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Reformas da previdência social no Brasil: fatores que conduzem o processo reformador

Reforms of social security in Brazil: factors that conduct the reforming process

Resumo

O presente trabalho analisa as reformas do modelo de Previdência Social pós 1988. A partir da avaliação do caminho que vem sendo trilhado pelo poder constituinte derivado e mediante a utilização das categorias “fatores reais do poder” de Lassalle e “vontade de constituição” de Hesse, procura-se identificar quais são as forças que nortearam o Constituinte de 1988 e quais são as que vêm influenciando o processo de reforma constitucional no campo previdenciário. A pesquisa foi feita mediante a utilização do método indutivo, partindo da avaliação das alterações introduzidas no modelo previdenciário, a fim de identificar se existe correlação entre os fatores reais do poder presentes na elaboração do texto constitucional de 1988 e os que vêm orientando as sucessivas reformas previdenciárias.

Palavras-chave:
Constituição; Previdência; Reformas

Abstract

The present paper analyzes the reforms of the social security model after 1988. From the evaluation of the path that has been traced by the derived constituent ruling and through the use of the categories “real factors of ruling” of Lassalle and Hesse’s “volition of the constitution”, seeks to identify which are the forces that guided the Constituent Assembly of 1988 and which are those that have been influencing the process of constitutional reform in the social security field. The research was constructed using the inductive method, starting with the evaluation of the changes introduced in the social security model in order to identify if there is a correlation between the actual factors of ruling present in the elaboration of the 1988 constitutional text and those that have orientated the reforms social security.

Keywords:
Constitution; Social security; Reforms

1 INTRODUÇÃO

O modelo de Previdência Social brasileiro, após sucessivas reformas, guarda pouca semelhança com o previsto no texto original da Constituição Federal de 1988. Na realidade, essa transformação evidencia o confronto entre a vontade do constituinte originário e a manifestada pelo constituinte reformador. A alteração de formato da Previdência Social, que vem migrando da repartição simples para a capitalização individual, mostra que as forças condutoras do processo de reforma diferem das que orientaram a elaboração da Carta de 1988, em especial na parte que disciplina a Seguridade Social.

O presente trabalho, de cunho descritivo e analítico, almeja, a partir da análise das categorias “fatores reais do poder” de Lassalle e “vontade de constituição” de Hesse, compreender os fatores que orientaram o Constituinte de 1988 e os que estão a impulsionar as sucessivas reformas previdenciárias que ocorrem desde o governo Fernando Henrique Cardoso.

O problema de pesquisa é saber quais são os fatores de poder a orientar as profundas modificações em curso no modelo previdenciário originariamente previsto na Constituição de 1988.

Como hipótese, aventa-se a possibilidade de que as forças que atuaram durante a Constituinte de 1988, que viabilizaram o desenho originário de Previdência Social na Constituição atual, estão a perder relevância, com substituição por outras que possuem orientação diversa no tocante à questão previdenciária.

Na pesquisa em tela, utiliza-se o método de abordagem indutivo, partindo da análise concreta das reformas para, em seguida, identificar os fatores reais do poder que influenciaram e estão a conduzir as reformas constitucionais no campo previdenciário. A pesquisa em questão se classifica como analítica e descritiva, porque nela se analisam os fenômenos estudados, a fim de identificar as suas causas. Quanto às técnicas de pesquisa, utilizam-se a documental e a bibliográfica.

Este artigo se divide em quatro capítulos. No primeiro, analisa-se o desenho original da Previdência Social presente no texto da Carta de 1988, bem como as alterações a que ele vem sendo submetido. No segundo capítulo, são analisados os fatores a influenciar as reformas previdenciárias. No terceiro, diferenciam-se o formato de repartição simples da capitalização individual, bem como se procura demonstrar a importância da participação do Estado para assegurar a viabilidade de qualquer um dos modelos. Por fim, no quarto capítulo, avaliam-se tanto o confronto entre a vontade de constituição bem como os fatores reais do poder presentes na reformulação da Previdência Social.

2 FORMATO ORIGINAL E AS MODIFICAÇÕES IMPLEMENTADAS PELAS REFORMAS CONSTITUCIONAIS

A Constituição Federal, essencialmente analítica, também no tópico relativo à Previdência Social, não se limitou a traçar os princípios básicos a serem aplicados na concessão de aposentadorias, pensões e outros benefícios de natureza previdenciária. Isso tem provocado, ao longo de sua vigência, a implementação de diversas reformas voltadas à adequação do modelo previdenciário à visão política dos diversos governos que vêm se sucedendo.

O texto original da Constituição de 1988 tinha como foco a outorga de proteção abrangente aos trabalhadores urbanos e rurais. Buscava unificar os regimes previdenciários dos trabalhadores da iniciativa privada, sem descurar dos trabalhadores rurais, que foram ignorados ou colocados em situação de inferioridade em termos de proteção previdenciária nos períodos anteriores à Constituição atual.

Com o início da vigência da Carta de 1988, além da instituição dos planos de custeio e de benefícios presentes nas Leis 8.212/1991 e 8.213/1991, a abrangência dos direitos previdenciários previstos no sistema começou a ser objeto de questionamentos, uma vez que o plano de custeio, segundo os críticos, não era capaz de responder pela manutenção do conjunto de benefícios previdenciários.

Não tardou para que as propostas de reforma previdenciária começassem a ganhar adeptos, impressionados pelo argumento de que o modelo seria insustentável e prejudicaria as contas públicas e, por consequência, afetaria o desenvolvimento econômico e social. A primeira Proposta de Emenda à Constituição, mais ampla em matéria previdenciária, foi apresentada por meio da PEC n.º 33/1995 durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Tal PEC, após haver sido substancialmente modificada durante a sua tramitação legislativa, foi convertida na Emenda Constitucional (EC) n.º 20/1998.

Dentre as principais alterações promovidas pela EC n.º 20/1998 destacam-se, no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), a alteração na sistemática de cálculo do valor inicial dos benefícios1 1 A forma de cálculo do valor inicial dos benefícios foi retirada do texto da Constituição, possibilitando alterações mais céleres por meio da legislação ordinária, a qual não exige quórum qualificado para ser aprovada pelo Congresso Nacional. . Inicialmente, deixou-se de adotar no cálculo do valor inicial da aposentadoria os trinta e seis últimos salários de contribuição corrigidos monetariamente, tal como era previsto na redação original do artigo 202 da Constituição Federal.

No que se refere aos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), a alteração principal decorrente da EC nº 20/1998 foi a instituição de idade mínima para a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, sendo que a nova regra alcançaria apenas os novos ingressantes no serviço público. A partir dela, foi imposta a idade mínima de sessenta anos, se homem ou cinquenta e cinco anos de idade, se mulher, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição no serviço público.

Para os que já se encontravam em atividade no serviço público, quando da promulgação da EC nº 20/1998, foi fixada a idade mínima de cinquenta e três anos para os homens e quarenta e oito anos para as mulheres, acrescido de um adicional de vinte por cento incidente sobre o período de contribuição faltante para a obtenção da aposentadoria na data em que a referida emenda constitucional entrou em vigor.

Durante a tramitação legislativa da PEC 33/1995, que deu origem à EC n.º 20/1998, o estabelecimento da idade mínima de aposentadoria dos trabalhadores da iniciativa privada foi inviabilizado. Para contornar o problema, foi criado um fator de ajuste previdenciário pela Lei n.º 9.876/1999, aplicado ao cálculo da renda mensal inicial das aposentadorias do RGPS, com o objetivo de reduzir os valores das aposentadorias consideradas precoces. Na prática, quanto mais jovem o trabalhador optar pela inatividade, menor será o valor do seu benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.

Os servidores públicos, conforme ressaltado, não foram atingidos, de forma substancial, pela EC nº 20/1998. As modificações mais consideráveis no regime previdenciário desses trabalhadores foram implementadas pela EC n.º 41/2003, já durante o governo Lula da Silva. A EC nº 41/2003 instituiu no serviço público, de forma imediata e não apenas para os novos ingressantes, a idade mínima de sessenta anos para os homens e cinquenta e cinco anos para as mulheres, para fins de obtenção do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, aplicando um redutor de cinco por cento para cada ano em que o servidor decidir antecipar a sua inatividade, a partir dos cinquenta e três anos, se homem ou quarenta e oito anos, se mulher. Os professores de primeiro e de segundo graus continuaram usufruindo da redução de cinco anos na idade necessária para a obtenção do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.

