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Conhecimento em cuidados paliativos entre estudantes de medicina

Resumo

O objetivo da pesquisa foi verificar o conhecimento em cuidados paliativos entre estudantes de medicina de três instituições do norte de Minas Gerais. Trata-se de estudo transversal e descritivo, realizado com 320 estudantes do 1º, 6º e 11º períodos, no qual se utilizou um instrumento de pesquisa sobre filosofia, dor, dispneia, problemas psiquiátricos, problemas gástricos e comunicação. Avaliaram-se os resultados pela média das porcentagens de acerto, sendo insatisfatório o acerto de até 50%, aceitável entre 51% e 70%, desejável entre 71% e 80%, e excelente acima de 80%. Observou-se aumento de acertos com o avanço dos períodos, mas com médias insatisfatórias ou aceitáveis. Apesar dos estudantes do 11º período terem obtido toda a carga teórica do curso, suas médias de acerto não foram adequadas. Esses resultados evidenciam a necessidade de implementar na graduação em medicina o disposto na Resolução CNE/CES 3/2022, do Conselho Nacional de Educação, a fim de fomentar condutas assertivas relacionadas aos cuidados paliativos.

Palavras-chave
Cuidados paliativos; Conhecimento; Estudantes de medicina

Abstract

The aim of the study was to assess the knowledge of palliative care among medical students at three institutions in northern Minas Gerais. This is a cross-sectional, descriptive study carried out with 320 students from the 1st, 6th and 11th terms, using a survey instrument on philosophy, pain, dyspnea, psychiatric problems, gastric problems and communication. The results were evaluated by the mean percentage of correct answers, with unsatisfactory answers being up to 50%, acceptable between 51% and 70%, desirable between 71% and 80%, and excellent above 80%. The number of correct answers grew as the terms progressed, but with unsatisfactory or acceptable means. Although the students in the 11th term had completed all of the course’s theory, their mean scores were inadequate. These results highlight the need to implement the provisions of CNE/CES Resolution 3/2022 of the National Education Council in undergraduate medical courses to encourage assertive behavior in palliative care.

Keywords
Palliative care; Knowledge; Students, medical

Resumen

Este estudio pretendió identificar los conocimientos en cuidados paliativos entre los estudiantes de medicina de tres instituciones en el norte de Minas Gerais (Brasil). Se realizó un estudio transversal y descriptivo a 320 estudiantes del 1.º, 6.º y 11.º períodos, quienes respondieron un cuestionario sobre filosofía, dolor, disnea, y problemas psiquiátricos, gástricos y de comunicación. El análisis se basó en el promedio de los porcentajes de respuestas correctas: Insatisfactoria (hasta 50%), aceptable (entre 51% y 70%), deseable (entre 71% y 80%) y excelente (por encima del 80%). Conforme avanzaba los períodos, había más respuestas correctas pero con promedios insatisfactorios o aceptables. Aunque los estudiantes del 11.º período cumplieron casi toda la carga del curso, sus promedios de precisión no fueron adecuados. Es necesario implementar en el grado de medicina lo establecido por la Resolución CNE/CES 3/2022 del Consejo Nacional de Educación para fomentar conductas asertivas relacionadas con los cuidados paliativos.

Palabras-clave
Cuidados paliativos; Conocimiento; Estudiantes de medicina

A Organização Mundial da Saúde (OMS) 11. World Health Organization. Integrating palliative care and symptom relief into responses to humanitarian emergencies and crises: a WHO guide [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [acesso 23 abr 2024]. Disponível: https://apps.who.int/iris/handle/10665/274565
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definiu inicialmente cuidados paliativos (CP) como a assistência holística oferecida a pacientes oncológicos, tendo em vista os cuidados prestados na terminalidade. Posteriormente, o conceito foi revisto e ampliado, incluindo todas as doenças crônicas e programas que atendem idosos. Atualmente, CP são descritos como cuidados holísticos ativos prestados a pessoas de todas as idades que se encontram em intenso sofrimento relacionado à saúde, especialmente para aquelas que estão no final da vida 22. Radbruch L, De Lima L, Knaul F, Wenk R, Ali Z, Bhatnaghar S et al. Redefining palliative care: a new consensus-based definition. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2020 [acesso 23 abr 2024];60(4):754-64. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2020.04.027
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,33. Carvalho RT, Correa TL. Palliative medicine: 10 years as an area of medical practice in Brazil. Rev Assoc Méd Bras [Internet]. 2022 [acesso 23 abr 2024];68(12):1607-10. DOI: 10.1590/1806-9282.20220949
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.

