Resumo
Diversas cidades possuem rodovias que atravessam bairros, sobretudo periféricos, causando dificuldades nos deslocamentos das populações afetadas e separando comunidades das áreas onde se concentram maiores oportunidades de emprego e serviços urbanos. Este estudo teve o objetivo de identificar os impactos do efeito barreira de uma rodovia sobre a mobilidade e a acessibilidade da população em zonas lindeiras a uma rodovia urbana em uma cidade do sul do Brasil e analisar as possíveis consequências no orçamento familiar. O estudo desenvolveu-se a partir do banco de dados da pesquisa domiciliar local, de informações censitárias e socioeconômicas, de análise de mapas temáticos e da utilização da regressão linear para identificar possíveis relações entre as ZT lindeiras e não lindeiras ao trecho em estudo. Constatou-se haver evidências entre a quantidade de oportunidades de travessias da rodovia com aspectos de renda familiar e densidade populacional. Há indícios de que famílias que estão em classes de renda dos extratos C ou menor, segundo o critério Brasil, e residem em uma das ZT lindeiras à área de estudo, estão investindo seus poucos recursos financeiros na aquisição de veículos motorizados, como uma estratégia para melhorar suas condições de mobilidade e acessibilidade.
Palavras-chave:
Separação de comunidades; Gastos com deslocamento; Acessibilidade; SIG nos transportes
Abstract
Several cities have highways that cross neighborhoods, especially peripheral ones, causing difficulties in the displacement of affected populations and separating communities from areas where the greatest opportunities for employment and urban services are concentrated. This study aimed to identify the impacts of the barrier effect of a highway on the mobility and accessibility of the population in zones adjacent to a highway in a city in southern Brazil and to analyze the possible consequences on the family budget. The study was developed from the local household survey database, census and socioeconomic information, analysis of thematic maps and the use of linear regression to identify possible relationship between the neighboring and non-neighboring ZT to the stretch under study. It was found that there is evidence between the amount of opportunities for crossing the highway with aspects of family income and population density. There are indications that families that are in income classes of strata C or lower, according to the Brazil criterion, and reside in one of the ZT adjacent to the study area, are investing their few financial resources in the acquisition of motor vehicles, as a strategy for improve their mobility and accessibility conditions.
Keywords:
Community severance; Transport costs; Accessibility; GIS in Transports
Introdução
O crescimento das cidades aliado ao aumento do uso de meios de transporte motorizado, sobretudo os veículos rodoviários ao longo dos últimos 100 anos, trouxeeram a necessidade de construção e ampliação de infraestruturas rodoviárias que fossem capazes de suportar a crescente demanda por deslocamentos de pessoas e cargas. Contudo, a rápida expansão urbana, formação de grandes periferias, entre outros fatores, resultaram numa multiplicação de trechos rodoviários urbanos. Junto com este fenômeno, vieram os conflitos da relação tráfego rodoviário versus áreas urbanas, contribuindo negativamente no ambiente, na mobilidade e acessibilidade das pessoas, na segurança viária, na estruturação dos serviços públicos, na malha viária, entre outros aspectos. Dentro deste contexto, pesquisadores e planejadores de transporte têm se esforçado na busca pelo entendimento dos efeitos que o tráfego ou infraestruturas de transporte podem causar às pessoas, à cidade etc.
As rodovias próximas ou inseridas em áreas urbanas, conforme mencionam Bernardes e Souza (2017)Bernardes, A. H., & Souza, M. T. R. (2017). Acessibilidade e Efeito Barreira na Periferia de Cidades Médias. Revista de Geografia (Recife), 34(1), 230–250. http://www.revista.ufpe.br/revistageografia%0AOJS
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, são um dos tipos de barreira física que contribuem para a formação de grandes periferias de baixa renda, formação de áreas degradadas e locais com obstáculos aos deslocamentos. Esse tipo de rodovia pode ser caracterizado como um dificultador nas travessias, já que os moradores das regiões lindeiras precisam transpor este elemento viário para que possam realizar as suas atividades diárias.
Assim, termos como “efeito barreira” e “separação de comunidades” podem ser entendidos como a redução ou impedimento de interação entre diferentes regiões de uma cidade, acessos a redes sociais, bens e serviços necessários as pessoas, causados por infraestruturas de transporte e veículos que as utilizam (Anciaes, 2011Anciaes, P. R. (2011). Urban transport, pedestrian mobility and social justice: a GIS analysis of the case of the Lisbon Metropolitan Area. (PhD. thesis). London School of Economics and Political Science, University of London, London.; Mindell & Anciaes, 2020Mindell, J. S., & Anciaes, P. R. (2020). Transport and community severance. In Advances in Transportation and Health (p. 175–196). Elsevier. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-819136-1.00007-3
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). Os impactos causados pela separação de comunidades numa população podem variar muito, de acordo com cada local, tipo de barreira, características socioeconômicas, malha urbana, uso do solo etc. Sendo assim, Anciaes, Jones e Mindell (2016)Anciaes, P. R., Jones, P., & Mindell, J. S. (2016). Community Severance: Where Is It Found and at What Cost? Transport Reviews, 36(3), 293–317. https://doi.org/10.1080/01441647.2015.1077286
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afirmam que tal efeito causado por uma infraestrutura de transporte ou pelo tráfego é a primeira manifestação de um conjunto multidisciplinar de impactos que afetará a comunidade local.
Estes impactos mencionados podem ser divididos em três tipos: sendo diretos, como maiores esforços para deslocamentos (uso de uma passarela por pedestres); indiretos, ou seja, alterações no comportamento das viagens (modo de transporte e.g.); e amplos, quando estas alterações alcançam maiores abrangências (Van Eldijk et al., 2022Van Eldijk, J., Gil, J., & Marcus, L. (2022). Disentangling barrier effects of transport infrastructure: synthesising research for the practice of impact assessment. European Transport Research Review, 14(1), 1. https://doi.org/10.1186/s12544-021-00517-y
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).
As pesquisas sobre barreiras causadas por infraestruturas rodoviárias na mobilidade e na acessibilidade têm grande potencial de exploração no Brasil. É necessário que sejam propostas abordagens que permitam identificar de modo mais abrangente os impactos provocados pela presença de rodovias em áreas urbanas.
