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Dever ser, ciência e ser na filosofia moral e na teoria jurídica: entre Mikhail Bakhtin e Hans Kelsen

RESUMO

Neste texto, construímos diálogos entre a filosofia moral de Mikhail Bakhtin e a teoria jurídica de Hans Kelsen, analisando os entornos das noções de dever ser, ciência e ser. Os objetivos são: lançar luzes sobre o fundamento jurídico de Bajtín (1997), na perspectiva da filosofia moral como prima filosofia, que abarca a filosofia da religião e a filosofia do direito (Bajtín, 1997; Simões, 2024); e apontar considerações éticas para as ciências, particularmente para o Direito e a Linguística. A pesquisa é bibliográfica e o corpus é constituído, centralmente, pelas obras Hacia una filosofía del acto etico (Bajtín, 1997) e Teoria geral do Direito e do Estado (Kelsen, 1990). Nossas conclusões apontam para as contribuições de Bajtín (1997) que parecem autorais para uma perspectiva do dever ser no mundo da vida; e para o debate da ética nas ciências, particularmente em torno da relação do cientista com o dever ser.

PALAVRAS-CHAVE:
Dever ser; Ciência jurídica; Ciência linguística; Mikhail Bakhtin; Hans Kelsen

ABSTRACT

In this text, we build dialogues between Mikhail Bakhtin’s moral philosophy and Hans Kelsen’s legal theory, analyzing the notions of ought to be, science, and being. The goals are to shed light on Bakhtin’s (1999) legal foundation, from the perspective of moral philosophy as philosophia prima, which encompasses the philosophy of religion and the philosophy of law (Bakhtin, 1999; Simões, 2024); and to point out ethical considerations for the sciences, particularly for Law and Linguistics. The research is bibliographical, and the corpus consists, centrally, of the works Toward a Philosophy of the Act (Bakhtin, 1993) and General Theory of Law and State (Kelsen, 1949). Our conclusions point to Bakhtin’s (1999) contributions, which appear to be authoritative for a perspective on the ought to be in the world of life; and for the debate on ethics in the sciences (Kelsen, 1949; Rajagopalan, 2011), particularly around the scientist’s relationship with the ought to be (Bakhtin, 1999).

KEYWORDS:
Ought to be; Legal science; Linguistic science; Mikhail Bakhtin; Hans Kelsen

Considerações iniciais

A noção de sujeito ativo, em Bakhtin (2015BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, notas e glossário Paulo Bezerra. Organização da. Edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015., 2023), encontra base na filosofia moral (Bajtín, 1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.), em que se concebe a atuação ética do homem na obrigação, no dever, de enformar. É o ativismo da forma por parte do homem (Bakhtin, 2023). A forma implica a singularidade da vida, na medida em que cada corpo humano individual é um centro único de irradiação de valores (Bajtín, 1997). Todo indivíduo opera com pensamento participativo-performativo e o ato responsável é a expressão de uma responsabilidade bilateral: da responsabilidade moral, com a qual se dá o fato singular da forma, e a responsabilidade especializada, com a qual o ato se volta objetivo na tendência ao infinito do conteúdo semântico e na múltipla valoração e inquietude do sentido (Bajtín, 1997).

No âmbito do fato singular da forma, é possível circunscrever categorias que, construídas no diálogo com o kantismo, a fenomenologia e filosofias da vida (cf. Simões, 2024SIMÕES, Pedro. Ética na ciência e na arte: a fenomenologia da responsabilidade de Mikhail Bakhtin. São Carlos, SP: Pedro & João Editores, 2024.), apontam as contribuições de Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.) para a filosofia do direito, e para a filosofia da linguagem. Autores (Liapunov, 1993LIAPUNOV, Vladimir. Prefácio. In: BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato. Trad. da Ed. Americana Toward a Philosophy of the Act. Austin: University of Texas Press, por Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza, 1993 (para fins didáticos).; Brandist; Marchezan, 2012BRANDIST, Craig; MARCHEZAN, Renata Coelho. O herói no tribunal da eternidade: a teoria jurídica do romance do Círculo de Bakhtin. Bakhtiniana, v. 7, n. 1, jun. 2012. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/9945/7573. Acesso em: 15 fev. 2024.
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) observam a relação entre a filosofia moral de Mikhail Bakhtin e a filosofia do direito e a teoria jurídica. Essa face bakhtiniana pode ser vista na obra Hacia una filosofia del acto ético (Bajtín, 1997), na qual o autor apresenta as bases de um método fenomenológico, em que a filosofia moral é filosofia primeira. A noção de ato responsável, bilateral, é central (Bajtín, 1997) e a linguagem (língua-discurso) é em sua plenitude a expressão do ato. Aí, a ciência é questionada do ponto de vista ético (Bajtín, 1997; Simões, 2024), no que diz respeito à relação do cientista com o dever ser e o ser.

O movimento das ciências, particularmente do Direito (Kelsen, 1990KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1990.; Rabenhorst, 2005) e da Linguística (Rajagopalan, 2011RAJAGOPALAN, Kanavillil. A norma linguística do ponto de vista da política linguística. In: LAGARES, Xoan Carlos; BAGNO, Marcos (Org.). Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2011.), de descrição das coisas como elas são, hegemonicamente ignora o político e, por isso, é um movimento eticamente indiferente. Ignorar o político é ignorar o dever ser, em indiferença em relação à vida, na consideração de que o fato singular da forma é um dado (ser) e um plantado (dever ser) no mundo (Bajtín, 1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.). O austríaco Hans Kelsen, particularmente na obra Teoria geral do Direito e do Estado, articula bases para a ciência jurídica, para uma teoria pura do direito, que não implica um direito puro, mas cujo método se propõe a ser axiologicamente neutro (Rabenhorst, 2005). “Kelsen segue um artigo de base da teoria analítica do direito esboçada por J. Austin e J. Bentham, a saber, o de que não existe nenhuma correlação entre o direito tal como ele é e o direito tal como ele deveria ser” (Rabenhorst, 2005, p. 121; destaques do autor).

Esse movimento acontece, também, na Linguística. Na pragmática, Rajagopalan (2003RAJAGOPALAN, Kanavillil. Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e a questão ética. São Paulo: Parábola, 2003., 2011) discute as políticas linguísticas e a questão ética. O autor debate a relação entre ser e dever ser, enquanto oposição da qual se ocupa longa tradição filosófica. Além disso, Rajagopalan (2003) aborda o contexto ético em que há a concepção das línguas naturais; e aborda a posição do linguista de ignorar o plano do dever para focar no plano do ser: “trata-se de uma questão de princípio, posto que os linguistas modernos fazem questão de dizer que se dedicam apenas a descrever o comportamento linguístico por parte dos falantes de um idioma, jamais a prescrever o que é certo e errado” (Rajagopalan, 2011, p. 122: destaques do autor).

