificar as economias rurais, manter as comunidades no campo e valorizar seus modos de vida (Ćurčić et al., 2021Ćurčić, N., Mirković Svitlica, A., Brankov, J., Bjeljac, Ž., Pavlović, S., & Jandžiković, B. (2021). The role of rural tourism in strengthening the sustainability of rural areas: The case of Zlakusa village.Sustainability, 13(12), 6747.; Lane, 1994Lane, B. (1994). What is rural tourism? Journal of Sustainable Tourism , 2(1/2),7-21.).
Uma boa governança turística é essencial para um modelo sustentável de turismo (Bramwell, 2011Bramwell, B. (2011). Governance, the state and sustainable tourism: a political economy approach.Journal of Sustainable Tourism , 19(4-5), 459-477. ; Queiroz & Rastrollo-Horrillo, 2015Queiroz, F., & Rastrollo-Horrillo, M. Á. (2015). El estado del arte en gobernanza de destinos turísticos.Tourism & Management Studies, 11(2), 47-55. ), o que inclui fatores-chave, como: participação, controle, transparência, prestação de contas, responsabilidades e normas, compartilhamento de poder e de conhecimento, coordenação, cooperação, colaboração, confiança, eficácia, efetividade e inovação (Beaumont & Dredge, 2010Beaumont, N., & Dredge, D. (2010). Local tourism governance: a comparison of three network approaches. Journal of Sustainable Tourism, 18(1), 7-28.; Coutinho & Nóbrega, 2019Coutinho, A. C. A., & Nóbrega, W. R. D. M. (2019). Governança em destinos turísticos: desafios na sociedade contemporânea.Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, 13, 55-70. ; Nunkoo, 2017Nunkoo, R. (2017). Governance and sustainable tourism: What is the role of trust, power and social capital?Journal of Destination Marketing & Management , 6(4), 277-285. ; Ruhanen, 2010Ruhanen, L., Scott, N., Ritchie, B., & Tkaczynski, A. (2010). Governance: a review and synthesis of the literature.Tourism review, 65(4), 4-16.). A estrutura de governança em redes locais é altamente recomendada (Beaumont & Dredge, 2010; Hall, 2011Hall, C. M. (2011). A typology of governance and its implications for tourism policy analysis.Journal of Sustainable Tourism , 19(4/5), 437-457.; Saxena et al., 2007Saxena, G., Clark, G., Oliver, T., & Ilbery, B. (2007). Conceptualizing integrated rural tourism. Tourism Geographies , 9(4), 347-370. ).
Sendo assim, o TRI propõe integrar, por meio de uma malha de redes, as atividades de turismo aos ambientes rurais locais, sem comprometer as características do meio ambiente e dos modos de vida locais (Saarinen & Lenao, 2014Saarinen, J., & Lenao, M. (2014). Integrating tourism to rural development and planning in the developing world. Development Southern Africa, 31(3), 363-372.). O TRI é definido como o turismo que está explicitamente ligado aos recursos econômicos, sociais, culturais, naturais e humanos das localidades em que ocorre (Saxena et al., 2007Saxena, G., Clark, G., Oliver, T., & Ilbery, B. (2007). Conceptualizing integrated rural tourism. Tourism Geographies , 9(4), 347-370. ). A estrutura do TRI é apoiada em sete dimensões: rede, complementaridade, empoderamento enraizamento, endogeneidade, escala e sustentabilidade (Quadro 1).
O TRI incorpora um sentido mais amplo de sustentabilidade do que o conceito clássico, que foca mais a redução dos impactos do que a potencialização dos benefícios do turismo (Oliver & Jenkins, 2003Oliver, T., & Jenkins, T. (2003). Sustaining rural landscapes: the role of integrated tourism. Landscape Research, 28(3), 293-307. ). O TRI enfatiza a importância das redes, das ligações e do papel de cada ator (Barcus, 2013Barcus, H. (2013). Sustainable development or integrated rural tourism? Considering the overlap in rural development strategies. Journal of Rural and Community Development, 8(3), 127-143. ).
As redes são verticais ou horizontais (Cawley & Gilmor, 2008Cawley, M., & Gillmor, D. (2008). A. Integrated rural tourism: Concepts and practice. Annals of Tourism Research , 35(2), 316-337.; Murdoch, 2000Murdoch, J. (2000). Networks - A new paradigm of rural development? Journal of Rural Studies , 16(4), 407-419.). As verticais envolvem as relações externas à localidade (como apoio para atrair turistas), enquanto as horizontais atingem as atividades e capacidades locais (por exemplo, criação de empresas e produtos). Também são informais (flexível, menos oneroso e um meio eficaz e barato de trocar informações, recursos, clientes e atividades) ou formais (mais abrangente e segura, exige mais esforço na cocriação de estratégias comerciais) (Petrou et al., 2007Petrou, A., Pantziou, E. F., Dimara, E., & Skuras, D. (2007). Resources and activities complementarities: the role of business networks in the provision of integrated rural tourism. Tourism Geographies , 9(4), 421-440. ). No entanto, a natureza e os relacionamentos nessas redes dependem das estruturas e dinâmicas locais (Petrou et al., 2007; Saxena & Ilbery, 2008Saxena, G., & Ilbery, B. (2008). Integrated rural tourism: a border case study. Annals of Tourism Research , 35(1), 233-254. ).
Para contribuir para o desenvolvimento rural, o turismo precisa ser complementar em vez de substituir os recursos locais e as atividades tradicionais (Petrou et al., 2007Petrou, A., Pantziou, E. F., Dimara, E., & Skuras, D. (2007). Resources and activities complementarities: the role of business networks in the provision of integrated rural tourism. Tourism Geographies , 9(4), 421-440. ), mas também compartilhar com os residentes locais todos os recursos, produtos, serviços e atividades oferecidos aos visitantes (Navarro et al., 2017Navarro, M. M., Iglesias, M. P., & Vinzón, L. (2017). Key variables for developing integrated rural tourism. Tourism Geographies , 19(3), 575-594. ). Também é importante que as redes sejam enraizadas para delimitar o contexto territorial no qual estão inseridas, reforçando a identidade local (Saxena et al., 2007Saxena, G., Clark, G., Oliver, T., & Ilbery, B. (2007). Conceptualizing integrated rural tourism. Tourism Geographies , 9(4), 347-370. ). O conceito de endogeneidade se liga ao anterior porque visa ao desenvolvimento bottom-up, centrado nas preferências e nos saberes e recursos localmente distintos (Murdoch, 2000Murdoch, J. (2000). Networks - A new paradigm of rural development? Journal of Rural Studies , 16(4), 407-419.; Saxena & Ilbery, 2008).
Igualmente, é imprescindível empoderar os atores locais, tanto no nível individual ou psicológico quanto no nível comunitário (Saxena et al., 2007Saxena, G., Clark, G., Oliver, T., & Ilbery, B. (2007). Conceptualizing integrated rural tourism. Tourism Geographies , 9(4), 347-370. ), com maior controle sobre os recursos e as estruturas locais, além da efetiva influência no processo decisório, o que aumenta a autoestima dos residentes (Oliver & Jenkins, 2003Oliver, T., & Jenkins, T. (2003). Sustaining rural landscapes: the role of integrated tourism. Landscape Research, 28(3), 293-307. ). Isso está associado à definição da extensão do turismo em uma área em termos de distribuição temporal e geográfica, em que a escala deve considerar os limites de capacidade de carga (natural e social) do ambiente (Clark & Chabrel, 2007Clark, G., & Chabrel, M. (2007). Measuring integrated rural tourism. Tourism Geographies, 9(4), 371-386. ). Projetos de pequena escala são mais fáceis de serem absorvidos e aceitos pela população local (Bilsen, 1987Bilsen, F. (1987). Integrated tourism in Senegal: An alternative. Tourism Recreation Research, 12(2), 19-23.).
