RESUMO
A Constituição Federal brasileira de 1988 prevê que o policiamento deve ser exercido com base no interesse dos cidadãos, limitado pela lei e sujeito ao controle externo. Contudo, nas décadas pós-redemocratização, a atuação das polícias militares seguiu violenta e arbitrária. Tentativas para eliminar práticas policiais autoritárias envolveram tanto reformas incrementais, que não foram bem-sucedidas, quanto reformas estruturais, que não foram aprovadas. Por meio de uma revisão crítica à literatura já produzida nas ciências sociais, este artigo objetiva contribuir ao debate sobre a dificuldade de promover reformas democráticas nas PMs.
Palavras-chave:
Reforma da polícia; políticas de segurança pública; polícia militar no Brasil; reformas institucionais
ABSTRACT
Brazil’s Federal Constitution of 1988 provides that policing should be carried out based on the citizen’s interest, limited by law, and subjected to external control. However, in the post-redemocratization decades, the actions of the military police remained violent and arbitrary. Attempts to eliminate authoritarian police pratctices involved both incremental reforms, which were not successful, and structural reforms, which were not approved. By means of a critical review of the literature produced in social sciences, this articles seeks to contribute to the debate on the difficulty of promoting democratic reforms in the military police.
Keywords:
Police reform; public safety policies; military police in Brazil; institutional reforms
Introdução
A Constituição Federal (CF) de 1988, resultado do processo de redemocratização que pôs fim ao regime militar iniciado em 1964, prevê que o policiamento seja exercido com base no interesse dos cidadãos, limitado pela lei e sujeito ao controle externo (AZEVEDO, 2009AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. “Justiça penal e segurança pública no Brasil: Causas e consequências da demanda punitiva”. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, vol. 3, n. 4, pp. 94-113, 2009.; LIMA; BUENO; MINGARDI, 2016LIMA, Renato Sérgio de; BUENO, Samira; MINGARDI, Guaracy. “Estado, polícias e segurança pública no Brasil”. Revista Direito GV, São Paulo, vol. 12, n. 1, pp. 49-85, 2016. DOI: 10.1590/2317-6172201603.
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; OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2020OLIVEIRA, Márcio Luís de; OLIVEIRA, Edson Rodrigues de. “A desmilitarização e a unificação das instituições militares estaduais e a Polícia Civil no Brasil: Reflexos na segurança pública estadual”. Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, vol. 12, n. 1, pp. 51-94, 2020.). Além de criar garantias individuais contra a arbitrariedade estatal, em seu artigo 5º, a CF de 1988 estabelece, no caput do artigo 144, que a segurança pública é “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos” e “exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. Ademais, o texto constitucional expressamente prevê que haja controle externo da atividade policial, atribuindo este ao Ministério Público no artigo 129, inciso VII.
Esse conjunto de parâmetros compõe o que a literatura conceitua como segurança pública democrática, um modelo de coerção estatal compatível com os direitos políticos característicos do regime democrático (GONZÁLEZ, 2020GONZÁLEZ, Yanilda María. Authoritarian Police in Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2020., p. 15). Tal modelo requer, portanto, o controle do uso da força feito por agentes do Estado (COSTA, 2004aCOSTA, Arthur Trindade Maranhão. “Como as democracias controlam as polícias”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 70, 2004a., p. 69) e a proibição da violência policial, conceituada enquanto conjunto de arbitrariedades e abusos físicos cometidos contra a população (NEME, 2007NEME, Cristina. “Reforma en la policía: control de la violencia policial en São Paulo”. Revista Latinoamericana de Estudios de Seguridad, Quito, n. 2, pp. 85-98, 2007., p. 85).