A ideia de taxação dos benefícios da inatividade, inicialmente tentada por meio da Lei n.º 9.783/1999, declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, foi retomada. Com isso, ficou definido que os inativos contribuirão com onze por cento incidente sobre a parcela dos seus benefícios que exceder ao teto do RGPS.

Com relação ao benefício de pensão por morte, a EC nº 41/2003 instituiu um redutor de trinta por cento que incide sobre a parcela do benefício que exceder ao teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Também instituiu modificações na forma de cálculo da renda inicial dos benefícios, que passou a usar como parâmetro a média aritmética simples dos oitenta maiores salários de contribuição, deixando, com isso, de adotar o último salário da carreira como parâmetro inicial do benefício na inatividade.

Outro ponto da reforma previdenciária de 2003, que merece ser ressaltado, é o estabelecimento da possibilidade de limitação da renda mensal dos benefícios ao teto do RGPS, desde que sejam criadas entidades de previdência privada complementar, que possibilitem aos servidores federais contribuir em regime de capitalização, caso desejem receber, quando da aposentadoria, valores que ultrapassem o teto do RGPS.

O tema da reforma da Previdência acompanhou todos os governos advindos depois da Constituição de 1988. Ressalvando-se o governo Collor de Mello, que foi o responsável pela regulamentação do plano de custeio e benefícios do RGPS, bem como por estabelecer a disciplina do regime previdenciário dos servidores públicos federais contida na Lei n.º 8.112/1990, os governos subsequentes buscaram reformar a Previdência Social de forma a restringir, ou suprimir, direitos previdenciários consagrados no texto da Constituição de 1988, amparados no argumento de que as contas previdenciárias apresentam saldos negativos que tornam o sistema insustentável a longo prazo.

Mal entrara em vigor a EC 41/2003, Giambiagi et al., (2004GIAMBIAGI, Fabio et al. Diagnóstico da Previdência Social no Brasil: o que foi feito e o que falta reformar. Pesquisa e planejamento econômico, v. 34, n. 3, dez. 2004. Disponível em: Disponível em: http://ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/article/viewFile/73/47 . Acesso em: 27 out. 2018.
http://ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/art...
, p.365-418) já sinalizava para a necessidade de novas reformas previdenciárias capazes de atacar os seguintes pontos: a) ausência de idade mínima para efeitos de obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição no RGPS; b) combate às aposentadorias precoces das mulheres e dos professores; c) necessidade de extinção da vinculação entre o salário mínimo e o piso previdenciário, viabilizando a concessão de benefícios com valores inferiores ao salário mínimo; d) combate às despesas crescentes dos programas assistenciais e reforma do modelo de contribuição dos rurícolas.

Giambiagi et al., (2004GIAMBIAGI, Fabio et al. Diagnóstico da Previdência Social no Brasil: o que foi feito e o que falta reformar. Pesquisa e planejamento econômico, v. 34, n. 3, dez. 2004. Disponível em: Disponível em: http://ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/article/viewFile/73/47 . Acesso em: 27 out. 2018.
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, p. 390-391) argumentam que o aumento real no valor das aposentadorias não alcança os grupos mais necessitados da população, ao contrário do que ocorre com os Programas Bolsa-família e Primeiro Emprego. Além disso, sustentam que a equalização da idade de concessão de benefícios assistenciais com previdenciários de igual valor provoca desestímulo à filiação previdenciária por quem recebe até um salário mínimo. Por fim, ressaltam que os problemas sociais mais graves no Brasil estão concentrados na infância e na juventude.

Durante o governo Dilma Rousseff, em decorrência de divergências políticas com o Congresso Nacional, não foi possível a viabilização de reformas mais profundas no modelo previdenciário. No entanto, em seu segundo mandato, foi promulgada a Lei n.º 13.135/2015, que trouxe modificações importantes no modelo previdenciário, dentre elas: a extinção da vitaliciedade das pensões por morte outorgadas a cônjuges relativamente jovens; a criação de alternativa ao fator previdenciário por meio da fórmula de cálculo que agrega idade ao tempo de contribuição e alteração nas regras de acesso ao seguro-desemprego.

Já durante o governo Michel Temer, foi apresentada a Proposta de Emenda Constitucional n.º 287/2016, cujo texto foi abandonado pelo governo Jair Bolsonaro, eleito em 2018. A referida PEC propunha, em síntese, a instituição de idade mínima de sessenta e cinco anos para ambos os sexos para ter acesso à aposentadoria por tempo de contribuição no âmbito do RGPS; a eliminação da aposentadoria diferenciada dos professores de primeiro e de segundo graus; a ruptura da vinculação entre o salário mínimo e o piso previdenciário; a instituição de contribuição mensal diferenciada para os segurados especiais (agricultores familiares e pescadores artesanais) e aumento da idade para fins de concessão de benefícios assistenciais.

O governo Jair Bolsonaro, eleito em 2018, apresentou logo em seu segundo mês de mandato, a Proposta de Emenda à Constituição n.º 6/2019, propondo alteração nos seguintes pontos do modelo previdenciário vigente: a) desconstitucionalização ampla das regras previdenciárias, o que viabilizaria a regulamentação da matéria, em sua maior parte, após a aprovação da emenda constitucional, por lei complementar; b) melhora da convergência entre as regras do regime geral e dos regimes próprios de Previdência Social; c) fixação de idade mínima diferenciada para homens e mulheres, ajustáveis quando do aumento de sobrevida da população; d) criação de contribuição previdenciária extraordinária para correção de desequilíbrio atuarial do sistema de repartição; e) fixação de valor mínimo de contribuição para os segurados especiais; f) alteração nas regras de amparo assistencial aos idosos, que passariam, em caso de aprovação da PEC, a somente receberem um salário mínimo aos setenta anos; g) preparação para substituir o modelo de repartição pelo de capitalização.

Ao cabo da tramitação da PEC nº 6/2019, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 103/2019, que além de abandonar a perspectiva de substituição do modelo de repartição simples pelo de capitalização, introduziu as seguintes modificações mais relevantes para o sistema previdenciário: a) introdução de idade mínima de 65 anos (para homens) e 62 anos (para mulheres) para acesso a aposentadorias programadas, com fixação de tempo mínimo de contribuição de 20 anos (para homens) e 15 anos (para mulheres). Com isso, restou inviabilizado, pela regra permanente do texto constitucional modificado, o acesso a aposentadoria programada com fundamento, exclusivo, no atendimento a tempo mínimo de contribuição; b) apuração do salário de benefício com a agregação, ao período básico de cálculo, de cem por cento dos salários de contribuição posteriores a julho de 1994 ou a partir da primeira contribuição recolhida, se a filiação do segurado ao sistema previdenciário for posterior à referida competência; c) renda mensal inicial da aposentadoria programada com piso computado em sessenta por cento do salário de benefício ao se alcançar a idade e o tempo mínimo de contribuição já referido, acrescida de dois pontos percentuais para cada novo ano de contribuição que exceder ao mínimo necessário para acesso ao benefício; d) pensão por morte concedida aos dependentes do segurado falecido com valor correspondente a uma cota familiar de cinquenta por cento do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cota adicional de dez por cento por cada dependente, não reversíveis para os demais quando cessar o fundamento jurídico que respaldou a sua concessão; e) fixação de alíquotas de contribuição diferenciadas, variáveis de acordo com os rendimentos integrantes do salário de contribuição. Criou-se, ainda, alíquotas adicionais aplicáveis aos servidores públicos que auferem rendimentos superiores ao teto do Regime Geral de Previdência Social.

Merece destaque a semelhança entre as alterações propostas pelas PEC nº 287/2016 e 06/2019 e os supostos problemas a serem enfrentados no âmbito da Previdência Social apontados por Giambiagi (2004GIAMBIAGI, Fabio et al. Diagnóstico da Previdência Social no Brasil: o que foi feito e o que falta reformar. Pesquisa e planejamento econômico, v. 34, n. 3, dez. 2004. Disponível em: Disponível em: http://ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/article/viewFile/73/47 . Acesso em: 27 out. 2018.
http://ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/art...
, p.365-418) ao qual já se fez referência anteriormente. Isso demonstra, por conseguinte, que as sucessivas alterações promovidas no modelo previdenciário instituído pela Constituição de 1988 seguem linha coerente, independente dos governos nos quais as alterações foram efetivadas ou propostas, que se voltam à desconstrução do modelo originário inclusivo e formatado com base na repartição simples.

