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VARIABILIDADE ESPACIAL DA GERAÇÃO E CONECTIVIDADE DE SEDIMENTOS EM BACIAS DE UHES

VARIABILIDAD ESPACIAL DE LA GENERACIÓN Y CONECTIVIDAD DE SEDIMENTOS EN CUENCAS DE UHES

Resumo

O conhecimento da variabilidade espacial de produção e transporte de sedimentos permite identificar com considerável precisão (distintas situações quanto) áreas críticas quanto à geração e fluxo de materiais detríticos em bacias hidrográficas. Este artigo tem como objetivo relacionar a variabilidade espacial da perda de solos e a conectividade de sedimentos em uma bacia de contribuição do reservatório da usina hidrelétrica de Batalha no município de Cristalina (GO). A metodologia compreendeu a correlação espacial bivariada entre as estimativas de produção (MUSLE) e o Índice de Conectividade (IC) aplicados em escala de vertente na área de contribuição da bacia. Os resultados indicam a configuração de quatro padrões espaciais: baixa produção e baixo índice de conectividade na maior parte da área, compreendendo as porções mais elevadas e planas; baixa produção e elevado índice de conectividade nas imediações das nascentes e dos canais de drenagem; alta produção e baixo índice de conectividade nas porções mais elevadas, íngremes e distantes; e alta produção e elevada conectividade, predominando nas porções mais íngremes e próximas dos canais ou mesmo naquelas mais distantes e conectadas ao canal, nesta última situação via linhas de fluxo de escoamento superficial mais intenso. Neste sentido, destaca-se a importância desta metodologia na identificação de áreas críticas e, portanto, prioritárias para implantação de medidas atenuantes dos impactos decorrentes de processos erosivos hídricos.

Palavras-chave:
Erosão Hídrica; Aporte de Sedimentos; Áreas Críticas; Reservatórios.

Resumen

El conocimiento de la variabilidad espacial de la producción y el transporte de sedimentos permite identificar con bastante precisión diferentes situaciones de generación y flujo de materiales detríticos en cuencas hidrográficas. Este artículo tiene como objetivo relacionar la variabilidad espacial de la pérdida de suelo y la conectividad de los sedimentos en una cuenca de aportación del embalse de la central hidroeléctrica de Batalha, en el municipio de Cristalina, Goiás, Brasil. La metodología consistió en la correlación espacial bivariada entre las estimaciones de producción (MUSLE) y el Índice de Conectividad (IC), aplicados a escala de ladera en el área de contribución de la cuenca. Los resultados indican la configuración de cuatro patrones espaciales: baja producción y bajo índice de conectividad en la mayor parte del área, que comprende las porciones más altas y planas; baja producción y alto índice de conectividad en las proximidades de los manantiales y canales de drenaje; alta producción y bajo índice de conectividad en las porciones más altas, empinadas y distantes; y alta producción y alta conectividad que prevalecen en las porciones más empinadas y cercanas a los canales o incluso en las más distantes y conectadas al canal, en esta última situación a través de líneas de flujo de escorrentía superficial más intensas. En este sentido, se destaca la importancia de esta metodología en la identificación de áreas críticas y, por lo tanto, prioritarias para la implementación de medidas de mitigación de los impactos resultantes de los procesos hídricos erosivos.

Palabras-clave:
Erosión hídrica; Contribución de sedimentos; Áreas críticas; Embalses.

Abstract

The knowledge of the spatial variability of the generation and transport of sediments allows the identification with considerable precision critical areas regarding the generation and flow of detrital materials in watersheds. This paper aims to relate the spatial variability of soil loss and sediment connectivity in a contribution basin of the Batalha Hydroelectric Power Plant reservoir in the municipality of Cristalina (GO). The methodology comprised the bivariate spatial correlation between production estimates (MUSLE) and the Connectivity Index (CI) applied at a slope scale in the basin's contribution area. The results indicate the configuration of four spatial patterns: low production and low connectivity index in most of the area, comprising the higher and flatter portions; low production and high connectivity index in the vicinity of springs and drainage channels; high production and low connectivity index in the higher, steeper and more distant portions; and high production and high connectivity, predominating in the steepest portions and closest to the channels or even in those portions that are more distant but are connected to the channel, in the latter situation via more intense surface runoff flow lines. In this sense, the importance of this methodology is highlighted in the identification of critical areas, which are priority areas for the implementation of mitigating measures of the impacts resulting from hydric erosive processes.

Keywords:
Water Erosion; Sediment Contribution; Critical Areas; Water Reservoirs.

INTRODUÇÃO

O conhecimento acerca da variabilidade espaço-temporal das taxas de desagregação dos solos e a dinâmica de sedimentos em bacias hidrográficas, em especial aquelas com estruturas destinadas ao uso múltiplo das águas, sempre foi de grande importância ao longo da história das civilizações (LIU et al., 2017LIU, C. et al. Sediment Problems and Strategies for their Management - Experience from several large river basins. International Hydrological Programme - UNESCO. Paris: UNESCO, 2017. 16 p.). Isso porque essas grandes estruturas, além de regular a vazão dos rios, atenuando os efeitos da sazonalidade climática e garantindo água nos períodos de estiagem, passaram a adquirir, ao longo de suas existências, novos significados em decorrência de sua importância como fonte de abastecimento, geração de energia, dentre tantas outras atividades relacionadas à dinamização econômica na área de influência de suas instalações (PHUONG; SHRESTHA; CHUONG, 2017PHUONG. T. T.; SHRESTHA, R. P.; CHUONG, H. V. Simulation of soil erosion risk in the upstream area of Bo River watershed - Chapter 6. In: SHIVAKOTI, G. P. et al. (Ed.). Re-defining diversity and dynamism of natural resource management in Asia. Amsterdam: Elsevier, 2017. p. 87 - 100. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-805452-9.00006-0.
https://doi.org/10.1016/B978-0-12-805452...
; MORRIS, 2020MORRIS, G. L. Classification of management alternatives to combat reservoir sedimentation. Water, v. 12, n. 861, p. 1 - 24, 2020. https://doi.org/10.3390/w12030861.
https://doi.org/10.3390/w12030861...
; THOMAS et al., 2020THOMAS, K. et al. Evaluation of the SEdiment Delivery Distributed (SEDD) model in the Shihmen Reservoir Watershed. Journal Sustainability, n. 12, v. 6221, p. 1 - 22, 2020. https://doi.org/10.3390/su12156221.
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).