Contudo, apesar da previsão das normativas formais, a atuação das policiais militares brasileiras (PMs) seguiu, nas três décadas após a promulgação da CF de 1988, marcada por práticas de letalidade, violência e intimidação (BRINKS, 2006BRINKS, Daniel. “The Rule of (Non)Law: Prosecuting Police Killings in Brazil and Argentina”. In: HELMKE, Grace; LEVITSKY, Steven (ed.). Informal Institutions and Democracy: Lessons from Latin America. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2006. pp. 201-226.; SINHORETTO; LIMA, 2015SINHORETTO, Jacqueline; LIMA, Renato Sérgio de. “Narrativa autoritária e pressões democráticas na segurança pública e no controle do crime”. Revista Semestral do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar, São Carlos, SP, vol. 5, n. 1, pp. 119-141, 2015.; WILLIS, 2015WILLIS, Graham Denyer. The Killing Consensus: Police, Organized Crime and the Regulation of Life and Death in Urban Brazil. Berkeley, CA: University of California Press, 2015.), direcionadas sobretudo a bairros urbanos desfavorecidos e à população negra (FREITAS, 2020FREITAS, Felipe da Silva. Racismo e polícia: Uma discussão sobre mandato policial. 2020. 264 f. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2020. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/38911. Acesso em: 9 fev. 2024.
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; LIMA; ARAUJO; PODEROSO, 2018; RAMOS; MUSUMECI, 2004RAMOS, Silvia; MUSUMECI, Leonarda. “Elemento suspeito: Abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro”. Centro de Estudos de Segurança e Cidadania. Boletim de Segurança e Cidadania, Rio de Janeiro, vol. 3, n. 8, 2004.), revelando a presença de seletividade social e de racismo na atuação das PMs.
Nesse período, diversas reformas da polícia foram elaboradas e/ou implementadas no intuito de corrigir os aspectos não democráticos da segurança pública brasileira. De um lado, os governos estaduais, gestores diretos das PMs, implementam projetos direcionados à melhoria gerencial e operacional do policiamento, as reformas incrementais. Apesar de seus formatos, objetivos específicos e contextos de implementação variarem, as iniciativas dos governos estaduais têm em comum resultados avaliados como insatisfatórios pela literatura especializada (LIMA, 2019LIMA, Renato Sérgio de. “Segurança pública como simulacro de democracia no Brasil”. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 33, n. 2000, pp. 69-90, 2019. DOI: 10.1590/s0103-4014.2019.3396.000.
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, p. 56; SOUZA; BATTIBUGLI, 2014SOUZA, Luís Antonio Francisco de; BATTIBUGLI, Thaís. “O difícil caminho da reforma: A polícia e os limites do processo de reforma pós-redemocratização”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 2, pp. 293-319, 2014., p. 304).
Por outro lado, diversas propostas legislativas para mudar a estrutura organizacional das polícias tramitaram no plano nacional. Essa estrutura está prevista na própria CF de 1988 e é constantemente questionada por que mantém um modelo criado pela Ditadura Militar. Isso se expressa sobretudo na divisão do trabalho policial entre forças civis, responsáveis por investigações, e forças militares, responsáveis pelo policiamento ostensivo (LIMA, 2022LIMA, Renato Sérgio de. “Como funciona a segurança pública no Brasil”. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ano 16, 2022.; SOARES, 2007SOARES, Luiz Eduardo. A política nacional de segurança pública: Histórico, dilemas e perspectivas. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 21, n. 61, pp. 77-97, 2007. DOI: 10.1590/s0103-40142007000300006.
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; OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2020OLIVEIRA, Márcio Luís de; OLIVEIRA, Edson Rodrigues de. “A desmilitarização e a unificação das instituições militares estaduais e a Polícia Civil no Brasil: Reflexos na segurança pública estadual”. Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, vol. 12, n. 1, pp. 51-94, 2020.). Ainda assim, nenhum projeto para alterar esse formato chegou à aprovação. Uma medida desse tipo caracterizaria uma reforma estrutural, e sua não ocorrência é atribuída a interesses corporativos, à necessidade de grandes maiorias legislativas (AZEVEDO, 2016AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; NASCIMENTO, Andrea Ana do. “Desafios da reforma das polícias no Brasil: Permanência autoritária e perspectivas de mudança”. Civitas, Porto Alegre, vol. 16, n. 4, pp. 653-672, 2016.; BEATO FILHO; RIBEIRO, 2016BEATO FILHO, Cláudio; RIBEIRO, Ludmila. “Discutindo a reforma das polícias no Brasil”. Civitas, Porto Alegre, vol. 16, n. 4, pp. 174, 2016.; SOUZA, 2015SOUZA, Robson S. R. Quem comanda a segurança pública no Brasil: Atores, crenças e coalizões que dominam a política nacional de segurança pública. Belo Horizonte: Letramento, 2015.) e ao desinteresse dos governos federais (AZEVEDO; CIFALI, 2015; SOARES, 2007).
