Open-access Benveniste-Saussure: uma relação de nunca acabar

RESUMO

Neste artigo, discutimos o conceito de filiação no quadro teórico-metodológico da Análise de Discurso, para analisarmos a relação entre o pensamento benvenistiano e o pensamento saussuriano como uma relação de filiação no interior da história das ideias que delimita o campo dos estudos da linguagem. A análise, que recortou formulações parafrásticas do Curso de linguística geral e dos Problemas de linguística geral, permitiu a compreensão dessa relação de filiação como diálogo, no qual se materializa uma relação paradoxal constitutiva que significa o movimento de aproximação e de deslocamento/destacamento do pensamento benvenistiano ao pensamento saussuriano. Essa compreensão mostrou que as diferentes maneiras de ler a relação Benveniste-Saussure, já historicizadas de algum modo no interior da história das ideias linguísticas, é da ordem do efeito da interpretação no jogo dos jogos da história da ciência.

PALAVRAS-CHAVE: Benveniste; Saussure; Filiação; História das ideias linguísticas; Discurso

ABSTRACT

In this article, we discuss the concept of affiliation in the theoretical-methodological framework of Discourse Analysis to analyze the relationship between Benvenistian thought and Saussurian thought as a relationship of affiliation within the history of ideas that delimits the field of language studies. The analysis, which cuts out paraphrastic formulations from the Course in General Linguistics and Problems in General Linguistics, allowed the understanding of this affiliation relationship as a dialogue, in which a constitutive paradoxical relationship is materialized. This relationship signifies the movement of approximation and displacement/detachment of Benvenistian thought to Saussurian thought. This understanding showed that the different ways of reading the Benveniste-Saussure relationship, already historicized in some way within the history of linguistic ideas belongs to the order of the effect of interpretation in the dispute of the history of science games.

KEYWORDS: Benveniste; Saussure; Affiliation; History of linguistic ideas; Discourse

... é a própria possibilidade de dar forma material ao pensamento (de pensar) que está em jogo nos jogos da história da ciência.

Eni Orlandi

Introdução

Neste artigo, analisamos, centralmente, a relação de filiação entre o pensamento benvenistiano e o pensamento saussuriano, procurando compreender como essa filiação produz efeitos, por um lado, sobre certo modo de o pensamento saussuriano, estabelecido a partir do Curso de linguística geral (CLG, 1995 [Cours de linguistique générale, 1916]), poder ser (re)interpretado no e pelo pensamento benvenistiano, e, por outro lado, sobre certo modo de o fundamento da linguagem poder ser teorizado diferentemente nos Problemas de linguística geral (PLGs). Em outras palavras, procuramos discutir o seguinte questionamento: a partir da tomada da significação como fundamento da linguagem, como se dá a inscrição de Émile Benveniste em certo mo(vi)mento de filiação ao pensamento saussuriano estabelecido no e pelo Curso de linguística geral?

Ressaltamos que essa relação de filiação vem sendo debatida e compreendida diferentemente em inúmeros trabalhos, inclusive, em muitos casos, a partir de ângulos e conceitos pontuais, assim como de diferentes perspectivas teórico-metodológicas. Dentre esses trabalhos, destacamos Claudine Normand (2009a) e Valdir do Nascimento Flores (2013). O primeiro apresenta cinco possíveis discursividades que forjam compreensões sobre tal relação: da continuidade (Benveniste continuador de Saussure), da novidade (Benveniste diferente de Saussure), da influência/aplicação (Benveniste aplica Saussure), da interdisciplinaridade (Benveniste refaz a interdisciplinaridade da Linguística com outros campos do conhecimento) e da institucionalidade (relevância intelectual de ambos os autores).

O segundo, por sua vez, aborda, em especial no capítulo intitulado “Fundamentos saussurianos do pensamento benvenistiano”, marcas da presença de Ferdinand de Saussure no pensamento benvenistiano. Nesse capítulo, Flores (2013) reconhece alguns movimentos constitutivos dessa relação, dentre os quais destacamos: o da distinção (Benveniste distinguir-se-ia de Saussure ao teorizar como o princípio da arbitrariedade pode determinar a natureza do signo linguístico); o da concordância (Benveniste concordaria com Saussure quanto à tarefa do linguista, defendendo, contudo, um deslocamento do objeto, redelimitado em Benveniste pela consideração da linguagem em sua totalidade - rejeitando o corte saussuriano entre língua e fala -, ampliando a perspectiva de trabalho do linguista por meio da inserção da questão da significação e, por conseguinte, da enunciação); o da tributação (a noção benvenistiana de “aparelho formal da enunciação” seria tributária da noção saussuriana de “sistema linguístico”). Tendo essa argumentação como fundo, o autor defende uma relação de ultrapassagem segundo a qual Benveniste ultrapassaria Saussure ao situar a análise linguística no mundo da frase, portanto, do discurso. Essa ultrapassagem culminaria com a proposição do modo semântico de a língua significar, articulado ao mundo saussuriano do signo, este relido por Benveniste como o modo semiótico de a língua significar.

Além desses posicionamentos, lembramos que tanto o pensamento saussuriano quanto o benvenistiano são objetos de uma extensa fortuna crítica. Essa produção também aborda, em mo(vi)mentos específicos, a relação Saussure-Benveniste. Os inúmeros trabalhos que discutem e analisam a relação entre o pensamento saussuriano e o pensamento benvenistiano vêm mostrando que essa relação é constituída de nuanças - complexidades, contradições, imprecisões -, o que também é considerado para sustentar a compreensão aqui defendida, segundo a qual a relação de filiação entre o pensamento benvenistiano e o pensamento saussuriano funciona discursivamente como uma relação de “nunca acabar”.

Outra ressalva diz respeito ao modo como Benveniste estabeleceu os PLG1, o que foi reproduzido por Mohammad Djafar Moïnfar, no estabelecimento dos PLG2, sob a supervisão de Benveniste. Sobre isso, o próprio Benveniste afirma, no prefácio aos PLG1, que a organização de seus estudos - publicados em diferentes momentos de sua produção em diversos periódicos - em seis sessões (partes) por ele definidas, visou à construção de certo efeito de unidade e de coerência. Do modo como compreendemos, essa unidade e coerência são forjadas a partir da tomada de posição de Benveniste recorrentemente afirmada: olhar os problemas linguísticos a partir da relação entre linguagem, significação e homem1. Podemos ler essa tomada de posição nas citações abaixo, entre outras, estabelecidas em diferentes mo(vi)mentos da produção benvenistiana.

Antes de qualquer coisa, a linguagem significa, tal é seu caráter primordial, sua vocação original que transcende e explica todas as funções que ela assegura no meio humano. [...] Elas [...] estão ligadas ao exercício do discurso: para resumi-las em uma palavra, eu diria que, bem antes de servir para comunicar, a linguagem serve para viver. Se nós colocamos que à falta de linguagem não haveria nem possibilidade de sociedade, nem possibilidade de humanidade, é precisamente porque o próprio da linguagem é, antes de tudo, significar. Pela amplitude desta definição pode-se medir a importância que deve caber à significação (Benveniste, 2006, p. 222; itálico no original).

Entre o significante e o significado, o laço não é arbitrário; pelo contrário, é necessário. O conceito (“significado”) “boi” é forçosamente idêntico na minha consciência ao conjunto fônico (“significante”) boi. Como poderia ser diferente? Juntos os dois foram impressos no meu espírito; juntos evocam-se mutuamente em qualquer circunstância. [...] O espírito não contém formas vazias, conceitos não nomeados [...] (Benveniste, 2005, p. 55-56). [...] O que Saussure demonstra permanece verdadeiro, mas a respeito da significação, não do signo (Benveniste, 2005, p. 58; itálico no original).

Na primeira citação, a relação entre linguagem, significação e homem é apresentada de forma mais evidente: fica dito, por exemplo, que a significação assegura as funções do meio humano por estar ligada ao exercício do discurso, ou seja, ligada à certa injunção que funciona no “mundo da significação” (Harris apudBenveniste, 2005, p. 13; itálico no original), determinando que o que encontramos nesse mundo é “um homem falando com outro homem” (Benveniste, 2005, p. 285). E é por isso que podemos compreender que a linguagem serve para o homem viver, o que projeta a questão da significação para o centro do pensamento benvenistiano quanto à questão da relação entre linguagem, significação e homem.

Já na segunda citação, ao trazer a questão da impressão do signo no espírito humano, Benveniste coloca no centro da compreensão do signo linguístico a significação como elemento necessário ao reconhecimento, pelo homem, de sua existência. É assim que, para ser reconhecido como signo, o significante deve estar, inalienavelmente, relacionado a um significado, já que, conforme argumenta Benveniste, o espírito humano rejeita formas vazias, conceitos não nomeados.