Assim, o objetivo deste artigo é identificar quais os impactos decorrentes do efeito barreira de rodovias urbanas sobre a mobilidade e a acessibilidade da população de zonas lindeiras a tais infraestruturas, bem como as suas possíveis consequências no orçamento familiar. Para esta investigação, o estudo de caso foi o trecho urbano da PR-445 em Londrina/PR
Para isto, inicialmente serão feitas análises de dados socioeconômicos e populacionais das áreas próximas ao trecho urbano de rodovia, a fim de entender qual o grau de relação entre as diferentes variáveis relacionadas à mobilidade e acessibilidade das pessoas. Em seguida serão mapeados os dados adquiridos anteriormente com o intuito de entender espacialmente a influência da presença da rodovia na forma como as pessoas se deslocam, bem como os possíveis impactos na mobilidade, acessibilidade e no orçamento familiar.
Efeito Barreira ou Separação de Comunidades
O conceito de efeito barreira relacionado à acessibilidade e à mobilidade é bastante abrangente, pois envolve características dos diversos elementos relacionados aos sistemas de transporte. Os pedestres e ciclistas aparecem dentre os mais afetados por barreiras impostas devido ao tráfego de veículos e suas características, como fluxo, velocidade, composição etc., ou por algum elemento de infraestrutura de transporte que cause uma dificuldade ou mesmo a impossibilidade da travessia (Figuras 1 e 2). Este é um problema crescente em diversas cidades e necessita de um melhor entendimento dos gestores e planejadores urbanos na tentativa de fortalecer cada vez mais os transportes não motorizados e coletivos.
O termo “efeito barreira” está relacionado aos impactos causados pelo tráfego veicular, que por sua vez contribui para a degradação do ambiente para deslocamentos não motorizados (Litman, 2011Litman, T. (2011). Transportation Cost and Benefit Analysis II - Barrier Effect (2o ed, Número March). VTPI, Victoria Transport Policy Institute. www.vtpi.org/tca/tca0513.pdf
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). O termo “Separação de Comunidades”, em inglês “Community Severance” é definido como quando o tráfego de veículos motorizados ou uma infraestrutura de transporte exerce o papel de barreira física ou psicológica à movimentação de pedestres, e ao cortar comunidades, interrompem a mobilidade a pé e a acessibilidade dos residentes locais (Anciaes et al., 2018Anciaes, P. R., Jones, P., & Metcalfe, P. J. (2018). A stated preference model to value reductions in community severance caused by roads. Transport Policy, 64(January), 10–19. https://doi.org/10.1016/j.tranpol.2018.01.007
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; Anciaes, Boniface, et al., 2016Anciaes, P. R., Boniface, S., Dhanani, A., Mindell, J. S., & Groce, N. (2016). Urban transport and community severance: Linking research and policy to link people and places. Journal of Transport and Health, 3(3), 268–277. https://doi.org/10.1016/j.jth.2016.07.006
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). Pode-se dizer que o termo “separação de comunidades” é mais abrangente no seu significado.
Desta forma, visando facilitar o entendimento deste fenômeno, Anciaes (2011)Anciaes, P. R. (2011). Urban transport, pedestrian mobility and social justice: a GIS analysis of the case of the Lisbon Metropolitan Area. (PhD. thesis). London School of Economics and Political Science, University of London, London. e Mindell e Anciaes (2020)Mindell, J. S., & Anciaes, P. R. (2020). Transport and community severance. In Advances in Transportation and Health (p. 175–196). Elsevier. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-819136-1.00007-3
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o definiram como sendo uma adaptação dos dois termos citados, como sendo a redução ou impedimento de interação entre diferentes regiões de uma cidade, acessos a redes sociais, bens e serviços necessários as pessoas, causados por infraestruturas de transporte e veículos que as utilizam. Além de possuir definições e termos diversificados, os estudos relacionados são variados na busca por maneiras de medir e caracterizar seus impactos, de acordo com diferentes abordagens.
Um dos estudos brasileiros mais citados neste tema é o de Mouette e Waisman (2004)Mouette, D., & Waisman, J. (2004). Proposta de uma metodologia de avaliação do efeito barreira. Revista dos Transportes Públicos - ANTP, 26(2o Trimestre), 33–54., que apresentaram uma proposta metodológica para avaliação destes efeitos sobre os pedestres, que foram divididos em quatro grupos (idosos, adultos, adultos acompanhantes e crianças). A pesquisa organizou-se basicamente em três variáveis: os elementos causadores (tráfego e via); os elementos de influência (características populacionais e do meio urbano); e os impactos decorrentes (acessibilidade e mobilidade de pedestres). Os pesquisadores puderam concluir que os impactos causados nos pedestres prejudicam mais a mobilidade de idosos e crianças, seguidos pelos adultos acompanhantes.
Silva Júnior e Ferreira (2008)Silva Júnior, S. B. da, & Ferreira, M. A. G. (2008). Rodovias em áreas urbanizadas e seus impactos na percepção dos pedestres. Sociedade & Natureza, 20(1), 221–237. https://doi.org/10.1590/s1982-45132008000100015
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selecionaram impactos relevantes para o efeito barreira referente a alterações importantes no comportamento da população lindeira a um trecho urbano de rodovia federal em Minas Gerais. Para isso, inicialmente foi aplicado um questionário por meio de uma amostragem populacional, para que em seguida, fossem classificadas as variáveis e seus respectivos atributos através da utilização do método dos intervalos sucessivos. Os impactos mais relevantes (chamados de variáveis) resultaram, da maior para menor relevância: insegurança; dificuldade durante a travessia; desestímulo ao uso de passarelas; alteração no número de viagens; e alteração na qualidade ambiental. A pesquisa mostrou haver uma efetiva restrição à mobilidade dos pedestres causadas pela rodovia, caracterizada como barreira, além de conhecer qual a importância dos atributos que causam as restrições.
A duplicação de trechos de rodovias em perímetros urbanos, ao mesmo tempo que proporciona maiores velocidades e aumento da capacidade do sistema rodoviário, em parte dos casos amplia as dificuldades de travessias, geralmente afetando de modo mais impactante a população que vive no entorno. De Andrade e Tavares (2017)De Andrade, M. O., & Tavares, L. M. (2017). Impactos Da Duplicação De Uma Rodovia Federal Sobre a Mobilidade e a Acessibilidade em uma Pequena Cidade Nordestina. Revista Produção e Desenvolvimento, 3(3), 101–116. https://doi.org/10.32358/rpd.2017.v3.214
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, corroboraram com esta tese, demostrando que uma duplicação de um trecho urbano da BR-101 causou maiores impactos na mobilidade e acessibilidade da população local como: aumento do tempo de viagem (usuários do transporte coletivo e das pessoas que habitam bairros mais afastados); desestímulo ao uso das passarelas pelos pedestres (problemas de insegurança social, desconforto na caminhada e poucas travessias existentes). Outro fator de destaque são os possíveis impactos urbanos como por exemplo: segregação socioespacial; descontinuidade das vias e de fluxos; e tendências de mudanças nos usos do solo (no entorno da rodovia, ou em outras regiões da cidade que ficaram menos acessíveis após a duplicação).