Surge, então, uma pergunta central para o estudo das polícias brasileiras: Por que é tão difícil reformar as PMs e instituir nelas um modelo de policiamento compatível com a democracia, seja de modo incremental ou de modo estrutural? Devido ao caráter interdisciplinar da problemática, as discussões a seu respeito estão dispersas por vários campos das ciências sociais, como antropologia, sociologia, ciência política e direito.
Algumas análises relacionam essa dificuldade a falhas no processo de transição pós-ditadura, que teria permitido a continuidade de instituições policiais militarizadas e de sentimentos sociais autoritários (ADORNO, 1998ADORNO, Sérgio. “Consolidação democrática e políticas de segurança no Brasil: rupturas e continuidades”. In: ZAVERUCHA, Jorge (org.). Democracia e instituições políticas brasileiras no final do século XX. Recife: Bagaço, 1998., 1999; CALDEIRA, 2000CALDEIRA, Teresa P. R. Cidade de muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000., 2002; PINHEIRO, 1997PINHEIRO, Paulo Sérgio. “Violência, crime e sistemas policiais em países de novas democracias”. Tempo Social, São Paulo, vol. 9, n. 1, pp. 43-52, 1997., 2001). Outras argumentam que o problema está nas estratégias de reforma adotadas e na falta de governança e coordenação no setor de segurança pública (LIMA, 2022LIMA, Renato Sérgio de. “Como funciona a segurança pública no Brasil”. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ano 16, 2022.; LIMA; BUENO; MINGARDI, 2016; PROENÇA JÚNIOR; MUNIZ; PONCIONI, 2009PROENÇA JÚNIOR, Domício; MUNIZ, Jacqueline de Oliveira; PONCIONI, Paula. “Da governança de polícia à governança policial: Controlar para saber; saber para governar”. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, vol. 2, n. 5, pp. 14-50, 2009.) Há, ainda, estudos recentes sugerindo que dinâmicas político-eleitorais desincentivam reformas ambiciosas nas polícias, levando os governantes a optarem por medidas que favorecem o status quo (COSTA, 2008COSTA, Arthur Trindade Maranhão. “As reformas nas polícias e seus obstáculos”. Civitas, Rio de Janeiro, vol. 8, n. 3, pp. 409-427, 2008., 2011; GONZÁLEZ, 2019GONZÁLEZ, Yanilda María. “The Social Origins of Institutional Weakness: Preferences, Power, and Police Reform in Latin America”. World Politics, Cambridge, vol. 71, n. 1, pp. 44-87, 2019. DOI: 10.1017/S004388711800014X.
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, 2020; SOUZA, 2015SOUZA, Robson S. R. Quem comanda a segurança pública no Brasil: Atores, crenças e coalizões que dominam a política nacional de segurança pública. Belo Horizonte: Letramento, 2015.).
Este artigo objetiva contribuir ao debate por meio da organização dessas explicações, que até o momento estão distribuídas em diferentes campos e conjuntos de literatura. Para tal, propõe uma revisão de literatura crítica ou integrativa. Tal variedade de revisão de literatura visa sintetizar as interpretações acadêmicas existentes sobre um determinado tema, avaliando seu conteúdo e contribuições (GRANT; BOOTH, 2009GRANT, Maria J.; BOOTH, Andrew. “A Typology of Reviews: An Analysis of 14 Review Types and Associated Methodologies”. Health Information and Libraries Journal, Hoboken, NJ, vol. 26, n. 2, pp. 91-108, 2009. DOI: 10.1111/j.1471-1842.2009.00848.x.
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, p. 93).
Assim, não se pretende descrever de forma sistemática todas as publicações existentes em uma área, mas analisar criticamente as linhas mais representativas e propor novas perspectivas sobre o estado da arte (TORRACO, 2005TORRACO, Richard J. “Writing Integrative Literature Reviews: Guidelines and Examples”. Human Resource Development Review, Thousand Oaks, CA, vol. 4, n. 3, pp. 356-367, 2005. DOI: 10.1177/1534484305278283.
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). Aqui, em especial, busca-se (i) entender como cada contribuição dá conta da distinção entre reformas incrementais e estruturais da polícia, além de (ii) organizar as obras em grupos conforme as afinidades teóricas de seus autores e o pertencimento a certas escolas de pensamento.