Apesar de divergências encontradas na literatura sobre como e quando iniciar os CP, integrar tais cuidados simultaneamente à medicina curativa pode auxiliar no controle de sintomas e na melhora da qualidade de vida, independentemente do prognóstico ou estágio da doença 22. Radbruch L, De Lima L, Knaul F, Wenk R, Ali Z, Bhatnaghar S et al. Redefining palliative care: a new consensus-based definition. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2020 [acesso 23 abr 2024];60(4):754-64. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2020.04.027
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,44. Florêncio RS, Cestari VRF, Souza LC, Flor AC, Nogueira VP, Moreira TMM et al. Palliative care amidst the COVID-19 pandemic: challenges and contributions. Acta Paul Enferm [Internet]. 2020 [acesso 23 abr 2024];33(6):eAPE2020018. DOI: 10.37689/acta-ape/2020AO01886
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. Estudantes que entram em contato com CP durante a graduação desenvolvem competências para a assistência ampliada em todas as fases da vida do paciente 55. Castro AA, Taquette SR, Pereira CAR. Palliative care and medical education: systematic review. Research, Society and Development [Internet]. 2021 [acesso 18 jun 2023];10(1):e50210111976. DOI: 10.33448/rsd-v10i1.11976
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.

As Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em medicina de 2014 66. Brasil. Ministério da Educação. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 2014 [acesso 18 jun 2023]. Disponível: https://bit.ly/4aEpOsV
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preconizam que a promoção de saúde e a compreensão dos processos fisiológicos dos seres humanos, como gestação, nascimento, crescimento, desenvolvimento, envelhecimento e morte, devem fazer parte dos conteúdos curriculares e do projeto pedagógico do curso 77. Mendes PB, Pereira AA, Barros IC. Bioética e cuidados paliativos na graduação médica: proposta curricular. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2021 [acesso 18 jun 2023];29(3):534-42. DOI: 10.1590/1983-80422021293489
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. Nesse mesmo sentido, as normativas para a organização de CP no Sistema Único de Saúde têm como um de seus objetivos aprimorar a instituição de disciplinas e conteúdos programáticos sobre terminalidade durante a graduação e especialização de profissionais de saúde 88. Quintiliano KMS, Soares FJP. Definição de competências em cuidados paliativos na formação do médico generalist. New Trends in Qualitative Research [Internet]. 2020 [acesso 18 jun 2023];3:175-87. DOI: 10.36367/ntqr.3.2020.175-187
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,99. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 1, de 25 de julho de 2022. Dispõe sobre normas referentes à revalidação de diplomas de cursos de graduação e ao reconhecimento de diplomas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), expedidos por estabelecimentos estrangeiros de ensino superior. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 26 jul 2022 [acesso 18 jun 2023]. Disponível: https://bit.ly/3V3osSL
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.

Dessa forma, incluir a medicina paliativa de maneira sistematizada na formação dos estudantes atualmente é um desafio para as escolas médicas, e, devido ao aumento da longevidade, profissionais capacitados em CP são necessários para minimizar o sofrimento da crescente população 1010. Santos CE, Campos LS, Barros N, Serafim JA, Klug D, Cruz RP. Palliative care in Brasil: present and future. Rev Assoc Méd Bras [Internet]. 2019 [acesso 18 jun 2023];65(6):796-800. DOI: 10.1590/1806-9282.65.6.796
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.

Considerando o conhecimento em CP como um pilar na atenção clínica e na promoção à saúde, a incipiência de seu ensino nas escolas médicas do Brasil forma um paradigma acerca do aprendizado efetivo dos acadêmicos sobre o tema ao longo de sua formação. Diante disso, este estudo teve como objetivo verificar os conhecimentos específicos sobre CP de estudantes de medicina de três instituições do norte de Minas Gerais, nos períodos inicial, intermediário e final da graduação.