Em pesquisa que analisou práticas existentes sobre métodos quantitativos para análise de separação de comunidades, Anciaes, Jones e Mindell (2016)Anciaes, P. R., Jones, P., & Mindell, J. S. (2016). Community Severance: Where Is It Found and at What Cost? Transport Reviews, 36(3), 293–317. https://doi.org/10.1080/01441647.2015.1077286
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relataram que quando bairros são separados do resto da malha urbana por infraestruturas de transporte, como rodovias, grupos de pessoas, suas percepções, experiências, restrições e necessidades de mobilidade e acessibilidade, além da delimitação das áreas afetadas, podem variar muito. As barreiras também podem impactar decisivamente a população considerada mais vulnerável à mobilidade e à acessibilidade, como as pessoas com limitações de saúde ou física, idosos ou crianças. Outras limitações também podem ser consideradas, tais como: os modos de transporte disponíveis; os destinos; desemprego; baixa renda; minorias étnicas; dentre outras.
Além disso, os mesmos autores concluíram que ainda é necessária uma quantidade maior de pesquisas com foco em como as pessoas se deslocam, incluindo o uso de indicadores objetivos, para que seja possível entender o tamanho e a natureza dos problemas decorrentes da separação de comunidades, principalmente sobre os grupos mais vulneráveis. Destacou-se ainda que a avaliação dos impactos decorrentes deve considerar as relações entre questões sociais, do ambiente construído e transporte, ou seja, uma abordagem multidisciplinar.
Na linha da interdisciplinaridade no processo de caracterização da separação de comunidades e na busca por esforços em diminuir gastos de tempo e recursos financeiros com pesquisas tradicionais, Lara e Rodrigues da Silva (2019)Lara, D. V. R., & Rodrigues da Silva, A. N. (2019). Equity issues associated with transport barriers in a Brazilian medium-sized city. Journal of Transport and Health, 14(January), 100582. https://doi.org/10.1016/j.jth.2019.100582
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lançaram mão do uso de dados censitários, geolocalização e análise de dados visando caracterizar o efeito barreira causado por uma ferrovia e a igualdade na distribuição da população diretamente afetada em termos de características demográficas (população com mobilidade reduzida permanente, faixa de renda, idade e sexo) com os tipos e qualidade das travessias existentes. A pesquisa encontrou evidências de que a população idosa e com restrições à mobilidade vivem mais próximas das melhores travessias. Em contrapartida, as pessoas de menores faixas de renda ou com idade inferior a 19 anos tendem a viver no entorno das áreas com as piores condições de passagem.
Uma situação como a observada acima pode também ocorrer em rodovias que atuam como barreiras em trechos urbanos. Nestes locais há possibilidade de diferentes tipos de travessias (locais com pouca ou nenhuma oportunidade de passagem, altas velocidades e volumes veiculares), além de uma distribuição demográfica ao longo da estrutura viária desigual para grupos considerados mais vulneráveis nas questões que envolvem a separação de comunidades e a consequente redução da acessibilidade e mobilidade destas pessoas.
Um estudo que visou medir a disponibilidade de uma população em pagar por melhorias que diminuíssem os impactos da separação de comunidades numa cidade espanhola, Grisolía et al. (2015)Grisolía, J. M., López, F., & de Dios Ortúzar, J. (2015). Burying the Highway: The Social Valuation of Community Severance and Amenity. International Journal of Sustainable Transportation, 9(4), 298–309. https://doi.org/10.1080/15568318.2013.769038
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, mesmo numa pesquisa limitada em relação a amostra e já tendo considerada a proposição de um túnel no trecho rodoviário caracterizado como barreira, concluíram haver uma elevada disposição a pagar por melhorias, por parte da população afetada.
Em outra pesquisa realizada por Anciaes et al. (2018)Anciaes, P. R., Jones, P., & Metcalfe, P. J. (2018). A stated preference model to value reductions in community severance caused by roads. Transport Policy, 64(January), 10–19. https://doi.org/10.1016/j.tranpol.2018.01.007
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em quatro trechos urbanos de rodovias inglesas, por meio do uso do método de preferência declarada, os participantes foram indagados sobre a possibilidade de atravessar ou não os segmentos rodoviários em diferentes cenários, que contemplavam desde alterações no desenho das vias, cenários de fluxos e velocidades inferiores ao normal e até questões econômicas, como serviços comerciais e de transporte mais baratos do outro lado da estrada. Os resultados apontaram que todas as intervenções propostas para reduzir os obstáculos impostos pela infraestrutura rodoviária obtiveram um impacto positivo entre os entrevistados. A propensão geral em atravessar a rodovia e lograr as economias nos serviços buscados estão sujeitas as características dos participantes (idade, dificuldade de locomoção e sexo). Mulheres, idosos e pessoas com restrições à mobilidade são mais vulneráveis às perdas de acessibilidade em caminhadas com alta incidência em optarem por não atravessar a via, mesmo com vantagens econômicas nos pontos de interesse do outro lado.
Por se tratar de um tema de caráter interdisciplinar, pode ser analisado ao menos em seis áreas de abordagem: espacial (áreas de influência); temporal (alterações nos deslocamentos ao longo do tempo); objeto de análise (quem é afetado pela barreira?); informações (coleta de dados); soluções políticas para o problema; e engajamento da comunidade (identificação e participação). Entender este fenômeno como algo que produz uma cadeia de efeitos e em diferentes áreas, torna possível a realização de análises por métodos e níveis de complexidade diversificadas, podendo ajudar os pesquisadores a localizar sua própria perspectiva em relação a outras áreas (Anciaes, Boniface, et al., 2016Anciaes, P. R., Boniface, S., Dhanani, A., Mindell, J. S., & Groce, N. (2016). Urban transport and community severance: Linking research and policy to link people and places. Journal of Transport and Health, 3(3), 268–277. https://doi.org/10.1016/j.jth.2016.07.006
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).