Neste texto, construímos relações de sentido em torno das noções de dever ser, teoria e ser, desenvolvidas nas obras Hacia una filosofia del acto ético (Bajtín, 1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.) e Teoria geral do Direito e do Estado (Kelsen, 1990KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1990.). A pesquisa é de caráter documental-bibliográfico; o corpus é constituído, centralmente, pelas referidas obras de Bajtín (1997) e Kelsen (1990). Em segundo plano, recorremos a outras obras de Bakhtin (2015BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, notas e glossário Paulo Bezerra. Organização da. Edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015., 2023), e a obras de outros autores, do Direito e da Linguística: Rabenhorst (2005) e Rajagopalan (2011RAJAGOPALAN, Kanavillil. A norma linguística do ponto de vista da política linguística. In: LAGARES, Xoan Carlos; BAGNO, Marcos (Org.). Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2011., 2003). Operamos, metodologicamente, no princípio da fenomenologia da responsabilidade e do falar com palavra (Bajtín, 1997; Bakhtin, 2015; Simões, 2024SIMÕES, Pedro. Ética na ciência e na arte: a fenomenologia da responsabilidade de Mikhail Bakhtin. São Carlos, SP: Pedro & João Editores, 2024.), através dos diálogos tecidos entre Bajtín (1997) e Kelsen (1990). Os objetivos são: 1. lançar luzes sobre o fundamento jurídico da filosofia de Bajtín (1997), na perspectiva da filosofia moral como prima filosofia, que abarca a filosofia da religião e a filosofia do Direito (Bajtín, 1997; Simões, 2024); 2. apontar considerações éticas para as ciências, particularmente para o Direito e a Linguística.

Nossos resultados mostram que Kelsen (1990KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1990.) e Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.) partem do movimento comum em que o dever ser é concebido no âmbito da noção de norma. No entanto, Bajtín (1997) situa a primazia do dever ser historicamente concreto em relação ao dever ser que se apresenta como significação de uma norma (Kelsen, 1990). O dever ser, diz Bajtín (1997), não se encontra no juízo universal e semântico em si, nem mesmo na consciência teórica, mas na consciência de orientação moral do indivíduo, na constituição do fato, em que o ato é irreversível, irrecuperável e irremediável. Nesses termos, o lugar da ciência/cognição, para Bajtín (1997), não é desligado da dimensão dos valores, e, por isso, remete ao dever ser como orientação do homem no acontecimento do ser.

Assim, concluímos que Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.) se inscreve no entorno de um fundamento jurídico, em torno das noções de dever ser e ser, na apresentação da filosofia moral como filosofia que responde a questões filosóficas de princípio (filosofia primeira); e contribui com uma concepção de dever ser como forma de proceder ativo do indivíduo, no que remete à disposição moral para o outro. Nesses termos, é possível situar questões éticas para as ciências, em particular para o Direito e a Linguística, no sentido da relação entre objeto de pesquisa e entonação.

1 O dever ser em Mikhail Bakhtin e Hans Kelsen

Kelsen (1990KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1990.) apresenta sua concepção de dever ser a partir da noção de norma, entendendo que o comando de uma lei pode ser descrito como a vontade do legislador. Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.) explica: “A norma é uma forma especial de vontade de um sujeito em relação a outros, e enquanto tal é essencialmente própria tão somente do direito (a lei) e da religião (os mandamentos)” (Bajtín, 1997, p. 32). Não é a vontade em sentido psicológico; acontece de forma “muito semelhante à situação em que um indivíduo quer que outro se comporte de tal e tal modo, e expressa sua vontade na forma de um comando” (Kelsen, 1990, p. 49). Mas com a diferença de que a regra jurídica é despsicologizada, ou seja, com ela “alguém ‘tem a obrigação de’ [...] alguém deve observar a conduta prescrita pela lei” (Kelsen, 1990, p. 49). Continua: “Uma ‘norma’ é uma regra que expressa o fato de que alguém deve agir de certa maneira, sem que isso implique que alguém realmente ‘queira’ que a pessoa aja dessa maneira” (Kelsen, 1990, p. 50). Para Bajtín (1997) a obrigatoriedade de uma norma não se dá mediante o conteúdo semântico da norma, mas

a partir da autoridade efetiva de sua fonte (expressão da vontade), ou bem de sua autenticidade e exatidão da transmissão (referência à lei, às escrituras, aos textos consagrados, às interpretações, à combinação da autenticidade ou, mais rigorosamente, apelação às bases da vida, aos fundamentos do poder legislativo, à inspiração divina das escrituras) (Bajtín, 1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997., p. 32).

Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.) entende o lugar da autoridade efetiva em relação à expressão da vontade daquele que faz a norma, remetendo ao que é do âmbito do direito e da religião. Neste sentido, o autor entende que “o problema da vontade autoritária (que cria uma norma) é problema da filosofia do direito, da filosofia da religião e um dos problemas de uma autêntica filosofia moral enquanto a ciência fundamental, filosofia primeira” (Bajtín, 1997, p. 33). Com base em Austin, Kelsen entende que o comando de uma lei resulta de sua força de obrigatoriedade, isto é, do fato de a lei ser uma norma: “ninguém pode, propriamente falando, comandar a si próprio. Contudo, é possível que uma norma seja criada pelos mesmos indivíduos que se encontram obrigados por essa norma” (Kelsen, 1990, p. 50). Neste sentido, há o que comanda e o que é comandado, de forma que a norma é impessoal, pois é incompatível identificar o que comanda com o que é comandado. Tratando dever ser e norma como correlatos, Kelsen (1990) explica:

O dever ser simplesmente expressa o sentido específico em que a conduta humana é determinada por uma norma [...] Um enunciado no sentido de que algo deve ocorrer é uma afirmação sobre a existência e o conteúdo de uma norma, não uma afirmação sobre a realidade natural, i.e., eventos concretos na natureza [...] se a norma disser que certo indivíduo deve se conduzir de certa maneira, então a norma é “obrigatória” para esse indivíduo. Apenas com o conceito de norma e do conceito correlato de “dever ser” é que podemos entender o significado específico das regras de Direito (Kelsen, 1990KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1990., p. 51).