Em relação a essas leituras, reconhecemos a necessidade de expor e compreender como essa filiação acontece, sua especificidade, e o que ela pode produzir, como possíveis efeitos, no processo sócio-histórico e político-ideológico que determina a (re)interpretação do pensamento saussuriano no e pelo pensamento benvenistiano. Para este artigo, essa investigação recortou como material analítico os Problemas de linguística geral 1 e 2 e o Curso de linguística geral (Benveniste, 2005), Benveniste, 2006, Saussure, 1995, respectivamente).

Esse recorte se justifica a partir de certa historicidade e certa prática política que, ao significar certo mo(vi)mento científico no interior dos estudos sobre/da linguagem, permite-nos dizer que a publicação dos PLGs afetou o modo de circulação do pensamento benvenistiano, a ponto de produzir o imaginário de que os PLGs comportariam o fundamento da Linguística Geral de Benveniste. A publicação da tradução em português dos PLGs no Brasil, em particular, foi capital para que sua linguística passasse a fazer parte da formação dos linguistas brasileiros (Brait, 1995). Condição análoga se deu com a publicação da tradução em português do CLG.

A propósito do CLG, sua presença no recorte analítico se justificou devido ao fato de Benveniste ter sido leitor “crítico” do Cours [de linguistique générale]. Essa leitura de Benveniste, vale ressaltarmos, foi construída na relação com a leitura de outras obras, muitas das quais citadas pelo próprio Benveniste nos PLGs. Essas outras obras incluem, por exemplo, cartas trocadas entre Saussure e Meillet entre 1894 e 1911 (Testenoire, 2015), o trabalho de Godel (1969), Les sources manuscrites du Cours de Linguistique Générale de F. de Saussure, a análise de Bloomfield do Cours (1924), publicada no Modern Language Journal, o artigo de Guillaume, La langue est-elle ou n'est-elle pas un système?, publicado no Cahiers de linguistique structurale de l'Université de Québec em 1952, assim como diferentes números do Cahiers Ferdinand de Saussure.

A análise realizada, tendo como norte o questionamento supracitado, mobilizou o método discursivo, o que nos permitiu problematizar as diferentes maneiras de ler a relação Benveniste-Saussure. Essa problematização se deu a partir da restituição de certa condição material de existência dos processos de discursivização das práticas e teorias científicas e exegéticas e das relações de filiação a elas pertinentes. Constitui essa condição específica limites de diferentes ordens para o exercício da produção intelectual, como o fato da descontinuidade do pensamento e da elaboração teórica, assim como, no limite, a finitude da própria vida.

Discursivamente, essa condição impede de embarcarmos em leituras que interpretam a relação Benveniste-Saussure como uma relação de “superação”, de “ultrapassagem”, de “reprodução”, de “aplicação”, de “continuação”, de “influência”, de “recepção”, de “precursividade”, de “herança-transmissão”, de “inovação”. Em análise, a suspensão dessas relações significativas se tornou possível por meio do deslocamento na maneira de ler as relações parafrásticas que fazem significar a relação entre o pensamento benvenistiano e o pensamento saussuriano como uma relação de filiação. Foi com base nesse procedimento analítico que compreendemos o processo discursivo em funcionamento na determinação sócio-histórica e político-ideológica dessa filiação.

Nesse procedimento analítico, aproximamo-nos da leitura de Normand (2009a), que significa a relação “Saussure-Benveniste” pela metáfora do encontro2: “Benveniste encontrou Saussure no que pôde conhecer de seus escritos” (Normand, 2009a, p. 198). Com, ao menos, uma diferença significativa: para nós, Benveniste (des)encontrou/(des)encontra Saussure, numa relação - como anunciamos no título e mostramos a seguir - de nunca acabar3. Nessa direção, suspendemos a evidência que reduz Benveniste a mero leitor “crítico” de Saussure. E apontamos para o fato de que, na história dos estudos da linguagem, as relações de filiação entre autorias fundadoras, como é a relação “Benveniste-Saussure”, são relações estabelecidas por gestos de interpretação passíveis de (re)atualização.

Para realizarmos esse gesto analítico, mobilizamos o quadro teórico-metodológico da Análise de Discurso de filiação pecheutiana, para compreendermos a filiação entre o pensamento benvenistiano e o pensamento saussuriano como movimento no processo de significação da história das ideias linguísticas. Além deste preâmbulo, esse gesto analítico compreende as próximas seções: na primeira, explicitamos como compreendemos as designações “pensamento saussuriano” e “pensamento benvenistiano”; na segunda, trabalhamos discursivamente o conceito de filiação na história das ideias linguísticas. Na terceira, analisamos como a filiação de Benveniste-Saussure pode ser relida nessa perspectiva. Finalizamos este artigo expondo nossa compreensão dessa filiação, considerando seu possível impacto sobre a formação de linguistas.

1 “Pensamento saussuriano”, “pensamento benvenistiano”

Tendo em vista nosso objetivo analítico, torna-se relevante explicitarmos como podemos compreender e operar, no trabalho aqui apresentado, o que designamos por “pensamento saussuriano” e “pensamento benvenistiano”. Ao nos referirmos ao pensamento saussuriano, reportamo-nos a certa tradição científica e exegética (Normand, 2009b), no interior dos estudos da linguagem, que reconhece que o Curso de linguística geral, de produção e publicação posteriores ao falecimento de Saussure4, funcionaria como índice de uma discursividade que produz, como efeito, certa evidência atribuível ao trabalho de teorização realizado por Saussure, entre 1907 e 1911, em três cursos de linguística geral ministrados por ele na Universidade de Genebra.

Nesse mesmo interior, há, ao menos, outra tradição que (de)nega o Curso de linguística geral como índice discursivo do pensamento saussuriano. Essa tradição se assenta no conhecimento de textos originais de Saussure tornados públicos a partir de meados da década de 1990. A esse respeito, ver, por exemplo, Simon Bouquet (2004). A título de explicação, lemos o próprio Bouquet, por um lado, negando tal funcionamento discursivo do Curso ao afirmar, por exemplo, que a obra escrita por Charles Bally e Albert Sechehaye “oferece [...] um reflexo deformado do pensamento [saussuriano] que pretende divulgar, falseando [...] as notas do curso e os manuscritos de Saussure em que se apoia” (Bouquet, 2009, p. 13); e, por outro lado, denegando tal funcionamento ao afirmar também que “Bally e Sechehaye realizaram uma síntese magistral da reflexão saussuriana [...] fato comprovado pelo sucesso alcançado por sua obra” (Bouquet, 2009, p. 13).

Ressaltamos que, discursivamente, ao nos referirmos a certa tradição científica e exegética, tomamos as práticas científicas e exegéticas que a constituem como práticas políticas. Por isso, constituem-se como “uma rede de filiação de sentidos em uma memória [intelectual] que não pode ser senão singular em suas condições particulares” (Orlandi, 2009, p. 122). Em nossas palavras, compreendemos que as condições de produção de uma tradição científica e exegética são específicas a uma dada conjuntura sócio-histórica-ideológica, o que provoca recortes particulares na relação entre as teorizações e as filiações de memória por elas evocáveis. Essa particularização produz, como efeito, a diferença na repetição, tornando, assim, as tradições científicas e exegéticas singulares. Por exemplo, uma mesma anotação de uma aula de Saussure pode derivar diferentes interpretações, que, por sua vez, podem se inscrever em diferentes tradições científicas e exegéticas. Essas tradições, em disputa por significar, funcionam, imaginariamente, na busca por delimitar/determinar o que seria o “pensamento saussuriano”.

Essa rede de filiação, ainda seguindo Eni Orlandi (2009), é indiciada, ou seja, historicamente marcada, por um processo de elaboração, de argumentação, produzido em função do modo como essa filiação afeta a relação de interpretação entre funções-autor5 e, por conseguinte, o processo de teorização implicado em/por uma história própria de constituição de cada autoria, inscrevendo-as em um regime de memória intelectual. Esta é constituída, por condição de esburacamento, esquecimento, apagamento, (des)continuidade (Pêcheux, 1999), na relação com certa memória institucional, certa memória político-científica e pelo processo sócio-histórico-ideológico de luta pelo conhecimento científico.