Entretanto, a abordagem integrada rejeita a polarização exógeno-endógeno, enraizado-não enraizado, local-extralocal (Petrou et al., 2007Petrou, A., Pantziou, E. F., Dimara, E., & Skuras, D. (2007). Resources and activities complementarities: the role of business networks in the provision of integrated rural tourism. Tourism Geographies , 9(4), 421-440. ). Também é necessária uma rede extralocal, desincorporada e conectada com recursos, conhecimentos e investimento exógenos complementares para atingir mercados externos, ao mesmo tempo que mantêm os aspectos de qualidade e originalidade dos ativos locais e atende aos objetivos das comunidades locais (Cawley & Gilmor, 2008Cawley, M., & Gillmor, D. (2008). A. Integrated rural tourism: Concepts and practice. Annals of Tourism Research , 35(2), 316-337.; Oliver & Jenkins, 2003Oliver, T., & Jenkins, T. (2003). Sustaining rural landscapes: the role of integrated tourism. Landscape Research, 28(3), 293-307. ; Saxena & Ilbery, 2008Saxena, G., & Ilbery, B. (2008). Integrated rural tourism: a border case study. Annals of Tourism Research , 35(1), 233-254. ).
METODOLOGIA
Contexto pesquisado
Piranguçu é um município montanhoso, localizado na Serra da Mantiqueira do sul de Minas Gerais e com acesso principal pela rodovia BR-383. O município é predominantemente rural. Apenas 1% do território é urbano e 66% dos 5.127 habitantes está na área rural (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2010). Censo Demográfico 2010. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/pirangucu/pesquisa/23/27652?detalhes=true ). A unidade de conservação sustentável e federal Área de Proteção Ambiental da Serra da Mantiqueira (APASM) cobre 66,2% do território de Piranguçu (https://uc.socioambiental.org/arp/886).
O PIB do município é de cerca de R$ 70,6 milhões, sendo que 34,8% do valor advém da administração pública, seguido por serviços (27,8%), indústria (23,9%) e agropecuária (7,3%) (IBGE, 2019Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2019). Produto Interno Bruto - Piranguçu. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/pirangucu/pesquisa/38/46996
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/pi...
). A queda da importância econômica da agropecuária do município começou a ocorrer nos anos de 1980. Informações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2017) mostram que a receita e o valor da produção agropecuária diminuíram mais de 60% de 1975 a 1996. Apesar da redução de cultivos agrícolas, a quantidade produzida de banana aumentou mais de 800% e a produção do leite mais que triplicou entre 1990 e 2016 (http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx).
Piranguçu conta com um rico patrimônio natural, histórico e cultural, mas o turismo ainda não provoca maiores impactos socioeconômicos no meio rural. A Política Municipal de Cultura e Turismo (PMCT) de Piranguçu foi criada em 2013 e conta com 23 objetivos (Lei n. 1.004, 2013Lei n. 1.004, de 11 de fevereiro de 2013. (2013). Dispõe sobre a política municipal de cultura e turismo no município de Piranguçu. Prefeitura Municipal de Piranguçu.). O órgão gestor do turismo se junta com outros setores dentro da Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte, Lazer e Turismo. O COMTUR-Piranguçu é o “órgão de consulta, deliberação, assessoramento e decisão” das políticas locais do turismo (Lei n. 828, 2007Lei n. 828, de 21 de novembro de 2007. (2007). Cria o Conselho Municipal do Turismo - COMTUR, o Fundo Municipal de Turismo - FUMTUR e dá outras providências. Prefeitura Municipal de Piranguçu.). Os Conselhos são espaços públicos de partilha do poder entre sociedade-Estado com a função de formular e controlar as políticas públicas (Tatagiba, 2002Tatagiba, L. (2002). Os conselhos gestores e a democratização das políticas públicas no Brasil. In: E. Dagnino (Ed.), Sociedade civil e espaços públicos no Brasil (47-103). Paz e Terra.).
Metodologia e coleta de dados
O suporte metodológico desta pesquisa foi usado em inúmeros estudos do turismo (Çakar & Aykol, 2021Çakar, K., & Aykol, Ş. (2021). Case study as a research method in hospitality and tourism research: A systematic literature review (1974-2020).Cornell Hospitality Quarterly, 62(1), 21-31.). Para testar a aplicabilidade da estrutura do TRI sobre um contexto singular foi realizado um estudo de caso, porque permite descrições extensas e profundas de fenômenos sociais complexos (Yin, 2009Yin, R. K. (2009). Case study research: Design and methods (4th ed.). Sage.). O método qualitativo foi adotado, uma vez que a pesquisa analisa uma realidade contextual em sua particularidade temporal e espacial a partir das práticas e interações sociais locais (Flick, 2009Flick, U. (2009).An introduction to qualitative research (4th ed.). Sage.). Para garantir a qualidade da pesquisa, fontes de dados primárias e secundárias foram mescladas (Flick, 2009).
Primeiro, foi feito um contato inicial: excursão exploratória no meio rural e participação em uma reunião da Organização de Controle Social (OCS) Orgânicos-Piranguçu. Essa etapa forneceu informações sobre as dinâmicas socio-econômicas e o cenário do turismo, além de identificar os interessados em participar da pesquisa. Posteriormente, entre junho e dezembro de 2018, foram realizadas entrevistas semiestruturadas face-a-face com questões baseadas nos pressupostos teóricos do TRI (Flick, 2009Flick, U. (2009).An introduction to qualitative research (4th ed.). Sage.), com duração de 20 a 90 minutos, gravadas e transcritas. Cinco grupos de atores locais com papéis-chaves na operacionalização do turismo foram interrogados: agricultores familiares, empreendedores turísticos, operador local de turismo, representante da ONG local e o diretor municipal de turismo. O Quadro 2 mostra a lista, os métodos de seleção e as características dos atores entrevistados.
Os agricultores familiares foram escolhidos com base nos critérios de mão de obra familiar e residência fixa no município, sendo aplicada a técnica bola de neve (Bailey, 1994Bailey, K. D. (1994). Methods of social research (4th ed.). The Free Press.), cujos informantes-chave iniciais indicaram outros informantes que, por sua vez, recomendaram outros e, assim, sucessivamente. Os empreendedores foram identificados a partir de consulta ao Inventário da Oferta Turística de Piranguçu (Alvarenga et al., 2010Alvarenga, W. S., Almeida, R. B., & Brandão, D. C. C. (2010). Inventário da Oferta Turística de Piranguçu. ) e do campo exploratório. Para cada grupo foi utilizado um roteiro específico. O roteiro aplicado aos agricultores abordou as características socieconômicas e as percepções e atitudes sobre o TER. Os demais atores foram questionados sobre a importância do TER, as relações entre os atores locais, as ações e o papel do goveno local, a participação no planejamento, além das potencialidades e barreiras para o desenvolvimento do TER.
Durante a pesquisa, o primeiro autor foi conselheiro do COMTUR na gestão 2017-2018. Assim, oportunamente, foi conduzida a observação participante, que permite uma “interação com o campo e o objeto de pesquisa mais consistente” (Flick, 2009Flick, U. (2009).An introduction to qualitative research (4th ed.). Sage., p. 231). O pesquisador observou as interações entre os atores e a participação dos residentes locais no turismo, ajudou na realização de evento de mountain bike, acompanhou alguns passeios da operadora local e também mapeou as vias terrestres e trilhas locais para projetos do COMTUR e do Circuito Turístico Caminhos da Mantiqueira (CTCM). Adicionalmente, foram analisados documentos institucionais relevantes para o turismo no município.