Método

Trata-se de estudo transversal, quantitativo, descritivo, realizado com acadêmicos do 1º, 6º e 11º períodos de três faculdades de medicina de Montes Claros/MG, sendo uma pública e duas particulares. A instituição pública tem cerca de 110 acadêmicos, uma das instituições particulares apresenta aproximadamente 180 estudantes, e a outra, cerca de 160.

Os questionários foram respondidos pelos acadêmicos durante os intervalos das aulas, de forma que a participação na pesquisa não comprometeu as aulas teóricas, práticas ou teórico-práticas das turmas selecionadas. Foi explicada a natureza do estudo, e os alunos que concordaram em participar assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, autorizando a utilização dos dados para fins de pesquisa e, em seguida, responderam aos instrumentos de coleta.

Foram excluídos do estudo acadêmicos do 1º período menores de 18 anos, os que não foram encontrados nos intervalos após três tentativas, os que não estavam frequentando regularmente o curso médico devido a trancamento de matrícula e aqueles cujos questionários não estavam totalmente preenchidos. Com aproximadamente 30% de perdas, a amostra compõe-se de 320 alunos.

Além de dados sociodemográficos referentes ao perfil do estudante, como idade, sexo, período do curso, instituição em que está matriculado (pública ou privada) e religião, o questionário continha o instrumento Palliative Care Knowledge Test (PCKT) 1111. Nakazawa Y, Miyashita M, Morita T, Umeda M, Oyagi Y, Ogasawara T. The palliative care knowledge test: reliability and validity of an instrument to measure palliative care knowledge among health professionals. Palliat Med [Internet]. 2009 [acesso 18 jun 2023];23(8):754-66. DOI: 10.1177/0269216309106871
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Foi utilizada uma versão modificada por Conceição e colaboradores 1212. Conceição MV, Vasconcelos MCC, Telino CJCL, Guedes EVB, Pimentel DMM. Conhecimento sobre cuidados paliativos entre médicos residentes de hospital universitário. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2019 [acesso 18 jun 2023];27(1):134-42. DOI: 10.1590/1983-80422019271296
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, composta por seis domínios (filosofia, dor, dispneia, problemas psiquiátricos, problemas gastrointestinais e comunicação), totalizando 23 questões com três opções de respostas: “verdadeiro”, “falso” e “não sei”. Os resultados foram avaliados pela percentagem de acertos nos seis domínios, sendo considerado insatisfatório até 50%, aceitável quando entre 51% e 70%, desejável se entre 71 e 80%, e excelente se maior que 80% 1212. Conceição MV, Vasconcelos MCC, Telino CJCL, Guedes EVB, Pimentel DMM. Conhecimento sobre cuidados paliativos entre médicos residentes de hospital universitário. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2019 [acesso 18 jun 2023];27(1):134-42. DOI: 10.1590/1983-80422019271296
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Os dados foram analisados de forma descritiva (média, desvio-padrão [DP], variabilidade, frequência absoluta e relativa). As respostas dos conhecimentos específicos foram calculadas conforme a indicação correta e comparadas com a média aritmética dos domínios e períodos por meio do programa estatístico IBM SPSS 20.0.

Resultados

Pertenciam às instituições particulares 72,8% dos estudantes e 27,2% à instituição pública; 40,9% estavam no 1º período, 36,3% no 6º período e 22,8% no 11º período. A média de idade dos participantes foi de 22,5 anos (DP=3,7) com idade mínima de 18 e máxima de 45 anos. Quanto ao sexo, 61,3% eram mulheres.

Na avaliação dos conhecimentos específicos em CP (Quadro 1), notou-se média de acertos insatisfatória nos domínios dispneia (16,9%), problemas gastrointestinais (17,4%), dor (29,7%) e problemas psiquiátricos (33,9%). Os domínios comunicação (69,7%) e filosofia (82,2%) foram considerados aceitável e desejável, respectivamente.

Quadro 1
Itens analisados com a resposta correta e porcentagem de acertos correspondente

Na análise entre períodos, observou-se maior número de acertos no 11º período em quase todos os domínios, exceto em filosofia e comunicação, com mais acertos no 6º período. Notou-se, de modo geral, progressão das porcentagens de acertos dos períodos finais em relação aos iniciais, conforme evidenciado no Quadro 2.