Na direção dessa compreensão, embora o termo “pensamento saussuriano” possa evocar, imaginariamente, sentidos de homogeneidade e unicidade, do ponto de vista discursivo, o pensamento teórico resulta de um percurso difuso, inconsciente, lacunar e não-linear, de filiações (teóricas, a outros pensamentos, a outras discursividades) e de materializações (aulas, notas, artigos, comunicações, livros etc.), constituído de mo(vi)mentos nem sempre precisamente delineáveis. Trata-se de um percurso/processo determinado sócio-histórica e político-ideologicamente, configurando esse pensamento como um objeto necessariamente prismático, isto é, passível de diferentes interpretações e, ao mesmo tempo, base material para diferentes gestos que constituem um processo discursivo (significativo) sem início nem fim. Além disso, o pensamento teórico é, ele próprio, constituído de interpretações dessas filiações.

Nessa perspectiva, compreendemos por “pensamento saussuriano” um objeto de conhecimento com múltiplas materializações, fundadas na relação entre a linguagem e a interpretação. Ao funcionar discursivamente, esse objeto (des)regula os implícitos associáveis às suas materializações, constituindo, dessa maneira, uma rede de filiação de sentidos à memória discursiva que atravessa constitutivamente os estudos da linguagem. É nessa relação que as memórias evocadas por esses objetos e suas materializações podem ser lidas como “espaço móvel de divisões, de disjunções, de deslocamentos e de retomadas, de conflitos de regularização… um espaço de desdobramentos, réplicas, polêmicas e contra-discursos” (Pêcheux, 1999, p. 50).

Em decorrência desse movimento de filiações, que não é nem homogêneo nem a-histórico, como explicitado acima, configuram-se posições-sujeito na história das ciências e, em particular, na história dos estudos da linguagem, delimitando, ao mesmo tempo, a diferença entre autores (funções-autor) e teorizações, ou seja, entre tradições científicas e exegéticas. Esse movimento de filiação é constitutivo daquilo que Thomas Herbert-Michel Pêcheux (2011) denominou “reprodução metódica do objeto”. Nas palavras do próprio autor, “desde que a ciência [...] enuncie seu objeto, ela é levada a confrontar seu discurso com ele mesmo para provar sua necessidade. [...] a reprodução metódica do objeto consiste em uma reflexão do discurso teórico sobre si mesmo que lhe confere a coesão” (Herbert (Pêcheux), 2011, p. 49; itálico do autor).

Diríamos nós ainda que a “reprodução metódica do objeto” pode abrir, dadas as suas condições de produção particulares, também para o deslocamento, oportunizando, dessa forma, a emergência de outros objetos, teorizações, tradições científicas e exegéticas, filiações, ou seja, (outras) “projeções no horizonte da ciência” (Orlandi, 2009, p. 125), com a possibilidade, inclusive, de expandir esse horizonte. Em decorrência desse deslocamento, torna-se possível, também, a emergência de outras autorias.

É nessa medida que compreendemos a reprodução metódica do objeto como movimento de dobra6, de retorno, do discurso teórico sobre si mesmo. Esse movimento é produzido, por um lado, como uma necessidade de, ao mesmo tempo, provar e estabilizar tanto sua coesão, quanto sua coerência, além de seu alcance heurístico. Por outro lado, esse mesmo mo(vi)mento produz discrepâncias, desencaixes, falhas, abrindo o discurso científico a outras articulações e latitudes discursivas7. Esse movimento de dobra, com os efeitos que acabamos de descrever, é constitutivo da prática científica e do funcionamento do discurso científico nas ciências humanas.

Com base nessa argumentação, podemos compreender que o pensamento saussuriano funciona, imaginariamente, conforme denominamos em Análise de Discurso, como um discurso fundador relativo à rede de filiação de sentidos que constitui o próprio campo dos estudos da linguagem. Por isso, podemos afirmar, juntamente com Orlandi (2009), que o texto do Curso funciona “como lugar de memória” (2009, p. 124), ou seja, constitui-se, imaginariamente, como “lugar de origem e princípio de fechamento da regressão no tempo e de dispersão no espaço”8 (Orlandi, 2009, p. 124).

Esse funcionamento do pensamento saussuriano como um discurso fundador, de acordo com Orlandi (2009), “abre uma discursividade e cria, ao mesmo tempo, uma filiação de memória intelectual, onde os sentidos fazem outro sentido [...]” (Orlandi, 2009, p. 124). Essa discursividade, acrescenta a autora, “é também um trabalho de outros autores (avaliação externa, prestígio, legitimação, filiação, tradição, herança, projeção no horizonte da ciência)” (Orlandi, 2009, p. 124-125).

Ao remetermos o funcionamento dessa discursividade ao Curso, torna-se possível a restituição de um processo discursivo que produz como efeito a construção de uma teorização, seu objeto e método. Além disso, tomamos o Curso como a materialização do pensamento saussuriano sobre a qual a análise aqui empreendida recaiu. Acrescentamos ainda que, a despeito do conhecimento produzido, sobretudo, na contemporaneidade, sobre o pensamento saussuriano, a partir, em especial, de manuscritos encontrados em meados da década de 1990, o Curso permanece como leitura fundamental nos processos de formação em linguística, além de ainda ser considerado um marco na história das ideias linguísticas. Dito de outro modo, embora não seja a única materialização do pensamento saussuriano, o Curso permanece como um “horizonte de retrospecção” (Auroux, 2009), projetando e produzindo efeitos sobre os contornos e as filiações do pensamento saussuriano.

De forma análoga, compreendemos o que referimos por “pensamento benvenistiano”, com uma diferença capital: sua constituição é atravessada pelo pensamento saussuriano, por essa discursividade fundadora, como uma de suas filiações reivindicadas (Guimarães, 2018)9. Compreendemos, com base em Orlandi (2002), que esse tipo de filiação se marca pelo modo como um autor reporta explicitamente a e se inscreve em uma dada tradição científica e exegética. Esses movimentos se materializam, por exemplo, por meio de mecanismos de citação que produzem, como efeito, a assunção de um autor à condição de “referência primeira”, constituindo-se, dessa maneira, como uma figura emblemática em um processo discursivo de teorização específico, relativamente circunstanciado.

Conforme explica Orlandi (2002), pensados discursivamente, esses mecanismos de citação não correspondem a modos de caracterizar como se daria a “influência” de um autor sobre outro, mas a modos de indiciar como uma posição discursiva no/do discurso científico se filia a certas redes de sentidos para poder interpretar, formular e argumentar10, constituindo-se como autor em um processo de teorização circunscrito à determinada tradição científica e exegética. Como mostra a autora, essa filiação não se marca apenas por esses mecanismos de citação, mas é também constituída por condições de produção específicas, por exemplo, pelo modo como essa filiação é significada no e pelo mo(vi)mento de institucionalização das práticas científicas.

Esse modo de filiação reivindicada está posto nos PLGs em relação ao pensamento saussuriano. Neles, como será visto em análise, o pensamento saussuriano se marca como uma referência primeira, constituindo-se como parte da construção teórica que permite significar o que referimos por “pensamento benvenistiano”. Um exemplo de como essa filiação reivindicada se marca textualmente pode ser observado em “[...] Reteremos apenas, para colocá-los em relevo, os caracteres primordiais da semiologia, tal como Saussure a concebe, aliás tal como ele a tinha reconhecido muito tempo antes de a evocar em seu ensino” (Benveniste, 2006, p. 48; itálico nosso). Nesta formulação, o mo(vi)mento de filiação reivindicada a Saussure fica marcado pela significação de Saussure como um ponto de partida, uma referência inequívoca, para a reflexão em produção por parte de Benveniste.

A seguir explicitamos, com base no que acabamos de expor, como podemos compreender discursivamente “filiação”, para pensar relações de sentido e entre autorias na história das ideias linguísticas.

2 Conceituando discursivamente filiação na história das ideias linguísticas

De saída, explicitamos que nossa filiação à história das ideias linguística se dá pelo modo como a Análise de Discurso a atravessa, o que tem possibilitado a construção de um modo particular de leitura e análise da produção das ideias linguísticas na história. Em decorrência desse posicionamento, trabalhamos o questionamento norteador deste trabalho, mobilizando o quadro teórico-metodológico da Análise de Discurso.

Nesse quadro, com base em Orlandi (2009; 2002) e Mariana Marinho (2021), filiação não é compreendida como concordância ou influência, tampouco mera reprodução teórica ou recepção - ou continuação, ou herança, ou superação, ou ultrapassagem, ou aplicação, ou transmissão, ou precursividade - de autores. Orlandi (2002) conceitua filiação como relações de sentido, como movimento de transferência, de ressignificação; reconhecendo, portanto, que o que está em jogo é um trabalho histórico de significação das relações entre autorias; em outras palavras, reconhecendo que a filiação entre autorias decorre de um trabalho metafórico. Nessa direção, “filiar(-se)” significa também formular, elaborar, argumentar, ou seja, interpretar.