A seção 1 define o que se entende por reformas incrementais e por reformas estruturais da polícia. Também retoma brevemente as posições acadêmicas em favor de cada tipo de medida. A seção 2 apresenta, para fins de contextualização, um panorama das tentativas de reforma democrática1 1 Entende-se por reforma democrática da polícia uma reforma que institui em uma ou mais corporações policiais um modelo de policiamento que siga as diretrizes de uma segurança pública compatível com os direitos políticos do sistema democrático, elencadas na primeira página e, especialmente no caso brasileiro, compatível com os direitos e deveres elencadas pela Constituição Federal (CF) de 1988. incremental e estrutural das PMs desenvolvidas desde a redemocratização2 2 O panorama tem por foco as reformas da polícia desenvolvidas após a promulgação da CF de 1988. Contudo, devido à sua relevância, são tratados também projetos de reforma desenvolvidos em São Paulo e no Rio de Janeiro durante a fase de transição do regime militar para a democracia (1982-1988). até 2018. Esse panorama foi elaborado principalmente a partir de textos que descrevem e analisam as políticas de segurança pública e iniciativas de reforma da polícia dos governos estaduais e federais no período delimitado. A seção 3, por sua vez, se volta para as explicações teóricas sobre os processos de reforma descritos na seção anterior. Assim, considera contribuições de diferentes campos das ciências sociais sobre a dificuldade de reformar democraticamente as PMs, buscando entender como elas explicam os resultados insatisfatórios verificados tanto nas estratégias incrementais quanto nas estratégias estruturais.
Reformas incrementais e estruturais das polícias
A presente revisão de literatura parte da definição de reforma da polícia proposta por González (2020GONZÁLEZ, Yanilda María. Authoritarian Police in Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2020., pp. 32-33). Para a autora, uma reforma da polícia é uma política pública que pretende mudar, de forma permanente, as estruturas internas, regras e/ou práticas da segurança pública. Nessa definição abrangente, reformas da polícia podem tomar a forma tanto de legislação quanto de ordens ou diretrizes administrativas. Cabe, no entanto, diferenciar reformas da polícia quanto ao seu escopo. Nesse sentido, é útil a distinção feita pela literatura de mudança institucional entre reformas incrementais e reformas estruturais.
Reformas incrementais, ou graduais, são medidas parciais, direcionadas a aspectos organizacionais específicos e que não pretendem modificar a matriz institucional no curto prazo (PRADO; TREBILCOCK, 2009PRADO, Mariana Mota; TREBILCOCK, Michael. “Path Dependence, Development, and the Dynamics of Institutional Reform”. University of Toronto Law Journal, Toronto, vol. 59, n. 3, pp. 341-380, 2009. DOI: 10.3138/utlj.59.3.341.
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, pp. 367-368, 2018). Exemplos de reformas incrementais da polícia são a reformulação de cursos de formação, treinamentos em direitos humanos, a criação de instâncias de monitoramento e iniciativas de interlocução com universidades e comunidades (CARUSO; PATRÍCIO; ALBERNAZ, 2006CARUSO, Haydée; PATRÍCIO, Luciane; ALBERNAZ, Elizabete. “‘A polícia que queremos’: desafios para a reforma da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro”. Cadernos Adenauer, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 3, pp. 105-118, 2006., p. 106).
Já as reformas estruturais, ou abrangentes, são mais ambiciosas, tendo por objetivo imediato mudar a instituição e seu funcionamento como um todo (PRADO; TREBILCOCK, 2009PRADO, Mariana Mota; TREBILCOCK, Michael. “Path Dependence, Development, and the Dynamics of Institutional Reform”. University of Toronto Law Journal, Toronto, vol. 59, n. 3, pp. 341-380, 2009. DOI: 10.3138/utlj.59.3.341.
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, p. 367). Assim, reformas estruturais da polícia visam alterar a arquitetura institucional e as regras basilares das corporações, como código disciplinares, critérios de promoção e mecanismos de controle interno (GONZÁLEZ, 2020GONZÁLEZ, Yanilda María. Authoritarian Police in Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2020., p. 35).