Outros impactos negativos também podem ser associados às barreiras causadas por rodovias, que possuem uma relação inversa com a condição de saúde das pessoas afetadas. Em pesquisa realizada no Reino Unido, com mais de 4000 respostas de um questionário online sobre saúde, chegou-se à conclusão de que estar nos grupos com índices de separação de comunidade mais altos, associou-se as piores autoavaliações de saúde (Higgsmith et al., 2022Higgsmith, M., Stockton, J., Anciaes, P., Scholes, S., & Mindell, J. S. (2022). Community severance and health – A novel approach to measuring community severance and examining its impact on the health of adults in Great Britain. Journal of Transport & Health, 25(March 2021), 101368. https://doi.org/10.1016/j.jth.2022.101368
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).
A redução das viagens a pé ou de bicicleta está diretamente ligada a maior duração das viagens, em decorrência de desvios para as travessias, ou ainda devido à queda de qualidade do ambiente urbano para estes modos de transporte. Perda da mobilidade e acessibilidade a bens, serviços e contatos sociais, além de certo isolamento social, a longo prazo poderá trazer prejuízos à saúde (Mindell & Anciaes, 2020Mindell, J. S., & Anciaes, P. R. (2020). Transport and community severance. In Advances in Transportation and Health (p. 175–196). Elsevier. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-819136-1.00007-3
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).
Assim foi possível observar brevemente que existem diversos tipos de abordagens que vêm sendo realizadas a respeito do efeito barreira ou da separação de comunidades. Entretanto é necessário incluir pesquisas que analisem os impactos econômicos nas rendas familiares em conjunto com características como os padrões de viagem, aquisição veicular e suas relações com o objeto causador da separação ou barreira na comunidade local.
Os impactos do transporte no orçamento familiar
São variados os impactos que o transporte urbano pode causar na vida das pessoas. Gomide (2003)Gomide, A. D. Á. (2003). Transporte Urbano e Inclusão Social: elementos para políticas públicas. In IPEA (Org.), IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. IPEA. https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_0960.pdf
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divide os impactos do transporte sobre a pobreza em duas partes: impactos indiretos e diretos. Os impactos indiretos são referentes às externalidades do transporte e seus efeitos sobre a economia das cidades (congestionamentos, deseconomias, baixa competitividades etc.). Já os efeitos diretos estão relacionados às restrições e às oportunidades de trabalho dos mais pobres, que influenciam na procura do emprego devido, por exemplo, ao deslocamento até o trabalho e do local de moradia, bem como podem dificultar o acesso a serviços básicos (como saúde e educação). Estes impactos podem ser em decorrência da inexistência, precariedade e/ou das altas tarifas dos serviços de transporte coletivo oferecidos.
A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2017-2018) dispõe sobre “Despesas de Consumo”, em que se enquadra despesas como transporte, habitação, alimentação, saúde, educação, vestuário, higiene, recreação, dentre outras, sendo estas as responsáveis por cerca de 81% da estrutura de despesas familiares em 2017. Dentro das despesas com transporte estão as: despesas habituais (ônibus, táxi, metrô, trem, transporte alternativo, aquisições de combustível para veículo próprio, manutenção e acessórios, aquisição de veículos etc.); e outras despesas (estacionamento, pedágio, seguro obrigatório etc.) (IBGE, 2019Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2019). Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: primeiros resultados. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 07 de julho de 2021, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101670.pdf.
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).
A POF 2017-2018 apresenta que a participação do transporte nos gastos familiares fica atrás somente da habitação (36,6%), na média da população urbana nacional, com 18,1% das despesas, superando pela primeira vez a participação da alimentação (17,5%) nos gastos familiares. O gráfico da Figura 3 apresenta, de forma sintetizada, os números encontrados nas últimas pesquisas de orçamentos familiares. Nela é possível observar que as despesas com transporte aumentaram entre 2002-2003 e 2008-2009 e apesar de terem diminuído a participação em 2017-2018, se consolidaram na segunda posição entre as despesas de consumo, a frente de gastos com alimentação. Valem destaque o vestuário e a alimentação que decresceram nas três pesquisas, além do constante aumento da participação dos gastos com habitação e educação nas despesas (IBGE, 2004Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2004). Pesquisa de orçamentos familiares 2002-2003: primeiros resultados, Brasil e Grandes Regiões. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 22 de agosto de 2022, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50063.pdf.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
, 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2010). Pesquisa de Orçamento Familiares 2008-2009: despesas, rendimentos e condições de Vida. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 22 de agosto de 2022, de http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv81830.pdf.
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizac...
, 2019Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2019). Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: primeiros resultados. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 07 de julho de 2021, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101670.pdf.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
).
– Distribuição da participação das despesas de consumo nos orçamentos familiares brasileiros. Fonte: IBGE (2004Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2004). Pesquisa de orçamentos familiares 2002-2003: primeiros resultados, Brasil e Grandes Regiões. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 22 de agosto de 2022, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50063.pdf.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza... ; 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2010). Pesquisa de Orçamento Familiares 2008-2009: despesas, rendimentos e condições de Vida. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 22 de agosto de 2022, de http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv81830.pdf.
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizac... ; 2019Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2019). Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: primeiros resultados. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 07 de julho de 2021, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101670.pdf.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza... ).
Esta consolidação dos transportes na segunda posição dos gastos familiares pode ser em decorrência do aumento dos preços dos combustíveis e das tarifas do transporte público coletivo acima da inflação, além das linhas de crédito que facilitaram a aquisição de veículos por meio de financiamentos a juros baixos na última década, são alguns fatores que podem ter contribuído para a alta nos gastos com transportes nos orçamentos familiares.
Visando compreender os gastos das famílias com o transporte urbano, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada analisou o caso de nove regiões metropolitanas de capitais brasileiras e utilizou-se dos dados da POF 2008-2009. Concluiu-se que em função da menor renda, as famílias que vivem no colar metropolitano, comprometeram mais seus orçamentos com transporte, em comparação com as famílias que vivem nas capitais. Nos gastos com transporte público, as maiores fatias se encontram nas famílias que vivem no colar metropolitano, que em geral, possuem menores rendas e necessitam percorrer maiores distâncias para suas atividades diárias (IPEA, 2012Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA. (2012). Gastos das famílias das regiões metropolitanas brasileiras com transporte urbano. Brasília: IPEA (n. 154). Recuperado em 01 de julho de 2021, de http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/120920_comunicadoipea0154.pdf.
http://www.ipea.gov.br/portal/images/sto...