Com Marinho (2021), ampliamos a maneira de compreender, discursivamente, o conceito de filiação. Para essa autora, filiação é “uma relação de diálogo entre teorias, sentidos, posições ideológicas da e na prática teórica” (Marinho, 2021, p. 21). Nessa direção, formular, elaborar, argumentar e interpretar em processo de filiação implica posicionar-se significativamente em diálogo, ou seja, em uma prática sócio-histórica e político-ideológica de significação, em que o trabalho metafórico está pressuposto. Trata-se, portanto, de um movimento político e ideológico frente às relações de sentido em jogo no processo discursivo de teorização, de construção imaginária de um pensamento científico e exegético.

Como prática assim caracterizada, esse diálogo implica também, ao mesmo tempo e constitutivamente, não-comunicação (Pêcheux, 1995), pois reproduz-transforma as condições materiais de existência no interior da luta de classes, no seio da vida social, logo, também, no seio da prática científica e exegética. A comunicação/não-comunicação decorre do fato de que nenhum sujeito pode significar da mesma posição significativa ocupada por outro. Entre o que escreve/diz um sujeito e como seu interlocutor o lê/ouve, produzem-se, também, desencaixes, discrepâncias, desencontros.

É por isso que dizemos que comunicar é também não comunicar. Logo, dialogar é também não-dialogar. Isso porque, inspirados em Pêcheux (1995), podemos dizer que a forma material “diálogo” é, ela também, base, ao mesmo tempo, para a divisão e para a contradição. Além disso, a produção de um diálogo entre diferentes autorias se dá em condições de produção específicas. Mudadas essas condições, o diálogo pode(rá) ser outro. É esse funcionamento, aliás, que permite que o pensamento saussuriano, por exemplo, possa ser lido de maneiras diferentes, assim como ser relido indefinidamente. A interpretação não se fecha, aprendemos em Análise de Discurso.

Isso posto, a filiação concebida como diálogo não prevê, a não ser como efeito, uma relação passível de estabilização entre duas posições significativas (autorias), porque é desde sempre-já atravessado pelas desigualdades, assimetrias, silenciamentos, diferenças, divisões e (des)continuidades próprias às relações de sentido produzidas em condições sócio-históricas e político-ideológicas específicas. É em função dessas mesmas condições, inclusive, que as forças dominantes, que protagonizam a luta de classes no campo dos estudos da linguagem, concorrem por significar, (re)produzindo discursivamente a naturalização de certos imaginários. Esse efeito de naturalização, por sua vez, é sustentado pelos efeitos da linearização cronológica e da hierarquização das relações de sentido - de forças, de poder - e de sujeitos.

Dessa maneira, passam a circular e a produzir identificação a, por exemplo, o imaginário de precursividade (um autor como precursor de outro(s)), o de superioridade (um autor superior a, que ultrapassa outro(s)), o de herança (um autor herda algo de outro(s)). Por isso, (re)lemos a relação Benveniste-Saussure como uma relação de nunca acabar: por um lado, são diferentes modos de identificação possível com esses imaginários; por outro lado, esses diferentes modos de identificação podem produzir, como efeito, militância em favor de uma interpretação específica (em detrimento de outras), disputa, confusão, retificação, igrejas teóricas, silenciamentos, de tal forma que o dissenso, a polissemia, a diferença permanecem significando, movimentando a prática da produção científica e exegética, em particular nos estudos da linguagem.

Vale ressaltarmos que os diferentes modos de identificação com tais imaginários são constitutivos da prática científica e exegética, em decorrência do funcionamento da prática teórica. Dizendo de outra forma e retomando a epígrafe deste texto, “é a própria possibilidade de dar forma material ao pensamento (de pensar) que está em jogo nos jogos da história da ciência” (Orlandi, 2009, p. 138). Isso nos leva a compreender que a filiação como prática do diálogo, tal como o conceituamos aqui, é um mo(vi)mento necessário ao processo discursivo que dá corpo ao pensamento teórico, instaurando a possibilidade de expansão do horizonte da ciência. Nessa perspectiva, o diálogo comporta, por exemplo, a não concordância, explícita ou não.

Nessa perspectiva, e inspirados em Orlandi (2009) e em Edward William Said (1983)11, compreendemos que o processo de filiação pode instaurar, como efeito, a viabilidade de um processo de (re)territorialização de autorias e teorizações, ou seja, de conhecimento(s), práticas (científicas, exegéticas) e de relações de sentido (e de forças). A compreensão de filiação como diálogo, em que o trabalho metafórico está pressuposto, lhe restitui sua complexidade como processo de (re)produção de relações de sentido, de significação, de interpretação.

Mobilizamos essa compreensão para expor, a seguir, uma releitura do processo de filiação do pensamento benvenistiano ao pensamento saussuriano.

3 Como a filiação de Benveniste a Saussure pode ser relida?

Saussure é em primeiro lugar e sempre o homem dos fundamentos.

Émile Benveniste

Nos PLGs, materializa-se a formulação do reconhecimento de Saussure como homem dos fundamentos: "não há um só linguista hoje [1963] que não lhe deva algo. Não há uma só teoria geral que não mencione o seu nome. [...] A ciência da linguagem foi pouco a pouco transformada por sua causa" (Benveniste, 2005, p. 34). Esse reconhecimento constitui, de forma decisiva, o pensamento benvenistiano, caucionando-o. Essa caução fica indiciada ao longo da produção teórica de Benveniste, e, em particular, retomando a teorização saussuriana sobre o sistema linguístico ao propor a teorização do duplo funcionamento da língua12, a qual culminará com a produção distintiva, em "Semiologia da língua" (PLG2, 1969), em particular, dos conceitos "funcionamento semiótico" e "funcionamento semântico" da língua13. Notemos que constitui o pensamento benvenistiano o fundamento saussuriano, reiterado, por exemplo, nesta passagem também de "Semiologia da língua": "para o que denominamos semiótico, a teoria saussuriana do signo linguístico servirá de base à pesquisa" (Benveniste, 2006, p. 67).

Saussure, de acordo com o pensamento benvenistiano (2005), vivia um drama em relação à prática científica e exegética dominante à época, a gramática comparada, que foi modelada por Saussure (Benveniste, 2006) ainda muito jovem. Conforme lemos na própria formulação de Benveniste, é possível identificar certa hesitação no pensamento saussuriano quanto à publicação dos fundamentos de sua teoria linguística no quadro comparatista.

Saussure afastava-se da sua época na mesma medida em que se tornava pouco a pouco senhor da sua própria verdade, pois essa verdade o fazia rejeitar tudo o que então se ensinava a respeito da linguagem. Mas ao mesmo tempo em que hesitava diante dessa revisão radical que sentia necessária, não podia resolver-se a publicar a menor nota antes de haver assegurado, em primeiro lugar, os fundamentos da teoria (Benveniste, 2005, p. 40; itálico nosso).

Saussure é descrito como um comparatista insatisfeito com o fato de que a gramática comparada operava a partir de preocupações excessivamente lógicas, carecendo de fundamentação teórica linguística. Ainda nas palavras de Benveniste (2005),

os linguistas estavam então absorvidos num grande esforço de investigação histórica no emprego dos materiais de comparação e na elaboração de repertórios etimológicos. Esses grandes empreendimentos [...] não deixavam lugar às preocupações teóricas. E Saussure permanecia sozinho com os seus problemas. A imensidade da tarefa que devia ser cumprida, o caráter radical da reforma necessária podiam fazê-lo hesitar, às vezes desencorajá-lo. Apesar disso não renuncia. Sonha com um livro em que dirá tudo isso, em que apresentará as suas opiniões e empreenderá a refundição completa da teoria. [...] Esse livro não será jamais escrito, mas restam dele esboços, sob a forma de notas preparatórias, de observações jogadas rapidamente, de rascunhos, e quando, para exercer obrigações universitárias, tiver de dar um Curso de linguística geral, retomará os mesmos temas e os estenderá até o ponto em que os conhecemos (Benveniste, 2005, p. 41-42; itálico nosso).

Embora insatisfeito, de acordo com o pensamento benvenistiano, Saussure nunca teria rompido completamente com sua posição/filiação comparatista. Esse não rompimento fica indiciado pelo fato de Saussure ter deixado apenas "esboços, notas preparatórias, observações jogadas rapidamente, rascunhos", conforme descrito no trecho supracitado. E fica indiciado também, conforme nos aponta Benveniste, no modo como Saussure teoriza a arbitrariedade do signo linguístico. O modo como Saussure discorre sobre tal propriedade é descrito, em “Natureza do signo linguístico” (Benveniste, 2005), como uma anomalia no raciocínio saussuriano justificada pela sobreposição de sua posição/filiação comparatista:

[...] Há, pois, contradição entre a maneira como Saussure define o linguístico e a natureza fundamental que lhe atribui.