Os modelos espaço-temporais resultam da necessidade de preenchimento dos vazios espaciais e temporais decorrentes da impossibilidade de trabalhos com total levantamento direto em campo. Trata-se de uma alternativa pensada com base em evidências e estruturada por meio de variáveis contínuas e consideradas mais importantes, apoiadas em dados coletados de forma direta e indiretamente, e complementados por diferentes modos de constatação em campo (COLMAN et al., 2018COLMAN, C. B. et al. Diferentes abordagens para estimar a produção de sedimentos em uma bacia hidrográfica tropical. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 23, e. 47, p. 1 - 9, 2018. https://doi.org/10.1590/2318-0331.231820170178.
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; CORRÊA; CRUZ, 2010CORRÊA, C. M. C.; CRUZ, J. Erosão real e estimada através da RUSLE em estradas florestais, em relevo ondulado a fortemente ondulado. Revista Árvore. v. 34, n. 4, p. 587 - 595, 2010. https://doi.org/10.1590/S0100-67622010000400003.
https://doi.org/10.1590/S0100-6762201000...
; EZZAOUINI et al., 2020EZZAOUINI, M. A. et al. Comparison of the MUSLE model and two years of solid transport measurement, in the Bouregreg Basin, and impact on the sedimentation in the Sidi Mohamed Ben Abdellah Reservoir, Morocco. Water, v. 12, n. 1882, p. 1-27, 2020. https://doi.org/10.3390/w12071882.
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; HARMON et al., 2019HARMON, B. A.et al. s.sim.terrain 1.0: a landscapes evolution model with dynamic Hidrology. Geoscientific Model Development. v. 12, p. 2837-2854. 2019. https://doi.org/10.5194/gmd-12-2837-2019.
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; MITASOVA et al., 1996MITASOVA, H. et al. Modelling topographic potential for erosion and deposition using GIS. International Journal of Geographical Information Systems, v. 10, n. 5, p. 629 - 641, 1996. http://dx.doi.org/10.1080/02693799608902101.
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). Ainda que se tratem de modelos preditivos, com eventuais discrepâncias face à realidade que possa ser observada em campo, quando aplicados em grandes áreas, se tornam significativos, pois a abrangência espacial e temporal também implica em ganho de eficiência. Os processos erosivos que ocorrem na superfície terrestre são extremamente complexos e ainda não suficientemente compreendidos, tornando sua predição quantitativa importante para a avaliação, especialmente, quando áreas extensas são analisadas (MITASOVA et al., 2013MITASOVA, H. et al. GIS-Based Soil Erosion modeling. In: John F. Shrorder (Ed). Treatise on Geomorfology, v. 3, p. 228-258. San Diego: Academic Press. 2013. http://dx.doi.org/10.1016/B978-0-12-374739-6.00052-X.
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).

Dentre os modelos sedimentológicos mais utilizados na maioria dos países, pode-se destacar a Equação Universal de Perda de Solos Modificada (MUSLE), que após diversas adaptações, apresenta larga aplicação e desempenho satisfatório para as mais diversas condições ambientais (AREKHI; SHABANI; ROSTAMIZAD, 2011AREKHI, S.; SHABANI, A.; ROSTAMIZAD, G. Application of the modified universal soil loss equation (MUSLE) in prediction of sediment yield (Case study: Kengir Watershed, Iran). Arabian Journal of Geosciences. v. 5. n. 6. p. 1259 - 1267. 2011. https://doi.org/10.1007/s12517-010-0271-6.
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; BENAVIDEZ et al., 2018BENAVIDEZ, R. et al. A review of the (Revised) Universal Soil Loss Equation (RUSLE): with a view to increasing its global applicability and improving soil loss estimates. Hydrology and Earth System Sciences, v. 22, p. 6059 - 6086, 2018. https://doi.org/10.5194/hess-22-6059-2018.
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; SADEGHI et al., 2014SADEGHI, S. H. R. et al. A review of the application of the MUSLE model worldwide. Hydrological Sciences Journal. v. 59. n. 2. p. 365 - 375. 2014. https://doi.org/10.1080/02626667.2013.866239.
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). Trata-se de um modelo destinado a estimar as perdas de solo por evento pluviométrico, cujo desenvolvimento teve início nos anos 1960 pelo Serviço de Conservação do Solo do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (SCS - USDA) e desde então vem sendo aprimorado, bem como modificado para diversas condições geográficas (KITAHARA et al., 2002KITAHARA, H. et al. Application of Universal Soil Loss Equation (USLE) to Mountainous Forests in Japan. Journal of Forest Research, v. 5, p. 231 - 236, 2002. https://doi.org/10.1007/BF02767115.
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). Quando devidamente aplicada, essa equação permite identificar áreas potencialmente erodíveis e, por consequência, propícias à geração de sedimentos (SILVA, 2004SILVA, V. C. Estimativa da erosão atual da bacia do rio Paracatu (MG/GO/DF). Pesquisa Agropecuária Tropical, v. 34, n. 3, p. 147 - 159, 2004. https://doi.org/10.5216/pat.v34i3.2308
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). Sua avaliação auxilia na determinação de manejo e práticas conservacionistas mais adequadas visando a redução da perda de solos.

Considerando o exposto, o presente trabalho tem como objetivo estimar e relacionar a variabilidade espacial da perda de solos com o Índice de Conectividade (IC) de sedimentos na área de contribuição da bacia, bem como avaliar o resultado da interação dessas duas importantes variáveis na configuração de possíveis áreas críticas quanto à geração e ao transporte de sedimentos em uma bacia hidrográfica afluente do ribeirão São Firmino no município de Cristalina - GO.