).
Quanto aos gastos com transporte privado, a aquisição dos veículos é responsável pelas maiores fatias desta despesa, independentemente do local de moradia. Entretanto, entre as famílias que vivem nas áreas metropolitanas há uma maior participação de despesas relacionadas à manutenção e ao combustível, em comparação com as das capitais. Além disso, as maiores distâncias a serem percorridas aumentam ainda mais estes gastos (IPEA, 2012Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA. (2012). Gastos das famílias das regiões metropolitanas brasileiras com transporte urbano. Brasília: IPEA (n. 154). Recuperado em 01 de julho de 2021, de http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/120920_comunicadoipea0154.pdf.
http://www.ipea.gov.br/portal/images/sto...
). Quando se trata de gastos com transporte urbano por estrato de renda, Gomide (2004)Gomide, A. D. Á. (2004). Transporte urbano e inclusão social: elementos para políticas públicas. Revista dos Transportes Públicos - ANTP, 24, 15–48. http://www.antp.org.br/_5dotSystem/download/dcmDocument/2013/01/10/412EF946-429F-4C64-A356-731E19871B19.pdf
http://www.antp.org.br/_5dotSystem/downl...
argumenta que a renda familiar é determinante na mobilidade sendo que quanto maior a renda, maior será a capacidade de se locomover pela cidade. Analisando questões como exclusão social, mobilidade e acessibilidade, Lima e Portugal (2019)Lima, G. C. L. de S., & Portugal, L. da S. (2019). Exclusão Social, Mobilidade e Acessibilidade. Anais do 33o Congresso de Pesquisa e Ensino em Transporte da ANPET, 12. destacaram que a renda é um fator de dificuldade que pode ser impeditivo ao acesso de famílias e indivíduos a atividades diversas. Em muitos casos, uma alta parcela da renda familiar acabará sendo destinada às despesas relativas ao veículo individual motorizado (aquisição, manutenção, combustível etc.), onde há, de certa maneira, a superação da dificuldade de acesso a determinadas atividades/serviços. Entretanto, os efeitos negativos causados no orçamento familiar poderão acarretar outros problemas no futuro.
Dessa forma, é possível observar que as pessoas estão comprometendo seus orçamentos familiares na busca por transporte privado visando melhorar sua mobilidade. Este fato ainda pode ser mais recorrente no caso das populações que vivem nas áreas periféricas de médias e grandes cidades ou em áreas metropolitanas, que, em muitos casos, são cortadas por sistemas de transporte rodoviários. Nestas áreas, o efeito barreira causado por tais infraestruturas tem contribuído negativamente na mobilidade e acessibilidade das pessoas à medida que dificulta as ligações destas regiões com as principais áreas de concentração de serviços urbanos. Além disso, pode contribuir significativamente com itinerários maiores do transporte coletivo por ônibus, aumento dos tempos de viagem, dificuldades nas travessias, insegurança viária etc., que somadas às grandes distâncias, corroboram na busca por alternativas para o transporte, comprometendo de modo decisivo suas rendas.
Materiais e Métodos
A região de estudo é compreendida por 15 ZT adjacentes ao trecho urbano da PR-445 em Londrina/PR, a partir do cruzamento com a Av. Arthur Thomas no Jd. Novo Sabará (próximo à divisa com Cambé/PR) até o acesso ao Conjunto Jamile Dequech (ao sul), totalizando 12,1 km de extensão. Trata-se de uma infraestrutura rodoviária duplicada (duas pistas com duas faixas de rolamento, acostamento e barreira de concreto ao centro) e dotada de vias marginais em quase todo o trecho (10,0 km). Possui grande volume veicular local e de passagem e altas velocidades (80 km/h). Ao todo são dez travessias em desnível para veículos e pedestres e mais quatro passarelas para pedestres, totalizando 14 oportunidades de transposição (Figura 4).
– Área de estudo: trecho da PR-445 em Londrina, as ZT lindeiras e as travessias existentes. Fonte: Autores (2021).
Para o caso específico deste estudo foi utilizada a Pesquisa Domiciliar de Londrina realizada no ano de 2018 para execução do Plano de Mobilidade. A pesquisa compreende informações relacionadas aos padrões de viagens e aspectos socioeconômicos de uma amostra representativa de domicílios, famílias, indivíduos e viagens. A pesquisa está disponível em formato de planilha eletrônica no site do Instituto de Planejamento e Pesquisa de Londrina - IPPUL (2018)Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina - IPPUL. (2018). Banco de Dados Domiciliar 2018. Londrina: IPPUL. Recuperado em 10 de junho de 2021, de https://ippul.londrina.pr.gov.br/index.php/plano-de-mobilidade.html.
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Esta pesquisa foi realizada em 91 ZT que foram construídas a partir dos 717 setores censitários do Município de Londrina. Os dados sociodemográficos destas ZT foram atualizados para o ano de 2018. A partir destes dados foram feitos os seguintes procedimentos:
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• Seleção das ZT lindeiras e/ou cortadas pela rodovia PR-445 em seu trecho urbano em Londrina;
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• Utilização dos dados de viagens (produzidas e atraídas) entre as ZT selecionadas;
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• Seleção de variáveis relacionadas às características sociodemográficas e padrões de viagens da amostra da população residente nas ZT em estudo, tais como: número de viagens; população; número de automóveis; renda média do domicílio; número de automóveis por domicílio; e viagens por domicílio;
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• Construção de mapas temáticos da área de estudo;
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• Construção de uma matriz de correlação estatística entre as variáveis.
Os mapas temáticos foram confeccionados com base em variáveis que relacionavam densidade demográfica, renda, propriedade de automóveis, motocicletas e quantidade de viagens produzidas e atraídas em cada ZT.
Para estimar as tendências e correlações do conjunto de dados utilizados na pesquisa, optou-se pela regressão linear, modelo econométrico básico, pois com ele é possível prever o valor de variáveis dependentes como uma função da variável independente. Foram realizados os seguintes procedimentos:
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• Obtenção das taxas de motorização de cada ZT, oriundos das variáveis utilizadas na etapa anterior e da Pesquisa Domiciliar da Cidade de Londrina de 2018 divididos entre: número de veículos/domicílio (ZT); número de automóveis/domicílio (ZT); e número de motocicletas/domicílio (ZT);
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• Aplicação da Regressão linear simples a fim de obter pistas sobre as relações entre as variáveis envolvidas, sendo “Y” a variável resposta (dependente), tratada como aleatória, além de “X” a variável preditora (independente). A Tabela 1 a seguir apresenta um resumo das três análises realizadas para cada uma das ZT.