Os dados foram analisados usando o método descritivo qualitativo. A organização do conteúdo das entrevistas obedeceu a um plano de tabulação no programa Excel com campos específicos para cada pergunta. O diagnóstico ocorreu com a codificação teórica do conteúdo qualitativo (Flick, 2009Flick, U. (2009).An introduction to qualitative research (4th ed.). Sage.), seguindo as dimensões do TRI por ser uma estrutura analítica útil para uma abordagem ampla (Gao & Wu, 2017Gao, J., & Wu, B. (2017). Revitalizing traditional villages through rural tourism: A case study of Yuanjia Village, Shaanxi Province, China.Tourism management, 63, 223-233.). Os dados quantitativos precederam de estatísticas básicas de frequências individuais dos atributos de interesse.
RESULTADOS
Uma realidade contextual na Serra da Mantiqueira
A Serra da Mantiqueira é uma área considerada insubstituível para a conservação da biodiversidade no mundo (Le Saout et al., 2013Le Saout, S., Hoffmann, M., Shi, Y., Hughes, A., Bernard, C., Brooks, T.M., Bertzky, B., Butchart, S.H.M., Stuart, S.N., Badman, T., & Rodrigues, A.S.L. (2013). Protected Areas and Effective Biodiversity Conservation. Science, 342, 803-805.), com importância biológica especial pela alta riqueza de espécies de fauna e flora, mas que sofre pressão constante de desmatamento, turismo desordenado e agricultura insustentável (Drummond et al., 2005Drummond, G. M., Martins, C. S., Machado, A.B.M., Sebaio, F. A., & Antonini, Y. (2005). Biodiversidade em Minas Gerais (2a ed.). Fundação Biodiversitas. ). A topografia é um fator organizador da dinâmica socioeconômica regional.
O relevo de Piranguçu vai do plano (várzeas) ao montanhoso (880 a 1880 metros), com a formação de diferentes setores populacionais dentro do município. A Figura 1 mostra a localização do município, as vilas e os empreendimentos pesquisados e o relevo perturbado. Os lados leste e oeste, por exemplo, estão isolados e têm dificuldades em manter relações socioeconômicas. A parte norte (baixas altitudes) abriga a maior parte da população e das atividades econômicas e a estrutura pública administrativa. A paisagem é dominada por pastagem misturada com bananais, pequenos fragmentos florestais e culturas agrícolas (permanentes ou temporárias). A parte sul (maiores altitudes) tem baixa densidade populacional, presença de grandes manchas florestais e campos nativos preservados, portanto, maior vocação turística e ambiental.
Dessa forma, na visão dos agentes turísticos, as “montanhas da Serra da Mantiqueira” conferem a Piranguçu uma paisagem “privilegiada”, um “clima agradável” e uma natureza “exuberante”. Os fatores naturais ocuparam um lugar de significativa relevância turística, representados pelos inúmeros picos e cachoeiras. Por outro lado, o potencial do patrimônio histórico e cultural foi menos destacado. As arquiteturas religiosas e as fazendas centenárias, por exemplo, foram ignoradas. Outra vantagem competitiva citada foi a posição geográfica, sendo próximo a municípios de intenso fluxo turístico e de acesso relativamente fácil.
Em relação ao meio rural de Piranguçu, estima-se 551 propriedades agropecuárias com baixo nível de escolaridade e mecanização (IBGE, 2017Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2017). Censo Agropecuário 2017 - Resultados definitivos. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/pirangucu/pesquisa/24/76693
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/pi...
). A pesquisa encontrou características que refletem o meio rural da microregião (Andrade & Ferreira, 2013Andrade, A. C., & Ferreira, E. R. (2013). Produção familiar, conservação ambiental e turismo no espaço rural da microrregião de Itajubá, Minas Gerais. Campo-Território: revista de geografia agrária, 8(16), 315-341. ): pequenas e médias unidades agrícolas (média de 29,2 hectares), pouco capitalizadas (61,5% dos agricultores tinham renda familiar de 1,1 a 3 salários mínimos/mês) e mão de obra predominantemente familiar (75% das unidades agrícolas). A principal fonte de renda dos agricultores pesquisados era a agricultura, de modo exclusivo para 30,8%. Em outras ocasiões, a renda agrícola era complementada com aposentadorias/pensões (23,1%) ou rendimentos salariais (20,5%). Em relação às principais atividades agropecuárias, 41,0% dos agricultores se dedicavam à olericultura, 35,9% à pecuária leiteira e 28,2% à bananicultura.
Outras fontes de rendimento eram o comércio, trabalho informal, além do turismo. Apenas um agricultor de morango orgânico realizava atividade de TR. Outros quatro mantinham vínculos comerciais com empreendimentos turísticos ou diretamente com visitantes, mas o volume comercializado era pequeno e espontâneo, o que indica um fraco vínculo agricultura-turismo.
A porteira (quase) aberta para o turismo desenvolver o rural
A pesquisa evidencia a expectativa de desenvolvimento econômico associada ao TER. Para os agentes turísticos haveria mais contratação de pessoas locais pelos empreendimentos e pelas chácaras e maior oferta e consumo de “produtos gastronômicos”, como “verdura, leite e fruta do agricultor”. Para os agricultores, o contato direto com o visitante aumentaria a exposição da produção agrícola, criando um novo canal de venda. Assim, similarmente a outros estudos, esperava-se o aumento na oferta de empregos (Gomes et al., 2006Gomes, B. M. A., Romaniello, M. M., & Silva, M. A. C. (2006). Os efeitos do turismo em comunidades receptoras: um estudo com moradores de Carrancas, MG, Brasil. Pasos - Revista de Turismo y Patrimonio Cultural , 4(3), 391-408. ; Látková & Vogt, 2012Látková, P., & Vogt, C. A. (2012). Residents’ attitudes toward existing and future tourism development in rural communities. Journal of Travel Research, 51(1), 50-67. ; Lee, 2013Lee, T. H. (2013). Influence analysis of community resident support for sustainable tourism development. Tourism Management , 34, 37-46. ) e a criação de novos mercados para os produtos locais (Souza et al., 2017Souza, R. L., Santos, E. O., & Thomé-Ortiz, H. (2017). O turismo no espaço rural como atividade complementar de geração de renda e ocupação não agrícola no Corede das Hortênsias do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Caderno Virtual de Turismo , 17(1), 171-186. ; Tonini & Dolci, 2020Tonini, H., & Dolci, T. S. (2020). Turismo rural e novos mercados para produtos alimentares agroecológicos: estudo de caso da Rota Via Orgânica.Rosa dos Ventos, 12(3), 537-554. ; Ushizima, 2018Ushizima, L. Y. (2018). Circuitos locais de produção e consumo de alimentos: um olhar sobre o trade turístico de Bonito, MS.Caderno Virtual de Turismo , 18(1). ).
Tendo como referência este potencial, 64,1% dos agricultores entrevistados consideravam o turismo uma atividade positiva. Em menor proporção, 51,3% dos agricultores demonstraram interesse em realizar o TR. Isso sugere que os agricultores locais tendem a apoiar o TER (Látková & Vogt, 2012Látková, P., & Vogt, C. A. (2012). Residents’ attitudes toward existing and future tourism development in rural communities. Journal of Travel Research, 51(1), 50-67. ; Lee, 2013Lee, T. H. (2013). Influence analysis of community resident support for sustainable tourism development. Tourism Management , 34, 37-46. ; Stydilis et al., 2014). Os agentes turísticos foram mais enfáticos, considerando o turismo a “salvação da zona rural” e a “grande indústria” que garantiria “autonomia econômica” a Piranguçu.