No Brasil, a divisão de competências na segurança pública gera coincidências entre o tipo de reforma e o nível federativo de iniciativa. De um lado, conforme o artigo 144, §6º, da CF de 1988, os governos estaduais são responsáveis diretos pelas PMs e pelas polícias civis. É nesse âmbito federativo que se tomam escolhas sobre a gestão do policiamento e, portanto, em que é possível propor novas diretrizes operacionais ou novas instâncias de monitoramento.
De outro lado, a União tem competência concorrente na matéria e pode estabelecer normas gerais de política de segurança pública. Esse tipo de envolvimento se tornou mais comum a partir da metade da década de 1990 (SOUZA; BATTIBUGLI, 2014SOUZA, Luís Antonio Francisco de; BATTIBUGLI, Thaís. “O difícil caminho da reforma: A polícia e os limites do processo de reforma pós-redemocratização”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 2, pp. 293-319, 2014., pp. 297-299). Além disso, as normas que definem a arquitetura institucional da segurança pública têm natureza constitucional (artigo 144, caput e incisos). Disso decorre que é só no âmbito do legislativo nacional que podem ser levadas à cabo mudanças no modelo organizacional e nas atribuições das polícias brasileiras (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2020OLIVEIRA, Márcio Luís de; OLIVEIRA, Edson Rodrigues de. “A desmilitarização e a unificação das instituições militares estaduais e a Polícia Civil no Brasil: Reflexos na segurança pública estadual”. Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, vol. 12, n. 1, pp. 51-94, 2020., pp. 190-194).
Assim, as reformas promovidas pelos estados da federação brasileira necessariamente têm natureza incremental, devido à impossibilidade de os governadores alterarem a estrutura institucional constitucionalmente prevista. Já no âmbito nacional, embora projetos incrementais sejam possíveis, as principais propostas de reforma da polícia têm tido escopo estrutural, até para evitar incursões nos aspectos do policiamento que competem aos estados.
Além de diferenciar entre reformas incrementais e estruturais, a literatura sobre a mudança institucional tem buscado avaliar o potencial transformador de cada tipo de medida (DAVIS; TREBILCOCK, 2008DAVIS, Kevin E.; TREBILCOCK, Michael J. “The Relationship between Law and Development: Optimists versus Skeptics”. American Journal of Comparative Law, Oxford, vol. 56, n. 4, pp. 895-946, 2008.; MAHONEY; THELEN, 2010MAHONEY, James; THELEN, Kathleen. Explaining Institutional Change: Ambiguity, Agency and Power. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.; PRADO; TREBILCOCK, 2009PRADO, Mariana Mota; TREBILCOCK, Michael. “Path Dependence, Development, and the Dynamics of Institutional Reform”. University of Toronto Law Journal, Toronto, vol. 59, n. 3, pp. 341-380, 2009. DOI: 10.3138/utlj.59.3.341.
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). Em geral, os estudos institucionalistas são céticos quanto à possibilidade de reformas estruturais. A partir da análise de casos empíricos, eles listam alguns empecilhos importantes para sua efetiva implementação: a ação de grupos de interesse, mecanismos de auto reforço comportamental e custos de mudança. Juntos, esses elementos compõem o fenômeno da “dependência de trajetória” (PRADO; TREBILCOCK, 2009, p. 355).
Disso decorre que reformas estruturais costumam ser inviáveis em “tempos normais”: para serem bem-sucedidas, elas requerem uma “conjuntura crítica” que permita rearranjos de poder no interior das organizações (PRADO; TREBILCOCK, 2009PRADO, Mariana Mota; TREBILCOCK, Michael. “Path Dependence, Development, and the Dynamics of Institutional Reform”. University of Toronto Law Journal, Toronto, vol. 59, n. 3, pp. 341-380, 2009. DOI: 10.3138/utlj.59.3.341.
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, p. 367). Reformas incrementais são consideradas uma opção que reduz os custos da mudança e a resistência às medidas (PRADO; TREBILCOCK, 2018, p. 6). Isso ocorre por pelo menos três razões. Primeiro, mudar partes de uma instituição em vez do todo mitiga a necessidade de negociar o apoio de atores estabelecidos. Segundo, essa estratégia possibilita alianças com grupos internos que se beneficiariam de certas medidas reformistas, mas não apoiariam uma reestruturação total da instituição. Por fim, os riscos envolvidos são menores: como o objetivo não é substituir completamente a estrutura institucional existente, há menos imprevisibilidade quanto ao impacto da reforma nos serviços prestados ao público (PRADO; TREBILCOCK, 2018, pp. 7-9).