Semelhante anomalia no raciocínio tão cerrado de Saussure não me parece imputável a um afrouxamento da sua atenção crítica. Eu veria aí, um traço distintivo do pensamento histórico e relativista do fim do século XIX, processo habitual a essa forma de reflexão filosófica que é a inteligência comparativa. [...]. A concepção saussuriana está ainda solidária, em certa medida, com esse sistema de pensamento. [...] (Benveniste, 2005, p. 55; itálico nosso).

Para Benveniste, como lemos, Saussure rejeitava os quadros e noções então vigentes porque lhe pareceriam estranhos à natureza da própria língua (Benveniste, 2005), o que justificava a grande preocupação de Saussure em explicar ao linguista qual deveria ser sua tarefa: explicitar os fundamentos da linguística. Saussure, segundo Benveniste

[...] queria fazer compreender o erro em que se envolveu a linguística desde que estuda a linguagem como uma coisa, como um organismo vivo ou como matéria que se analisa por uma técnica instrumental, ou ainda como uma criação livre e incessante da imaginação humana. É preciso voltar aos fundamentos, descobrir esse objeto que é a linguagem, a que nada pode ser comparado (Benveniste, 2005, p. 43; itálico nosso).

Com base nesse relato de Benveniste, podemos compreender que o (des)encontro com o pensamento saussuriano é marcado pela interpretação que restitui a esse pensamento “hesitação”, “insatisfação”, “incompletude”, “rejeição”, “revisão”, “desejo de ruptura”, “reforma”, “sonho”, “refundição teórica”, “contradição”, “reflexão”. Essa filiação ao pensamento saussuriano não ocorre, portanto, fora de uma relação de interpretação do processo sócio-histórico e político-ideológico de como se produziu tal pensamento. É nessa medida que podemos compreender o pensamento benvenistiano metaforizando o processo pelo qual se estabelece o pensamento saussuriano. Essa metaforização, em múltiplas direções de sentido, funciona como base desse diálogo lacunar entre os pensamentos benvenistiano e saussuriano.

Podemos compreender também que, do ponto de vista de Benveniste, foi Saussure quem estabeleceu os fundamentos da linguística europeia, em particular, por ter feito a proposição fundadora segundo a qual a língua é um sistema de signos linguísticos do qual os termos só conhecem a pura diferença. De nosso ponto de vista, é com este fundamento que Benveniste também se (des)encontra: a interpelação pelo conceito de língua saussuriano produz, como efeito, uma latitude discursiva, ou seja, um redimensionamento discursivo-argumentativo em relação à interpretação do pensamento saussuriano. Como efeito dessa latitude, inscreve-se no pensamento benvenistiano o argumento de que a língua não poderia ser pensada somente do ponto de vista do sistema linguístico, mas também do ponto de vista de seu uso no seio da vida social14.

Dito de outro modo, o pensamento benvenistiano é atravessado pelo conceito saussuriano de língua; porém, essa filiação é lacunar, ou seja, no diálogo entre o pensamento benvenistiano e o pensamento saussuriano há uma decalagem constitutiva entre a formulação conceitual (saussuriana, no caso) e suas possíveis interpretações, entre estas aquela que se materializa nos PLGs. Essa decalagem é fundada na e pela comunicação/não comunicação constitutiva do diálogo teórico e determina o modo como o pensamento saussuriano é interpretado nos PLGs.

O próprio conceito saussuriano de língua, ao ser posto em relação ao conceito benvenistiano de “domínio semiótico”, ou seja, domínio de tudo o que diga respeito ao interior e ao uso da língua (Benveniste, 2006), sofre certo deslocamento. Esse deslocamento se configura pelo fato de o conceito "semiótico" ser significado como base do processo de teorização da língua, em seu duplo funcionamento, no seio da vida social, ao contrário do que advoga o pensamento saussuriano, que coloca a estrutura e o funcionamento da língua no centro - e não na base - de seu processo de teorização. Na explicação dada por Benveniste,

É preciso desde já admitir que a língua comporta dois domínios distintos, cada um dos quais exige seu próprio aparelho conceptual. Para o que denominamos semiótico, a teoria saussuriana do signo linguístico servirá de base à pesquisa. O domínio semântico, ao contrário, deve ser reconhecido como separado. Ele precisará de um aparelho novo de conceitos e de definições (Benveniste, 2006, p. 66-67; itálico nosso).

Esse deslocamento funciona como uma latitude discursiva, a partir da qual o conceito de língua passa a figurar em outro enredamento teórico, passando a comportar necessariamente dois domínios que funcionam indissociavelmente, uma vez que a significação é por Benveniste compreendida como fundamento da linguagem. A significação assume centralidade na reflexão benvenistiana sobre a relação linguagem, significação e homem, em que a língua comparece como base. Desse modo, fica exposta uma lacuna à filiação saussuriana, que abre a teorização benvenistiana a outras articulações discursivas. É justamente essa abertura, de nosso ponto de vista, que dá lugar ao discurso e ao semântico como dimensão de significância, na teorização sobre o uso da língua no seio da vida social.

O efeito dessas articulações e latitudes discursivas projeta no horizonte da teorização sobre a língua, nos PLGs, a articulação com as noções de “emprego” e “ação”, o que passa a caracterizar a língua em um modo específico de significar quando “engendrada pelo discurso” (Benveniste, 2006, p. 65). Em outras palavras, a língua engendrada pelo discurso expõe a língua em emprego e em ação, ou seja, o uso da língua no seio da vida social. Isso significa expor a língua em um funcionamento semântico específico, que organiza - torna significativa - toda a vida humana:

A noção de semântica nos introduz no domínio da língua em emprego e em ação; vemos desta vez na língua sua função mediadora entre o homem e o homem, entre o homem e o mundo, entre o espírito e as coisas, transmitindo a informação, comunicando a experiência, impondo a adesão, suscitando a resposta, implorando, constrangendo; em resumo, organizando toda a vida dos homens. É a língua como instrumento da descrição e do raciocínio. Somente o funcionamento semântico da língua permite a integração da sociedade e a adequação ao mundo, e por consequência a normalização do pensamento e o desenvolvimento da consciência (Benveniste, 2006, p. 229; itálico nosso).

Essa formulação do pensamento benvenistiano expõe a preocupação em relacionar o funcionamento da língua à vida social humana e, por isso, ela indicia um movimento de deslocamento/destacamento no processo de filiação ao pensamento saussuriano. E, do nosso ponto de vista, impede a consideração do pensamento benvenistiano em uma relação de mera reprodução teórica - ou recepção, continuação, herança, aplicação, transmissão - do pensamento saussuriano.

Com base no já exposto, podemos dizer que a natureza do diálogo entre o pensamento benvenistiano e o pensamento saussuriano não é de precursividade porque a relação entre essas autorias não é sustentada numa relação cronológica (de anúncio, prenúncio, antecipação, origem, etc. do pensamento benvenistiano), mas em um trabalho histórico de significação de relações de sentido que permitem que Benveniste (des)encontre Saussure em diferentes formulações/teorizações. Tampouco o pensamento benvenistiano ultrapassa ou supera o pensamento saussuriano, pois as condições de produção desses pensamentos não coincidem. A história situa, diante de nós, Benveniste como leitor de - em diálogo com - Saussure.

De nosso ponto de vista, essa leitura, ao produzir (des)encontros entre essas autorias, permite que o pensamento benvenistiano, relido, na relação de filiação ao pensamento saussuriano, possa ser interpretado como uma revolução teórica no modo de conceber a língua, o que expõe sua relação necessária com a significação. Essa revolução é indiciada pelo deslocamento do ponto de vista que cria o objeto teórico, estabelecendo, dessa maneira, outro objeto. Esse deslocamento incide sobre a questão da significação. É dela que parte Benveniste para deslocar o signo do sistema para o discurso, ou seja, para a língua em emprego, em uso, em ação.