Os resultados também corroboram com estudos que encontraram o potencial do turismo em promover melhorias na qualidade de vida local (Látková & Vogt, 2012Látková, P., & Vogt, C. A. (2012). Residents’ attitudes toward existing and future tourism development in rural communities. Journal of Travel Research, 51(1), 50-67. ; Lee, 2013Lee, T. H. (2013). Influence analysis of community resident support for sustainable tourism development. Tourism Management , 34, 37-46. ; Stylidis et al., 2014Stylidis, D., Biran, A., Sit, J., & Szivas, E. M. (2014). Residents' support for tourism development: the role of residents' place image and perceived tourism impacts. Tourism Management , 45, 260-274. ) e a conservação ambiental (Andereck et al., 2005Andereck, K. L., Valentine, K. M., Knopf, R. C., & Vogt, C. A. (2005). Residents’ perceptions of community tourism impacts. Annals of Tourism Research, 32(4), 1056-1076. ; Nyaupane & Poudel, 2011Nyaupane, G. P., & Poudel, S. (2011). Linkages among biodiversity, livelihood, and tourism. Annals of Tourism Research , 38(4), 1344-1366. ; Park et al., 2015Park, D. B., Nunkoo, R., & Yoon, Y. S. (2015). Rural residents’ attitudes to tourism and the moderating effects of social capital.Tourism Geographies , 17(1), 112-133. ). Socialmente, o TER tem potencial de estimular a disponibilidade e melhorias de serviços sociais locais, como escolas, centros de saúde e estradas. Em termos de conservação da natureza, pode haver maior conscientização ecológica e intervenções práticas nos eventos turísticos. A importância do TER para preservar culturas e tradições (Clark & Chabrel, 2007Clark, G., & Chabrel, M. (2007). Measuring integrated rural tourism. Tourism Geographies, 9(4), 371-386. ; Lee, 2013) foi apontada na forma de “resgatar o antigo” e de “valorizar a produção local”. Além disso, o TR pode oportunizar a troca de conhecimentos entre visitantes e agricultores (Lepp, 2007Lepp, A. (2007). Residents’ attitudes towards tourism in Bigodi Village, Uganda. Tourism Management , 28(3), 876-885. ; Lee, 2013; Stylidis et al., 2014), por exemplo, para aprender novas culturas agrícolas e métodos de cultivo.
Em contrapartida, as limitações de tempo, recursos humanos e financeiros, além da aversão aos riscos (Araújo et al., 2011Araújo, A. L. M., Bahia, E. T., & Ferreira, W. R. (2011). Turismo rural na agricultura familiar: um estudo sobre as possibilidades e limitações no município de Alfredo Vasconcelos, MG. Caderno Virtual de Turismo, 11(3), 370-383. ; Kloster & Cunha, 2014Kloster, S., & Cunha, L. A. G. (2014). Desenvolvimento territorial e turismo rural: as relações possíveis. Desenvolvimento em Questão, 12(27), 66-94. ), foram fatores que inibiam a integração dos agricultores com o turismo. Dentre os agricultores que não tiveram interesse no TR (28,2%), alguns alegaram a falta de recursos para construir estruturas para receber visitantes, outros demonstraram preocupações quanto à segurança e à privacidade. Adicionalmente, a escassez de mão de obra e a idade avançada impediam alguns agricultores de combinar atividades agrícolas e turísticas.
Alguns (20%) agricultores agiram de modo indiferente ao turismo, possivelmente pelo desconhecimento ou falta de relação produtiva com o turismo. Outra parte (20,5%) não descartou o TR, mas apontou a necessidade de ajustar o turismo à agenda do trabalho rural: “Podia até pensar. O problema é que raramente eu paro aqui, e não posso parar por muito tempo, senão aperta”. Vale destacar, no entanto, a incompreensão do potencial turístico da propriedade, como desse agricultor: “A propriedade aqui parece que sobre o turismo não tem nada, a não ser o engenho. Isso já pode fazer um turismo?”.
Os seis agricultores que avaliaram negativamente o turismo referiram-se ao acesso não autorizado de visitantes aos atrativos da propriedade e aos danos materiais provocados pelas atividades turísticas. Por exemplo, os praticantes de motocross, modalidade mais contestada, instituíram o passe livre nas propriedades e costumam gerar problemas ao agricultor, porque deixam porteiras abertas, o que provoca a fuga do rebanho para propriedades alheias e um esforço para recolher os animais novamente. O voo livre também causava pertubação por amendrontar o rebanho, causando prejuízos (reparo de cercas e tratamento de lesões) ou morte do animal.
Conforme a literatura descreve, o turismo gerou expectativas econômica, sociocultural e ambiental positivas, sobretudo sobre os primeiros (García et al., 2015García, F. A., Vázquez, A. B., & Macía, R. C. (2015). Resident's attitudes towards the impacts of tourism. Tourism Management Perspectives, 13, 33-40. ; Gursoy et al., 2018Gursoy, D., Ouyang, Z., Nunkoo, R., & Wei, W. (2018). Residents’ impact perceptions of and attitudes towards tourism development: a meta-analysis. Journal of Hospitality Marketing & Management, 28(3), 1-28. ; Rosalina et al., 2021Rosalina, P. D., Dupre, K., & Wang, Y. (2021). Rural tourism: A systematic literature review on definitions and challenges.Journal of Hospitality and Tourism Management , 47, 134-149.). O estágio inicial do turismo (Butler, 1980Butler, R. W. (1980). The concept of a tourist area cycle of evolution: implications for management of resources. The Canadian Geographer, 24(1), 5-12. ; Gomes et al., 2006Gomes, B. M. A., Romaniello, M. M., & Silva, M. A. C. (2006). Os efeitos do turismo em comunidades receptoras: um estudo com moradores de Carrancas, MG, Brasil. Pasos - Revista de Turismo y Patrimonio Cultural , 4(3), 391-408. ; Mcgehee & Andereck, 2004Mcgehee, N. G., & Andereck, K. L. (2004). Factors predicting rural residents’ support of tourism. Journal of Travel Research , 43(2), 188-200. ), a expectativa no turismo para salvar a economia rural (Park et al., 2015Park, D. B., Nunkoo, R., & Yoon, Y. S. (2015). Rural residents’ attitudes to tourism and the moderating effects of social capital.Tourism Geographies , 17(1), 112-133. ) e a ausência do turismo de massa (Gursoy et al., 2018) fazem os efeitos positivos sobressaírem. Entretanto, os sinais de rápida expansão do turismo no município impõem um desafio considerável para atingir o máximo potencial do TRI.
Os desafios do desenvolvimento turístico local integrado
A pesquisa revelou a falta de confiança no governo local para conduzir o processo turístico. Os entrevistados acreditavam que as ações do governo eram lentas e limitadas a um “horizonte restrito”. O diretor de turismo concordou: “A própria Secretaria tem certa dificuldade. O turismo ainda não é o carro-chefe do município”. Por outro lado, é possível detectar uma alta dependência do governo local e essa transferência de responsabilidade pode ocultar as fragilidades da indústria local do turismo (Ruhanen, 2013Ruhanen, L. (2013). Local government: facilitator or inhibitor of sustainable tourism development?Journal of Sustainable Tourism , 21(1), 80-98.) e da agricultura familiar. A Figura 2 exemplifica os potenciais e as barreiras para tornar o turismo um dos pilares do desenvolvimento rural sustentável considerando as dimensões do TRI. Cada dimensão pode avançar em taxas diferentes e se retroalimentarem.
Redes e relacionamentos
A pesquisa identificou a existência de várias redes sociais em Piranguçu e que essas redes atuam de forma independente e com baixo nível de coesão. Por exemplo, a rede local de artistas e artesãos é representada pela Associação Piranguçuense de Artesanato (APA), composta majoritariamente por mulheres. As redes também incluem indivíduos interessados na preservação da biodiversidade local reunidos na ONG local. Os agricultores locais também formavam redes, entre elas a Associação da Cúpula do Leite do São Bernardo e a OCS Orgânicos-Piranguçu, mas apenas nove (23%) dos pesquisados participavam de alguma delas.