E continua:

Dizer que uma norma é válida para certos indivíduos não é dizer que os indivíduos efetivamente se conduzem de certo modo; porque a norma é válida para esses indivíduos mesmo que eles não se conduzam desse modo. A distinção entre o “dever ser” e o “é” é fundamental para a descrição do Direito (Kelsen, 1990KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1990., p. 52).

Rabenhorst (2005) observa que a distinção oferecida por Kelsen entre ser (Sein) e dever ser (Sollen) é imprecisa:

No nível ontológico, Kelsen apresenta o dualismo entre o ser e o dever-ser como uma oposição entre duas “realidades” distintas: a da natureza, por um lado, e a dos valores por outro. Porém, o jurista austríaco nos fornece uma análise por demais imprecisa de tal distinção ontológica. Na verdade, Kelsen pressupõe tal distinção, sem justificá-la propriamente (Rabenhorst, 2005, p. 124).

E continua:

O que Kelsen fará com mais clareza é apresentar essa mesma dicotomia ontológica entre o ser e o dever-ser, num segundo sentido, a saber, como diferença entre o ato de vontade que instaura a norma jurídica, e a sua significação objetiva. Com efeito, segundo a Teoria Pura do Direito, a norma jurídica é a “significação de um ato de vontade” através do qual uma determinada conduta é ordenada, autorizada, habilitada ou derrogada. A norma jurídica não se confunde, portanto, com o ato de vontade que a instaura. Ela é, pois, um dever-ser (Sollen), enquanto tal ato de vontade é apenas um ser (Sein) (Rabenhorst, 2005, p. 124; itálicos do autor).

Na perspectiva em questão, o dever ser é apresentado mediante a significação do ato de um indivíduo. O ser é o que naturalmente acontece, em termos de um ato de vontade. Outros autores avançam em relação à distinção entre ser e dever ser e se chega a compreender que “a tarefa da ciência do direito consiste precisamente em descrever” os ‘esquemas de interpretação que são as normas jurídicas’” (Rabenhorst, 2005, p. 124). Isso de maneira que as normas jurídicas não existem em função de elementos intrínsecos ao ser, mas através do que as normas, propriamente, apresentam em termos de significação.

Em crítica ao pensamento de Rickert, à concepção do dever ser como categoria formal superior, Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.) situa sua posição: a de que o dever ser pode fundamentar justamente “a presença real de um juízo dado precisamente em minha consciência” (Bajtín, 1997, p. 10), em condições históricas determinadas. O autor entende que o dever ser existe enquanto juízo de validez universal (como significação), e que ele é necessário para que a norma se torne dever para mim. No entanto, para Bajtín (1997), é para um dever historicamente concreto, presente precisamente em minha consciência, que o juízo universal existe. Fazendo referência ao “conteúdo semântico do juízo” como parte da “unidade teórica objetiva da ciência”, Bajtín (1997) afirma: “Sustentar um juízo como verdadeiro significa remetê-lo a uma certa unidade teórica, mas tal unidade está longe de ser a unidade histórica singular de minha vida” (Bajtín, 1997, p. 10). E continua: “Tudo que tem uma significação do ponto de vista do conteúdo pode assumir o dever ser, mas não existe nenhum só postulado teórico que abarque em seu conteúdo o momento do dever ser” (Bajtín, 1997, p. 11; destaque nosso).

Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.) faz referência ao ato ético, que se expressa no momento histórico irrepetível em que se encontra o indivíduo. Neste sentido: “O dever ser é uma peculiar categoria de proceder enquanto ato [...] é uma orientação da consciência cuja estrutura temos de colocar em questão fenomenologicamente” (Bajtín, 1997, p. 12: itálico nosso). O autor destaca que não existem normas morais válidas em si mesma, mas circunscreve o sujeito moral como sujeito de determinada estrutura, que não é psicológica nem física. É o sujeito moral “quem há de saber qual coisa e quando resulta moralmente necessária, ou mais exatamente, o que é em geral o devido” (Bajtín, 1997, p. 12). Kelsen (1990KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1990.), como vimos, lembra que o que aparece como obrigação, como dever, não se dá no âmbito psicológico da vontade:

Se a regra jurídica é um comando, ela é, por assim dizer, um comando despsicologizado, um comando que não implica uma “vontade” no sentido psicológico do termo. A conduta prescrita pela regra de Direito é “exigida” sem que nenhum ser humano tenha de querê-la num sentido psicológico (Kelsen, 1990KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1990., p. 49).

Distanciando-se, no entanto, do fundamento defendido em Kelsen (1990KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1990.), de que o dever ser aparece precisamente como significação normativa, ou seja, no plano de um juízo de validez universal, do conteúdo semântico que expressa uma norma, Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.) entende que o conteúdo da norma existe apenas para um dever ser concreto existente na consciência do indivíduo. De fato, o pensador russo está dedicado a argumentar em defesa da perspectiva em que o dever ser remete ao momento historicamente concreto em que se encontra o indivíduo.

Fazendo referência a um sujeito teórico, um “sujeito gnosiológico”, Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.) entende que esse sujeito “precisa” desde logo “plasmar-se” em cada “homem real, atual e pensante” para “comungar [...] com o ser do acontecer histórico, de que o primeiro [o sujeito teórico] é tão somente um momento” (Bajtín, 1997, p. 13). Bajtín (1997) segue sua argumentação afirmando que “buscar o ato ético real de conhecimento em um conteúdo semântico separado dele [do ato] é o mesmo que levantar-se a si mesmo pelo cabelo” (Bajtín, 1997, p. 14). Neste sentido, não é possível o encontro de si mesmo no mundo teórico; neste, sou alheio de princípio. Mesmo perante avanços em relação ao pensamento de Kelsen (Rabenhorst, 2005), é possível observar a compreensão do dever ser como elemento circunscrito à significação normativa, isto é, ao conteúdo semântico da norma.

Ao tratar dos “sistemas éticos”, Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.) afirma que eles são divididos em ética material e ética formal, e apresenta objeções para ambos os sistemas. A ética material, diz o autor, “trata de encontrar e de fundamentar o conteúdo das principais normas morais, às vezes universais, às vezes por princípio relativas, mas em todo caso normas comuns para cada um” (Bajtín, 1997, p. 30). Nesta perspectiva, um ato é ético “quando aparece completamente regido tão somente pela norma moral correspondente, que possui um conteúdo definido de caráter comum” (Bajtín, 1997, p. 30). Bajtín (1997) critica o que seria a perspectiva de existência de normas especiais, em que a ética é condicionada a conteúdos semânticos de pensamento normativo, e defende que a consciência do ser humano apresenta uma disposição moral, que é “desconhecida” pela ética material. Bajtín (1997) afirma: “Nem um só postulado teórico é capaz de fundamentar diretamente um ato ético, nem sequer o ato de pensamento, em sua perfeição real. Em geral, um pensamento teórico não deve conhecer norma alguma”.

Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.) aponta ainda como problema da ética material “sua universalidade: a pressuposição de que o dever ser pode se estender, fazer referência a qualquer pessoa”; e entende, o autor, que esse “caráter comum do dever ser é uma falha que é também própria da ética formal” (Bajtín, 1997, p. 33). Diz Bajtín (1997) que a ética formal acerta na medida em que situa o sentido do dever ser na consciência, mas falha na medida em que entende o dever ser como categoria da consciência teórica, de modo que, teorizando sobre o dever ser, perde-se de vista o ato individual. Bajtín (1997) é cirúrgico: “[...] o dever ser é justamente a categoria do ato individual, é mais, a categoria da própria individualidade e unicidade do ato, de sua [...] insubstituibilidade, da necessidade singular, de sua historicidade” (p. 34). E entende, o autor russo, que o imperativo categórico está centrado na teorização da lei. “Kant demanda justamente isso: a lei que normatiza meu ato deve ser justificada como uma lei que pode chegar a ser a norma universal de conduta” (Bajtín, 1997, p. 34). Seguindo sua crítica à ética formal, no aspecto do mundo teórico, Bajtín (1997) entende: “o princípio da ética formal não é em absoluto o princípio do ato ético, senão o de uma possível generalização dos atos já cometidos em uma transcrição teórica” (p. 35).

A fim de apresentar sua proposta, em críticas aos sistemas éticos formal e material (cf. Simões, 2024SIMÕES, Pedro. Ética na ciência e na arte: a fenomenologia da responsabilidade de Mikhail Bakhtin. São Carlos, SP: Pedro & João Editores, 2024.), Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.) defende uma filosofia primeira como “a filosofia do acontecimento único e singular do ser” (Bajtín, 1997, p. 36). O autor lembra que até o conteúdo semântico é uma abstração “a respeito do ato ético real e singular e de seu autor, que pensa teoricamente, contempla esteticamente e atua eticamente” (Bajtín, 1997, p. 36). E continua: “Somente do interior do ato ético real, único, global e unitário em sua responsabilidade, é possível enfocar o ser único e singular em sua realidade concreta: somente a partir desse enfoque pode se orientar a primeira filosofia” (Bajtín, 1997, p. 36).

2 O Direito e a Linguística: duas ciências, ou dois momentos da vida do cientista

Kelsen apresenta as bases para uma ciência jurídica, isto é, uma “ciência cujo único propósito é a cognição do Direito [...] Uma ciência que precisa descrever o seu objeto tal como ele efetivamente é, e não prescrever como ele deveria ser do ponto de vista de alguns julgamentos de valor específicos” (Kelsen, 1990, p. XXVIII). O autor afirma que o problema dos valores é um problema da política, “diz respeito à arte do governo, uma atividade voltada para valores, não um objeto da ciência, voltada para a realidade” (Kelsen, 1990, p. XXVIII). Tal como é necessário separar a ciência da política, é necessário separar a ciência jurídica da ciência natural, porque o objeto da ciência jurídica implica a conduta que deve ser e não a conduta que é (Kelsen, 1990). Esta é uma conduta da casualidade da realidade natural, e não se constitui como prescrição ou previsão. O objeto jurídico remete a um horizonte do dever, não no sentido de entender o que o direito deve ser, mas no sentido de entender o que o direito é, ou seja, de descrever a norma: “O objeto específico de uma ciência jurídica é o Direito positivo e real, em contraposição a um Direito ideal, o objetivo da política” (Kelsen, 1990, p. XXIX).

Explica Rabenhorst (2005) que, para Kelsen, existem dois tipos de conhecimento: aquele produzido nas ciências causais, ou seja, nas ciências naturais (física, química etc.) e nas ciências sociais (sociologia, história); e aquele conhecimento produzido nas ciências normativas, ou seja, nas ciências que descrevem normas, como é o caso da ciência do Direito. Rabenhorst (2005) afirma: “ainda que as normas sejam fatos objetivos situados no tempo e no espaço, elas não se deixam apreender por uma relação de causa e efeito. Ao contrário, elas exigem um princípio de interpretação específico” (Rabenhorst, 2005, p. 126) - chamado de “imputação” por Kelsen, com base em Kant. O enunciado descritivo, que se expressa como proposição, da ciência do Direito, pode ser testado do ponto de vista vericondicional: se é verdadeiro ou falso. Já o enunciado prescritivo, sendo normativo, é válido ou inválido.

Kelsen (1990KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1990.) situa a ciência do Direito como ciência normativa ao lado da Ética, afirmando que esta se volta para os direitos e deveres, para o conteúdo de sentido de um dever ser, de modo que ela, a Ética, também opera com enunciados descritivos, mas a seu turno de normas morais. A ciência do Direito volta-se, assim, para normas jurídicas: “A moral se distingue do direito pelo fato de que as suas normas não têm, como as normas jurídicas, o caráter de atos de coação” (Rabenhorst, 2005, p. 128). Ambas as ciências, Direito e Ética, por serem normativas, são igualmente regidas pela imputação: pela significação de fatos empíricos (Rabenhorst, 2005). A partir dos anos 1960, Kelsen apresentou avanços em seus estudos, no sentido de questionar as condições vericondicionais dos enunciados descritivos. Neste âmbito, o autor apresenta a concepção de que o ser e o dever ser são dois modos que podem tomar todo e qualquer conteúdo. É com isso que o autor concebe a norma na perspectiva do ato de vontade. Nesses termos, o enunciado descritivo da Linguística pode ser questionado em termos de ser vericondicional, pela ótica de Kelsen (1990).