3 FATORES INFLUENTES NO CENÁRIO DE REFORMA PREVIDENCIÁRIA

O modelo previdenciário inicialmente previsto na Constituição - com características inclusivas, englobando trabalhadores urbanos e rurais, formatado sob repartição simples, com instituição de regime único para os trabalhadores da iniciativa privada e de regimes próprios para os servidores públicos, benefício calculado com base na média dos trinta e seis últimos salários de contribuição no âmbito do RGPS e adoção do último salário recebido em atividade para os regimes próprios dos servidores públicos como parâmetro para a concessão de benefício - vem sendo gradativamente desconstruído, de forma que não se pode dizer que o modelo previdenciário atualmente vigente guarda correlação com o desenhado pelo Constituinte de 1988.

À primeira vista, pode-se atribuir as reformas empreendidas ao desequilíbrio financeiro provocado pelo açodamento do constituinte em legar um modelo previdenciário, que apenas formalmente se preocupou com o equilíbrio financeiro e atuarial ou à alteração do cenário demográfico da população brasileira2 2 É o que sustentam Ataides e Santos (2017). Após a análise da alteração demográfica da população brasileira e do histórico de saldos negativos do RGPS nos últimos anos, elas defendem que “[...] a partir do estudo do comportamento demográfico, concebeu-se que o crescimento da população inativa se tornou mais acentuado durante este período e a projeção atuarial do RGPS comprova tal análise demográfica. Esses resultados evidenciaram o desequilíbrio do RGPS e a necessidade de adoção de novas medidas visando à sustentabilidade do sistema previdenciário”. Holland e Málaga (2018), por sua vez, argumentam que o regime de repartição simples é insustentável diante das alterações demográficas pelas quais passa o Brasil e o formato de capitalização pura não é adequado para a realidade do país, razão pela qual propõem a adoção de um modelo híbrido, que combine as vantagens da repartição simples e da capitalização, principalmente para os novos ingressantes no mercado de trabalho. . No entanto, as bases das alterações constitucionais sucessivas, a redesenhar o modelo previdenciário pós 1988, podem ser correlacionadas com o quadro de crise do Estado-providência, verificado globalmente.

Micklethwait e Wooldridge (2015MICKLETHWAIT, Jonh; WOOLDRIDGE, Adrian. A quarta revolução: a corrida global para reinventar o Estado. Trad. Afonso Celso da Cunha Serra. São Paulo: Portfolio; Penguin, 2015., p. 178-180) destacam o panorama de reforma da previdência como necessidade global, que guardaria correlação com o esgotamento do Estado de Bem-Estar Social. Assim, de acordo com eles, não há como manter um modelo de previdência que tenha a repartição simples como parâmetro, sem ajustes adequados às modificações pelas quais a sociedade ocidental passa nos últimos anos, em especial no que se refere à longevidade.

Com isso, o formato de repartição simples, no qual a geração presente custeia os benefícios dos trabalhadores que se encontram na inatividade, na expectativa de que as gerações futuras assumam a responsabilidade pelo custeio dos benefícios dos trabalhadores do presente, já não seduz. Esse formato, juntamente com as bases do Estado-providência, lançadas depois da Segunda Guerra Mundial, gradativamente são deixados de lado pelos governos que chegaram ao poder a partir do final do século XX.

Em substituição à retórica inclusiva, ganha espaço a argumentação pragmática com a defesa de ser preciso considerar as consequências das políticas públicas adotadas, o que inclui o viés econômico associado à capacidade financeira de sua execução, na esteira do que ensina Posner (2010POSNER, Richard A. Direito, Pragmatismo e Democracia. Tradução Teresa Dias Carneiro. Rio de Janeiro: Forense, 2010., p. 42), ao exortar os juízes e tomadores de decisão a sobrepor a análise dos efeitos da escolha empreendida ao formalismo retórico descompromissado. Ganha ressonância, da mesma forma, o alerta de Holmes e Sunstein (1999HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. The cost of rights: why liberty depends on taxes. New York: WW Norton & Company, 1999., p. 113-117) ao lembrar que o aporte financeiro necessário à implementação do direito não pode ser ignorado na equação, sob pena da prestação garantida ter o seu acesso inviabilizado.

Apesar da ênfase atribuída ao aumento da longevidade da população, para alguns investigadores do fenômeno da transformação previdenciária, a antipatia que o formato de repartição simples enfrenta faz parte de contexto mais amplo, que precisa ser avaliado. Assim, por exemplo, Chesnais (2005CHESNAIS, François (Org.). A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. Trad. Rosa Maria Marques; Paulo Nakatani. São Paulo: Boitempo, 2005., p. 62) argumenta que o desmantelamento do modelo de repartição simples integra estratégia do sistema financeiro, o qual “procura” trazer para a sua órbita de gestão as elevadas somas de dinheiro que lhe escapam quando o Estado assume a responsabilidade pelo gerenciamento dos recursos recolhidos dos trabalhadores e empresas a título de contribuição previdenciária. Trata-se, portanto, de processo que integra a fase financeira do capital, vivenciada e aprofundada na atualidade.

Lapavitsas (2009LAPAVITSAS, Costas. El capitalismo financiarizado: expansión y crisis. Trad. Diego Guerrero. Madrid: Maia, 2009., p.33) ressalta que, na fase atual, o capital financeiro voltou-se para a renda pessoal dos indivíduos em busca de lucratividade, em cenário de distanciamento do capital industrial, que já não é capaz de gerar os dividendos crescentes almejados pelas instituições financeiras globalizadas.

Em contraposição, Fraga Neto (2019FRAGA NETO, Armínio. Estado, desigualdade e crescimento no Brasil. Novos Estudos CEBRAP, v. 38, n. 3, p. 613-634, dez. 2019. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002019000300613&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 16 nov. 2020.
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, p. 613-634), argumenta que a expansão das políticas públicas no Brasil, dentre as quais se insere a Previdência Social, vem ocorrendo sem a devida responsabilidade fiscal, ao adotar como parâmetro decisório somente a constatação das imensas carências sociais, cuja solução é buscada na expansão das despesas públicas, sem a avaliação da real possibilidade do Estado fazer frente a esses novos encargos, o que tem produzido o quadro de estagnação e desigualdade social profunda em que o Brasil se encontra imerso.

No entanto, não se pode desconsiderar que o avanço do capital financeiro tem contribuído para o desmantelamento do Estado soberano. Hoje, já não se pode sustentar a possibilidade de isolamento do Estado sem prejuízos consideráveis para a sua economia e para o bem-estar do seu povo. O que se tem, em geral, é o Estado capturado por forças “supraestatais”, que retiram a sua capacidade de ação, gerando quadro de crise persistente e sem solução aparente (Bauman, 2016BAUMAN, Zygmunt; BORDONI, Carlo. Estado de crise. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2016., p. 21).

A associação entre o Estado, fragilizado por crise de identidade, ao estágio atual de desenvolvimento do capital, o qual não conhece fronteiras e é capaz de se transferir em poucos segundos de um lugar para outro do planeta, vem desconstruindo tudo o que se opõe a esse cenário, no qual se insere o modelo previdenciário baseado no regime de repartição simples.

Em substituição ao formato de repartição simples, gradativamente se implementa o modelo baseado em fundos de pensão por capitalização, de acordo com o qual o indivíduo faz investimentos periódicos ao longo de sua vida laboral e recebe, quando de sua aposentadoria, um benefício calculado com base nas reservas que conseguiu acumular.

4 DIFERENÇAS ENTRE O REGIME DE REPARTIÇÃO SIMPLES E O REGIME DE CAPITALIZAÇÃO INDIVIDUAL

A repartição simples tem no Estado o seu gestor e garantidor. O modelo de fundos de pensão por capitalização é, por outro lado, essencialmente gerido e garantido pelo mercado. Nele, os recursos recolhidos em forma de contribuição dos empregados e empregadores são capitalizados em conta individualizada, ficando a gestão desses recursos sob a responsabilidade de uma ou de várias instituições financeiras. Os recursos são, portanto, expostos aos riscos do mercado.