A escolha por não usar a regressão linear múltipla, justificou-se devido a utilização de Renda e População como variáveis preditoras (X1 e X2) apontarem que os dados populacionais não foram significativos para explicar a posse de veículos, automóveis e motocicletas por domicílio por ZT. Por isso não foi considerada esta variável (população) como sendo explicativa na análise realizada nesta pesquisa. Dessa forma, optou-se por considerar apenas a renda como sendo a variável independente (X) e realizar regressão linear simples com cada uma das variáveis dependentes determinadas.
Por fim, os resultados adquiridos com a regressão linear simples aplicada foram resumidos numa tabela e analisados com base na relação funcional entre as variáveis.
Análise dos Resultados
A análise dos dados da pesquisa domiciliar de Londrina 2018 permitiu um recorte das ZT lindeiras e/ou cortadas pela PR-445. Esta análise permitiu associar os dados de geração de viagens e estimar o grau de relação entre as variáveis independentes em questão: população da ZT; viagens/ZT; número de autos/ZT; renda média do domicílio na ZT; autos/domicílio na ZT; viagens/domicílio; e viagens internas/ZT.
Na Tabela 2 tem-se as correlações entre as variáveis independentes citadas anteriormente. Pode-se destacar as correlações para as variáveis “Nº Autos/ZT” e “Viagens/ZT”, “Autos/dom. na ZT” e “Renda Média do Dom. na ZT”, com altas correlações positivas indicando uma interdependência entre estas variáveis. Neste caso é possível reconhecer que a maior renda está diretamente relacionada a maior possibilidade de famílias adquirirem automóveis e, por conseguinte, terem maiores possibilidades de realizarem viagens. É possível destacar também que a variável “Viagens/Dom.” tem correlação positiva com “Renda Média do Dom. na ZT” e “Autos/Dom. na ZT”. Isto corrobora com o argumento de que a quantidade de viagens por domicílio está ligada a características socioeconômicas como renda média e posse de automóveis.
Conforme a Figura 5, no trecho da PR-445 de aproximadamente 2,3 km (situado entre as Avenidas Madre Leônia Milito e Harry Prouchet) existem cinco possibilidades de transposição da rodovia, o que dá aproximadamente uma travessia a cada 500 m. Por outro lado, na parte sul do mapa da Figura 5 (trecho de aproximadamente 4 km entre a Avenida 10 de Dezembro e a Rua dos Horticultores) ocorre o oposto do trecho anterior. Há menos travessias, portanto, estas estão a uma distância maior umas das outras, ou seja, aproximadamente uma travessia a cada 1000 m.
Esta característica demonstra uma desigualdade de infraestruturas para a transposição da rodovia dentro do trecho estudado, sendo ainda mais acentuada sobre as populações com menores rendas médias, como são os casos das ZT 5001, 5002, 5101 e 5201. Este fato pode desencadear numa piora das condições de acessibilidade e mobilidade destas pessoas decorrentes das maiores distâncias a serem percorridas, da insegurança viária, do acréscimo de tempo nos deslocamentos, da possível piora nos serviços de transporte coletivo, o que pode forçar a busca por novas maneiras de se deslocar, sendo prováveis os impactos na renda destas famílias.
Com relação à produção de viagens, relacionadas a variáveis como população, renda e propriedade de veículos, na Figura 6 pode-se observar uma maior produção de viagens nas zonas com maiores rendas médias: ZT 3901, 3702 e 3703. Além disso, estas ZT possuem altas densidades populacionais e estão localizadas nas áreas com maiores oportunidades de travessias da PR-445 e em função da renda possuem maior propriedade de veículos motorizados (Tabela 3).
As ZT 4301, 4401 e 4501, apesar de possuírem altas rendas médias, são regiões de baixa densidade populacional e, consequentemente, produzem menos viagens. Isso ocorre devido à existência de muitos vazios urbanos (por ser de ocupação mais recente), além da presença de condomínios horizontais caracterizados por baixas densidades. Vale frisar ainda a ZT 5501 (localizada em maior parte a sudoeste da rodovia) possui em sua área a presença de um grande polo gerador de tráfego - PGT (um campus de uma universidade pública) que pode ter alavancado a geração de viagens.
Por outro lado, existem regiões populosas e povoadas, mas com geração de viagens relativamente menor (como são os casos das ZT 5001, 5002 e 5201). Estas zonas de tráfego se caracterizam por menores rendas médias e por estarem em locais com menos oportunidades de travessias da PR-445, conforme já mencionado.
Na Figura 7 observa-se certa similaridade de viagens produzidas e atraídas nas zonas de maiores rendas médias e maiores oportunidades de travessias. Destaque para as ZT 4401 (onde se localiza uma universidade privada), a ZT 4301 (região com um shopping center) e a ZT 5501 (onde está a universidade pública, que mesmo se caracterizando por áreas com população pouco densas, apresentam-se como áreas de destaque em atração de viagens).
As ZT 5002 e 5201 (localizadas na parte mais a sudeste da Figura 7) constituem-se sobretudo por regiões de pouca atração de viagens, mesmo a ZT 5002 possuindo densidade populacional similar as àquelas zonas com maiores produções de viagens. Estas características podem ser em decorrência do difícil acesso, pois existem menos travessias da PR-445, além de se caracterizarem por áreas majoritariamente residenciais.
A propriedade de veículos motorizados pode ser um indicador de renda, entretanto muitas vezes também possibilita demonstrar a necessidade em suprir carências provocadas por diversos fatores, dentre eles: a existência de barreiras urbanas, grandes distâncias e a deficiência do transporte público urbano, que em muitos casos, não atende de modo satisfatório a estas regiões, em geral periféricas e ocupadas por populações de baixa renda.
Na Figura 8, a partir das densidades de pontos, visualmente é possível observar uma maior concentração da propriedade de automóveis em ZT bem distintas com relação à renda média de seus habitantes. Mesmo em zonas de menor renda média, o mapa demonstra que a propriedade de automóveis é similar às zonas de maior renda média, considerando a densidade de pontos. As áreas com rendas médias maiores localizam-se na região onde se concentram uma maior quantidade de infraestrutura viária, o que possibilita maiores oportunidades de travessia da PR-445 por outros modos de transporte, possivelmente reduzindo a dependência de automóveis. Em contrapartida, nos bairros mais afastados e a sudeste no mapa (caracterizados por menores rendas médias), a propriedade de automóveis pode estar ligada ao fato de estes bairros serem mais vulneráveis ao efeito barreira da rodovia e podendo levar seus moradores a investir em outras alternativas de transporte, na esperança de diminuírem os tempos de viagem e consequentemente melhorar a mobilidade.