À luz de Kelsen (1990KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1990.), podemos situar a Linguística como ciência, ou seja, como fazer que descreve as coisas como elas são, e não afirma como as coisas devem ser. Nesses termos, a ciência que estuda o objeto língua não é política, pois não se ocupa dos valores em torno de língua, mas se ocupa, sim, da realidade1 1 Em geral, é possível dizer que a Linguística não se apresenta como ciência normativa, ou seja, ciência que descreve as prescrições linguísticas. Mas é possível observar movimentos da historiografia linguística que têm operado na descrição crítica do que historicamente faz a Gramática Tradicional (Vieira, 2018). Mobilizando, ainda, as lentes de Kelsen (1990), podemos observar que uma Língua ideal é apresentada em Vieira e Faraco (2023), na Gramática do português brasileiro escrito, em um explícito papel político, do âmbito dos valores (cf. Kelsen, 1990), em torno de língua. . Rajagopalan (2011RAJAGOPALAN, Kanavillil. A norma linguística do ponto de vista da política linguística. In: LAGARES, Xoan Carlos; BAGNO, Marcos (Org.). Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2011.) pontua a longa tradição filosófica de distinção entre os verbos ser e dever, e remete à “ambiguidade inerente ao uso de regra”, tomando base em Searle (apud Rajagopalan, 2011), em relação à regra constitutiva (jogo de futebol, por exemplo), e à regra reguladora (lei de trânsito, por exemplo). Na teoria, diz Rajagopalan (2011), essa distinção entre regras cabe bem, mas na prática é problemática. “O próprio Searle, quando propôs a distinção, afirmou que, em sua ótica, as regras que regulam o comportamento linguístico são da ordem constitutiva” (Rajagopalan, 2011, p. 124). Nesta afirmação, Searle “simplesmente está retirando uma velha reivindicação dos linguistas ‘modernos’ [...], que desde a reconstituição da disciplina como uma ‘ciência moderna’ fizeram questão de alardear sua famigerada neutralidade científica em oposição aos gramáticos tradicionais” (Rajagopalan, 2011, p. 124).

As regras constitutivas remetem à gramática descritiva; as regras reguladoras à gramática prescritiva. Mas “não é fácil de fazer” a distinção: constitutivo/descritivo de um lado, regulador/prescritivo do outro. Muitas “das regras tanto na gramática descritiva como na gramática prescritiva têm a ver com a retórica [...] elas nos fazem perguntar constantemente onde para a gramática e começa a retórica” (Rajagopalan, 2011RAJAGOPALAN, Kanavillil. A norma linguística do ponto de vista da política linguística. In: LAGARES, Xoan Carlos; BAGNO, Marcos (Org.). Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2011., p. 125). Os linguistas, assim como os gramáticos tradicionais, realizam escolhas de grupos de falantes para a descrição, “com a diferença de que os gramáticos tradicionais não escondem suas preferências, ao passo que os linguistas modernos preferem escondê-las ou disfarçá-las por intermédio de uma prestidigitação terminológica” (Rajagopalan, 2011, p. 125). Continua: “a gramática dita moderna, sob a égide da linguística, também dita moderna, prescreve seus usos e normas preferidos de maneira velada e, o que é pior, acoberta-os, invocando a autoridade e prestígio da ciência” (Rajagopalan, 2011, p. 126).

A ciência, em Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.), é um momento da ética, já que é um momento da vida, da responsabilidade. Nesse contexto, Bajtín (1997) - na apresentação de um método fenomenológico cujo objeto é a arquitetônica e sua oposição concretamente válida (eu-outro) - situa a relação entre o objeto da pesquisa2 2 O objeto da filosofia moral de Bajtín (1997), que encontra na fenomenologia o método, é a arquitetônica. e a entonação do pesquisador. O tom do pesquisador, na realização da pesquisa, pode ser o de querer ser publicamente conhecido, por exemplo (Bajtín, 1997). Nenhuma racionalidade/cognição, como aquela proposta por Kelsen (1990KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1990.) para uma ciência do Direito ou como aquela que se expressa na ciência Linguística (Rajagopalan, 2011RAJAGOPALAN, Kanavillil. A norma linguística do ponto de vista da política linguística. In: LAGARES, Xoan Carlos; BAGNO, Marcos (Org.). Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2011.), é desligada da tonalidade emocional-volitiva e da expressividade do autor.

Rajagopalan (2011RAJAGOPALAN, Kanavillil. A norma linguística do ponto de vista da política linguística. In: LAGARES, Xoan Carlos; BAGNO, Marcos (Org.). Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2011.) fala em retórica; com base em Bakhtin (2015BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, notas e glossário Paulo Bezerra. Organização da. Edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015.), podemos falar em resposta, e numa perspectiva de intencionalidade em que a relação com o objeto se dá na refração de palavras dos outros (Bakhtin, 2015). Gramáticas, diz Bakhtin (2015), são sistemas linguísticos, ou seja, são forças criativas operadas sobre o heterodiscurso social e as línguas sociotípicas (Bakhtin, 2015). Não há um plano único de confrontação dessas línguas (Bakhtin, 2015; Rajagopalan, 2011), ao modo que a língua nacional única apenas é real enquanto sistema linguístico (Bakhtin, 2015). O linguista e o filólogo, desde os antigos sacerdotes, estão a serviço da palavra estranha e sagrada para o profano (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário Sheilla Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.), apresentada na forma de núcleo duro, rígido, de contenção do crescente heterodiscurso (Bakhtin, 2015). É neste horizonte que se encontram as gramáticas descritivas e prescritivas.

Em outros termos, ciência (dado/cognição: ser) e política (plantado/valor: dever ser) se constituem numa mútua determinação, em que o plantado implica a orientação primeira: é a vida no princípio, para Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.). A razão é um momento da vida, de quem opera com valores. “Aquele que descreve o faz sendo parte do mundo que é descrito” (Simões, 2024SIMÕES, Pedro. Ética na ciência e na arte: a fenomenologia da responsabilidade de Mikhail Bakhtin. São Carlos, SP: Pedro & João Editores, 2024., p. 84). O fato não é um dado, mas é um dado e plantado. Ou seja, a forma nunca é construída fora da expressividade, como se fosse um dado isolado no mundo da cognição, mas é um dado que é plantado no mundo, mediante o ativismo formador do sujeito (Bakhtin, 2023BAKHTIN, Mikhail. O autor e a personagem na atividade estética. Tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Notas da edição russa Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2023.). O homem é um indivíduo que apresenta disposição moral para o outro: nesta condição é que há a construção da forma no proceder ativo requerido pelo sentido e determinado pela consciência de orientação moral (Bajtín, 1997). A forma é uma elaboração do aspecto cognoscitivo e valorativo do homem, que planta a todo instante, ininterruptamente, na expressão do ato ético complexo que é a vida (Bajtín, 1997).