Essa revolução possível de ser lida na teorização dos PLGs situa Benveniste em um ponto de vista diferente daquele do pensamento saussuriano presente no CLG. Benveniste apresenta-se situado no ponto de vista da significação, e, desse lugar, estabelece que o fundamento da linguagem é a própria significação. Esse ponto de vista orienta Benveniste a criar um objeto teórico duplo: a língua-sistema, que corresponde ao domínio semiótico, e a língua-discurso15, que corresponde ao domínio semântico. Esse ponto de vista pode ser reconhecido quando Benveniste afirma estar o sentido no centro da língua, como podemos ler em:

Eis que surge o problema que persegue toda a linguística moderna, a relação forma : sentido, que muitos linguistas quereriam reduzir à noção única da forma, sem porém conseguir libertar-se do seu correlato, o sentido. O que não se tentou para evitar, ignorar ou expulsar o sentido? É inútil: essa de Medusa está sempre aí, no centro da língua, fascinando os que a contemplam (Benveniste, 2005, p. 134-135; itálico nosso).

O ponto de vista de Benveniste, insistimos nessa compreensão, é aquele que reconhece que “a língua, é dotad[a] de significação, [e] em vista disso é que é estruturad[a], e que essa condição é essencial ao funcionamento da língua entre os outros sistemas de signos” (Benveniste, 2005, p. 13). E reconhece, ainda, que “a língua é uma estrutura enformada de significação” (Benveniste, 2005, p. 80). É por essa perspectiva que podemos compreender que os domínios semiótico e semântico funcionam, indissociavelmente, juntos. Esse duplo funcionamento da língua, por sua vez, corresponde à própria semiologia da língua, no pensamento benvenistiano: trata-se do estudo da língua no seio da vida social (diferentemente do estudo da língua em si e por si, como estabelecido no CLG). Esse fundamento teórico fica legível em diferentes formulações ao longo dos PLGs, dentre as quais, na seguinte paráfrase:

A semiologia da língua foi bloqueada, paradoxalmente, pelo instrumento mesmo que a criou: o signo. Não se poderia descartar a idéia do signo linguístico sem suprimir o caráter mais importante da língua; não se poderia estendê-lo ao discurso inteiro sem contradizer sua definição como unidade mínima. Em conclusão, é necessário ultrapassar a noção saussuriana do signo como princípio único, do qual dependeria simultaneamente a estrutura e o funcionamento da língua. Esta ultrapassagem far-se-á por duas vias:

- na análise intralinguística, pela abertura de uma nova dimensão de significância, a do discurso, que denominamos semântica, de hoje em diante distinta da que está ligada ao signo, e que será semiótica;

- na análise translinguística dos textos, das obras, pela elaboração de uma metassemântica que se construirá sobre a semântica da enunciação.

Esta será uma semiologia de "segunda geração", cujos instrumentos e o método poderão também concorrer para o desenvolvimento das outras ramificações da semiologia geral (Benveniste, 2006, p. 67; itálico nosso).

Nessa citação, Benveniste aponta para o fato de que o signo, tomado como princípio único, não é suficiente para compreender como a língua é usada no seio da vida social. Neste lugar, a língua é usada para mediar significâncias, o que extrapola o domínio semiótico. Por isso, Benveniste aponta para a necessidade, também, de uma análise translinguística, sobre materiais nos quais o signo aparece já enformado de significação.

O estatuto linguístico do signo nesses materiais é outro: ele não funciona apenas como pura diferença, mas também como suporte do sentido (re)produzível no e pelo processo de significação que a frase, compreendida no pensamento benvenistiano como unidade da língua-discurso16, efetua. Nesses materiais, pelos quais o signo circula no seio da vida social, o signo também significa as relações que organizam toda a vida dos homens.

Esse programa, constituído pela análise intralinguística e pela análise translinguística, é assim projetado na prática do linguista que queira se dedicar a compreender como a língua significa no seio da vida social. É esse programa que é designado, no pensamento benvenistiano, como semiologia de segunda geração, distinguindo-se da primeira, que se dedicava à análise do signo no interior do sistema linguístico.

Diante do exposto, dado que o semiótico é a base para a pesquisa semiológica, que toma como ponto de vista a significação, e dado que Benveniste concebe a língua como um objeto duplo, ele não atribui ao pensamento saussuriano o estatuto de "começo" [da semiologia da língua], mas de fundamento (no sentido, por exemplo, de "base"): fundamento que pode tanto fundar possíveis teorizações, quanto abrir projeções no horizonte da ciência.

[...] Saussure, ele não é um começo, ele é outra coisa, ou é um outro tipo de começo. Sua contribuição consiste nisto: "A linguagem, diz ele, é forma, não substância". Não há nada de substancial na linguagem. Todas as ciências da natureza encontram seu objeto constituído. A linguística, e é isto que a diferencia de qualquer outra disciplina científica, se ocupa de algo que não é objeto, não é substância, mas que é forma. Se não há nada de substancial na linguagem, o que há? Os dados da linguagem não existem senão por suas diferenças, eles não valem senão por suas oposições. Pode-se contemplar uma pedra em si, localizando-a na série dos minerais. Enquanto que uma palavra, por si mesma, não significa absolutamente nada. Ela não é senão por oposição, por vizinhança ou por diferenciação em relação a um outro, um som em relação a um outro som, e assim por diante (Benveniste, 2006, p. 31; itálico nosso).

Saussure é, então, apresentado como fundamento porque o signo, no seio da vida social, terá valores relativos ao discurso, à língua em emprego e em ação, de tal modo que não há ali somente um signo que se distingue dos outros signos do sistema linguístico por ser o que os outros não são, mas por efetuar ou constituir uma frase e, assim, tornar-se unidade de discurso, evocando diferentes sentidos possíveis. Como mostramos em outro texto (Rodrigues; Agustini, 2021a), a palavra "silêncio", afixada na parede de um hospital em uma placa, além de constituir um signo linguístico, constitui também uma frase.

Enquanto frase, ela faz significar, por exemplo, “as relações entre a palavra ‘silêncio’ e a instituição, os sujeitos ali presentes, assim como os discursos possíveis de ali serem convocados. O sentido, portanto, não está na palavra ou na frase fora do discurso, mas nas relações discursivas que elas contraem em um emprego específico na instância de discurso” (Rodrigues; Agustini, 2021, p. 3). Algumas dessas relações podem evocar, como efeito de sentido, "uma solicitação cuja forma sintática poderia ser 'por favor, faça silêncio (no tempo em que estiver aqui no hospital)’” (Rodrigues; Agustini, 2021, p. 3).

Esse mesmo signo, “silêncio”, presente em outras coordenadas referenciais da enunciação, ou seja, realizado em outra instância de discurso, poderia evocar outras relações, portanto, outros sentidos. Por exemplo, a frase “A respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio”.17 não evoca um pedido de silêncio. É assim que o signo, pura diferença por ser forma, conforme o pensamento benvenistiano, enforma-se de sentido no e pelo discurso e ganha estatuto de palavra/frase. No pensamento benvenistiano, “a palavra pode assim definir-se como a menor unidade significante livre susceptível de efetuar uma frase, e de ser ela mesma efetuada por fonemas” (Benveniste, 2005, p. 132).

Se seguirmos o raciocínio explicitado pelo pensamento benvenistiano, considerando o signo como unidade do sistema, a palavra como unidade significante livre susceptível de efetuar uma frase, e a frase como unidade do discurso, podemos compreendê-los como princípios norteadores do trabalho do linguista no interior da semiologia da língua, do ponto de vista do pensamento benvenistiano. Dito de outro modo, o pensamento benvenistiano toma do pensamento saussuriano o fundamento de que o signo é forma, pura diferença, portanto, “vazio”. Sendo vazio, segundo o pensamento benvenistiano, o signo requer, para significar, ser posto em discurso. Ao mesmo tempo, paradoxalmente, nada está na língua sem ter passado antes pelo discurso (Benveniste, 2005), ou seja, “é no discurso atualizado em frases que a língua se forma e se configura” (Benveniste, 2005, p. 140). Podemos deduzir desse raciocínio que é o domínio da língua-discurso, isto é, o domínio semântico, o lugar em que se torna possível a (re)produção dos processos de significação, tendo como base o domínio semiótico.

É com base nessa argumentação que podemos dizer que Benveniste não ultrapassou o pensamento saussuriano porque o pensamento benvenistiano não se reduz à mera continuação do pensamento saussuriano. Podemos afirmar que Benveniste produziu outra teorização ao apresentar o fundamento da linguagem por meio da proposição de outros princípios, como o conceito de palavra e de frase, articulados ao princípio da língua como sistema. Vale destacarmos que esses outros princípios foram forjados, no processo de teorização benvenistiana, em relação ao domínio semântico do funcionamento da língua.

Considerações finais

Com a análise apresentada neste trabalho, procuramos discutir e compreender como se dá a inscrição de filiação do pensamento benvenistiano ao pensamento saussuriano. A análise mostrou o pensamento saussuriano e o pensamento benvenistiano em jogo no jogo histórico-político-ideológico que constitui o campo dos estudos da linguagem. Esse jogo se materializa quando colocamos em diálogo, por exemplo, os PLGs e o CLG.