A proposta do incrementalismo é que reformas parciais sejam sequenciadas até que se atinja o resultado desejado. Tal estratégia permitiria produzir resultados de longo prazo equivalentes aos das reformas estruturais e, ao mesmo tempo, amenizar as rupturas, os “traumas de implementação” e as resistências organizacionais associadas a mudanças institucionais bruscas (PRADO; TREBILCOCK, 2009PRADO, Mariana Mota; TREBILCOCK, Michael. “Path Dependence, Development, and the Dynamics of Institutional Reform”. University of Toronto Law Journal, Toronto, vol. 59, n. 3, pp. 341-380, 2009. DOI: 10.3138/utlj.59.3.341.
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, p. 368; PRADO; TREBILCOCK; HARTFORD, 2012, p. 273). Esse argumento é aplicado também a reformas nas polícias (LIGHT; PRADO; WANG, 2015LIGHT, Matthew; PRADO, Mariana Mota; WANG, Yuhua. “Policing Following Political and Social Transitions : Russia, Brazil, and China Compared”. Theoretical Criminology, Thousand Oaks, CA, vol. 19, n. 2, pp. 216-238, 2015. DOI: 10.1177/1362480614568742.
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; PRADO; TREBILCOCK, 2018; PRADO; TREBILCOCK; HARTFORD, 2012; WILLIS; PRADO, 2014WILLIS, Graham Denyer; PRADO, Mariana Mota. “Process and Pattern in Institutional Reforms: A Case Study of the Police Pacifying Units (UPPs) in Brazil”. World Development, Amsterdam, vol. 64, pp. 232-242, 2014. DOI: 10.1016/j.worlddev.2014.06.006.
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).
No entanto, estudos que se debruçam sobre a segurança pública brasileira apontam que as reformas incrementais das últimas décadas avançaram apenas na eficiência operacional: ressalvados ganhos “residuais e pendulares”, essas reformas não conseguiram mudar os padrões violentos de policiamento (LIMA, 2019LIMA, Renato Sérgio de. “Segurança pública como simulacro de democracia no Brasil”. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 33, n. 2000, pp. 69-90, 2019. DOI: 10.1590/s0103-4014.2019.3396.000.
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, pp. 59-60). Ao contrário da literatura supracitada, esses trabalhos insistem na necessidade de reformas estruturais e apontam que o esforço político necessário para mudar o conceito de segurança pública vigente no Brasil, historicamente pautado no patrimonialismo e na militarização, é complexo e ultrapassa o potencial de reformas incrementais (SOUZA, 2015SOUZA, Robson S. R. Quem comanda a segurança pública no Brasil: Atores, crenças e coalizões que dominam a política nacional de segurança pública. Belo Horizonte: Letramento, 2015., pp. 62-65). Sem mudanças na atual arquitetura institucional, de inspiração autoritária, medidas incrementais sofrerão descontinuidades e perderão o foco conforme o ambiente político (LIMA, 2022, pp. 14-15; SOARES, 2019SOARES, Luiz Eduardo. Por que tem sido tão difícil mudar as polícias? In: SOARES, Luiz Eduardo. Desmilitarizar. Rio de Janeiro: Boitempo, 2019., pp. 50-51). Alguns autores sugerem que é a permanência de elementos estruturais antidemocráticos - como o controle da polícia sobre inquéritos, a jurisdição militar sobre seus atos e a lógica bélica de atuação - que garante a inefetividade das reformas incrementais promissoras (COSTA, 2011COSTA, Arthur Trindade Maranhão. “Police Brutality in Brazil: Authoritarian Legacy or Institutional Weakness?” Latin American Perspectives, Thousand Oaks, CA, vol. 38, n. 5, pp. 19-32, 2011. DOI: 10.1177/0094582X10391631
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; MACHADO, 2020MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. As Unidades de Polícia Pacificadora e a segurança pública no Rio de Janeiro: A bypass de quê? Journal of Institutional Studies, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 3, pp. 1486-1499, 2020.; MARTINS, 2021MARTINS, Carla Benitez. “Permanências estruturais e ausência de rupturas na política criminal e de segurança nos governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2016)”. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, vol. 12, n. 1, pp. 548-579, 2021. DOI: 10.1590/2179-8966/2020/57154.