MATERIAIS E MÉTODO

LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDOS

A área de pesquisa compreende uma bacia hidrográfica afluente da margem direita do rio São Firmino, afluente do rio São Marcos, no município de Cristalina em Goiás, conforme apresentado na Figura 1. As partes mais elevadas, em formas residuais e planas, são sustentadas por Coberturas Detrito-Lateríticas Ferruginosas, compostas por aglomerados, lateritas, areia e argila. Os segmentos intermediários e mais íngremes estão associados à dissecação do Grupo Canastra - Formação Paracatu com o predomínio de rochas como sericita filito e filito carbonoso. Estes segmentos transicionam para as partes mais rebaixadas, planas e já concavizadas, com a ocorrência de Depósitos Aluvionares compostos por cascalho e areia (MOREIRA et al., 2008MOREIRA, M. L. O. et al. (Orgs.). Geologia do estado de Goiás e Distrito Federal: texto explicativo do mapa geológico do estado de Goiás e Distrito Federal. Goiânia: CPRM; SIC - FUNMINERAL, 2008. 143 p.).

Figura 1
Localização da área de pesquisa na margem direita do ribeirão São Firmino, afluente da bacia do rio São Marcos em Cristalina - GO.

Correlacionando a leitura e interpretação dos trabalhos de Resende (2016)RESENDE, M. J. G. Classes de solos dos municípios goianos - 2016. Goiânia: Emater - Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária, 2016. 57 p., Rosa et al. (2018)ROSA, L. E. et al. Atributos para mapeamento digital de solos: o estudo de caso na bacia do ribeirão Arrojado, município de Cristalina - Goiás. In: OLIVEIRA, A. C. (Ed.). Elementos da natureza e propriedades do solo. Ponta Grossa: Atena Editora. 2018. p. 69 - 82. https://doi.org/10.22533/at.ed.653182002.
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e IBGE (2018)IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mapeamento de recursos naturais do Brasil escala 1:250.000. Documentação técnica geral, 2018, 8 p. Disponível em . Acesso em 10 fevereiro 2021., com variáveis morfométricas e morfográficas do terreno, destaca-se que nas áreas mais elevadas e residuais predomina o PLINTOSSOLO PÉTRICO Concrecionário, com textura variando de argilosa a cascalhenta, seguido, por vezes, por segmentos íngremes com a ocorrência de NEOSSOLO LITÓLICO Distrófico de textura arenosa a cascalhenta.

Em posições mais rebaixadas encontram-se áreas mais planas com o predomínio de LATOSSOLO VERMELHO-AMARELO e, em maior ocorrência, LATOSSOLO VERMELHO, ambos Distróficos e de textura variando de argilosa a muito argilosa. Passando para patamares ainda mais rebaixados e dissecados, tem-se o predomínio de CAMBISSOLO HÁPLICO Ta Distrófico de textura argilosa a média, substituído por vezes, quando em segmentos mais íngremes, ao NEOSSOLO LITÓLICO de textura arenosa a cascalhenta, ocorrendo em áreas mais isoladas. Encerrando, tem-se o predomínio de NEOSSOLO FLÚVICO Tb Distrófico ao longo da planície com baixo gradiente altimétrico e conectada ao reservatório.

Trata-se de uma bacia que, embora pouco desenvolvida, apresenta tendência ao alongamento, cuja evolução ocorre por meio de recuos na forma de anfiteatros escalonados resultantes da associação entre o menor gradiente altimétrico no sentido longitudinal e elevadas declividades no sentido transversal. De acordo com Monteiro (1951)MONTEIRO, C. A. F. Notas para o estudo do clima do Centro-Oeste Brasileiro. Revista Brasileira de Geografia, p. 22 - 45, jan - mar, 1951. o clima da área pode ser caracterizado como tropical semiúmido, com inverno seco, precipitação de 5,3 mm a 6,9 mm, de junho a julho, e temperatura média de 24,6 °C no mesmo período.

O verão é quente e chuvoso, com temperatura em torno de 30,3 °C no mês de outubro e precipitação acumulada variando de 243,1 mm a 275,2 mm nos meses de janeiro e dezembro (SILVA; SANTANA; PELEGRINI, 2006SILVA, S. C.; SANTANA, N. M. P.; PELEGRINI, J. C. Caracterização climática do estado de Goiás. Goiânia: Secretaria de Indústria e Comércio, Superintendência de Geologia e Mineração, 2006. 133 p.). Compreende uma importante área na qual se verifica intenso uso por agricultura, especialmente de precisão, com destaque para o elevado número de pivôs de irrigação (PEREIRA JÚNIOR; FERREIRA; MIZIARA, 2017PEREIRA JÚNIOR, L. C.; FERREIRA, N. C.; MIZIARA, F. A expansão da irrigação por pivôs centrais no estado de Goiás (1984 - 2015). Boletim Goiano de Geografia, v. 37, n. 2, p. 323 - 341, 2017. https://doi.org/10.5216/bgg.v37i2.49158.
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).

METODOLOGIA

A avaliação da variabilidade espacial da geração e conectividade de sedimentos compreendeu a relação espacial bivariada entre as estimativas de perda de solos, resultantes da aplicação da Equação Universal de Perda de Solos Modificada (MUSLE), e o Índice de Conectividade (IC) das vertentes com o canal de drenagem. O primeiro indica a capacidade de geração, ao passo que o segundo permite avaliar a capacidade de transporte dos sedimentos gerados à montante de um ponto, bem como sua continuidade para jusante, podendo apresentar maior probabilidade de movimento ou de deposição. Para tanto, a aplicação de ambos os procedimentos considerou a variabilidade espacial de fatores não cumulativos, tais como cobertura, condições de uso e erodibilidade dos solos, além dos fatores cumulativos resultantes do efeito de variáveis, como comprimento de fluxo e área de contribuição. Estas implicam no comportamento de variáveis dependentes, tais como vazão e intensidade de fluxo. Tal adaptação buscou considerar a contribuição hidrossedimentológica de cada área específica, os referidos efeitos cumulativos, de montante para jusante, bem como preservar protocolos de aplicação da MUSLE, em escala de vertente, evitando que a extensão dos canais fluviais influenciasse nos resultados, em especial superestimando os valores finais.