O modelo de capitalização pode assumir duas formas: benefício definido ou contribuição definida. No primeiro caso, o contribuinte “titulariza” a promessa de que receberá um benefício cujo valor já conhece previamente. No que tange à segunda forma, o contribuinte tem ciência tão somente do percentual ou do valor da contribuição com a qual precisará arcar, sem conhecimento do valor do benefício que ao final terá direito.

A capitalização por benefício definido é insustentável, porque o valor do benefício tem como fundamento as contribuições que o beneficiário conseguiu acumular ao longo de sua vida, que ficam expostas às intempéries do mercado financeiro. Não se pode, então, sem grave risco de comprometimento das reservas do fundo de pensão, definir, com antecedência, o valor de um benefício que somente será concedido muitos anos após o ingresso do contribuinte no fundo de pensão.

Por outro lado, quando a capitalização aplicada é baseada em contribuição definida, os riscos de insolvência do fundo são mitigados, uma vez que somente é apurado o valor do benefício quando de sua concessão, podendo ser utilizado, com mais exatidão, o valor das reservas formadas a partir das contribuições do participante como parâmetro para a definição do valor efetivo do benefício ao qual ele terá direito.

O sistema de aposentadorias baseado em fundos de pensão por capitalização, como lembra Chesnais (2005CHESNAIS, François (Org.). A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. Trad. Rosa Maria Marques; Paulo Nakatani. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 28 e 51), torna os indivíduos dependentes da saúde do mercado financeiro, submetidos, sem alternativas, à confiança de que os mercados gerirão de forma adequada os recursos acumulados para o financiamento de suas aposentadorias. Segundo esse sistema, isso seria forte motivação para lutar por um sistema de aposentadorias norteado pela solidariedade, sem a submissão aos riscos do mercado financeiro, considerados como verdadeiros “cassinos” por aqueles que se opõem ao formato da capitalização individual.

Nessa mesma direção, Chesnais (2005CHESNAIS, François (Org.). A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. Trad. Rosa Maria Marques; Paulo Nakatani. São Paulo: Boitempo, 2005., p. 51-52) ainda adverte que:

[...]. Os assalariados aposentados deixam de ser ‘poupadores’ e tornam-se, sem que tenham clara consciência disso, partes interessadas das instituições cujo funcionamento repousa na centralização de rendimentos fundados na exploração dos assalariados ativos, tantos nos países onde se criaram os sistemas de pensão por capitalização quanto naqueles onde se realizam as aplicações e as especulações.

O modelo de capitalização em contas individuais é especialmente problemático, conforme demonstraram Matijascic e Kay (2019MATIJASCIC, Milko; KAY, Stephen J. Reforma da Previdência Social brasileira e a experiência internacional: custeio, benefícios, capitalização, mercado de trabalho e demografia. Revista NECAT, v. 8, n. 15(2019). Disponível em: Disponível em: http://stat.ijkem.incubadora.ufsc.br/index.php/necat/article/view/5675 . Acesso em: 17 jul. 2020.
http://stat.ijkem.incubadora.ufsc.br/ind...
, p. 8-34) em países como o Brasil, que apresenta elevados patamares de informalidade nas relações de trabalho associados a alta rotatividade da mão de obra, o que dificulta a acumulação de recursos nas contas individualizadas capazes de gerar benefícios compatíveis com as necessidades da inatividade.

Na mesma linha argumentativa, Lavinas e Araújo (2017LAVINAS, Lena; ARAUJO, Eliane de. Reforma da previdência e regime complementar. Revista de Economia Política, v. 37, n. 3, p. 615-635, jul. 2017. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31572017000300615&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 17 nov. 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 615-635) concluem de forma negativa estudo que empreenderam a respeito das possíveis vantagens decorrentes da adoção ampla do sistema de capitalização privada no Brasil, com a sustentação de que ele é incapaz de contribuir para o aumento do investimento privado e para a ampliação do mercado de capitais. Acrescentam que os dados que fundamentaram a pesquisa sinalizam que o regime de capitalização privada tende a estimular a concentração de renda mediante, por exemplo, a alocação de recursos em títulos da dívida pública, sem fomentar a poupança nacional, o investimento e o crescimento econômico do país.

As crises cíclicas enfrentadas pelo capitalismo, fundadas, nas palavras de Painceira (2011PAINCEIRA, Juan Pablo. Los países en desarrollo en la era de la financiarización: de la acumulación del déficit a la de reservas en divisas. In: MORERA, Carlos; LAPAVITSAS, Costas (Coord.). La crisis de la financiarización. México: UNAM, 2011., p. 323), na queda da taxa de ganhos com reflexos na acumulação real, expõem as expectativas de toda uma geração, no tocante às suas aposentadorias, a grave risco.

As modificações implementadas no modelo previdenciário desenhado pela Constituição de 1988 derivam de reformulações mais amplas, impostas pela fase globalizada do capital financeiro, com foco nas rendas dos particulares como fontes produtoras de lucros. Isso é demonstrado pela ênfase colocada no regime de capitalização como sendo superior ao de repartição, não obstante a possibilidade de geração de aposentadorias com valores pífios no modelo de capitalização e exposição aos riscos do mercado de segmentos da sociedade que nem sequer têm consciência disso.

A apropriação da renda disponível dos particulares, mediante serviços financeiros diversificados, já não satisfaz mais a fase financeira do capital. Por isso, avoluma-se na atualidade a pressão pela substituição dos regimes de previdência, baseados na regra da repartição simples por modelos de capitalização individualizada, com a transferência para o mercado da gestão dos recursos arrecadados dos participantes, sob o argumento de que a transição demográfica, que transporá maior número de trabalhadores para a inatividade, associada às modificações no mercado de trabalho impostas pelas inovações tecnológicas, tornará inviável o regime de repartição simples, sedimentado na solidariedade intergeracional. A solução estaria na substituição do modelo em voga pela capitalização individual ou formação de modelo híbrido, estruturado por meio da conjunção de regras da repartição simples com a formação de poupanças individualizadas, tal como defende Holland e Málaga (2018HOLLAND, Márcio; MÁLAGA, Tomás. Previdência Social no Brasil: propostas para uma reforma de longo prazo. Fundação Getúlio Vargas (2018). Disponível em: Disponível em: http://hdl.handle.net/10438/24784 . Acesso em: 20 jul. 2020.
http://hdl.handle.net/10438/24784...
).

O Estado, fragilizado em sua capacidade de reação às investidas do capital, cede aos anseios do mercado. O incremento etário para fins de concessão de benefícios previdenciários incorpora, além da justificativa do aumento da longevidade da população, o interesse do mercado em manter pelo maior tempo possível os recursos financeiros aplicados em fundos de pensão, sem que tenham a necessidade de iniciar o pagamento dos benefícios prometidos aos participantes.

O interesse do mercado na desconstrução pura e simples do formato da organização previdenciária, baseada na repartição simples, fica evidente quando a bolsa de valores, por exemplo, incrementa os seus ganhos se propostas contrárias ao modelo avançam no Legislativo, sofrendo, por outro lado, refluxo quando algum obstáculo se apresenta ao desmonte célere do modelo previdenciário desenhado pelo Constituinte de 1988.

Nesse ponto, é importante assentar algumas premissas: a primeira delas é que o aumento da longevidade da população na atualidade e as perspectivas de aprofundamento desse fenômeno no futuro são evidentes. A outra premissa diz respeito à imposição de alguns ajustes no modelo previdenciário, inicialmente desenhado pelo Constituinte de 1988, a fim de assegurar a própria sustentabilidade do sistema previdenciário3 3 Piketty (2014, p. 476-478) ressalta não ser possível manter os mesmos parâmetros previdenciários adotados quando se vivia até os sessenta ou setenta anos, num cenário como o atual, no qual as pessoas, em geral, vêm conseguindo ultrapassar os oitenta ou mesmo os noventa anos. Diante desse cenário, ele propõe ajustes no modelo previdenciário que, sem abandonar o formato de repartição simples, adote um sistema único de aposentadorias com contas individualizadas, o que permitiria a cada trabalhador saber o que esperar de sua aposentadoria. O modelo proposto por Piketty, na verdade, aproxima-se mais do formato de capitalização do que propriamente do pacto intergeracional que é típico da repartição simples. . No entanto, isso implica a necessidade de substituição integral da repartição simples pela capitalização individual? Esse questionamento é importante e demanda resposta.