Quadro 2
Médias de acertos e classificação por domínios segundo os períodos

Discussão

Os participantes apresentaram pouco conhecimento a respeito dos conceitos de CP, havendo pequena diferença na progressão desses saberes entre os períodos iniciais e finais. Além disso, demonstraram inaptidão para lidar com demandas específicas do paciente que não tem tratamento modificador de doença disponível.

A fragmentação da medicina, evidenciada pelo surgimento de múltiplas especialidades e subespecialidades, acarreta despreparo para lidar com o indivíduo em todas as suas dimensões 11. World Health Organization. Integrating palliative care and symptom relief into responses to humanitarian emergencies and crises: a WHO guide [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [acesso 23 abr 2024]. Disponível: https://apps.who.int/iris/handle/10665/274565
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33. Carvalho RT, Correa TL. Palliative medicine: 10 years as an area of medical practice in Brazil. Rev Assoc Méd Bras [Internet]. 2022 [acesso 23 abr 2024];68(12):1607-10. DOI: 10.1590/1806-9282.20220949
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. Muitas vezes, essa realidade é reproduzida no ambiente universitário, em que há limitação do conteúdo programático da graduação, sendo desconsiderados aspectos como manejo da terminalidade e comunicação de más notícias 1414. Kanashiro ACS, Grandini RICM, Guirro ÚBP. Cuidados paliativos e o ensino médico mediado por tecnologias: avaliação da aquisição de competências. Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2021 [acesso 18 jun 2023];45(4):e199. DOI: 10.1590/1981-5271v45.4-20210254
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. Essa situação cria um distanciamento entre médico e paciente, fazendo que, no momento em que a técnica não é mais eficaz e o enfermo se encontra próximo da morte, sem perspectiva de cura, o profissional não consiga ofertar o cuidado necessário 1515. Tritany EF, Souza Filho BAB, Mendonça PEX. Fortalecer os cuidados paliativos durante a pandemia de Covid-19. Revista Interface Com Saúde Educ [Internet]. 2021 [acesso 18 jun 2023];25(supl 1):e200397. DOI: 10.1590/Interface.200397
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.

Estudo realizado na Universidade Federal de Sergipe 1616. Vasconcelos MCC. Avaliação do conhecimento sobre cuidados paliativos entre estudantes de medicina de uma universidade no nordeste do Brasil [TCC] [Internet]. Aracaju: Universidade Federal Sergipe; 2017 [acesso 18 jun 2023]. Disponível: http://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/7451
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, com 135 estudantes do 9º ao 12º período e utilizando o mesmo instrumento desta pesquisa, apresentou menor frequência de respostas positivas nos domínios sobre dispneia e problemas gastrointestinais. Houve maior frequência de acertos em filosofia e comunicação, que apresentavam conceitos mais amplos e respostas intuitivas, e maior variabilidade na porcentagem de respostas certas no domínio da dor. A similaridade dos resultados indica que os dados obtidos neste estudo fazem parte de um padrão que se replica na formação médica.

Outro estudo 1717. Orth LC, Haragushiku EY, Freitas ICS, Hintz MC, Marcon CEM, Teixeira JF. Conhecimento do acadêmico de medicina sobre cuidados paliativos. Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2019 [acesso 18 jun 2023]; 43(supl 1):286-95. DOI: 10.1590/1981-5271v43suplemento1-20190039
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, realizado na Universidade do Sul de Santa Catarina com 188 estudantes entre o 9º e o 12º período, verificou que mais da metade sentiam-se despreparados para lidar com doenças que ameaçam a vida e com o luto dos familiares. Pouco mais de 20% disseram já ter ouvido falar de CP, porém consideraram não ter conhecimento sobre o tema, e cerca de 84% afirmaram não ter adquirido, ao longo da graduação, a formação necessária para realizar o cuidado de pacientes em processo de morte. Desse modo, em equivalência com este trabalho, é possível notar o baixo impacto que a graduação exerceu na aquisição dos conhecimentos em CP pelos alunos.

Pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa, realizada com 180 estudantes de várias faculdades médicas do Brasil, cursando os quatro últimos períodos da graduação, ratificou esses mesmos achados 1818. Sousa MNA, Roriz MIRC. Avaliação do conhecimento de estudantes de medicina sobre dor em cuidados paliativos. Brazilian Journal of Health Review [Internet]. 2021 [acesso 18 jun 2023];4(1):3525-36. DOI: 10.34119/bjhrv4n1-275
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. Sobre o manejo da dor, 73% disseram que, durante o curso, não obtiveram o conhecimento necessário para tratar sintomas álgicos. Mais de dois terços não tiveram disciplina específica sobre o assunto e não receberam informações sobre o cuidado de pacientes terminais (83%) nem sobre a terapêutica de sintomas comuns como dispneia, vômitos, constipação e caquexia (81%).