VARIABILIDADE ESPACIAL DAS ESTIMATIVAS DE PERDA DE SOLOS

A estimativa de perda de solos e geração de sedimentos foi determinada por meio da (MUSLE), conforme proposta de Williams (1975)WILLIAMS, J. R. Sediment-yield prediction with universal equation using runoff energy factor. In: USDA-ARS, ed. Present and prospective technology for predicting sediment yield and sources. Washington, 1975. p. 244 - 252.; Williams (1981)WILLIAMS, J. R. Testing the modified Universal Soil Loss Equation. In: Proceedings of the Workshop on Estimating Erosion and Sediment Yield on Rangelands. Agricultural Reviews and Manuals - W-26. Arizona: USDA, 1981. p. 157-164. e Smith et al. (1984)SMITH, S. J. et al. Prediction of sediment yield from Southern Plains Grasslands with the Modified Universal Soil Loss Equation. Rangeland Ecology & Management Journal. v. 37. n. 4, p. 294-297. 1984.. No presente trabalho essa equação foi aplicada considerando a variabilidade espacial das variáveis independentes e dependentes, em escala de vertente, com base na Equação 1:

Equation 1 Y = 11 , 8 Q q p 0 , 56 K L S C P

em que: Y = estimativa da perda de solo no evento pluviométrico, em toneladas; Q = volume em escoamento superficial, em m3; qp = vazão de pico do evento pluviométrico, em m3/s; e K, LS, C e P parâmetros convencionais da USLE. Com isso, nota-se que a estimativa de perda de solo por meio da USLE Modificada tende a ser mais detalhada no espaço e no tempo, uma vez que está diretamente relacionada às condições hidrológicas momentâneas, em especial a variabilidade espacial do volume convertido em escoamento superficial e a vazão de pico.

VARIABILIDADE ESPACIAL DAS ESTIMATIVAS DE ESCOAMENTO SUPERFICIAL (Q) E VAZÃO DE PICO - QP

O volume convertido em escoamento superficial (Q) foi determinado a partir do produto da precipitação efetiva (Pe) pela área de contribuição específica. Para tanto, adotou-se a proposta do Serviço de Conservação do Solo (SCS - Soil Conservation Service), atual Serviço de Conservação dos Recursos Naturais (NRCS - Natural Resource Conservation Service) do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA - United States Department of Agriculture) (NRCS, 2004NRCS - National Resources Conservation Service. Estimation of direct Runoff from Storm Rainfall. National Engineering Handbook, chapter 10. Washington D. C: Department of Agriculture, USDA, 2004. 79 p.), na determinação da precipitação efetiva ou altura da lâmina d’água convertida em escoamento superficial. A referida proposta consiste na relação entre a precipitação resultante do evento pluviométrico e a capacidade de infiltração dos solos, como apresentado na Equação 2:

Equation 2 P e = P - 0.2 S 2 P + 0.8 S , as long as P > = Ia = 0.2 S

em que: Pe = precipitação efetiva ou altura da lâmina d’água resultante, em mm; P = precipitação ou altura pluviométrica resultante do evento chuvoso, em mm; S = potencial de infiltração do solo, em mm; e Ia => 0,2 S = abstração ou perda inicial considerada, em mm. Como observado na primeira parte da Equação 2, na precipitação efetiva considera-se uma perda inicial correspondente a 20% do potencial de infiltração em decorrência da interceptação pelos vegetais, retenções em micro relevo, bem como outras formas de umedecimento do ambiente. Isso implica em afirmar que eventos pluviométricos com volume total menor do que 20% do potencial de infiltração do solo, não proporcionam escoamento superficial.

Para tanto, a precipitação total acumulada resultante do evento pluviométrico considerado no presente trabalho foi determinada por meio da relação Intensidade - Duração - Frequência (IDF), proposta por Villela e Mattos (1975)VILLELA, S. M.; MATTOS, A. Hidrologia Aplicada. São Paulo: McGrawHill do Brasil. 1975. 245 p., por meio da equação obtida por Oliveira et al. (2005)OLIVEIRA, L. F. C. et al. Intensidade-duração-frequência de chuvas intensas para localidades no estado de Goiás e Distrito Federal. Pesquisa Agropecuária Tropical, Goiânia, v. 35, n. 1, p. 13-18, 2005. para o município de Cristalina, por meio da equação 3:

Equation 3 i = k x T R a t c + b c = > i = 878.213 x T R 0.2088 t + 12 0.7600

em que: i = média das intensidades máximas de precipitação, em mm/h; TR = tempo de retorno considerado, em anos; t = tempo de concentração do escoamento superficial, em min; e k, a, b e c são coeficientes de ajustes próprios da estação climatológica.

Para tanto, considerou-se um tempo de retorno de 25 anos, e o tempo de chuva igual ao tempo de concentração do escoamento superficial da referida bacia, o qual foi calculado com base a proposta por Watt e Chow (1985)WATT, W. E.; CHOW, K. C. A. A general expression for basin lag time. Canadian Journal of Civil Engineering. v. 12, n. 2, p. 294-300.1985. https://doi.org/10.1139/l85-031
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por meio da equação 4.

Equation 4 T c = 7.68 ( L / S w 0.5 ) 0.79

em que: Tc = tempo de concentração do escoamento superficial, em min; L = comprimento da linha de fluxo principal da bacia, em km; e Sw = declividade média da bacia em m/m.

Os valores de S foram estimados com base nos valores de CN (Curve Number) ou Número de Escoamento, conforme proposta do NRCS - USDA (2004)NRCS - National Resources Conservation Service. Estimation of direct Runoff from Storm Rainfall. National Engineering Handbook, chapter 10. Washington D. C: Department of Agriculture, USDA, 2004. 79 p., como apresentado na Equação 5.

Equation 5 S = 25 , 400 C N - 254

em que: S = potencial de infiltração do solo, em mm; CN = Número de Escoamento, adimensional; e 25400 e 254 constantes originárias do modelo. A relação entre os tipos de cobertura e condições de uso do solo, os tipos de solo (Grupos Hidrológicos) e sua correspondência em valores de CN é apresentada nas Tabelas 1 e 2.