Outra característica interessante é a maior quantidade de propriedade de motocicletas nas áreas caracterizadas por menores rendas médias, conforme a observação visual da densidade de pontos da Figura 9. Neste caso, a motocicleta, por ser um veículo mais acessível financeiramente às famílias com menores rendas médias, tem potencial de se tornar uma opção ao transporte coletivo e ao automóvel. Vale frisar que as observações oriundas dos mapas de densidade de pontos, nos forneceu uma análise qualitativa da propriedade de veículos/domicílio, podendo incorrer em conclusões nem sempre condizentes com a realidade, sendo pertinente uma análise quantitativa dos dados. Esta parte da pesquisa será apresentada mais adiante.
A presença de barreiras urbanas e de um PGT como um shopping center pode alavancar o volume de deslocamentos internos de uma região ou bairro. Nas ZT ao longo do trecho da PR-445 em Londrina, conforme a Figura 10, apresenta uma variada ocorrência no quantitativo de viagens internas por ZT. Nas áreas compostas das ZT 3703 e 3901, a ocorrência de grande quantidade de viagens internas se deve principalmente ao fato de serem áreas de alta renda média e alta densidade populacional.
A localização de um campus universitário (ZT 5501), mesmo não se caracterizando por uma região de alta renda média e alta concentração populacional, possui grande quantitativo de viagens internas devido à localização de diversos bairros que abrigam moradias de estudantes no entorno da instituição. A ZT 4301 possui destaque neste quesito impulsionado pela presença de um shopping center na margem sudoeste da PR-445.
As zonas localizadas na parte sudeste da área de estudo (conforme a Figura 10) com poucas travessias ao longo da rodovia e podendo ser mais vulneráveis ao efeito barreira, apresentaram maiores volumes de viagens internas, principalmente as ZT 5201, 4602, 5001 e 5002. Vale ressaltar o caso específico da ZT 5201, na qual tem-se um conjunto habitacional de média-baixa renda e alta densidade populacional, que possui uma única travessia da rodovia e conexão a outras regiões de Londrina. Tais características somadas a condições econômicas desfavoráveis, diminuem o potencial de realização de viagens urbanas da população, podendo estimular viagens internas e de curtas distâncias. Tal situação ainda poderá com o tempo estimular o surgimento de comércios e serviços de pequeno porte, na busca por suprir necessidades mais emergenciais dos locais.
Taxas de motorização e renda média por domicílio nas zonas de tráfego
Com as taxas de motorização das zonas de tráfego em estudo calculados, estes foram resumidos, apresentados e ordenados de acordo com a renda média do domicílio por ZT na Tabela 3 e em seguida utilizados na análise de regressão linear simples.
Inicialmente foram plotados os gráficos de dispersão para obter visualmente a intensidade da relação ou da associação entre duas variáveis. Em se tratando do número de automóveis e número de veículos por domicílio por ZT, relacionados com a renda média do domicílio por ZT (Gráficos I e II da Figura 11), é possível caracterizar a relação como linear e positiva, pois como o esperado conforme maior a renda de uma ZT, maiores as taxas de automóveis e veículos por domicílio.
Se tratando das motocicletas, o Gráfico III da Figura 11 apresenta características de uma relação fraca e negativa entre a quantidade de motos por domicílio por ZT e a renda média do domicílio por ZT. Há indícios de que ZT de menores rendas médias possuam mais motocicletas por domicílio, entretanto há poucas diferenças entre as taxas das ZT estudadas, embora o mapa da densidade de pontos (Figura 8) tenha sugerido uma relação mais evidente.
Com a análise de regressão linear, no geral foi possível conhecer um pouco da relação entre as variáveis analisadas e as diferenças encontradas entre as ZT estudadas ao longo da rodovia. Esta análise corroborou com o fato de que as ZT com rendas mais elevadas tendem a possuir maiores taxas de veículos individuais motorizados, sobretudo os automóveis. A exceção ficou a cargo das motocicletas, que assim como já mencionado a partir da correlação (Tabela 1), do mapa de densidade de propriedade de motocicletas por ZT (Figura 9) e do gráfico de dispersão (Gráfico III – Figura 10), as classes de renda mais baixas apresentaram maiores taxas que as ZT de maiores rendas.
Conforme os dados da Tabela 4, o R2 apontou que 68% e 79% da variação das taxas de automóveis e veículos respectivamente, são explicadas pela variação da renda. Além disso, com os valores de F e valor-P menores que 0,05 é possível confirmar a existência de relação linear das duas variáveis com a renda.
Analisando os coeficientes, no caso dos automóveis, para cada acréscimo de R$ 3000,00 na renda média domiciliar da ZT, poderia representar uma unidade a mais no valor da taxa de autos por domicílio por ZT. Já para os veículos a previsão apontou que para cada R$ 2000,00 de acréscimo na renda média domiciliar da ZT, poderia haver uma unidade a mais na taxa de veículos por domicílio por ZT. Esta diferença se deu possivelmente pela taxa de veículos agregar carros e motos.
Para as motocicletas, os valores de F e da variável X1 do valor-P inferiores a 0,05 confirmam não haver relação linear entre as variáveis. Quanto aos coeficientes (interseção e variável X1), a previsão apontou que para cada R$ 1000,00 de aumento na renda significaria uma queda de 0,02 na taxa de motocicletas por domicílio, valor esperado, já que as taxas entre as ZT são muito próximas.
Ainda sobre as taxas de motocicletas por domicílio por ZT, não é possível afirmar que menores rendas significam maiores quantidades de motocicletas. Entretanto as ocorrências das duas maiores taxas em ZT com rendas abaixo de R$ 2500,00 (5501 e 5002 – Tabela 3) somadas às maiores densidades de motocicletas (Figura 9) terem sido encontradas também em ZT de menores rendas (5001 e 5002) ou cortadas pela rodovia (5501) sugerem que tais características podem ser recorrentes em famílias de menor renda e que vivem a sudoeste da PR-445, ou seja, necessitando transpor a rodovia para conectar-se às regiões de maior concentração de comércios, serviços e oportunidades de emprego em Londrina, sobretudo nas áreas meridionais do local de estudo, onde, além das maiores distâncias, as oportunidades de transposição são mais raras. Tais características podem contribuir para uma possibilidade de menor eficiência do transporte público coletivo, para a perda de competitividade das viagens não motorizadas e na caracterização da rodovia como uma barreira a mobilidade e acessibilidade destas pessoas. Devido a estas situações, mesmo não tendo condições de renda, muitas famílias são levadas a comprometer seus orçamentos na aquisição de motocicletas, buscando melhores condições de mobilidade.