O pragmatismo de Rajagopalan (2011RAJAGOPALAN, Kanavillil. A norma linguística do ponto de vista da política linguística. In: LAGARES, Xoan Carlos; BAGNO, Marcos (Org.). Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2011.), amparado em Searle e autores dos estudos de políticas linguísticas, desconhece a perspectiva da disposição moral para o outro, talvez pelo individualismo em que o pragmatismo incorre. De fato, Rajagopalan (2011) avança significativamente no debate sobre ética e política da linguagem, implicando questões para as ciências. Mas é preciso ver a substância da fenomenologia de Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.), em que a filosofia moral é de princípio, em relação à filosofia analítica de Searle (apud Rajagopalan, 2011). Apenas na dimensão em que se coloca o outro como condição para a unicidade do eu é que se pode visualizar um fundamento ético (Bajtín, 1997). O outro, eu encontro no mundo, ao modo que o outro está na eterna verdade do mundo, e de que o encontro requer a forma enquanto proceder ativo do sentido (Bajtín, 1997). O “mundo se organiza, para a minha consciência participativa e ao redor de mim, como um concreto e único todo arquitetônico” (Simões, 2024SIMÕES, Pedro. Ética na ciência e na arte: a fenomenologia da responsabilidade de Mikhail Bakhtin. São Carlos, SP: Pedro & João Editores, 2024., p. 129). O supremo princípio arquitetônico é a oposição entre o eu o outro, em que há “um caráter biplano da determinação axiológica do mundo: para si e para o outro” (Simões, 2024, p. 148). Meu lugar e o lugar do outro, no mundo, são insubstituíveis, e o ordenamento da forma, assim, aponta para o nascimento e a morte como limites da vida do indivíduo, que é um lapso temporal, um momento, do mundo. Há o tom intuído da morte e a constituição das tonalidades emocionais e volitivas, que determinam, no plantado (dever ser), o acontecimento do ser (Bajtín, 1997).

Em sua análise do racionalismo, enquanto corrente de pensamento, Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.) critica uma noção de hipótese e afirma que “um ato responsável é a realização de uma decisão, de um modo já irreversível, irremediável e irrecuperável” (Bajtín, 1997, p. 37). O autor entende que o ato abarca amplo contexto, e a integridade do ato nada comporta de subjetivo e psicológico, na medida em que não está em questão, para a filosofia primeira de Bajtín (1997), a racionalidade do ato, senão como um momento da responsabilidade do ato. Diante da noção de responsabilidade do ato, Bajtín (1997) situa a racionalidade numa relação metafórica: ‘o brilho da lâmpada [racionalidade] ante o sol [responsabilidade]’. Bajtín (1997) explica, assim, que “em sua responsabilidade o ato planta sua verdade como unificadora de ambos os momentos”, quais sejam: o momento de significação geral e o momento de realização individual. “Esta verdade unitária e singular do ato se planta como verdade sintética” (Bajtín, 1997, p. 37).

Na disposição moral do cientista para o outro, é preciso pensar a relação da pesquisa com o fato. O ato de descrição, do linguista e do jurista, pressupõe o dever ser como orientação moral da consciência. Para Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.), não é o caso do dever ser (do conteúdo semântico da gramática tradicional) historicamente rechaçado pelo linguista (Rajagopalan, 2011RAJAGOPALAN, Kanavillil. A norma linguística do ponto de vista da política linguística. In: LAGARES, Xoan Carlos; BAGNO, Marcos (Org.). Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2011.), e não é o caso do dever ser (do conteúdo semântico da lei) do qual o jurista se ocupa na medida em que se ocupa de uma norma primária (Kelsen, 1990KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1990.). Seguindo Bajtín (1997), estamos falando do dever ser historicamente concreto que se constitui precisamente na consciência do indivíduo. Assim, a descrição do ser-coisa de uma língua pelo linguista (Bakhtin, 2015BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, notas e glossário Paulo Bezerra. Organização da. Edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015.); e a descrição, pelo jurista, do fato que é uma prescrição, são sempre a descrição de dado-plantado. O fato resulta do atuar ético, na orientação da política/valor, do dever ser, de um indivíduo para o outro, no acontecimento singular e irrepetível do ser.

Conclusões

Nos diálogos aqui operados, observamos que Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.) e Kelsen (1990KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1990.) partem de uma interpretação comum em relação ao dever ser. Este implica centralmente a noção de norma, em que a volição autoritária cria a norma; esta é, portanto, a expressão da vontade do sujeito de poder: do legislador. Neste sentido, aparece a dimensão da obrigação, que não implica um desejo e um sujeito psíquico, mas um dever e um sujeito moral.

No entanto, os autores se distanciam, na medida em que Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.) situa o dever ser no âmbito de uma norma que existe não apenas enquanto conteúdo semântico, mas enquanto dever ser historicamente concreto da consciência individual, que é de orientação moral. O que está em questão em torno do dever ser é a historicidade concreta da consciência, diz Bajtín (1997), e não apenas a significação.

Vimos que Kelsen (1990KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1990.) se limita a situar o dever ser na significação, ou seja, no juízo de validez universal, no elemento teórico, no dado da norma (Bajtín, 1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.).

Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.) argumenta centralmente a partir da crítica aos sistemas éticos material e formal, na defesa da perspectiva da disposição moral para o outro, desconhecida por ambos os sistemas. Na ética material, busca-se definir, como de caráter comum, um conteúdo universal, como se um postulado pudesse fundamentar um ato. Na ética formal, particularmente em Kant e seu imperativo categórico, o dever ser é localizado na consciência teórica (Bajtín, 1997).

Situando o dever ser como fenômeno da consciência, Bajtín (1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.) coloca para o cientista a condição de sempre operar moralmente na racionalidade, na relação com o objeto. O cientista é um momento do mundo, porque é uma vida, que ocupa lugar na existência, e é responsável por seus atos, em que os atos de pesquisa, exemplarmente na Linguística e no Direito, são momentos da responsabilidade. A razão é para a responsabilidade como uma lâmpada ante o sol. Evidencia-se, assim, a contradição para o discurso do cientista da neutralidade em relação ao objeto de pesquisa.

O que se planta no mundo quando se teoriza com este ou aquele tom, com esta ou aquela decisão/escolha para a composição do objeto da pesquisa? É preciso ver que o Direito tanto não deixa de realizar escolhas em relação às normas que são descritas, quanto pode ser indiferente à vida, se ignora o dever ser historicamente concreto da consciência individual, em privilégio da descrição do juízo universal ou da localização do dever na consciência teórica, em que não há espaço para mim (Bajtín, 1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.).

A Linguística, por sua vez, não apenas escolhe o que representa e teoriza enquanto língua, como precisa explicitar fundamentos éticos e políticos para o ato da pesquisa. Este é um ato responsável, determinado pelo dever ser, pela obrigação de existir, e necessariamente implica afetar o outro no mundo, mediante a disposição moral de ser ativamente criativo da forma.