No entanto, não existia cooperativa capaz de reter e agregar valor à matéria-prima. Por exemplo, os produtores de leite escoavam sua produção para latícinios de municípios vizinhos. A Associação Agropecuária dos Produtores de Piranguçu (AAPP) pouco fez para promover o associativismo (Vieira & Ribeiro, 2017Vieira, E. T., & Ribeiro, J. A. C. (2017). Desenvolvimento multidimensional: Alternativas para Piranguçu - MG. Revista Espacios, 38(21), 1-32. ). Agroindústrias rurais no formato cooperativo poderiam produzir queijos, iogurtes e outros derivados, criando uma marca local (Gao & Wu, 2017Gao, J., & Wu, B. (2017). Revitalizing traditional villages through rural tourism: A case study of Yuanjia Village, Shaanxi Province, China.Tourism management, 63, 223-233.). A cooperação ajuda a superar os problemas com as exigências sanitária e a falta de recursos financeiros individuais.
As interações entre os empreendedores eram informais (Ilbery et al., 2007Ilbery, B., Saxena, G., & Kneafsey, M. (2007). Exploring tourists and gatekeepers’ attitudes towards integrated rural tourism in the england-wales Border Region. Tourism Geographies , 9(4), 441-468. ; Petrou et al., 2007Petrou, A., Pantziou, E. F., Dimara, E., & Skuras, D. (2007). Resources and activities complementarities: the role of business networks in the provision of integrated rural tourism. Tourism Geographies , 9(4), 421-440. ; Ramalho, 2016Ramalho, M. M. C. (2016). Estudo sobre o turismo no espaço rural em Barra do Piraí e sua relação com o desenvolvimento. Revista Turismo, Visão e Ação, 18(2), 223-250. ). Não havia “união” entre eles, o que inclui o pouco interesse de outros comerciantes locais, embora reconhecessem a necessidade de “reunir” e “fazer parcerias novas”. O COMTUR era a única rede formalizada de planejamento turístico (Petrou et al., 2007; Ramalho, 2016), mas era alvo de constantes frustações dos atores, especialmente pela baixa autonomia decisória e financeira. A aliança entre acomodações/restaurantes e agricultores pode gerar ótimos benefícios para ambos (Hillel et al., 2013Hillel, A., Belhassen, Y., & Shani, A. (2013). What makes a gastronomic destination attractive? Evidence from the Israeli Negev. Tourism Management, 36, 200-209. ; Nyaupane & Poudel, 2011Nyaupane, G. P., & Poudel, S. (2011). Linkages among biodiversity, livelihood, and tourism. Annals of Tourism Research , 38(4), 1344-1366. ; Telfer & Wall, 2000Telfer, D. J., & Wall, G. (2000). Strengthening backward economic linkages: local food purchasing by three Indonesian hotels. Tourism Geographies , 2(4), 421-447.), mas em Piranguçu a institucionalização de acordos estáveis ainda não ocorre (Souza et al., 2023Souza, J. P. M., Chiodi, R. E., & Silveira-Júnior, W. J. (2023). Empreendimentos turísticos e agricultura familiar, elementos para uma abordagem de integração um estudo de caso na Serra da Mantiqueira, Minas Gerais. Pasos - Revista de Turismo y Patrimonio Cultural , 21(1), 69-82.).
As dificuldades em criar agendas comuns em redes formais podem estar relacionadas ao porte pequeno dos negócios (Petrou et al., 2007Petrou, A., Pantziou, E. F., Dimara, E., & Skuras, D. (2007). Resources and activities complementarities: the role of business networks in the provision of integrated rural tourism. Tourism Geographies , 9(4), 421-440. ; Saxena & Ilbery, 2008Saxena, G., & Ilbery, B. (2008). Integrated rural tourism: a border case study. Annals of Tourism Research , 35(1), 233-254. ) e à falta de uma liderança com poder de influência (Della Corte et al., 2018Della Corte, V., Aria, M., & Del Gaudio, G. (2018). Strategic governance in tourist destinations.International Journal of Tourism Research, 20(4), 411-423. ; Fyall et al., 2012Fyall, A., Garrod, B., & Wang, Y. (2012). Destination collaboration: A critical review of theoretical approaches to a multi-dimensional phenomenon.Journal of Destination Marketing & Management, 1(1-2), 10-26.). A agricultura familiar local fragmentada (Vieira & Ribeiro, 2017Vieira, E. T., & Ribeiro, J. A. C. (2017). Desenvolvimento multidimensional: Alternativas para Piranguçu - MG. Revista Espacios, 38(21), 1-32. ) é um fator crônico limitante do desenvolvimento rural do Sul de Minas (Ferreira et al., 2009Ferreira, P. A., Pereira, J. R., Alencar, E., & Santana, A. C. (2009). Estado e agricultores familiares: uma análise interpretativa sobre o desenvolvimento rural no Sul de Minas Gerais. Revista de Economia e Sociologia Rural, 47(3), 767-792. ).
O governo local era pouco acessível para propor parcerias público-privadas, enquanto a PMCT visa a “estimular a cooperação entre a Administração Pública Municipal, os empreendedores da comunidade e os empresários para o progresso dos interesses turísticos” (Lei n. 1.004, 2013Lei n. 1.004, de 11 de fevereiro de 2013. (2013). Dispõe sobre a política municipal de cultura e turismo no município de Piranguçu. Prefeitura Municipal de Piranguçu.). Outro elemento a ser melhorado é a integração setorial dentro da administração pública local para pensar em políticas públicas com uma abordagem territorial. O turismo é influenciado por outros domínios políticos, exigindo a coordenação entre os diferentes setores governamentais (Bramwell, 2011Bramwell, B. (2011). Governance, the state and sustainable tourism: a political economy approach.Journal of Sustainable Tourism , 19(4-5), 459-477. ).
Escala
O turismo de Piranguçu é marcado por componentes turísticos de pequena escala e dispersos no meio rural, o que contribui para não extrapolar a capacidade de carga e para espalhar os benefícios no território (Oliver & Jenkins, 2003Oliver, T., & Jenkins, T. (2003). Sustaining rural landscapes: the role of integrated tourism. Landscape Research, 28(3), 293-307. ). A agricultura local e as empresas eram de escalas pequenas e de propriedade local ou de residentes de longa data. As acomodações tinham capacidade média de 30 hóspedes e tempo médio de estadia dos visitantes de duas pernoites; a operadora local realizava os principais roteiros nas trilhas locais, com grupo de até 20 pessoas e, geralmente, não mais do que dez horas.
Para os agentes turísticos, no entanto, a infraestrutura física era limitada e precisava de mais serviços turísticos (pousadas, guias, comércios de apoio no meio rural e instalações de entretenimento) e melhores equipamentos turísticos (centro de informação e sinalização turística) para aumentar a atratividade. Futuras instalações devem ser harmonizadas com o ambiente local e, de preferência, geridas pelos atores locais (Bilsen, 1987Bilsen, F. (1987). Integrated tourism in Senegal: An alternative. Tourism Recreation Research, 12(2), 19-23.), evitando empreendimentos de grande escala pelo risco de estagnar o desenvolvimento rural e descaracterizar a paisagem (Saufi et al., 2014Saufi, A., O'Brien, D., & Wilkins, H. (2014). Inhibitors to host community participation in sustainable tourism development in developing countries. Journal of Sustainable Tourism , 22(5), 801-820. ). Empreendimentos de pequeno porte vinculam-se mais facilmente à economia local e admitem contratos menos onerosos com os agricultores (Tasso et al., 2019Tasso, J. P. F., Nascimento, E. P., & Costa, H. A. (2019). Paradoxos do turismo sustentável no Brasil: obstáculos à inclusão socioprodutiva de pescadores artesanais e agricultores familiares. Caderno Virtual de Turismo , 19(3).; Telfer & Wall, 2000Telfer, D. J., & Wall, G. (2000). Strengthening backward economic linkages: local food purchasing by three Indonesian hotels. Tourism Geographies , 2(4), 421-447.; Torres, 2003Torres, R. (2003). Linkages between tourism and agriculture in Mexico. Annals of Tourism Research , 30(3), 546-566.).