A repartição simples pressupõe um pacto intergeracional. Isso implica solidariedade entre os contribuintes atuais e os beneficiários do sistema previdenciário. Além disso, o Estado atua assegurando a cobertura de eventuais carências de recursos, que precisam ser corrigidas, mediante ajustes nas regras do modelo, o que pode ocorrer por meio do incremento do requisito etário para usufruto dos benefícios de aposentadoria, aumento da alíquota de contribuição previdenciária ou mesmo modificações das rendas mensais iniciais dos benefícios a serem concedidos.

Apesar dos ajustes que o modelo de repartição simples demanda para continuar sustentável, o fato de seus recursos serem geridos pelo Estado e da solidariedade permanecer como um dos seus pilares, assegura, por outro lado, certa equidade dentro do sistema, pois a renda dos benefícios a serem concedidos não necessariamente guardará correlação com o montante das contribuições recolhidas pelos beneficiários quando em atividade, o que viabiliza a assistência a parcelas menos favorecidas dos participantes, propiciando distribuição de renda.

As sobras contributivas de uns, portanto, servirão para cobrir as carências contributivas de outros, participando o Estado como agente de suporte universal, responsável pela cobertura de eventuais carências verificadas nos aportes de recursos financeiros para o sistema, ao tempo em que planeja e implementa as correções necessárias para manter a sua viabilidade financeira e atuarial.

O principal trunfo existente no modelo de repartição simples, nos moldes adotados pela Constituição de 1988, é a participação financeira do Estado, que assume a responsabilidade pela cobertura de eventuais carências de recursos, bem como a regra da solidariedade existente entre os participantes. Além disso, dada a natureza tributária das contribuições previdenciárias, o Estado utiliza os seus poderes de coerção para viabilizar a arrecadação dos valores devidos a tal título. Acrescente-se que, quando os empregadores deixam de recolher as contribuições retidas dos seus empregados, isso não constitui óbice ao usufruto das prestações previdenciárias se o empregado vier a ser acometido por algum sinistro social coberto.

O Estado é, portanto, o agente garantidor da solidez no modelo de repartição simples, ao assegurar que, independente da carência de recursos ou da omissão nos recolhimentos das contribuições previdenciárias, os participantes sejam assistidos quando transferidos para a inatividade.

O modelo de capitalização individual funciona de forma diversa, em especial quando se fundamenta no formato de contribuição definida. Nele, o participante, ao longo da vida laboral, vincula-se a um fundo de pensão recolhendo periodicamente recursos que são capitalizados e investidos no mercado financeiro. Os benefícios assegurados no modelo têm a sua renda inicial calculada com base nas reservas formadas a partir de tais recolhimentos, que podem ser modificadas no futuro, em caso de desequilíbrio atuarial.

Os recursos aplicados nos fundos de pensão são geridos por instituições financeiras que, idealmente, buscam no mercado as melhores oportunidades de investimento, a fim de assegurar aumento no volume dos recursos aportados pelos participantes, apropriando-se de parcela dos ganhos obtidos em decorrência da administração desses valores.

O maior problema no sistema de capitalização decorre de o participante não possuir as garantias ofertadas pelo Estado, podendo não ter as suas expectativas de usufruto dos benefícios contratados atendidas. Tudo depende do êxito na gestão dos recursos que aplicou, da saúde financeira do fundo de pensão e da estabilidade do mercado.

Se houver alguma intercorrência na aplicação dos recursos aportados no fundo de pensão - o que não é difícil ocorrer - o participante sofre o prejuízo, o que pode comprometer os rendimentos que lhe deveriam ser pagos durante a inatividade. No modelo de capitalização, o participante se expõe aos riscos do mercado financeiro, não lhe restando alternativa a não ser confiar na seriedade do gestor do seu fundo de pensão e na solidez dos modelos de investimento escolhidos por ele.

Não há, no sistema de capitalização, certeza de quanto o participante receberá e se receberá algum benefício quando for transferido para a inatividade. A participação do Estado nesse modelo se restringe ao papel de agente fiscalizador, não tendo qualquer responsabilidade pela cobertura de carências financeiras que venham a ser verificadas nos fundos de pensão. O risco do mercado, nesse caso, é repassado integralmente ao participante que, mesmo não tendo consciência disso, assume o papel de investidor no mercado financeiro.

Isso pode ser mais danoso aos trabalhadores que não possuem conhecimentos adequados a respeito da forma de funcionamento do mercado financeiro, o que limita a sua capacidade de acompanhar a aplicação dos recursos pelo fundo de pensão. Logo, o modelo de capitalização puro, sem a participação do Estado como garantidor da saúde financeira do sistema e aplicável a todos, indistintamente, pode ser bastante prejudicial.

Ao cuidar de investimentos no mercado financeiro, é importante distinguir os investidores conscientes dos inconscientes. No primeiro caso, o detentor dos recursos escolhe, espontaneamente, aplicar suas disponibilidades financeiras em ações, debêntures e em outros produtos financeiros disponibilizados pelo mercado, sabendo dos riscos aos quais os seus recursos se encontram expostos, uma vez que a promessa de lucros acentuados pode se converter em perda, inclusive de todo o capital investido.

Quando se trata de indivíduos que aplicam os recursos voltados a assegurar as suas aposentadorias em fundos de pensão, em geral eles não têm conhecimento da forma como esses recursos são administrados e nem dos riscos aos quais se encontram expostos. Na contratação dos fundos, em geral, somente são apresentadas as promessas de ganhos futuros e não as possibilidades de perdas elevadas, que podem consumir no todo ou em grande parte o capital investido.

Logo, um modelo previdenciário de capitalização sem a participação do Estado como agente fiscalizador e garantidor da solidez do sistema, aplicado indistintamente a todos os trabalhadores, pode representar sério problema para o participante que, mesmo passando a sua vida laboral com aplicação regular de recursos em fundos de pensão, pode ficar, na fase de inatividade, completamente desassistido.

4.1 Importância da participação do estado para assegurar a solidez do sistema previdenciário

O descrédito que se tem lançado sobre o Estado como agente responsável pela gestão dos recursos destinados a assegurar as aposentadorias e demais benefícios previdenciários, lastreado em suposta ineficiência estatal na gestão desses recursos, precisa ser avaliado com cautela.

Aparentemente, o objetivo é formatar um discurso capaz de respaldar a desconstrução do modelo de repartição simples, para substituí-lo pelo modelo de capitalização com participação mínima, ou mesmo inexistente, do Estado, deixando aos agentes do mercado financeiro a gestão desse volume acentuado de recursos, assegurando os ganhos elevados dos gestores, sem garantia nenhuma de que os potenciais beneficiários terão as suas expectativas de suporte financeiro correspondidas durante a inatividade4 4 Embora a capitalização individual tenha sido suprimida pelo Congresso Nacional durante a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional nº 6/2019, convertida na Emenda Constitucional nº 103/2019, o atual governo não desistiu de sua implementação. Em declaração recente, o atual Ministro da Economia Paulo Guedes apontou a retomada da ideia de capitalização individual como caminho a ser trilhado para a superação da crise provocada pela pandemia do novo Coronavírus, conforme veiculado pelo Portal de Notícias UOL em 15/07/2020, em reportagem assinada pelo jornalista Antonio Timóteo. .

Quando se defende a migração do formato de repartição simples para o de capitalização pretende-se, na verdade, a substituição de modelo no qual existe pacto de solidariedade intergeracional, assegurado pelo Estado, com regulamentação legislativa estrita, por modelo no qual os trabalhadores aplicarão seus recursos em fundos de pensão, muitas vezes fiscalizados de forma débil por agências estatais, sem qualquer garantia de que receberão benefícios adequados durante a inatividade.

A gestão ineficiente dos recursos previdenciários, a corrupção dos agentes estatais e outros argumentos similares precisam ser considerados, devendo-se buscar mecanismos que proporcionem a correção de rumos, mas não podem servir como argumentos para simplesmente respaldar a substituição do modelo de repartição simples pelo de capitalização, uma vez que os trabalhadores, em especial os de menor renda, podem, em virtude das intempéries a que se encontra submetido o mercado financeiro, ter as suas expectativas de benefícios na inatividade total ou parcialmente frustradas, com a geração de uma massa de idosos e incapacitados desvalidos e miseráveis.