Nesse jogo, ambos concorrem por significar o fundamento da linguagem. Cada um a seu modo, ao se inscreverem na história das ideias que delimita o referido campo, produz uma mexida nas redes conceptuais, nos métodos e nos pontos de vista que constituem o objeto teórico e as práticas científicas e exegéticas possíveis de operarem com ele. Nessa perspectiva, vale lembrarmos a lição de Herbert-Pêcheux (1995), para quem toda ciência

[...] qualquer que seja seu nível atual de desenvolvimento e seu lugar na estrutura teórica - é produzida por um trabalho de mutação conceptual no interior de um campo conceptual ideológico em relação ao qual ela toma uma distância que lhe dá, num só movimento, o conhecimento das errâncias anteriores e a garantia de sua própria cientificidade. Nesse sentido, toda ciência é inicialmente ciência da ideologia da qual ela se destaca (Herbert-Pêcheux, 1995, p. 63-64; itálico nosso).

Nessa direção, a análise permitiu compreendermos a relação entre o pensamento benvenistiano e o pensamento saussuriano como da ordem da filiação, pensada aqui discursivamente, ou seja, como um diálogo no qual a relação entre repetição e diferença se faz presente, justamente porque funciona na base desse diálogo a produção de efeitos metafóricos, como a formulação do conceito língua-discurso, na relação com o conceito de língua saussuriano. Nesse processo de filiação, o pensamento benvenistiano reinterpreta o pensamento saussuriano, de tal modo a produzir, como efeito, uma mutação de seu fundamento, a língua. Essa mutação se funda em um deslocamento discursivo: o funcionamento da língua em si e por si (Saussure) é substituído, metaforicamente, pelo duplo funcionamento da língua (Benveniste). E esse trabalho de interpretação se dá no interior da rede de sentidos que o CLG estabelece como linguística sincrônica.

Inspirados na citação de Herbert-Pêcheux (1995), compreendemos que o pensamento benvenistiano não rompe com a linguística sincrônica saussuriana, mas projeta e realiza uma linguística sincrônica outra, diferente, delimitada pelo ponto de vista da significação, da (re)produção de sentido. O pensamento benvenistiano, dessa maneira, distancia-se do ponto de vista da língua tomada em si e por si, revestindo-a de outro estatuto científico, ao desdobrar a língua em um duplo: língua-sistema e língua-discurso.

Todavia, pudemos identificar, em análise, como o pensamento benvenistiano testemunha em diálogo as errâncias do pensamento saussuriano: dialoga com o pensamento saussuriano até o ponto de destacar-se dele e passar a fazer outros sentidos na memória intelectual. Nesse deslocamento de sentidos, ganha dominância a pesquisa do funcionamento da língua no seio da vida social. Em outras palavras, ganha dominância um projeto semiológico que admite que a língua, no seio da vida social, em emprego e em ação, sendo usada pelos falantes, já se apresenta enformada de significação na e pela dimensão do discurso, ou seja, a língua sendo empregada para se viver.

Do ponto de vista do pensamento benvenistiano, a língua tomada em si e por si - isto é, o signo linguístico saussuriano - bloqueia a semiologia da língua (Benveniste, 2006). No entanto, o pensamento saussuriano é reconhecido, no diálogo Benveniste-Saussure, como o lugar dos fundamentos, da base. Esse reconhecimento inscreve o pensamento benvenistiano na ideologia científica da qual se destaca, embora seja a ideologia científica que o sustenta, que lhe serve de base (a língua é forma e constitui sistema de pura diferença).

Diante do exposto, podemos compreender que, na relação de diálogo entre Benveniste e Saussure, mais especificamente, entre os PLGs e o CLG, é a questão da significação que determina como a filiação do pensamento benvenistiano ao pensamento saussuriano acontece. Esse acontecimento é indiciado justamente pelo deslocamento do fundamento da pesquisa linguística da língua-sistema para a significação.

A realização desta análise nos permitiu, ainda, alargar o horizonte de trabalho em história das ideias linguísticas em função da produção de uma compreensão mais acurada do conceito de filiação e de seus efeitos para a análise de como (outras) autorias podem se relacionar no jogo dos jogos da história da ciência. Nessa direção, compreendemos também que falar, por exemplo, em precursividade, continuação, aplicação, superação, é da ordem do efeito da interpretação sobre o diálogo que uma relação de filiação põe em jogo. Portanto, reduzir a relação de filiação a esses efeitos reduz, por conseguinte, tanto a espessura semântica quanto as particularidades e nuanças de tal diálogo.

Como ficou mostrado, esse diálogo é constitutivo de uma relação de filiação intelectual; e sempre se dá de uma forma ou de outra, marcado ou não marcado, pois é impossível produzir conhecimento na área dos estudos da linguagem sem relação com o horizonte de retrospecção e de projeção (Auroux, 2009), ou seja, sem que se reporte a/sem que se dialogue com um conhecimento já produzido e sem que se projete um seu futuro possível. Tomar o conceito de filiação para tratar desses modos de dialogar com o conhecimento mostra-se, a nosso ver, coerente com o que afirma Sylvain Auroux (2009):

[...] o ato de saber possui, por definição, uma espessura temporal, um horizonte de retrospecção [...] assim como um horizonte de projeção. O saber (as instâncias que fazem trabalhar) não destrói seu passado como se crê erroneamente com frequência; ele o organiza, o esquece, o imagina ou o idealiza, do mesmo modo que antecipa seu futuro sonhando-o enquanto o constrói. Sem memória e sem projeto, simplesmente, não há saber (Auroux, 2009, p. 12; itálico nosso).

Nessa perspectiva, pensar a relação entre autorias, no processo de produção de conhecimento, a partir do conceito de filiação, nos termos aqui explicitados, coloca em perspectiva o movimento que constitui o próprio horizonte do cientista, assim como o horizonte da ciência. O conceito de filiação trabalhado neste artigo permite compreender a relação paradoxal que constitui o processo de produção de conhecimento, especialmente quanto ao modo como as teorias podem se relacionar, dialogar, em particular, no interior dos estudos da linguagem.

Essa relação paradoxal diz respeito ao modo como essa relação entre teorizações, no movimento indissociável entre retrospecção e projeção, admite, ao mesmo tempo, tanto gestos de aproximação quanto gestos de deslocamentos/destacamentos. Abre-se, a partir dessa relação, a possibilidade, por exemplo, de um pensamento teórico, como efeito de interpretação, organizar, esquecer, imaginar, idealizar, ultrapassar, continuar, aplicar… outro pensamento teórico, como acontece na relação de filiação do pensamento benvenistiano ao pensamento saussuriano nas diferentes leituras que circulam em nossa sociedade, por exemplo.

Para finalizarmos, consideramos que a exposição aqui defendida, que articula o conceito de filiação ao movimento do diálogo, nos termos de uma relação paradoxal, como mostramos a partir da relação de filiação entre o pensamento benvenistiano e o pensamento saussuriano, pode impactar a formação de linguistas, uma vez que reorienta o questionamento uma teoria x dialoga, se filia a outra teoria y? para como uma teoria x dialoga, se filia a outra teoria y?, ou, um conceito x dialoga, se filia a outro conceito y? para como um conceito x dialoga, se filia a outro conceito y?

Por exemplo, nessa perspectiva, não se questiona se a teoria gerativa dialoga ou não, se filia ou não, à teoria estruturalista. Mas, se questiona como esse diálogo, essa filiação se dá. Essa reorientação muda o ponto de vista sobre a produção científica e exegética, que passa a ser trabalhada de um ponto de vista relacional. Desse ponto de vista, a construção das ideias, no âmbito do processo de produção do conhecimento sobre a língua e sobre a linguagem, em seus funcionamentos, é um processo sócio-histórico e político-ideológico de diálogo entre posições significativas no jogo (metafórico) dos jogos da história da ciência. Conclui-se, desse ponto de vista, que o conhecimento não decorre de "descobertas", mas desse processo de diálogo que inscreve o processo de produção de conhecimento em uma memória de redes de filiação.

Em decorrência da análise exposta, concluímos que a tomada da filiação como um processo de diálogo constitutivo entre teorizações (im)põe que a relação Benveniste-Saussure seja percebida-aceita-experimentada (Pêcheux, 1995) como “uma relação de nunca acabar”, já que essa relação-diálogo permanece aberta à interpretação, à metáfora, ao simbólico, ao jogo sócio-histórico e político-ideológico que constitui o processo de (re)produção dos estudos da linguagem.