As redes também extrapolavam a fronteira local e estabeleciam conexões extra-locais que ajudam no desenvolvimento local. As acomodações conectavam a plataformas, como o Airbn e grupos fechados de ciclistas e motoqueiros distantes. Os principais canais de comercialização dos agricultores eram externos ou com a presença de intermediários. A APA tem suas peças expostas em feiras de artesanato e eventos turísticos extra-locais.
Endogeneidade
O desenvolvimento do turismo de Piranguçu é fortemente relacionado aos recursos locais e destaca o ambiente local e os atributos da comunidade (Figura 3). As experiências turísticas são baseadas na natureza, na cultura e nas trilhas locais, como mountain bike, trekking, equitação, apreciação da paisagem, passeios nas vilas rurais, festivais locais e rodeios, pesca, voo livre e escalada. A hospitalidade da população local foi avaliada positivamente. Outra evidência de endogeneidade está no foco da ONG na preservação da natureza local e melhorias da qualidade de vida da população.
Para avançar no desenvolvimento endógeno, é vital fortalecer a conexão agricultura-turismo para reter o fluxo econômico dentro do município (Saxena & Ilbery, 2008Saxena, G., & Ilbery, B. (2008). Integrated rural tourism: a border case study. Annals of Tourism Research , 35(1), 233-254. ). Por outro lado, os agricultores atribuíram a não inclusão produtiva no turismo à ausência de investimento endógeno suficiente para atender às exigências da atividade. Vários aspectos históricos poderiam ser promovidos mais fortemente. Por exemplo, o Conjunto Paisagístico da Represa da Usina São Bernardo, bem inventariado no acervo cultural do município (Alvarenga et al., 2010Alvarenga, W. S., Almeida, R. B., & Brandão, D. C. C. (2010). Inventário da Oferta Turística de Piranguçu. ), tem potencial para induzir o TER (Santana & Santos, 2016Santana, E. L., & Santos, J. C. V. (2016). Lago de São Simão e o desenvolvimento do turismo rural: uma nova atividade econômica sustentada pelo trabalho familiar. Revista Brasileira de Ecoturismo, 9(6), 668-683. ), mas precisa ser estruturado para melhor aproveitamento turístico.
Por outro lado, agentes extra-locais trazem novos padrões organizacionais e habilidades que contribuem para o desenvolvimento local (Oliver & Jenkins, 2003Oliver, T., & Jenkins, T. (2003). Sustaining rural landscapes: the role of integrated tourism. Landscape Research, 28(3), 293-307. ). Em Piranguçu, a EMATER oferece cursos e oficinas voltados para o beneficiamento e comercialização de doces secos e cristalizados. O SENAR disponibiliza cursos voltados ao turismo, como para a criação de roteiros. O CTCM tem promovido rotas intermunicipais visando ao desenvolvimento regional. A Vinícola Ferreira produz uvas orgânicas para fabricação de vinho artesanal e contribui para aumentar a atratividade turística local.
Enraizamento
Há uma forte conexão entre os atores sociais e o senso de lugar. As atrações e os recursos turísticos estão presentes no cotidiano da comunidade (Oliver & Jenkins, 2003Oliver, T., & Jenkins, T. (2003). Sustaining rural landscapes: the role of integrated tourism. Landscape Research, 28(3), 293-307. ). As tradições e os produtos locais associados, como o artesanato, a cachaça, a rapadura e os doces e roscas produzidos pelas mulheres, fazem parte da cultura local. As festas tradicionais espalhadas pelas vilas rurais são oportunidades de valorizar as especificidades locais e têm o importante papel de conectar os alimentos locais, o lugar e a comunidade aos visitantes (Hillel et al., 2013Hillel, A., Belhassen, Y., & Shani, A. (2013). What makes a gastronomic destination attractive? Evidence from the Israeli Negev. Tourism Management, 36, 200-209. ) e estimular o consumo turístico (Kim & Eves, 2012Kim, Y. G., & Eves, A. (2012). Construction and validation of a scale to measure tourist motivation to consume local food. Tourism Management , 33(6), 458-1467. ). Os festivais são organizados em comissões comunitárias sob a direção de um membro local e a matéria-prima para a produção dos cartuchos e potes de doces, por exemplo, é doada pelos residentes locais e a outra parte é comprada com as doações da população local.
As igrejas e capelas rurais poderiam ser reformadas e os aspectos estético e paisagístico aperfeiçoados para atuarem como ponto turístico. Um crédito deve ser dado ao governo local pelas iniciativas de promoção à educação patrimonial nas escolas (Lei n. 1.004, 2013Lei n. 1.004, de 11 de fevereiro de 2013. (2013). Dispõe sobre a política municipal de cultura e turismo no município de Piranguçu. Prefeitura Municipal de Piranguçu.), com vista à formação de uma consciência cultural, concorrendo para a manutenção da identidade local. Também pela manutenção da atividade da Casa do Produtor e pela organização de feiras livres para expor os produtos locais.
Complementariedade
Os atores indicaram a forte complementariedade que existe entre o turismo e a economia local e as condições de vida. As festas tradicionais, ainda que não tenham viés essencialmente turístico, conforme o diretor de turismo, vêm atraindo cada vez mais visitantes. Porém, ainda com margem para oferecer mais oportunidades aos produtos agrícolas e ampliar o mercado dos agricultores locais (Barcus, 2013Barcus, H. (2013). Sustainable development or integrated rural tourism? Considering the overlap in rural development strategies. Journal of Rural and Community Development, 8(3), 127-143. ; Clark & Chabrel 2007Clark, G., & Chabrel, M. (2007). Measuring integrated rural tourism. Tourism Geographies, 9(4), 371-386. ).
A priorização da manutenção das estradas e pontes em boas condições foi consenso entre os pesquisados. Boas estradas ajudam na distribuição da produção agrícola e facilitam o deslocamento dos visitantes (Telfer & Wall, 2000Telfer, D. J., & Wall, G. (2000). Strengthening backward economic linkages: local food purchasing by three Indonesian hotels. Tourism Geographies , 2(4), 421-447.; Torres, 2003Torres, R. (2003). Linkages between tourism and agriculture in Mexico. Annals of Tourism Research , 30(3), 546-566.). Além disso, o turismo também pode contribuir para a permanência dos jovens no meio rural (Clark & Chabrel, 2007Clark, G., & Chabrel, M. (2007). Measuring integrated rural tourism. Tourism Geographies, 9(4), 371-386. ; Souza et al., 2017Souza, R. L., Santos, E. O., & Thomé-Ortiz, H. (2017). O turismo no espaço rural como atividade complementar de geração de renda e ocupação não agrícola no Corede das Hortênsias do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Caderno Virtual de Turismo , 17(1), 171-186. ), mantendo ativa a força de trabalho agrícola.
Os perfis dos visitantes do município privilegiam modalidades turísticas alternativas e são propensos a consumir/comprar os alimentos/produtos locais (Torres, 2003Torres, R. (2003). Linkages between tourism and agriculture in Mexico. Annals of Tourism Research , 30(3), 546-566.; Frisvoll et al., 2016). Os empreendimentos atendiam principalmente a famílias e casais, mas também ciclistas, peregrinos e escaladores (acomodações) e motoqueiros e cavaleiros (restaurantes), sobretudo do estado de São Paulo e da região Sul de Minas. Contudo, o baixo tempo de estadia dos visitantes limita o potencial de consumo (Frisvoll et al., 2016).