Portanto, não se pode dispensar a participação do Estado como agente garantidor da solidez do sistema previdenciário, não apenas como agente fiscalizador, mas também como ente que assegure que os benefícios prometidos serão, de fato, outorgados aos segurados da Previdência quer ela esteja formatada sob repartição simples quer em forma de capitalização individual.

5 CONFRONTO ENTRE A VONTADE DE CONSTITUIÇÃO E OS FATORES REAIS DO PODER NA REFORMULAÇÃO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Impõe-se avaliar quais as forças que vêm norteando a desconstrução do modelo de Previdência desenhado pelo Constituinte de 1988, substituindo-o por outro que possui características opostas. Assim, serão utilizadas como norte nessa avaliação as pesquisas de Lassalle (2016LASSALLE, Ferdinand. A essência da constituição. Prefácio e organização Aurélio Wander Bastos; epílogo Rosalina Corrêa de Araújo. 9. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2016.) e de Hesse (1991HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991.).

Lassalle (2016LASSALLE, Ferdinand. A essência da constituição. Prefácio e organização Aurélio Wander Bastos; epílogo Rosalina Corrêa de Araújo. 9. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2016., p. 19-20, 26) sustenta que a constituição, como lei fundamental, representa a força ativa na sociedade, submetendo ao seu direcionamento todas as leis e instituições vigentes no país. Essa força ativa, segundo ele, decorre do que chamou de “fatores reais do poder”, responsáveis por informar e respaldar todas as leis e instituições jurídicas vigentes. Com isso, a constituição do Estado, em sua essência, compõe-se da “soma dos fatores reais do poder que regem uma nação [sic]”.

Os fatores reais do poder, na visão de Lassalle, não se confundem com a constituição escrita. Ela representa tão somente o produto dos fatores reais do poder reduzidos à sua forma escrita. É por isso que ele sustenta que todos os povos possuíram e possuirão uma constituição real e efetiva, mesmo que ela não tenha sido reduzida a sua forma escrita, sendo errado, portanto, acreditar que as constituições sejam criação jurídica da modernidade. A diferença dos tempos modernos em relação ao passado é a tradição que se firmou no sentido de transferir a constituição do país para “folhas de papel” (Lassalle, 2016LASSALLE, Ferdinand. A essência da constituição. Prefácio e organização Aurélio Wander Bastos; epílogo Rosalina Corrêa de Araújo. 9. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2016., p. 26 e 33).

Razão por que se a constituição escrita não guarda estrita correspondência com a constituição real, produto da convergência dos fatores reais do poder atuantes na sociedade, ela será ineficaz. Assim, segundo Lassalle, a constituição escrita será boa e duradoura quando “[...] corresponder à Constituição real e tiver suas raízes nos fatores reais do poder que regem o país” (Lassalle, 2016LASSALLE, Ferdinand. A essência da constituição. Prefácio e organização Aurélio Wander Bastos; epílogo Rosalina Corrêa de Araújo. 9. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2016., p. 39).

Lassalle assevera ainda (2016LASSALLE, Ferdinand. A essência da constituição. Prefácio e organização Aurélio Wander Bastos; epílogo Rosalina Corrêa de Araújo. 9. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2016., p. 39, 43) que:

Onde a Constituição escrita não corresponder à real, irrompe inevitavelmente um conflito que é impossível evitar e no qual, mais dia, menos dia, a Constituição escrita, a folha de papel, sucumbirá necessariamente, perante a Constituição real, a das verdadeiras forças vitais do país. De nada servirá o que se escrever numa folha de papel, se não se justifica pelos fatores reais e efetivos do poder.

Como decorrência do exposto acima, Lassalle (2016LASSALLE, Ferdinand. A essência da constituição. Prefácio e organização Aurélio Wander Bastos; epílogo Rosalina Corrêa de Araújo. 9. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2016., p. 45) sustenta que:

[...] os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas do poder; a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele país vigem e as constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não ser que exprimam fielmente os fatores reais do poder que imperam na realidade social...

Hesse (1991HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991.), no entanto, se opõe às considerações de Lassalle (2016LASSALLE, Ferdinand. A essência da constituição. Prefácio e organização Aurélio Wander Bastos; epílogo Rosalina Corrêa de Araújo. 9. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2016.) a respeito da constituição escrita como documento que se reduz a simples folha de papel, quando não estiver conectada com os fatores reais do poder. Apesar de reconhecer que a norma constitucional não possui existência autônoma em face da realidade, defendeu, no entanto, que existe relação de interdependência entre a constituição escrita e os anseios dos destinatários da norma (Hesse, 1999, p. 14-15).

Segundo o entendimento de Hesse (1999HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991., p. 15):

[...] a pretensão de eficácia de uma norma constitucional não se confunde com as condições de sua realização; a pretensão de eficácia associa-se a essas condições como elemento autônomo. [...]. A força condicionante da realidade e a normatividade da constituição podem ser diferençadas; elas não podem, todavia, ser definitivamente separadas ou confundidas.

A coordenação entre o que Hesse chamou de constituição real e a constituição jurídica adquire, em suas palavras, força normativa quando obtiver êxito em sua pretensão de alcançar eficácia. Para tanto, é preciso a formação de consciência nos principais responsáveis pela ordem constitucional, de forma que a “vontade de poder” seja associada à “vontade de constituição” (Hesse, 1999HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991., p. 15-16; 19).

A vontade de constituição, ainda segundo Hesse (1999, p. 19-22), advém da compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, sendo ela mais do que simplesmente legitimada pelos fatos, mas associada ao entendimento de que essa ordem não pode ser eficaz sem o concurso da vontade humana. Para isso, a constituição deve se limitar ao estabelecimento de algumas balizas fundamentais, o que evitará a necessidade de constantes reformas de adaptação do texto constitucional às mudanças pelas quais a sociedade passa, pois a revisão constitucional constante termina por enfraquecer e desvalorizar a força normativa da constituição. O que Hesse defende é a existência de uma constituição que tenha condições de se impor na disciplina dos conflitos sociais, não se prestando somente a se inclinar diante das imposições dos fatores reais do poder, tal como sustentou Lassalle.

Mas a força normativa da constituição que Hesse advoga depende da consciência coletiva formada na sociedade, o que leva à conclusão de que, sem o concurso do elemento volitivo dos agentes aos quais a constituição se dirige, sua força normativa restará prejudicada e, por consequência, a sua eficácia, voltando a se constituir, tal como sustentou Lassalle, numa “folha de papel”, muitas vezes portadora de boas intenções, mas desprovida de capacidade de gerar a almejada repercussão social.

Para se contrapor ao envelhecimento do texto constitucional e, por consequência, à perda de sua força normativa, Hesse (1999, p. 23) propõe a adoção de uma dinâmica interpretativa capaz de atualizar o texto constitucional. Já que, segundo ele, caso isso não ocorra, a ruptura do panorama jurídico vigente seria inevitável.

Hesse (1999HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991., p. 24) acrescenta ainda o seguinte:

[...] a constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não pode ser separada da realidade concreta de seu tempo. A pretensão de eficácia da constituição somente pode ser realizada se se levar em conta essa realidade. Graças ao elemento normativo, ela ordena e conforma a realidade política e social. As possibilidades, mas também os limites da força normativa da constituição resultam da correlação entre ser (Sein) e dever ser (Sollen).

Ao contrário do que pretende Hesse, as suas lições não suplantam os ensinamentos de Lassalle. Quando Hesse trata da adequação da constituição à realidade histórica na qual ela se insere, sob pena de ruptura da ordem jurídica vigente, o que se tem é a conformação do texto constitucional aos fatores reais do poder em voga na sociedade. Isso porque, num confronto entre o texto constitucional e os fatores reais do poder, quem tende a sucumbir e, em geral é o que ocorre, é a eficácia do texto constitucional, que perde a sua força normativa.

A “vontade de constituição” defendida por Hesse, advinda da compreensão e do valor atribuído a uma ordem normativa inquebrantável representa a adequação do texto da constituição às imposições dos fatores reais do poder presentes na sociedade.

Talvez a oposição a Lassalle quando defende serem os fatores reais do poder e não a constituição escrita, os verdadeiros condutores da organização política e social, decorra do fato de que isso representa aquilo que efetivamente ocorre nas sociedades politicamente organizadas.