Tabela 1
Classes de solos, textura e sua correspondência em Grupos Hidrológicos e Erodibilidade. *
Tabela 2
Classes de cobertura e condições de uso do solo e respectivos valores de Número de Escoamento e fator CP. * Adaptado a partir de Tucci (2008)TUCCI, C. E. M. Águas urbanas. Estudos avançados, São Paulo, v. 22, n. 63, p. 97-112, 2008.; Tucci e Marques (2001)TUCCI, C. E. M.; MARQUES, D. M. L. da M. Avaliação e controle da drenagem urbana. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2001. 558 p.. **Stein et al. (1987)STEIN, D. P. et al. Potencial de erosão laminar natural e antrópica na bacia do Peixe-Paranapanema. In: Simpósio Nacional de Controle de Erosão, 4, Marília, 1987. Anais, Marília, p. 105-135.; Oliveira (2012)OLIVEIRA, J. S. Avaliação de modelos de elevação na estimativa de perda de solos em ambiente SIG. 2012. 103 p. Dissertação (Mestrado em Agronomia) - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2012..

Já a vazão de pico (qp) foi determinada com base no produto resultante da precipitação efetiva pela área de contribuição, distribuído pelo tempo de pico do hidrograma, o qual corresponde ao intervalo entre os picos de chuva e de vazão, segundo a proposta de Schwab et al. (1981)SCHWAB, G. O. et al. Soil and water conservation engineering. New York: Wiley, 1981. 525p., com base na Equação 6:

Equation 6 q p = 0.0021 x P e x A / T p

em que: qp = vazão de pico do evento, em m3/s; Pe = precipitação efetiva ou parcela da precipitação disponível para escoamento superficial, em mm; A = área de contribuição, em ha; e Tp = tempo de pico do hidrograma, em hora.

Na aplicação dessa equação considerou-se um tempo de pico correspondente 0,6 do tempo de concentração para cada bacia por meio da seguinte equação:

Equation 7 T p = 0.6 x T c

DETERMINAÇÃO DOS GRUPOS HIDROLÓGICOS (GH) E DA ERODIBILIDADE DOS SOLOS (FATOR K)

Os Grupos Hidrológicos, bem como os valores de erodibilidade dos solos foram determinados com base na avaliação dos tipos de solo, em especial textura e profundidade. O mapa de solos resultou da compilação e revisão dos mapeamentos já existentes para a área (RESENDE, 2016RESENDE, M. J. G. Classes de solos dos municípios goianos - 2016. Goiânia: Emater - Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária, 2016. 57 p.; ROSA et al., 2018ROSA, L. E. et al. Atributos para mapeamento digital de solos: o estudo de caso na bacia do ribeirão Arrojado, município de Cristalina - Goiás. In: OLIVEIRA, A. C. (Ed.). Elementos da natureza e propriedades do solo. Ponta Grossa: Atena Editora. 2018. p. 69 - 82. https://doi.org/10.22533/at.ed.653182002.
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; IBGE, 2018IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mapeamento de recursos naturais do Brasil escala 1:250.000. Documentação técnica geral, 2018, 8 p. Disponível em . Acesso em 10 fevereiro 2021.), seguidos de ajuste cartográfico, tendo como base a morfometria e a morfografia do terreno, bem como levantamentos adicionais de campo.

Os tipos de solo, sua correspondência em grupos hidrológicos e em erodibilidade são apresentados na Tabela 1.

Adaptado a partir de Tucci (2008)TUCCI, C. E. M. Águas urbanas. Estudos avançados, São Paulo, v. 22, n. 63, p. 97-112, 2008.; Tucci e Marques (2001)TUCCI, C. E. M.; MARQUES, D. M. L. da M. Avaliação e controle da drenagem urbana. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2001. 558 p.. **Adaptado de Mannigel et al. (2008)MANNIGEL, A. et al. Fator erodibilidade e tolerância de perda dos solos do Estado de São Paulo. Acta Scientiarum Agronomy, v. 24, n. 5, p. 1335 - 1340. 2002. https://doi.org/10.4025/actasciagron.v24i0.2374
https://doi.org/10.4025/actasciagron.v24...
; Nunes et al. (2022)NUNES, E. D. et al. Methodological Contribution to the Assessment of Generation and Sediment Transport in Tropical Hydrographic Systems. Water, v. 14, n. 4091, p. 1-15, 2022. https://doi.org/10.3390/w14244091
https://doi.org/10.3390/w14244091...
.

PREPARAÇÃO DO MODELO DIGITAL DE ELEVAÇÃO E CÁLCULO DO FATOR TOPOGRÁFICO - FATOR LS

O cálculo do fator LS foi realizado com base na proposta metodológica de McCool et al. (1987)MCCOOL, D. K. et al. Revised slope steepness factor for the Universal Soil Loss Equation. Transactions of the American Society of Agricultural and Biological Engineers - ASAE. v. 30, n. 5, p. 1387-1396. 1987. https://doi.org/10.13031/2013.30576.
https://doi.org/10.13031/2013.30576...
. Trata-se de uma adaptação da proposta clássica do fator LS derivado da MUSLE para terrenos que apresentam encostas mais íngremes, evitando assim a superestimação dos resultados em decorrência das declividades mais elevadas. Dessa forma o fator LS foi calculado com base na seguinte equação:

Equation 8 L S = ( L / 22.13 ) m ( 16.8 s e n θ - 0.5 )

em que: L = comprimento de rampa, em m; m = expoente adimensional, o qual foi calculado por meio da seguinte equação:

Equation 9 m = s e n θ s e n θ + 0.269 ( s e n θ ) 0.8 + 0.05

em que: θ = ângulo de inclinação, em graus, ou seja = tangente (s/100), no qual s = declividade em %. Assim Fator S = 3.0 (sen θ)0.8 + 0,56 (para comprimento de rampa menor que 4 m); S = 10,8 sen θ + 0,53 (para comprimento de rampa maior que 4 m e declividade menor 9%); S = 16,8 sen θ - 0,5 (para comprimento de rampa maior que 4 m e declividade maior que 9%). O cálculo do fator LS foi aplicado somente ao longo das vertentes, a fim que os lineamentos fluviais não influenciassem nos valores resultantes.