Em contraste com as opiniões dos agentes turísticos, fatores naturais afetavam o desempenho agrícola. O relevo montanhoso dificulta a mecanização e exige mais esforço físico e os fenômenos climáticos (como a geada) causam prejuízos às lavouras. A proximidade de áreas naturais conservadas aumenta o contato humano-animais silvestres, e com isso a frequência de invasão a lavouras e ataque aos animais domésticos. Programas de seguro agrícola e de conservação, somados a ações combinadas entre turismo e agricultores, ajudam a enfrentar essas incertezas da agricultura (Lepp, 2007Lepp, A. (2007). Residents’ attitudes towards tourism in Bigodi Village, Uganda. Tourism Management , 28(3), 876-885. ; Nyaupane & Poudel, 2011Nyaupane, G. P., & Poudel, S. (2011). Linkages among biodiversity, livelihood, and tourism. Annals of Tourism Research , 38(4), 1344-1366. ).
O turismo ainda não é capaz de induzir o desenvolvimento econômico dos agricultores. Fatores de ordem estrutural, política e de mercado dificultam a consolidação de vínculos entre agricultores e turismo (Rogerson, 2012Rogerson, C. M. (2012). Tourism-agriculture linkages in rural South Africa: evidence from the accommodation sector. Journal of Sustainable Tourism , 20(3), 477-495.). Por outro lado, a formação de redes locais favorece a conversão dos recursos e habilidades locais em um produto turístico de maior valor agregado capaz de reter os visitantes por um tempo maior (Clark & Chabrel, 2007Clark, G., & Chabrel, M. (2007). Measuring integrated rural tourism. Tourism Geographies, 9(4), 371-386. ; Navarro et al., 2017Navarro, M. M., Iglesias, M. P., & Vinzón, L. (2017). Key variables for developing integrated rural tourism. Tourism Geographies , 19(3), 575-594. ; Saxena et al., 2007Saxena, G., Clark, G., Oliver, T., & Ilbery, B. (2007). Conceptualizing integrated rural tourism. Tourism Geographies , 9(4), 347-370. ).
Emponderamento
O governo local tem apoiado o artesanato local e os manufaturados caseiros (Figura 4) como forma de empoderar as mulheres, com forte divulgação nas mídias online e organização de feiras e cursos. Alguns agricultores relataram situações em que os visitantes queriam conhecer a horta, acompanhar a retirada do leite, comprar frango e ovos caipiras ou colher frutas diretamente no pomar, indicativo do potencial latente do turismo. Essa busca pela ruralidade (Frisvoll et al., 2016) aumenta a autoestima e desperta o sentimento de “orgulho de produzir, de ser produtor rural”, segundo o agricultor que ofertava o TR.
No entanto, as ações institucionais não eram favoráveis ao empoderamento local. Os residentes e agricultores locais não tinham poder de decisão sobre o TER, embora o envolvimento desses atores seja fator imprescendível (Perkins et al., 2020Perkins, R., Khoo-Lattimore, C., & Arcodia, C. (2020). Understanding the contribution of stakeholder collaboration towards regional destination branding: A systematic narrative literature review.Journal of Hospitality and Tourism Management , 43, 250-258. ; Simpson, 2008Simpson, M. C. (2008). Community benefit tourism initiatives: a conceptual oxymoron? Tourism Management , 29(1), 1-18. ). Por exemplo, a Conferência Municipal do Turismo, realizada a cada quatro anos, era a única ação regular com o propósito de promover a participação social na elaboração do plano local de turismo. No entanto, não há uma mobilização social em torno da Conferência, talvez pela natureza consultiva já que, como afirma o diretor de turismo, a comunidade pode “dar opiniões... só que a Prefeitura define quais ações são viáveis”.
O COMTUR tinha baixo engajamento social e pouca influência na alocação de políticas ou recursos. Poucos conselheiros se manisfestavam nas reuniões, com exceção do presidente e diretor de turismo, e as deliberações da plenária, geralmente, não eram encaminhadas. Tampouco, a representatividade é assegurada. O Regimento Interno do COMTUR (2016) Regimento Interno do Conselho Municipal do Turismo - COMTUR - Piranguçu-MG. (2016). Prefeitura Municipal de Piranguçu.não exige, por exemplo, a presença de entidades representantes de agricultores. Também é preciso romper com as discussões genéricas e passar a influenciar na criação de políticas de turismo, além de maior transparência e publicidade das ações.
No geral, os agricultores demonstraram baixa autoestima e projetavam um futuro pior para a atividade agrícola. O alto custo de produção e a baixa valorização dos produtos foram as principais queixas, muitos se viam reféns de mercados desfavoráveis. O governo local ainda não oferece apoio consistente aos agricultores (Vieira & Ribeiro, 2017Vieira, E. T., & Ribeiro, J. A. C. (2017). Desenvolvimento multidimensional: Alternativas para Piranguçu - MG. Revista Espacios, 38(21), 1-32. ). Por exemplo, poucos agricultores eram beneficiados com a assistência governamental, que foi considerada muito especializada na pecuária. De fato, os agricultores locais pouco acessam a assistência técnica ou aderem a financiamentos/empréstimos (IBGE, 2017Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2017). Censo Agropecuário 2017 - Resultados definitivos. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/pirangucu/pesquisa/24/76693
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).
Uma melhor qualidade dos serviços públicos de coleta dos resíduos e de transporte público também foi reinvindicada pelos agricultores, bem como a PMCT afirma o compromisso de “proporcionar aos residentes e aos visitantes as melhores condições possíveis de saneamento público” (Lei n. 1.004, 2013Lei n. 1.004, de 11 de fevereiro de 2013. (2013). Dispõe sobre a política municipal de cultura e turismo no município de Piranguçu. Prefeitura Municipal de Piranguçu.).
Sustentabilidade
O fato de o município estar inserido em um bioma legalmente protegido (Lei n. 11.428, 2006) e, em grande parte, sob domínio de uma unidade de conservação, reforça o compromisso com a sustentabilidade. Medidas devem ser tomadas para reduzir os impactos ambientais e sociais negativos atribuídos ao turismo. Alguns agricultores e a ONG mostraram preocupação com a intensidade do tráfego e a erosão nas trilhas e pastagens provocados pelo motocross, além do acúmulo de lixo e dos riscos de incêndios antrópicos.
Com exceção da PMCT (Lei n. 1.004, 2013Lei n. 1.004, de 11 de fevereiro de 2013. (2013). Dispõe sobre a política municipal de cultura e turismo no município de Piranguçu. Prefeitura Municipal de Piranguçu.), nenhum outro dispositivo legal definia diretrizes e regras para a condução de atividades e projetos turísticos ou fixava mecanismos eficientes de participação. Essa lacuna normativa favorece situações de conflito por não coibir práticas turísticas agressivas e também prejudica a continuidade das ações, pois as prioridades mudam conforme o governo. Por isso, o envolvimento da população local nas decisões é condição elementar para a sustentabilidade do turismo (Ruhanen, 2013Ruhanen, L. (2013). Local government: facilitator or inhibitor of sustainable tourism development?Journal of Sustainable Tourism , 21(1), 80-98.).