REFERÊNCIAS

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  • RODRIGUES, Eduardo Alves; AGUSTINI, Cármen; BRANCO, Luisa Castello; BARROS, Renata C. Bianchi de. "Isso é uma gripezinha" - o Brasil em diminutivo. Revista da ABRALIN, [S. l.], v. 19, n. 3, p. 310-330, 2020. Disponível em: https://revista.abralin.org/index.php/abralin/article/view/1729 Acesso em jan. 2024.
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  • RODRIGUES, Eduardo Alves; AGUSTINI, Cármen; BRANCO, Luisa Castello. O luto como funcionamento de linguagem. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, SP, v. 63, n. 00, p. e021035, 2021b. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8665210 Acesso em jan. 2024.
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  • RODRIGUES, Eduardo Alves; AGUSTINI, Cármen. Argumentação em perspectiva discursiva: implicações para o ensino. Linha D’Água, [S. l.], v. 36, n. 3, 293-320, 2023. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/linhadagua/article/view/209964 Acesso em jan. 2024.
    » https://www.revistas.usp.br/linhadagua/article/view/209964
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  • SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. 20. ed. Trad. de Antônio Chelini et. al. São Paulo: Cultrix, 1995. [1916]
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    » https://hal.science/hal-01399661/document
  • Declaração de disponibilidade de conteúdo
    Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
  • Pareceres
    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.
  • 1
    O uso, por parte de Benveniste, do termo “homem”, para significar “humano”, é repetido ao longo do texto com o intuito de respeitar o vocabulário por ele utilizado. Esse efeito de sentido é reproduzido no e pelo uso do termo “homem” pelos autores deste artigo.
  • 2
    Benveniste também se refere à relação teórica por meio de tal metáfora. Por exemplo, ao falar de sua relação com Antoine Meillet, seu mestre, diz que: “[...] Foi pelo fato de tê-lo encontrado muito jovem, quando de meus estudos na Sorbonne, e por eu ter, sem dúvida, muito mais gosto pela pesquisa que pela rotina do ensino, que este encontro foi decisivo para mim” (Benveniste, 2006, p. 11; itálico nosso).
  • 3
    A expressão “relação de nunca acabar”, da qual nos apropriamos para intitular este artigo e significar o ponto de vista aqui defendido, teve inspiração tanto no título atribuído à tradução mexicana, de Beatriz Job, da obra de Françoise Gadet e Michel Pêcheux (1981, La langue introuvable, Ed. La Découverte), La lengua de nunca acabar, quanto no título atribuído ao I Seminário de Estudos em Análise do Discurso: “Michel Pêcheux e a Análise do Discurso: uma relação de nunca acabar” (Instituto de Letras, UFRGS, Porto Alegre, nov. 2003) e ao livro homônimo (2005, Ed. Claraluz) dele decorrente, organizado pelas professoras Freda Indursky e Maria Cristina Leandro Ferreira, ambas da UFRGS.
  • 4
    Sobre esse processo de produção e publicação póstumas, indicamos a leitura de Gadet (1996), Bouquet (2004) e Normand (2009b).
  • 5
    A partir de Orlandi (2001), a função-autor é um efeito associado a uma posição significativa que funciona em relação a determinado texto. Quando em operação, “constrói uma relação organizada - em termos de discurso - produzindo um efeito imaginário de unidade (começo, meio, progressão, não contradição e fim) [...] colocando imaginariamente o sujeito na origem do sentido e sendo responsabilizado por sua produção” (Orlandi, 2001, p. 65). No campo da produção científica, a autora afirma ainda que “a autoria em ciência tem sempre um longo percurso que não é feito de ‘influências’ mas de reflexões dentro de uma ‘tradição’, uma ‘memória científica’ em determinadas condições” (Orlandi, 2009, p. 136).
  • 6
    “Dobra” compreendida nos termos de Eduardo Alves Rodrigues, Cármen Agustini, Luiza Castello Branco e Renata Chrystina Bianchi de Barros (2020).
  • 7
    Tomamos “articulações e latitudes discursivas” nos termos de Rodrigues, Agustini e Branco (2021b).
  • 8
    Tradução de Orlandi (2009) de: lieu d'origine et principe de fermeture de la régression dans le temps et de la dispersion dans l'espace (Puech; Chiss, 1995, p. 112).
  • 9
    A esse respeito, lembramos Bernard Colombat, Jean-Marie Fournier e Christian Puech (2017), para os quais “os linguistas do século XX têm relação com o saussurianismo por filiação assumida, formação, ou reação” (Colombat, Fournier, Puech, 2017, p. 31; itálico dos autores). Cabe ressaltarmos que “filiação reivindicada” e “filiação assumida” não mantêm, necessariamente, relação sinonímica. Além disso, alinhamo-nos com esses autores ao tomarmos “filiação” como um objeto histórico. Como tal, pode ser inscrito em diferentes regiões de memória, circunscritas por diferentes processos discursivos de teorização. Essa inscrição (im)põe que esse objeto histórico seja teorizado, a fim de que se restitua a opacidade das relações entre posições teóricas em relação. É nesse movimento de teorização que se torna possível suspender a redução segundo a qual “filiação” seria, por exemplo, uma mera relação de concordância.
  • 10
    "Argumentar" no sentido que damos em Rodrigues e Agustini (2023).
  • 11
    Em especial, pela distinção feita entre “filiation” e “affiliation”.
  • 12
    Vide, por exemplo, os textos “A natureza dos pronomes” (PLG1, 1956), “Os níveis da análise linguística” (PLG1, 1964) “A forma e o sentido na linguagem” (PLG2, 1966), “Estrutura da língua e estrutura da sociedade” (PLG2, 1968), “Semiologia da língua” (PLG2, 1969) e “O aparelho formal da enunciação” (PLG2, 1970).
  • 13
    Destacamos a análise realizada por Eduardo Guimarães (2018), na qual ele mostra que a distinção semiótico-semântico, embora formulada em 1969, já aparecia em estado germinal na teorização benvenistiana desde, no mínimo, 1939, ano em que Benveniste publicou “Natureza do signo linguístico” (PLG1, 1939).
  • 14
    Embora essa questão seja apresentada no CLG como uma projeção da Semiologia, como a “ciência que estude a vida dos signos no seio da vida social” (Saussure, 1995, p. 24; itálico no original), em Benveniste é efetivada, constituindo seu modo de olhar os problemas linguísticos a partir da relação entre linguagem, significação e homem.
  • 15
    Nos PLGs, aparece o termo língua-discurso (Benveniste, [1966]/2006, p. 233), mas não o termo língua-sistema. No entanto, Benveniste preconiza o duplo funcionamento da língua em semiótico e em semântico. No semiótico, o conceito saussuriano de língua está na sua base, tornando, por isso, possível referirmos, por analogia, ao termo língua-sistema em relação à língua-discurso.
  • 16
    Conferir a compreensão de frase como unidade do discurso em “Os níveis da análise linguística” (Benveniste, 2005, p. 139).
  • 17
    Clarice Lispector, A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Parecer II

Sobre o autor do parecerSCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer II

A proposta traz um pensamento singular sobre a questão de ser ou não Benveniste um continuador de Saussure. A forma articulada entre os aparatos teóricos é rica em reflexões pertinentes, encaminhando o leitor, de forma coerente e nítida, à condução do raciocínio do autor. O texto desenvolvido confere à área de conhecimento nova perspectiva sobre a noção de ‘filiação’, favorecendo a percepção sobre os pensamentos benvenistiano e saussuriano na ótica da história das ideias linguísticas. A bibliografia referida no artigo é pertinente e atualizada. Parabenizo o autor pela excelente reflexão que pode, sim, impactar a formação de linguistas. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    04 Abr 2024

Parecer III

Sobre o autor do parecerSCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer III

O artigo apresenta um estudo aprofundado da relação entre o pensamento de Saussure e o pensamento de Benveniste como forma se de investigar o estatuto da “filiação” teórica entre dois autores no âmbito do fazer científico, mobilizando, para tanto, o arcabouço teórico da Análise do Discurso. O tema é pertinente e original na área da linguística, pois coloca em relevo a importância de se pensar epistemologicamente a respeito do desenvolvimento das ideias linguísticas, tanto retrospectivamente quanto no atual fazer do linguista. Tendo isso em vista, bem como a inexistência de erros ou pontos que exijam reformulação, meu parecer é o de APROVADO PARA PUBLICAÇÃO.

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    14 Abr 2024

Disponibilidade de dados

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2025

Histórico

  • Recebido
    24 Fev 2024
  • Aceito
    22 Out 2024
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