Lassalle desconstrói o invólucro cristalizado no qual os juristas tendem a inserir o seu objeto de estudo, como se ele fosse algo alheio à dinâmica das relações sociais e, portanto, com capacidade de se colocar acima e independente delas.

O que se verifica é não existir texto constitucional que sobreviva quando os fundamentos de poder sobre os quais ele foi edificado são corroídos e superados pela dinâmica das alterações sociais. Quando isso ocorre, o que resta se resume a uma mera “folha de papel”, desprovida de eficácia, passando a integrar a história constitucional do Estado. Impõe-se, nesse quadro, reconhecer o advento de nova realidade constitucional que substituiu materialmente a anterior.

Portanto, entende-se que a razão se encontra com Lassalle. A constituição de um Estado, para perdurar, demanda conformação estrita com os fatores reais do poder em voga na sociedade à qual ela se propõe reger. Se houver dissenso em algum momento, os fatores reais do poder se impõem em face da constituição e retiram dela a eficácia, o que conduz à substituição da constituição por outra ou a submetem à reforma profunda de suas normas e institutos. É notável a argumentação de Lassalle e Hesse. A despeito disso, eles não esgotam o assunto, nem há essa pretensão, seguramente. Seria lícito então indagar: que tipo de Constituição é a que está em pauta nessas análises? Naturalmente, a relação entre Direito e Poder é de imbricação profunda. Em assim sendo, permanece em voga a asserção segundo a qual somente o Poder cria o Direito, o qual uma vez criado tem por função precípua a limitação do próprio poder.

Talvez seja de interesse lembrar aqui do mecanismo de emenda constitucional, criado originalmente nos Estados Unidos, em 1787, que foi adotado pela maioria dos sistemas constitucionais modernos5 5 Vigésima sétima emenda, promulgada em 7 de maio de 1992, é a última atualização constitucional. Trata da “variação da remuneração dos membros do congresso”. Em tradução livre: “Nenhuma lei, alterando a compensação pelos serviços prestados por Senadores e Representantes, terá efeito, até que seja votada pelos Representantes”. No original: Amendment XXVII “No law, varying the compensation for the services of the Senators and Representatives, shall take effect, until an election of Representatives shall have intervened”. . Esse expediente é, por certo, a forma mais eficaz de atualizar, estabilizar e perpetuar a Constituição, tudo em consonância com as demandas políticas da sociedade. A Constituição dos Estados Unidos impressiona pela dimensão e pela durabilidade - ela tem somente sete artigos - e foi emendada apenas vinte e sete vezes no transcurso de mais de dois séculos e três décadas.

A Constituição brasileira não economiza palavras e, também não goza nem de longe do mesmo prestígio da Constituição estadunidense. Trata-se de texto abrangente demais (sem necessidade), promitente em excesso (promessas que não pode cumprir) e de conteúdo errático (precária técnica constitucional). As emendas à Constituição brasileira, previstas no art. 59, I, somam já 108 emendas. Somem-se a essas as seis emendas constitucionais de revisão de que cuida o art. 3º das Disposições Constitucionais Transitórias6 6 Em favor de certa estabilidade do sistema constitucional brasileiro pode ser invocado o teor do § 4º, do art. 60 da Constituição de 1988 (cláusulas pétreas). Na realidade, impõem-se limites ao poder de reformar a Constituição. Reza o referido parágrafo 4º: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais”. . Assim, a apesar dos doutos ensinamentos de Lassale e Hesse, na mutação do modelo previdenciário em curso é imprescindível considerar também o tipo de sistema constitucional vigente no Brasil.

5.1 Fatores reais do poder condutores das reformas previdenciárias pós 1988

As lições de Lassalle e de Hesse fornecem luzes na avaliação das transformações às quais o modelo de Previdência Social, previsto na Constituição de 1988, vem sendo submetido.

O texto original da Constituição de 1988, ao tentar construir, ainda que de forma tardia, certo tipo de Estado de Bem-Estar Social no Brasil oxigenado pelos ares democráticos, estruturou um modelo previdenciário inclusivo, capaz de englobar os trabalhadores urbanos e rurais, provido de natureza contributiva e focado nos principais riscos sociais que demandam cobertura, tais como idade avançada, incapacidade temporária ou permanente, reclusão e morte.

As regras de acesso aos benefícios concedidos pela Previdência Social, a princípio, mostraram-se flexíveis, com possibilidade de que os rendimentos auferidos em atividade correspondessem, em regra, aos que seriam recebidos durante o período de inatividade. Além disso, buscou-se a inclusão de todos os segmentos sociais, podendo se vincular à Previdência Social todos os que assim o desejassem, ainda que sem vínculo de emprego formal.

O modelo de Previdência Social escrito no texto original da Constituição de 1988 não perdurou por muito tempo. A princípio, começaram os questionamentos de ordem financeira, que apontavam para a inviabilidade da manutenção de modelo previdenciário com benefícios facilmente acessíveis, uma vez que não existiriam recursos financeiros capazes de fazer frente às demandas.

O deficit nas contas da Previdência Social passou a ser o argumento defendido à exaustão pelos governos desde 1988, veiculado pelos meios de comunicação social e endossado pelos agentes do mercado financeiro, supostamente preocupados com a incapacidade do país de arcar com o pagamento de sua dívida pública, contraída para financiar um Estado que não arrecada receitas suficientes para fazer frente às suas despesas, sendo obrigado a endividar-se.

Com a adoção da primeira Emenda Constitucional, mais ampla e voltada a alterar o modelo de Previdência Social (EC n.º 20/1998), teve início uma gradativa desconstrução do modelo de Previdência Social inscrito originariamente no texto da Constituição de 1988. Na atualidade, sinaliza-se para transformações mais profundas, com a substituição do modelo de repartição simples, essência do instituído originariamente na Constituição, por um baseado em fundos de pensão formados a partir da capitalização individual de recursos vertidos pelos participantes, a serem administrados pelo mercado financeiro, ideia que não foi abandonada pelo atual governo, embora não tenha sido incorporada ao texto da Emenda Constitucional nº 103/2019, conforme ressaltado acima.

Essa conjuntura de alterações profundas no modelo originário de Previdência Social sinaliza para a readequação de forças dos fatores reais do poder presentes na sociedade brasileira. É o que se demonstra a seguir.

No período que precedeu a elaboração da Carta de 1988, o Brasil estava saindo do regime autoritário, que se estabelecera em 1964, o qual havia mesclado, na gestão econômica, elementos de liberalismo clássico com visão nacionalista.

Nesse cenário, as forças que haviam lutado contra o Regime Militar uniram-se em torno da elaboração de um texto constitucional que assegurasse os direitos de cidadania, isto é, direitos de liberdade, de soberania e direitos sociais. Por outras palavras, um texto que pudesse em grande medida inserir economicamente os setores da sociedade que se encontravam sem assistência básica, a qual deveria, na visão então predominante, ser prestada pelo Estado. Foi nesse contexto vivenciado na transição do regime autoritário para o democrático, que o modelo previdenciário inclusivo, baseado no formato de repartição simples, foi incluído no texto da Constituição de 1988.

Os fatores reais do poder, que prevaleceram na fase de elaboração da Constituição de 1988, preponderantes também nos primeiros anos de vigência do texto constitucional, foram os que haviam participado ativamente do processo de superação do regime autoritário estabelecido no país (1964-1985). Contam-se, dentre esses fatores, os movimentos sociais; a oposição que se havia organizado em torno do Movimento Democrático Brasileiro (MDB); a parcela do clero católico que havia encampado a luta contra o governo militar, os estudantes, os sindicatos de servidores públicos e da iniciativa privada etc.

Com a promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, e mais especificamente após a eleição direta do primeiro Presidente da República sob a nova Constituição, os fatores reais do poder começaram a se reorganizar em torno da pauta econômica voltada para a inserção do Brasil no mercado internacional, que fora conduzida sob os ventos da globalização e da internacionalização do capital.

Os fatores reais do poder, que assumiram maior relevância no período pós Constituição de 1988, vinculam-se ao liberalismo travestido sob nova roupagem. Esse liberalismo, como é sabido, continua a sustentar o argumento de que o Estado é ineficiente na gestão econômica, devendo limitar ao mínimo a sua participação na economia.