Esses dados sugerem que a falta de base teórica sobre o manejo dos sintomas mais habituais de pacientes em CP gera despreparo e insegurança nos estudantes de medicina para tratar de pacientes terminais.

Outro estudo qualitativo abordou acadêmicos de várias áreas da saúde, dos quais 21 cursavam do 6º ao 12º período de medicina 1919. Dominguez RGS, Freire ASV, Lima CFM, Campos NAS. Cuidados paliativos: desafios para o ensino na percepção de acadêmicos de enfermagem e medicina. Rev Baiana Enferm [Internet]. 2021 [acesso 18 jun 2023];35:e38750. DOI: 10.18471/rbe.v35.38750
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. Foram elaborados questionamentos dissertativos a respeito dos desafios de comunicação e de como lidar com a morte. Na observação dos resultados, destacam-se a insegurança e a inaptidão dos estudantes em estabelecer um bom canal de comunicação para transmitir notícias difíceis, habilidade que é um dos pilares do atendimento holístico preconizado pela diretriz de CP de 2018 da OMS 11. World Health Organization. Integrating palliative care and symptom relief into responses to humanitarian emergencies and crises: a WHO guide [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [acesso 23 abr 2024]. Disponível: https://apps.who.int/iris/handle/10665/274565
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.

Em estudo longitudinal prospectivo realizado em uma universidade de São Luís/MA 2020. Braide CSL, Leal PDC, Souza MHSL. Avaliação do grau de conhecimento sobre cuidados paliativos e dor dos estudantes de medicina em uma faculdade particular de São Luís/MA. Revista de Investigação Biomédica [Internet]. 2019 [acesso 18 jun 2023];10(3):207-18. DOI: 10.24863/rib.v10i3.314
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, foram abordados 232 acadêmicos do 1º ao 12º período. Observou-se que, no período inicial, 76,2% diziam não ter adquirido conhecimento suficiente para controlar os sintomas de pacientes em CP, desconhecendo efeitos, doses e mecanismo de ação dos medicamentos utilizados. Essa insegurança manteve-se no 6º período, com apenas 35% dos alunos sentindo-se aptos a cuidar dos pacientes em CP.

No 11º período, houve melhora, com 58,8% dos participantes afirmando estar seguros para prescrever as medicações indicadas na terapêutica da dor desses pacientes. No entanto, é importante salientar que cerca 40% dos estudantes do último ano de graduação declararam-se inaptos para lidar com essas demandas na assistência direta ao doente 2020. Braide CSL, Leal PDC, Souza MHSL. Avaliação do grau de conhecimento sobre cuidados paliativos e dor dos estudantes de medicina em uma faculdade particular de São Luís/MA. Revista de Investigação Biomédica [Internet]. 2019 [acesso 18 jun 2023];10(3):207-18. DOI: 10.24863/rib.v10i3.314
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. Esses dados mostram que, embora o curso tenha exercido algum impacto sobre o conhecimento em CP, a formação nesse tema oferecida na graduação médica ainda precisa ser aprimorada.