DETERMINAÇÃO DO FATOR COBERTURA/USO E MANEJO DO SOLO (CP) E NÚMERO DE ESCOAMENTO (CN)

O mapeamento da cobertura vegetal e condições de uso do solo buscou atender os padrões fitofisionômicos do Cerrado (RIBEIRO; WALTER, 2008RIBEIRO, J. F.; WALTER, B. M. T. As principais fitofisionomias do bioma Cerrado. In: SANO, S. M.; ALMEIDA, S. P.; RIBEIRO, J. F. (Edit.). Cerrado: ecologia e flora. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2008. Cap. 6, p.151-212.), e sua correspondência em valores de fator CP, conforme adaptação feita a partir de Stein et al. (1987)STEIN, D. P. et al. Potencial de erosão laminar natural e antrópica na bacia do Peixe-Paranapanema. In: Simpósio Nacional de Controle de Erosão, 4, Marília, 1987. Anais, Marília, p. 105-135.. Oliveira (2012)OLIVEIRA, J. S. Avaliação de modelos de elevação na estimativa de perda de solos em ambiente SIG. 2012. 103 p. Dissertação (Mestrado em Agronomia) - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2012., buscou contemplar também os efeitos advindos da relação entre precipitação e comportamento do solo, conforme proposto por Tucci (2008)TUCCI, C. E. M. Águas urbanas. Estudos avançados, São Paulo, v. 22, n. 63, p. 97-112, 2008. e Tucci e Marques (2001)TUCCI, C. E. M.; MARQUES, D. M. L. da M. Avaliação e controle da drenagem urbana. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2001. 558 p., resultando em valores de Número de Escoamento (CN). Neste método, os valores de CN variam de 0 (baixa capacidade de escoamento) a 100 (elevada capacidade de escoamento). Ressalta - se que para o cálculo considerou-se o solo na condição de umidade antecedente III, a qual considera um volume de chuva maior do que 53 mm nos últimos 5 dias. Para tanto, as classes de cobertura, bem como das condições de uso foram definidas com base na interpretação e classificação supervisionada de imagem do sensor MSI (MultiSpectral Strument) do satélite Sentinel-2, colorida, resolução espacial de 10 m, composição RGB 483, referente ao dia 8 de junho de 2020. A associação dos grupos hidrológicos (Tabela 1) com as classes de cobertura e condições de uso do solo e sua correspondência em Número de Escoamento, bem como os valores de fator CP é apresentada na Tabela 2.

ÍNDICE DE FLUXO E CONECTIVIDADE DE SEDIMENTOS - IC

O índice de fluxo e de conectividade de sedimentos baseou-se na probabilidade de fluxo entre as células, cujo gradiente permite a formação de lineamentos na matriz de dados. Para tanto, foi calculado com base na proposta de Borselli, Cassi e Torri (2008)BORSELLI, L.; CASSI, P.; TORRI, D. Prolegomena to sediment and flow connectivity in the landscape: A GIS and field numerical assessment. Catena, v. 75, p. 268 - 277, 2008. https://doi.org/10.1016/j.catena.2008.07.006.
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, os quais correlacionaram dados observados em campo com as estimativas obtidas via modelagem de dados espaciais georreferenciados, a qual foi analisada e implementada também em ambiente GIS por Cavalli et al. (2013)CAVALLI. M. et al. Geomorphometric assessment of spatial sediment connectivity in small Alpine catchments. Geomorphology, v. 188, p. 31 - 41, 2013. https://doi.org/10.1016/j.geomorph.2012.05.007.
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e aplicada também por Mishra et al. (2019)MISHRA, K. et al. Towards the assessment of sediment connectivity in a large Himalayan river basin. Science of the Total Environment. v. 661. p. 251 - 265. 2019. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2019.01.118.
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, por meio da Equação 10:

Equation 10 IC = log 10 D u p D d n = log 10 W ¯ S ¯ A i = 0 i = n 0 d n W n S n

em que: Dup corresponde ao potencial de carreamento de sedimentos produzidos pela encosta acima da enésima célula da matriz de dados e Ddn corresponde ao potencial de parada e/ou retenção encosta abaixo da célula n. A relação entre os dois define o índice de conectividade (IC).

Dos componentes à montante da célula n tem-se W = média do índice de rugosidade, adimensional (neste caso foi utilizado o fator CP da USLE); S = média das declividades, em m/m, ambas da área de contribuição (A em m2) à montante da célula n. Dos componentes à jusante tem-se dn = comprimento de fluxo, em m; Wn = índice de rugosidade; e Sn = declividade, ambos referentes à célula n da matriz de dados. Quanto à mínima área de contribuição, esta resultou do tamanho da célula ou resolução espacial do conjunto matricial utilizado - 900 m2. A relação entre a raiz quadrada da área de contribuição e o comprimento de fluxo à montante torna o IC adimensional. Desta forma, segundo Borselli, Cassi e Torri (2008)BORSELLI, L.; CASSI, P.; TORRI, D. Prolegomena to sediment and flow connectivity in the landscape: A GIS and field numerical assessment. Catena, v. 75, p. 268 - 277, 2008. https://doi.org/10.1016/j.catena.2008.07.006.
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, o índice de conectividade pode variar de -∞ a +∞, tendo seu aumento condicionado por sucessivos valores de IC +.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

CONDICIONANTES MORFOMÉTRICOS E SUA RELAÇÃO COM OS TIPOS DE SOLO E A DINÂMICA DE SEDIMENTOS

A configuração morfométrica da bacia em estudo indica uma evolução mais pronunciada no sentido longitudinal, tendo em vista o maior alongamento proporcionado pelo recuo das nascentes, sendo o maior gradiente no sentido transversal ao canal de drenagem. O mapa de declividade (Figura 2a) permite perceber a influência das três unidades geológicas no padrão de inclinação das vertentes.

Figura 2
mapa de declividade (parte a); comprimento de fluxo à jusante (parte b); estimativa do tempo de concentração (parte c); e área de contribuição (parte d).