A ciência é uma área do sentido, e atua em determinação semântica da cultura no encontro responsavelmente bilateral da cultura com a vida. Uma ciência não indiferente à vida é uma ciência que problematiza um fundamento ético de princípio.

REFERÊNCIAS

  • BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.
  • BAKHTIN, Mikhail. O autor e a personagem na atividade estética. Tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Notas da edição russa Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2023.
  • BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance I: a estilística. Tradução, notas e glossário Paulo Bezerra. Organização da. Edição russa Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015.
  • BRANDIST, Craig; MARCHEZAN, Renata Coelho. O herói no tribunal da eternidade: a teoria jurídica do romance do Círculo de Bakhtin. Bakhtiniana, v. 7, n. 1, jun. 2012. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/9945/7573 Acesso em: 15 fev. 2024.
    » https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/9945/7573
  • KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
  • LIAPUNOV, Vladimir. Prefácio. In: BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato. Trad. da Ed. Americana Toward a Philosophy of the Act. Austin: University of Texas Press, por Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza, 1993 (para fins didáticos).
  • RABENHORSTT, Eduardo Ramalho. Ser e dever ser na teoria kelsiana do direito. Revista Direito e Liberdade, ESMARN, Mossoró, v. 1, n.1, p. 119-130, jul./dez. 2005. Disponível em: https://ww2.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/article/view/218/248 Acesso em: 15 fev. 2024.
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  • RAJAGOPALAN, Kanavillil. A norma linguística do ponto de vista da política linguística. In: LAGARES, Xoan Carlos; BAGNO, Marcos (Org.). Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2011.
  • RAJAGOPALAN, Kanavillil. Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e a questão ética. São Paulo: Parábola, 2003.
  • SIMÕES, Pedro. Ética na ciência e na arte: a fenomenologia da responsabilidade de Mikhail Bakhtin. São Carlos, SP: Pedro & João Editores, 2024.
  • VIEIRA, Francisco Eduardo. Gramática tradicional: história crítica. São Paulo: Parábola Editorial, 2018.
  • VIEIRA, Francisco Eduardo; FARACO, Carlos Alberto. Gramática do português brasileiro escrito. São Paulo: Parábola, 2023.
  • VOLÓCHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário Sheilla Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.
  • Declaração de disponibilidade de conteúdo

    Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.
  • 1
    Em geral, é possível dizer que a Linguística não se apresenta como ciência normativa, ou seja, ciência que descreve as prescrições linguísticas. Mas é possível observar movimentos da historiografia linguística que têm operado na descrição crítica do que historicamente faz a Gramática Tradicional (Vieira, 2018). Mobilizando, ainda, as lentes de Kelsen (1990), podemos observar que uma Língua ideal é apresentada em Vieira e Faraco (2023), na Gramática do português brasileiro escrito, em um explícito papel político, do âmbito dos valores (cf. Kelsen, 1990), em torno de língua.
  • 2
    O objeto da filosofia moral de Bajtín (1997), que encontra na fenomenologia o método, é a arquitetônica.

Parecer I

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Parecer I

Adequação do título ao artigo: O título “A filosofia moral de Mikhail Bakhtin no diálogo com a teoria jurídica de Hans Kelsen: percursos para uma teoria do direito linguístico” me parece interessante, mas provoca uma certa inquietação: será que podemos concluir que o diálogo entre Bakhtin e Kelsen, da forma como foi proposto no texto, apresenta de fato direcionamentos para uma teoria do direito linguístico? Parece-me pouca explorada a ideia de uma teoria do direito de vertente linguística. Talvez, o termo “teoria” empregado aqui abra um pressuposto interlocutivo de interpretação com enorme expectativa sobre o texto, no que se refere ao campo teórico em si em suas bases epistemológicas. Sugiro que reveja o termo “teoria do direito” e recomendo que use talvez algo como: ...percursos para uma reflexão (ou uma análise do) sobre o direito linguístico. Explicitação do objetivo do trabalho e coerência de seu desenvolvimento no texto: O trabalho apresenta a seguinte definição como objetivo: “Nosso objetivo é compreender as complexidades jusfilosóficas que se instituem na fenomenologia do ato ético, de Bakhtin, na medida em que este pauta na agenda do conhecimento uma perspectiva de filosofia moral como prima filosofia.” Tomando como ponto de partida a proposta supracitada, nota-se uma dificuldade de enlaçar com clareza o objetivo explicitado, o título do trabalho e a coerência deste objetivo com o desenvolvimento textual, pois a ideia da “complexidade jusfilosófica” em Bakhtin que tornaria possível o diálogo com a obra de Kelsen para o percurso de uma suposta “teoria do direito linguístico” me pareceu pouco explorada como elemento dialógico de análise. Além disso, não me pareceu clara a ideia de como essa complexidade fundamentaria a noção do referido percurso na “teoria do direito linguístico” tal qual se apresenta no título do artigo. Ao que parece ser, há uma intencionalidade tridimensional no texto (Bakhtin-Kelsen-Direito Linguístico) que poderia ser analisada de forma mais robusta e interconectada, mas há também um esforço em explicitá-la ainda que seja por seções ou tópicos separados. Seria interessante explicitar o que se entende por “complexidades jusfilosóficas” nesse contexto do percurso do direito linguístico e desenvolver esse conceito por meio de citações de ambos os pensadores que compõem o corpus de análise da pesquisa (Bakhtin e Kelsen) para que se possa entrecruzar melhor as ideias e, ainda, comprovar a natureza do possível diálogo para direcionar a análise do direito linguístico. É importante destacar que há um esforço considerável no trabalho de demonstração do pensamento filosófico de cada um dos autores estudados, mas essa explanação nem sempre se encontra conectada ao diálogo efetivo entre os autores ou ao cruzamento de ideias que se pretende abordar para o percurso do direito linguístico. Por exemplo, no tópico “Mundo teórico, dever ser e ser na filosofia moral de Mikhail Bakhtin: diálogo com Hans Kelsen”, ainda que a intencionalidade seja a de se analisar primeiramente o dever ser e ser na filosofia moral de Mikhail Bakhtin, há uma proposta dialogada com Kelsen entrecortada do subtítulo que me pareceu pouco explorada. Dessa forma, procurei sinalizar alguns momentos no corpo do texto (que segue como arquivo anexo) com o intuito de contribuir para a retomada de elementos da obra de Kelsen. Sem dúvida, nota-se um fôlego maior para a análise do pensamento de Bakhtin neste tópico do diálogo que envolve o “mundo teórico” supracitado. Por fim, ainda que haja uma advertência, nas considerações finais, ao mencionar “Não foi nosso objetivo, neste texto, circunscrever de forma mais sistemática os fundamentos de uma teoria do direito linguístico em termos de compreensão de percursos históricos de formulação de normas jurídicas e na constituição de marcos jurídicos...”, parece que a redação do objetivo, tal como se apresenta no início do artigo, está incompleta ou desconectada do todo referente ao trabalho. Como sugestão, talvez esse enunciado que está na conclusiva pudesse se incorporar ao objetivo, no início do texto, com uma nova redação, pois me parece um pouco estranho concluir um trabalho científico sobre direito linguístico com um enunciado que começa com uma negação de elementos que compõem esse mesmo direito. Conformidade com a teoria proposta, demonstrando conhecimento atualizado da bibliografia relevante: O trabalho está em conformidade com a teoria proposta e apresenta uma boa revisão da literatura pertinente à análise. Originalidade da reflexão e contribuição para o campo de conhecimento: O trabalho é original e apresenta importante contribuição para os estudos linguísticos em sua abordagem multidisciplinar, especialmente, com as ciências jurídicas. Clareza, correção e adequação da linguagem a um trabalho científico. O trabalho está bem escrito e em conformidade com os padrões linguísticos requeridos a um trabalho científico. Sugiro apenas uma revisão da repetição de termos como, por exemplo, a expressão “a partir de” para outra categoria que seja adequada ao sentido empregado no texto.