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).
Em pesquisa sobre as polícias latino-americanas, González (2020GONZÁLEZ, Yanilda María. Authoritarian Police in Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2020., p. 35) avalia que reformas incrementais3 3 Em sua obra, González (2020) diferencia entre reformas estruturais, reformas marginais e reformas operacionais da polícia. Reformas marginais criam órgãos de monitoramento ou acompanhamento da polícia, sem poder de sanção. Já reformas operacionais buscam mudar a atuação prática dos policiais. Essas últimas duas categorias são aqui reunidas na de reformas incrementais. têm baixo impacto na promoção de uma segurança pública democrática. Já as reformas estruturais apresentariam um impacto moderado, superado apenas pela estratégia de criação de mecanismos de controle externo das polícias.
Nota-se, assim, que a literatura especializada tende a considerar que reformas estruturais são mais promissoras para democratizar as polícias brasileiras. Contudo, também há relevante acúmulo teórico quanto às dificuldades de efetivar reformas tão ambiciosas e quanto às possibilidades de utilizar reformas incrementais como estratégia para promover mudanças no longo prazo. A próxima seção busca dar concretude a esse debate por meio da análise dos principais projetos de reforma incremental e de reforma estrutural das PMs4 4 Incluem-se neste recorte tanto reformas direcionadas diretamente às PMs quanto reformas mais amplas na segurança pública, na justiça criminal ou no policiamento que incluíam as PMs em seu escopo. desenvolvidos desde a redemocratização do Brasil.
Contexto: As tentativas de reforma das PMs (1983-2018)
Apresenta-se aqui o conteúdo, os desafios e os desfechos de propostas de reforma democrática da polícia desenvolvidas em âmbito federal e nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro entre 1983 e 2018. Optou-se por analisar apenas dois estados em razão da dificuldade em se examinar todas as iniciativas estaduais, caracterizadas por uma grande diversidade de estratégias (SOUZA; BATTIBUGLI, 2014SOUZA, Luís Antonio Francisco de; BATTIBUGLI, Thaís. “O difícil caminho da reforma: A polícia e os limites do processo de reforma pós-redemocratização”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 2, pp. 293-319, 2014., p. 304) e por padrões de descontinuidade (VALENTE, 2012VALENTE, Júlia Leite. “‘Polícia Militar’ é um oximoro: A militarização da segurança pública no Brasil”. Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESP/Marília, Marília, SP, n. 10, pp. 204-244, 2012., p. 205). A escolha por São Paulo e Rio de Janeiro se deu pela centralidade desses estados nos debates brasileiros sobre segurança pública e da maior disponibilidade de pesquisas a respeito de suas polícias (FLOM, 2022FLOM, Hernán. “The Politics of Police Violence: Political Competition and Police Killings in Brazil”. Journal of Urban Affairs, London, Special Issue, pp. 1-23, 2022. DOI: 10.1080/07352166.2021.2018935
https://doi.org/10.1080/07352166.2021.20...
, p. 7). Nesse sentido, embora se reconheça a variedade de contextos locais, os problemas enfrentados pelas tentativas de reforma nesses estados são ilustrativos de situações verificadas no restante do país (AZEVEDO; NASCIMENTO, 2016AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; NASCIMENTO, Andrea Ana do. “Desafios da reforma das polícias no Brasil: Permanência autoritária e perspectivas de mudança”. Civitas, Porto Alegre, vol. 16, n. 4, pp. 653-672, 2016., p. 662).5
5
Apesar da justificativa apresentada e da relevância dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro em termos populacionais e de indicadores de violência, cumpre reiterar que o recorte de análise se deu por razões de conveniência da pesquisa. Nesse sentido, é certo que houve outras iniciativas relevantes de reforma da polícia, como em Pernambuco, Espírito Santo e outros estados, as quais mereceriam análise à parte.