A transição entre as Coberturas Detrito-Lateríticas (porção superior) e a litologia do Grupo Canastra - Formação Paracatu (porção intermediária) e desta para os Depósitos Aluvionares é marcada por declives mais acentuados. Trata-se de indicativo de diferença de comportamento dos materiais que compõem cada unidade aos processos de intemperismo. Por consequência, esses ambientes resultam em solos menos desenvolvidos (NEOSSOLO LITÓLICO e CAMBISSOLO HÁPLICO), ao passo que uma só unidade tende a resultar em declividades menores e solos mais espessos como LATOSSOLOS VERMELHO e VERMELHO-AMARELO.

A grande diferença é que solos mais jovens são oriundos de erosão natural, ao passo que aqueles mais desenvolvidos, logo, mais espessos, implicam em maior geração de sedimentos quando mal manejados. Neste sentido, as áreas mais íngremes (Figura 2a), associadas aos comprimentos de fluxo menores (Figura 2b), se mostram mais propícias à conectividade de fluxo, tendo em vista o menor tempo de escoamento (Figura 2c), até chegar ao canal de drenagem. Já as porções mais íngremes e mais distantes, apesar do maior tempo de concentração do escoamento superficial, também podem contribuir com o aporte de sedimentos via lineamentos de fluxos, os quais podem ser potencializados pela crescente área de contribuição específica (Figura 2d).

Em relação à dinâmica hidrológica, a associação das áreas de transição, com as maiores declividades, bem como os solos mais jovens (Figura 3b), tende a resultar em ambientes com número de escoamento maior (Figura 3c), logo com menor potencial de infiltração (Figura 3d). Esses ambientes, além dos solos pouco espessos, possuem elevado potencial de aceleração e intensificação de fluxos, os quais convergem lateralmente e incidem linearmente, aumentando a probabilidade de deflagração de processos erosivos em segmentos caracterizados como rampa de colúvio, os quais se mostram pouco resistentes à energia cinética advinda da intensificação do escoamento superficial à montante.

Figura 3
Classes de cobertura e uso do solo (parte a); classes de solo (parte b); variabilidade espacial do Número de Escoamento (c); e potencial de infiltração (d).

Já os ambientes com menores valores de número de escoamento e maior potencial de infiltração estão localizados nas porções mais rebaixadas. Fazem parte de uma mesma unidade litológica (depósitos aluvionares), com declividades baixas, solos mais espessos em decorrência dos maiores volumes de materiais detríticos depositados e, principalmente, com remanescentes de vegetação. Embora trate-se de ambientes propícios aos processos de infiltração e deposição de sedimentos, a ausência de vegetação pode permitir a transferência diretamente para o canal fluvial ou reservatório.

RELAÇÃO CHUVA-VAZÃO, ERODIBILIDADE DOS SOLOS, FATOR TOPOGRÁFICO, COBERTURA USO E PRÁTICAS CONSERVACIONISTAS NAS ESTIMATIVAS DE APORTE DE SEDIMENTOS

Considerando a relação entre os comprimentos de fluxo e a declividade média da bacia e sua resultante no tempo de concentração do escoamento superficial (WATT; CHOW, 1985WATT, W. E.; CHOW, K. C. A. A general expression for basin lag time. Canadian Journal of Civil Engineering. v. 12, n. 2, p. 294-300.1985. https://doi.org/10.1139/l85-031
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), chegou-se em uma estimativa de 46,7 minutos para que toda a área da bacia pudesse contribuir com o exutório, resultando em máxima convergência de fluxo. Considerando esse tempo na relação Intensidade-Duração-Frequência, chegou-se a uma intensidade máxima de precipitação de 77,56 mm/h, o que resultou em uma altura pluviométrica estimada de 60,36 mm. Este cenário, face à variabilidade do potencial de infiltração dos solos, resultou em uma precipitação efetiva variando de 40,1 mm a 49,4 mm nas áreas de maior declividade e em solos menos desenvolvidos. Nas áreas de declividades menos acentuadas, com solos mais desenvolvidos (LATOSSOLOS VERMELHO e VERMELHO-AMARELO), os valores variaram de 5 mm a 40 mm, seguidas de ambientes de menor declividade, solos mais profundos decorrentes de processos aluviais, os quais condicionam precipitação efetiva abaixo de 5 mm, conforme ilustrado na Figura 4a.

Figura 4
Variabilidade espacial de fatores da MUSLE: precipitação efetiva (a); vazão de pico (b); erodibilidade do solo (c); coeficiente m (d); Fator LS (e); e fator CP (f).

A variabilidade espacial da precipitação efetiva associada à crescente área de contribuição específica resultou em uma vazão de pico predominante de 0,26 m3/s, podendo, excepcionalmente, chegar a 6,2 m3/s no ponto de maior concentração de fluxo (Figura 4b), localizado no segmento sob efeito da máxima área de contribuição específica (139,8 ha). Quando relacionado com o mapa de erodibilidade dos solos (Figura 4c), merece destaque a incidência de fluxos com vazão de até 0,8 m3/s sobre solos de elevado fator K, tais como os CAMBISSOLOS HÁPLICOS de textura média e NEOSSOLOS LITÓLICOS de textura variando de arenosa a cascalhenta. O elevado potencial de perda de solos se confirma em áreas marcadas pela elevada vazão de pico, bem como elevado fator LS, cujos maiores valores se concentram nas imediações da planície fluvial ou do canal de drenagem. Situações como essas configuram elevado potencial de perda de solos, especialmente nos segmentos que marcam a transição de áreas com uso agrícola para ambientes com pouca vegetação remanescente e sem práticas conservacionistas, portanto, com elevado fator CP, conforme pode ser observado nas imediações tanto do canal, quanto do reservatório (Figura 4f).

RELAÇÃO BIVARIADA ENTRE ESTIMATIVA DE APORTE DE SEDIMENTOS E ÍNDICE DE CONECTIVIDADE

O resultado da variabilidade espacial, em especial o efeito cumulativo das variáveis condicionantes da MUSLE, bem como do IC ao longo das vertentes pode ser conferido ao longo da Figura 5.

Figura 5
estimativa de aporte de sedimentos (parte a); índice de conectividade (parte b); e relação bivariada (parte c).