Recomendo uma revisão do espaçamento entre os parágrafos para que se verifique se eles estão adequados às normativas da revista. Além disso, sugiro uma revisão da dimensão textual que compõe a natureza de alguns parágrafos que me pareceram muito longos, o que pode trazer alguma dificuldade de compreensão de suas ideias. É o caso, por exemplo, do parágrafo que se inicia assim: “Apesar de apontar para um fundamento pós-positivista do direito, Abreu (2016), em sua argumentação na interpretação normativa [...]”. CORREÇÕES OBRIGATÓRIAS [Revisado]

  • recomendação: revisão

Histórico

  • Parecer recebido em
    23 Maio 2024

Parecer III

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Parecer III

Adequação do trabalho ao tema proposto: Após a segunda submissão do texto corrigido e revisado à Revista Bakhtiniana, o artigo ora intitulado “Dever ser, ciência e ser na filosofia moral e na teoria jurídica: entre Mikhail Bakhtin e Hans Kelsen” me parece adequado ao tema proposto, uma vez que busca discutir o movimento das ciências, particularmente do Direito (Kelsen, 1990; Rabenhorst, 2005) e da Linguística (Rajagopalan, 2011RAJAGOPALAN, Kanavillil. A norma linguística do ponto de vista da política linguística. In: LAGARES, Xoan Carlos; BAGNO, Marcos (Org.). Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2011.). Além disso, problematiza como esse movimento ignora o político e, por isso, torna-se eticamente indiferente. O artigo propõe uma discussão acerca da ideia de que ignorar o político é ignorar o dever ser, em indiferença em relação à vida, na consideração de que o fato singular da forma é um dado (ser) e um plantado (dever ser) no mundo (Bajtín, 1997BAJTÍN, Mijail. Hacia una filosofia del acto ético: De los borradores y otros escritos. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997.). No texto, foram construídas relações de sentido em torno das noções de dever ser, teoria e ser, desenvolvidas nas obras Hacia una filosofia del acto ético (Bajtín, 1997) e Teoria geral do direito e do estado (Kelsen, 1990). Explicitação do objetivo do trabalho e coerência de seu desenvolvimento no texto. Nesta 2ª versão do artigo submetido à Revista Bakhtiniana, os objetivos me pareceram claros e coerentes com a abordagem central do texto que, de forma geral, se propõe a lançar luzes sobre o fundamento jurídico da filosofia de Bajtín (1997), na perspectiva da filosofia moral como prima filosofia, e apontar considerações éticas para as ciências, particularmente para o Direito e a Linguística. No entanto, parece-me que faltou explicitar melhor o enlace teórico que abarca a filosofia da religião e a filosofia do direito, conforme mencionado no objetivo do texto. Conformidade com a teoria proposta, demonstrando conhecimento atualizado da bibliografia relevante: O trabalho está em conformidade com a teoria proposta e apresenta uma boa revisão da literatura pertinente à análise. No entanto, é válido comentar que a teoria sobre a filosofia da religião, como apresentada no objetivo, poderia ter sido explicitada de forma mais detalhada no desenvolvimento texto. Originalidade da reflexão e contribuição para o campo de conhecimento: O trabalho é original e apresenta importante contribuição para os estudos linguísticos em sua abordagem multidisciplinar, especialmente, com as ciências jurídicas. Além disso, explicita valiosa percepção de resultado e conclusão da pesquisa. No que se refere aos resultados, a pesquisa afirma que Kelsen (1990) e Bajtín (1997) partem do movimento comum em que o dever ser é concebido no âmbito da noção de norma. No entanto, Bajtín (1997) situa a primazia do dever ser historicamente concreto em relação ao dever ser que se apresenta como significação de uma norma (Kelsen, 1990). Nesses termos, o lugar da ciência/cognição, para Bajtín (1997), não é desligado da dimensão dos valores, e, por isso, remete ao dever ser como orientação do homem no acontecimento do ser. Em relação à conclusão, há uma percepção de que Bajtín (1997) se inscreve no entorno de um fundamento jurídico, em torno das noções de dever ser e ser, na apresentação da filosofia moral como filosofia que responde a questões filosóficas de princípio (filosofia primeira). Dessa forma, argumenta-se que foi possível situar questões éticas para as ciências, em particular para o Direito e a Linguística. É válido observar que, embora o resultado e a conclusão apresentem pertinência e contribuam para a originalidade do artigo, parece-me que, na primeira parte do texto, antes do tópico 1, faltou explicitar melhor uma costura conclusiva alinhada às teorias de Bakhtin e Kelsen examinadas no estudo, uma vez que o texto apresenta em seu desenvolvimento e, inclusive, em suas considerações finais uma análise discursiva dialogada entre esses pensadores. Clareza, correção e adequação da linguagem a um trabalho científico: O trabalho está bem escrito e em conformidade com os padrões linguísticos requeridos a um trabalho científico. Sugiro apenas uma revisão do excesso de palavras e expressões que estão em itálico. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    23 Jun 2024

Disponibilidade de dados

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2024
  • Aceito
    16 Ago 2024
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