Nesse contexto, os agentes do mercado financeiro, nacionais e internacionais, assumiram papel de relevância, ao se valer do discurso de que o Estado brasileiro possui atribuições em excesso, cabendo-lhe transferir para a iniciativa privada o gerenciamento de tudo o que for do interesse dela.

Por meio da cooptação de governos e de congressistas através do financiamento de campanhas, associada à ameaça perene de “fuga de capital”, caso as medidas de interesse do mercado não sejam implementadas, o capital financeiro assumiu papel de relevância acentuada como fator real de poder, que vem norteando as modificações econômicas pelas quais o Brasil passa nos últimos tempos, dentre as quais está a questão previdenciária.

Ao contrário do que é verbalizado, no sentido de que a transição demográfica no Brasil é a responsável pelas constantes pressões e reformas a que vem sendo submetida a Constituição na parte em que disciplina a Previdência Social, existe, na verdade, um interesse mal disfarçado do mercado em incorporar à sua gestão os elevados recursos que são destinados atualmente ao sistema previdenciário, mesmo que isso signifique expor os beneficiários aos riscos do mercado, sem a contrapartida do Estado, caso as estratégias de investimento adotadas pelos fundos de pensão venham a se demonstrar temerárias ou equivocadas.

Portanto, entende-se que houve modificação dos fatores reais do poder que influenciaram o desenho do modelo previdenciário previsto no texto original da Constituição de 1988. Os agentes do mercado financeiro assumiram preponderância inquestionável, os quais conduzem as pressões em prol de alterações substanciais no modelo de Previdência Social, sendo os fatores de poder que o integram os responsáveis pela condução das reformas previdenciárias em curso e que se contrapõem, claramente, à vontade do Constituinte de 1988.

6 CONCLUSÃO

O modelo de Previdência Social atualmente vigente no Brasil guarda pouca semelhança com o que foi estabelecido originalmente na Constituição Federal de 1988. De modelo inclusivo, com regras voltadas a assegurar acesso facilitado aos benefícios previdenciários, ele veio se transformando, ao longo do tempo, em regime que pouca segurança é capaz de oferecer aos seus potenciais beneficiários, sobretudo devido às constantes mudanças a que vem sendo submetido.

Os governos advindos depois de 1988 implementaram, gradativamente, novas regras previdenciárias, o que desfigurou o modelo previdenciário que fora legado pelo Constituinte de 1988.

Essas constantes reformas seguem um norte claro no sentido de fragilizar, ou mesmo desconstruir, o formato de repartição simples, norteado pelo princípio da solidariedade entre os participantes, no que se refere ao financiamento da Previdência Social, com vistas à construção de um modelo de capitalização individual, fundado em bases egoístas, com fundos de pensão cujos recursos são aplicados de acordo com as regras de mercado, sem garantias de rentabilidade e nem de acesso a um benefício digno durante a inatividade.

As modificações em curso no modelo previdenciário estão sendo conduzidas, de fato, por fatores reais de poder diferentes daqueles que nortearam a formatação original do modelo previdenciário previsto na Carta de 1988. Na atualidade, prevalecem, como fatores reais de poder determinantes aqueles vinculados ao capital financeiro nacional e internacionalizado, que não guardam nenhuma simpatia ao formato de repartição simples aplicado à Previdência Social.

Portanto, não se enxerga a mera questão de transição demográfica a impor reformas no modelo previdenciário. Ao contrário, trata-se de pressões voltadas à desconstrução do modelo originário, com vistas à substituição por um formato mais adequado aos interesses do mercado.

Conclui-se daí que, cada vez mais, prevalecem os interesses desse “Mercado” em detrimento de pessoas de carne e osso, de gente que trabalhou a vida inteira na esperança de um dia usufruir da aposentadoria. Com efeito, há em voga essa tendência que preconiza sem pejos a humanização do mercado, o qual como é sabido não tem nenhum compromisso com a solidariedade, nem muito menos com a dignidade dos aposentados. Essa situação da Previdência traz à baila a luminosa obra de Gabriel García Márquez “Ninguém Escreve ao Coronel” (El coronel no tiene quien le escriba), na que García Márquez retrata a interminável e trágica espera do Coronel pela pensão que nunca chega.

REFERÊNCIAS

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    » https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/07/15/trabalho-hora-capitalizacao-imposto-digital-paulo-guedes-plano.htm
  • 1
    A forma de cálculo do valor inicial dos benefícios foi retirada do texto da Constituição, possibilitando alterações mais céleres por meio da legislação ordinária, a qual não exige quórum qualificado para ser aprovada pelo Congresso Nacional.
  • 2
    É o que sustentam Ataides e Santos (2017ATAIDES, Camila Moraes de; SANTOS, Monique Susan dos. A Reforma Previdenciária: uma análise do saldo deficitário do Regime Geral de Previdência Social e sua relação com as mudanças demográficas do Brasil. RAGC, v. 5, n. 19, 2017. Disponível em: Disponível em: http://fucamp.edu.br/editora/index.php/ragc/article/view/996 . Acesso em 16 nov. 2020
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    ). Após a análise da alteração demográfica da população brasileira e do histórico de saldos negativos do RGPS nos últimos anos, elas defendem que “[...] a partir do estudo do comportamento demográfico, concebeu-se que o crescimento da população inativa se tornou mais acentuado durante este período e a projeção atuarial do RGPS comprova tal análise demográfica. Esses resultados evidenciaram o desequilíbrio do RGPS e a necessidade de adoção de novas medidas visando à sustentabilidade do sistema previdenciário”. Holland e Málaga (2018), por sua vez, argumentam que o regime de repartição simples é insustentável diante das alterações demográficas pelas quais passa o Brasil e o formato de capitalização pura não é adequado para a realidade do país, razão pela qual propõem a adoção de um modelo híbrido, que combine as vantagens da repartição simples e da capitalização, principalmente para os novos ingressantes no mercado de trabalho.
  • 3
    Piketty (2014PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Trad. Monica Baumgarten de Bolle. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014., p. 476-478) ressalta não ser possível manter os mesmos parâmetros previdenciários adotados quando se vivia até os sessenta ou setenta anos, num cenário como o atual, no qual as pessoas, em geral, vêm conseguindo ultrapassar os oitenta ou mesmo os noventa anos. Diante desse cenário, ele propõe ajustes no modelo previdenciário que, sem abandonar o formato de repartição simples, adote um sistema único de aposentadorias com contas individualizadas, o que permitiria a cada trabalhador saber o que esperar de sua aposentadoria. O modelo proposto por Piketty, na verdade, aproxima-se mais do formato de capitalização do que propriamente do pacto intergeracional que é típico da repartição simples.
  • 4
    Embora a capitalização individual tenha sido suprimida pelo Congresso Nacional durante a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional nº 6/2019, convertida na Emenda Constitucional nº 103/2019, o atual governo não desistiu de sua implementação. Em declaração recente, o atual Ministro da Economia Paulo Guedes apontou a retomada da ideia de capitalização individual como caminho a ser trilhado para a superação da crise provocada pela pandemia do novo Coronavírus, conforme veiculado pelo Portal de Notícias UOL em 15/07/2020TIMÓTEO, Antonio. Guedes volta a plano com capitalização da aposentadoria e “nova CPMF”. Portal de Notícias UOL. São Paulo, 15 jul. 2020. Economia. Disponível em: Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/07/15/trabalho-hora-capitalizacao-imposto-digital-paulo-guedes-plano.htm . Acesso em 20 jul. 2020.
    https://economia.uol.com.br/noticias/red...
    , em reportagem assinada pelo jornalista Antonio Timóteo.
  • 5
    Vigésima sétima emenda, promulgada em 7 de maio de 1992, é a última atualização constitucional. Trata da “variação da remuneração dos membros do congresso”. Em tradução livre: “Nenhuma lei, alterando a compensação pelos serviços prestados por Senadores e Representantes, terá efeito, até que seja votada pelos Representantes”. No original: Amendment XXVII “No law, varying the compensation for the services of the Senators and Representatives, shall take effect, until an election of Representatives shall have intervened”.
  • 6
    Em favor de certa estabilidade do sistema constitucional brasileiro pode ser invocado o teor do § 4º, do art. 60 da Constituição de 1988 (cláusulas pétreas). Na realidade, impõem-se limites ao poder de reformar a Constituição. Reza o referido parágrafo 4º: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2020
  • Aceito
    15 Jun 2022
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