Constata-se que as estimativas de perda de solos se mostram mais acentuadas a partir dos segmentos intermediários das vertentes, se intensificando em decorrência ao aumento do fator LS, que atinge seus valores máximos nas proximidades do canal de drenagem ou do reservatório. A estimativa máxima de aporte de sedimentos chega, excepcionalmente, a 25,54 toneladas no segmento de maior área de contribuição específica, a qual proporciona máxima concentração de volume de escoamento superficial e vazão de pico, associados à predominância de elevados valores de fator CP.

Além desta situação, merece destaque também a maior ocorrência de áreas com estimativas de perda de solos entre 1 e 10 toneladas, desde os segmentos intermediários, até as imediações da planície e da borda, bem como associadas a lineamentos de fluxos mais intensos. Essas duas situações, ainda que sejam eventualmente sucedidas por segmentos com baixas estimativas de perda de solos, indicam áreas críticas quanto à geração e aporte de sedimentos.

Isso porque esses segmentos são espacialmente correlatos àqueles com máximo índice de conectividade das vertentes com os canais de drenagem, conforme ilustrado na Figura 5b, o que implica no efeito cumulativo e, por consequência, transferência de sedimentos de montante para jusante.

Com base na mesma figura é possível perceber que esses ambientes são sucedidos por segmentos eventualmente com baixa estimativa de perda de solos. Tratam-se de ambientes correspondentes à planície fluvial, a qual se configura por meio redução da declividade, formando segmentos côncavos e, por consequência, de menor fator LS.

No entanto, ressalta-se que esses mesmos ambientes se encontram sob o efeito do intenso escoamento superficial à montante, o que implica em elevado índice de conectividade. Isso sugere que esses fluxos intensos acabam por mobilizar os sedimentos naturalmente depositados ao longo das planícies, lançando-os ao longo do canal de drenagem ou reservatório.

Neste sentido, entende-se que o potencial de perda de solos e o aporte de sedimentos em sistemas hidrográficos devem ser interpretados sob uma perspectiva dinâmica, tendo em vista o caráter específico de cada modelo utilizado. Um se destina a estimar a desagregação e, consequente, a perda de solo, ao passo que o outro indica a maior ou menor facilidade de mobilização de sedimentos gerados. Considerando o exposto, entende-se que as áreas marcadas em marrom, bem como aquelas marcadas em amarelo e imediatamente antecedidas de segmentos na cor azul são consideradas como áreas críticas quanto à geração e ao aporte de sedimentos para o canal de drenagem ou reservatório.

A Figura 6 apresenta de forma mais fidedigna a situação de cada ambiente destacado ao longo da Figura 5 em termos de cobertura, práticas de manejo e evidências quanto à ocorrência de processos erosivos. O retângulo indicado com baixa perda de solos e baixo índice de conectividade de sedimentos é caracterizado por baixa concentração de fluxo, solos argilosos, baixo fator LS, considerável distância, portanto, maior tempo de deslocamento até os canais ou reservatório, sendo seu uso por agricultura e boas práticas de manejo (Figura 6a). O ambiente representativo da elevada perda de solos e baixo índice de conectividade é marcado por fluxo mais acentuado, solos pouco desenvolvidos, elevado fator LS, elevada distância e tempo de deslocamento até o canal e reservatório, com a condição de solo exposto Figura 6b). Quanto ao ambiente representativo de baixa perda de solos e elevado índice de conectividade, ele é marcado pela redução de fluxo em decorrência da planície com remanescentes de vegetação, solos mais profundos em decorrência do acúmulo de materiais, baixo fator LS, imediatamente próximo do canal de drenagem, bem como do reservatório e vegetação parcialmente preservada (Figura 6c). O segmento marcado tanto pela elevada perda de solos, quanto pelo elevado índice de conectividade é caracterizado por possuir grande área de contribuição e, por consequência elevada intensidade de fluxo, solos com erodibilidade variando de média a alta, fator LS variando de médio a alto, próximo do canal de drenagem ou do reservatório e vegetação degradada ou na condição de pastagem (Figura 6d).

Figura 6
recortes representativos das quatro principais situações na bacia em estudo: Baixa geração e baixa conectividade (parte a); alta geração e baixa conectividade (parte b); baixa geração e alta conectividade (parte c); e alta geração e alta conectividade (parte d).

CONCLUSÃO

A relação entre a variabilidade espacial das estimativas de perda de solos e o índice de conectividade aponta, com considerável precisão, a ocorrência de áreas com distintos níveis de criticidade quanto a produção e aporte de sedimentos.

Em se tratando de uma relação bivariada e que representa dois aspectos de grande importância na produção e no aporte de sedimentos, a mesma deve ser interpretada sob uma perspectiva dinâmica de cada área com os seus segmentos, tanto à montante quanto à jusante, os quais condicionam a desagregação e o deslocamento de sedimentos.

Os resultados reforçam a necessidade de monitoramento das práticas de manejo nas áreas de maior estimativa de produção de sedimentos, bem como da recomposição da vegetação nas planícies imediatamente próximas ou instalação de cinturões verdes nas imediações da borda de cota máxima de reservatórios, com a finalidade minimizar a chegada de sedimentos gerados à montante.

A avaliação da variabilidade espacial das estimativas de produção e de conectividade de sedimentos permite a representação de dois processos de grande importância em um só plano de informação. Desta forma, proporciona uma compreensão mais completa, detalhada, dinâmica e, portanto, mais propícia à tomada de decisões mesmo em se tratando de grandes bacias de contribuição, permitindo o planejamento e a aplicação de recursos em áreas prioritárias e, por consequência, o aumento da possibilidade de intervenções mais eficientes.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho faz parte do projeto de P&D "Modelagem em Diversas Escalas da Geração de Sedimentos em Erosões e o Aporte em Reservatórios de UHEs" - PD-0394-1705/2017, regulamentado pela Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, desenvolvido pela Eletrobras FURNAS, Universidade Federal de Goiás e Universidade de Brasília.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2021
  • Aceito
    17 Nov 2022
  • Publicado
    15 Dez 2022
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