Em complemento, quanto ao número de viagens por domicílio por ZT, em especial, a ZT 5201 (a sudoeste da PR-445), quando comparada com outras duas ZT de mesma faixa populacional (entre 4,5 mil e 6 mil habitantes), como as ZT 4501 e 2702 (a nordeste da rodovia e sem a necessidade de transposição da PR-445 para acesso às demais regiões de Londrina), apresentou ter maiores quantidades de viagem por domicílio. Quando comparada às outras ZT com mesmas faixas de renda (ZT 2702, 3601, 5001, 5002 e 5501, Tabela 3), o mesmo fenômeno ocorreu. Este resultado pode ter relação com a maior quantidade de viagens internas apresentada por esta ZT (como demonstrado na Figura 10), entretanto são necessários maiores aprofundamentos sobre outros aspectos populacionais (idade, gênero, empregabilidade etc.), além de mais informações a respeito do local (usos do solo, serviços existentes, o sistema de transporte público disponível etc.).
Ainda sobre as viagens internas, o estudo de caso mostrou haver uma relação com a baixa quantidade de travessias e as dificuldades na acessibilidade da população e coincidentemente, estas ZT são mais afastadas das áreas mais centrais da cidade. O resultado disso é que estas zonas com menor oportunidade de travessias da rodovia possuem maior número de viagens internas que podem ser decorrentes de um isolamento espacial. Por outro lado, este fenômeno acarreta o surgimento de comércios de bairro, tais como: açougues; mercados; padarias; barbearias; salões de beleza etc. Isto pode tornar estas regiões, até certo ponto, independentes de outras áreas urbanas. Também vale frisar que não há evidências de relação entre a quantidade de viagens internas e a propriedade de veículos.
Conclusões
As infraestruturas rodoviárias em trechos urbanos são elementos que impactam nos padrões de viagens das pessoas, sobretudo nas áreas onde as condições de transposição deste obstáculo são escassas. Existe uma configuração de uma concentração de populações de menores rendas nas áreas menos acessíveis envolta as barreiras, além de zonas com populações de maiores rendas e números mais elevados de geração de viagens nas proximidades das melhores condições de travessia. Todas estas características corroboram com a relação proporcional entre renda e propriedade de veículos individuais motorizados, cabendo as populações de menores rendas e que, em geral, sofrem mais os impactos nocivos das barreiras oriundas de rodovias urbanas, em muitas vezes ter de buscar alternativas que melhorem suas condições de acessibilidade e mobilidade na cidade, comprometendo seus orçamentos para a aquisição de veículos particulares.
O estudo das correlações estatísticas trouxe à tona uma boa correlação positiva entre renda média do domicílio com o número de viagens por domicílio o número de automóveis por domicílio, conforme esperado. No caso específico deste estudo e conforme a literatura vigente, maior renda do domicílio implica em maior poder para aquisição de automóveis.
Há evidências de que áreas com maiores rendas médias se concentram nos locais onde há as melhores oportunidades de travessias, portanto melhores acessos Isso corrobora para o argumento de que as infraestruturas rodoviárias se caracterizam como uma barreira aos deslocamentos das pessoas que vivem no seu entorno, sobretudo em regiões com poucas oportunidades de transposição e afetando mais diretamente a população de menor renda.
O perfil da renda e as oportunidades de travessia potencializam os deslocamentos. Por outro lado, áreas com menos oportunidades de transposição, em geral caracterizadas por rendas médias menores e que mais afastadas de áreas que têm demanda por viagens, são caracterizadas por menor quantidade de deslocamentos. Isto evidencia que uma série de modificações que criam valorização do solo ao longo das áreas com mais travessias, resulta em uma ocupação por famílias de poder aquisitivo superior e, portanto, em termos relativos, com maior possibilidade de ter mais mobilidade e acessibilidade aos serviços urbanos.
Áreas urbanas periféricas, constituídas por população de menor renda e sob efeito de uma barreira causada por uma rodovia, estão mais suscetíveis a se caracterizarem por serem mais dependentes dos veículos individuais motorizados, especialmente as motocicletas que são mais acessíveis economicamente. Isto se deve, pois é uma forma das pessoas lograrem mais acesso e mobilidade, já que as grandes distâncias dos locais de emprego/serviços, possíveis deficiências do transporte coletivo, a presença da rodovia, além da pouca oportunidade de travessias são amenizados com o transporte privado. Outro aspecto importante deste contexto é a possibilidade de que muitas destas famílias estão propensas a comprometerem suas rendas na busca por estas alternativas de transporte, ao invés de investirem mais recursos financeiros em itens básicos, tais como: saúde; educação; alimentação etc.
A análise sobre os impactos que barreiras formadas por infraestruturas rodoviárias causam em áreas urbanas é passível de amplas discussões e análises. A busca por relação entre a ocorrência deste fenômeno urbano com as características socioeconômicas da população, seguidas de seus padrões de viagem, fornecem informações importantes acerca das possíveis dificuldades em relação a mobilidade e acessibilidade, bem como de maiores investigações sobre o comprometimento da renda familiar na busca por alternativas de mobilidade que amenizem os impactos negativos advindos do efeito barreira. Além disso, futuras investigações podem procurar estabelecer comparações entre os padrões de viagem de populações de características socioeconômicas semelhantes, mas que têm ou não a presença de uma rodovia urbana como uma barreira nos seus deslocamentos cotidianos.
Declaração de disponibilidade de dados
O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste artigo está disponível no SciELO DATA e pode ser acessado em https://doi.org/10.48331/scielodata.3WJL2A
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Como citar: Neri, T. B., & Silva Júnior, C. A. P. (2023). O Efeito Barreira de Rodovia Urbana e os Impactos sobre a Mobilidade e Despesas com Transportes. urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 15, e20210264. https://doi.org/10.1590/2175-3369.015.e20210264
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Jun 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
24 Ago 2021 -
Aceito
12 Dez 2022