As ONGs têm importante papel na conservação e manutenção da paisagem rural (Barcus, 2013Barcus, H. (2013). Sustainable development or integrated rural tourism? Considering the overlap in rural development strategies. Journal of Rural and Community Development, 8(3), 127-143. ). A ONG local contribui com diversas ações nesse sentido, com atividades de educação ambiental, manutenção de viveiro de mudas nativas e realização de oficinas de práticas sustentáveis. Outro exemplo são os artesanatos ecologicamente produzidos a partir de fibras e palhas vegetais, argila local e sementes. O turismo encurta a distância entre agricultores e consumidores, o que reduz a emissão de carbono com o transporte.
A dimensão de sustentabilidade poderia ser incrementada com a promoção de agriculturas ecológicas e a valorização dos produtos localmente produzidos. A agricultura familiar local já priveligia o cultivo orgânico, com baixa dependência de insumos externos, mas com deficiência de práticas conservacionistas de manejo do solo (IBGE, 2017Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2017). Censo Agropecuário 2017 - Resultados definitivos. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/pirangucu/pesquisa/24/76693
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). Também pode-se adotar programas de carbono zero, com plantios de árvores em parceria com a ONG para neutralizar as emissões de carbono geradas nos eventos. Pensando no futuro, a pesquisa alerta para o aumento dos interesses especulativos e da ocupação desordenada, o que acarretará em mudanças na estrutura rural e maior demanda por serviços e recursos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo incluiu uma abordagem multifacetada sobre as interações entre turismo e desenvolvimento rural a partir das dimensões do TRI. O turismo tem mais chance de sucesso quando as particularidades econômica, social, cultural, natural e institucional do local estão integradas. O objetivo foi analisar a percepção dos atores locais sobre o TER, e discutir os fatores que impedem potencializar as vantagens turísticas locais. A pesquisa examinou uma realidade com a agricultura em declínio, mas o setor turístico ainda longe de ser um indutor de desenvolvimento rural, o que, teoricamente, poderia ocorrer com a diversificação da economia rural e de melhorias na qualidade de vida local.
Os principais resultados mostraram que maior vontade política e uma cultura associativa são atitudes chaves para uma governança turística e rural bem-sucedida em Piranguçu. O estágio inicial de desenvolvimento do turismo na área pesquisada alça o governo local ao papel de liderança neste processo, o que não tem acontecido na prática. Aspectos da boa governança, como a presença de instituições e políticas consolidadas e a confiança nas instituições públicas, ainda eram ausentes (Nunkoo, 2017Nunkoo, R. (2017). Governance and sustainable tourism: What is the role of trust, power and social capital?Journal of Destination Marketing & Management , 6(4), 277-285. ). A resistência do governo local em compartilhar as decisões e o baixo nível de informação e comunicação inibem a participação social (Tosun, 2000Tosun, C. (2000). Limits to community participation in the tourism development process in developing countries. Tourism Management , 21, 613-633. ; Nyaupane & Poudel, 2011Nyaupane, G. P., & Poudel, S. (2011). Linkages among biodiversity, livelihood, and tourism. Annals of Tourism Research , 38(4), 1344-1366. ; Saufi et al., 2014Saufi, A., O'Brien, D., & Wilkins, H. (2014). Inhibitors to host community participation in sustainable tourism development in developing countries. Journal of Sustainable Tourism , 22(5), 801-820. ).
A baixa coesão e colaboração entre empreendimentos, a falta de parceria público-privada e a pobre conexão entre empreendimentos turísticos e agricultura familiar local também são fatores limitantes do desenvolvimento integrado. O sucesso do turismo está atrelado ao grau de interação e colaboração em redes das partes interessadas no turismo, embora não seja fácil (Della Corte et al., 2018Della Corte, V., Aria, M., & Del Gaudio, G. (2018). Strategic governance in tourist destinations.International Journal of Tourism Research, 20(4), 411-423. ; Fyall et al., 2012Fyall, A., Garrod, B., & Wang, Y. (2012). Destination collaboration: A critical review of theoretical approaches to a multi-dimensional phenomenon.Journal of Destination Marketing & Management, 1(1-2), 10-26.; Perkins et al., 2020Perkins, R., Khoo-Lattimore, C., & Arcodia, C. (2020). Understanding the contribution of stakeholder collaboration towards regional destination branding: A systematic narrative literature review.Journal of Hospitality and Tourism Management , 43, 250-258. ). As iniciativas cooperativas já existentes precisam ser fortalecidas para atingir as dimensões de rede e empoderamento local e estimular novos arranjos de cooperação e colaboração. Para aumentar o comprometimento das partes interessadas e reduzir os conflitos é imprescindível eliminar as assimetrias de poder, reduzir a desconfiança e aumentar a confiança entre os atores (Della Corte et al., 2018; Nunko, 2017).
O modelo integrado priveligia a pequena escala, característica-chave do contexto analisado. A endogeneidade foi alcançada com a valorização dos recursos turísticos incorporados ao local, mas que precisam ser melhor explorados para dispersar os benefícios do turismo e promover um enraizamento mais profundo. As ligações econômicas internas precisam ser fortalecidas para reter o fluxo de receitas e fornecer uma fonte de renda estável aos agricultores. A avaliação mais crítica foi relacionada ao empoderamento, principalmente pelo pouco controle social. Avanços na sustentabilidade são necessários para mitigar os impactos negativos das atividades turística e agrícola.
A evasão da força de trabalho do meio rural e a taxa de envelhecimento dos agricultores no município vêm crescendo (IBGE, 2017Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2017). Censo Agropecuário 2017 - Resultados definitivos. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/pirangucu/pesquisa/24/76693
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) e alertam para a urgência de revitalizar o meio rural de Piranguçu. A ligação agricultura-turismo é uma oportunidade valiosa de benefícios mútuos (Torres, 2003Torres, R. (2003). Linkages between tourism and agriculture in Mexico. Annals of Tourism Research , 30(3), 546-566.) e potencializar essas relações exige a adoção de um conjunto integrado de ações e políticas. De um lado, é preciso avançar na formulação de instrumentos de planejamento e controle das atividades turísticas, o que necessariamente requer ferramentas eficientes de participação e mecanismos de gestão compartilhada. Também é preciso capacitar os gestores públicos e conselheiros quanto às boas práticas de governança turística. De outro lado, políticas rurais que fomentem a diversificação econômica e a melhoria das condições sociais do meio rural para garantir autonomia e aumentar a sustentabilidade da agricultura local. Ações de apoio técnico e financeiro às práticas agrícolas sustentáveis, de incentivo à agregação de valor dos produtos locais e de facilitação para mercados vantajosos são atalhos sugeridos.
A pesquisa contribui por demonstrar, na prática, o potencial das dimensões do turismo rural integrado em criar conexões com as dinâmicas sócio-econômica e cultural e os recursos locais do destino. Também contribui na criação de políticas e programas para que o turismo possa promover o desenvolvimento rural sustentável do município e de contextos semelhantes na Serra da Mantiqueira. Finalmente, o artigo aponta as limitações e sugere investigações futuras. As limitações da pesquisa estão associadas aos problemas de generalização de um caso único e ao não uso de software de análise de dados qualitativos, que melhoraria a robustez da pesquisa (Çakar & Aykol, 2021Çakar, K., & Aykol, Ş. (2021). Case study as a research method in hospitality and tourism research: A systematic literature review (1974-2020).Cornell Hospitality Quarterly, 62(1), 21-31.). A falta de dados oficiais sobre o turismo também limitou o alcance da pesquisa. Pesquisas futuras podem ser benéficas se: 1) mais intensivas sobre as atitudes e percepções de atores locais e extralocais; 2) aprofundar nas causas que restringem a colaboração e cooperação entre as partes interessadas; 3) a covid-19 lançou novos desafios à governança rural e turística, é necessário avaliar seus efeitos, mapeando as vulnerabilidades e oportunidades
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Jun 2023 -
Data do Fascículo
May-Aug 2023
Histórico
-
Recebido
25 Ago 2022 -
Aceito
09 Dez 2022