Essa deficiência na formação médica não diz respeito somente à amostra deste estudo, mas também a outras escolas de medicina, como já demonstrado em estudos anteriores 1616. Vasconcelos MCC. Avaliação do conhecimento sobre cuidados paliativos entre estudantes de medicina de uma universidade no nordeste do Brasil [TCC] [Internet]. Aracaju: Universidade Federal Sergipe; 2017 [acesso 18 jun 2023]. Disponível: http://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/7451
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17. Orth LC, Haragushiku EY, Freitas ICS, Hintz MC, Marcon CEM, Teixeira JF. Conhecimento do acadêmico de medicina sobre cuidados paliativos. Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2019 [acesso 18 jun 2023]; 43(supl 1):286-95. DOI: 10.1590/1981-5271v43suplemento1-20190039
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18. Sousa MNA, Roriz MIRC. Avaliação do conhecimento de estudantes de medicina sobre dor em cuidados paliativos. Brazilian Journal of Health Review [Internet]. 2021 [acesso 18 jun 2023];4(1):3525-36. DOI: 10.34119/bjhrv4n1-275
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19. Dominguez RGS, Freire ASV, Lima CFM, Campos NAS. Cuidados paliativos: desafios para o ensino na percepção de acadêmicos de enfermagem e medicina. Rev Baiana Enferm [Internet]. 2021 [acesso 18 jun 2023];35:e38750. DOI: 10.18471/rbe.v35.38750
https://doi.org/10.18471/rbe.v35.38750...
-2020. Braide CSL, Leal PDC, Souza MHSL. Avaliação do grau de conhecimento sobre cuidados paliativos e dor dos estudantes de medicina em uma faculdade particular de São Luís/MA. Revista de Investigação Biomédica [Internet]. 2019 [acesso 18 jun 2023];10(3):207-18. DOI: 10.24863/rib.v10i3.314
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. Considerando que a maioria dos alunos refere não ter recebido educação satisfatória em temas elementares de CP, tais como dor e dispneia, é preciso fomentar medidas que visem intervir de forma eficaz na formação médica. O modo mais direto de realizar essa mudança é a implementação de disciplinas específicas que abordem a temática durante a graduação, com ensino direcionado e claro a respeito do tema.

Após a realização deste trabalho, em novembro de 2022, foi publicada no Diário Oficial da União a Resolução CNE/CES 3/2022, do Conselho Nacional de Educação 2121. Brasil. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 3, de 3 de novembro de 2022. Altera os Arts. 6º, 12 e 23 da Resolução CNE/CES nº 3/2014, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 7 nov 2022 [acesso 28 maio 2024]. Disponível: https://bit.ly/3R4z0jr
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. Esse dispositivo altera artigos pré-existentes das Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em medicina 66. Brasil. Ministério da Educação. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 2014 [acesso 18 jun 2023]. Disponível: https://bit.ly/4aEpOsV
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, estabelecendo que estudantes de medicina devem ter acesso aos princípios em CP para que possam oferecer boa assistência ao paciente terminal. Embora não tenha estabelecido a obrigatoriedade de uma disciplina específica a respeito do tema, o documento abre novas possibilidades para a institucionalização do ensino da medicina paliativa nas universidades.

É válido ressaltar que a extensão deste trabalho permeou vários aspectos da graduação, levando em consideração desde questionamentos filosóficos até aspectos referentes ao tratamento de sintomas da terminalidade, de modo a tentar atenuar vieses que poderiam surgir durante a execução da pesquisa. Algumas limitações foram observadas, como dificuldade em captar alunos devido à extensão do formulário e à incompatibilidade de horários, além do preenchimento incorreto do formulário, aumentando o percentual de perdas da amostra, que se aproximou de 30%.

Ademais, como se trata de um estudo transversal, não foi possível avaliar a mudança ou permanência do padrão encontrado ao longo do tempo em um mesmo grupo em estágios diferentes da graduação. Sendo assim, a realização de uma pesquisa longitudinal, principalmente após a promulgação da Resolução citada, permitiria uma análise mais criteriosa a respeito da aquisição de conhecimento em CP no cenário atual.

Considerações finais

A maior parcela dos acadêmicos considerou não ter recebido conhecimento em CP durante a graduação, e apenas parte muito pequena apresentou resultados satisfatórios nos questionamentos específicos sobre o manejo dos sintomas terminais. Isso evidencia a necessidade da implementação da Resolução CNE/CES 3/2022 2121. Brasil. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 3, de 3 de novembro de 2022. Altera os Arts. 6º, 12 e 23 da Resolução CNE/CES nº 3/2014, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 7 nov 2022 [acesso 28 maio 2024]. Disponível: https://bit.ly/3R4z0jr
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na formação dos médicos brasileiros, a fim de fomentar condutas corretas e assertivas no cuidado de pacientes sem possibilidade de cura.

Agradecimentos

Agradecemos especialmente ao programa de iniciação científica Prociência, do Centro Universitário do Norte Minas, por incentivar esta produção científica.

Referências

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  • Aprovação CEP-Uninorte 3.294.506

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    05 Jul 2023
  • Revisado
    23 Abr 2024
  • Aceito
    02 Maio 2024
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