No âmbito das reformas incrementais nos estados, destacam-se os projetos de policiamento comunitário (VALENTE, 2012VALENTE, Júlia Leite. “‘Polícia Militar’ é um oximoro: A militarização da segurança pública no Brasil”. Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESP/Marília, Marília, SP, n. 10, pp. 204-244, 2012., p. 217). A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) foi palco, ainda durante a transição democrática, de uma das primeiras experiências brasileiras desse tipo. Buscou-se estabelecer na corporação uma filosofia pautada na prevenção da criminalidade e no respeito aos direitos humanos. Como parte da iniciativa, desenvolveu-se um marco regulatório da atuação policial, guiado por tais princípios (SILVA, 2015SILVA, Bruno Marques. “Reformar a polícia e pensar a cidade: O policiamento comunitário e a segurança pública pedetista no Rio de Janeiro (1983-1995)”. Libertas, Juiz de Fora, MG, vol. 15, n. 2, pp. 189-214, 2015., pp. 198-199). O projeto foi implementado na primeira gestão de Leonel Brizola como governador (1983-1987). Apesar das críticas que o projeto promovia impunidade, a iniciativa foi retomada com mais ênfase e visibilidade na segunda gestão Brizola (1991-1995), durante a qual também passou a contar com a colaboração do movimento e depois da organização não governamental Viva Rio. Criado em 1993, o Viva Rio articulava lideranças sociais cariocas para apoiar soluções multifacetadas de enfrentar à violência (COSTA, 2004bCOSTA, Arthur Trindade Maranhão. Entre a lei e a ordem: Violência e reforma nas polícias do Rio de Janeiro e Nova York. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004b., p. 418).
Contudo, o aumento da criminalidade urbana durante os anos 1990 intensificou as pressões por ações mais repressivas de policiamento. Isso correu muito embora não se pudesse estabelecer causalidade entre a nova política de segurança pública e a intensificação de violência, que tinha raízes complexas, relacionadas por estudiosos às transformações socioeconômicas e ao enraizamento do tráfico internacional de drogas no Brasil (ADORNO 1998ADORNO, Sérgio. “Consolidação democrática e políticas de segurança no Brasil: rupturas e continuidades”. In: ZAVERUCHA, Jorge (org.). Democracia e instituições políticas brasileiras no final do século XX. Recife: Bagaço, 1998.; LEEDS, 1996LEEDS, Elizabeth. “Cocaine and Parallel Polities in the Brazilian Urban Periphery: Constraints on Local-Level Democratization. Latin American Research Review, Cambridge, vol. 31, n. 3, pp. 47-83, 1996.). O resultado foi a intervenção federal chamada Operação Rio, de 1994, que entregou às Forças Armadas o policiamento da cidade do Rio de Janeiro e teve como consequência o restabelecimento do paradigma tradicional de segurança pública. A intervenção foi apoiada por grupos que apoiaram as reformas, como o Viva Rio (COSTA, 2008COSTA, Arthur Trindade Maranhão. “As reformas nas polícias e seus obstáculos”. Civitas, Rio de Janeiro, vol. 8, n. 3, pp. 409-427, 2008., p. 420).
Outras propostas, mais modestas, de policiamento alternativo se seguiram no Rio de Janeiro: os Postos de Policiamento Comunitário, em 1995, e os Grupos de Policiamento em Áreas Especiais, em 2000. A primeira seguia o modelo norte-americano de policiamento comunitário e esbarrou no despreparo dos policiais militares para atender as demandas assistenciais que os moradores formulavam diante da falta de serviços públicos em sua comunidade. Para a criação dos Grupos de Policiamento, buscou-se lidar com essas dificuldades por meio de investimentos em treinamento em mediação de conflitos e na construção de postos integrados. Ainda assim, a iniciativa sofreu com a falta de adesão policial e não “vingou” (AZEVEDO; NASCIMENTO, 2016AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; NASCIMENTO, Andrea Ana do. “Desafios da reforma das polícias no Brasil: Permanência autoritária e perspectivas de mudança”. Civitas, Porto Alegre, vol. 16, n. 4, pp. 653-672, 2016., p. 660).
Em São Paulo, a gestão de Franco Montoro (1983-1987) também promoveu reformas da polícia, direcionadas à redução das violações de direitos humanos. Sua iniciativa foi recebida com resistência: os policiais militares retiraram seu serviço para incentivar a desordem e dar a impressão de que o novo sistema não funcionava (GONZÁLEZ, 2020GONZÁLEZ, Yanilda María. Authoritarian Police in Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2020., pp. 228-231). Tal como no Rio de Janeiro, a reforma foi responsabilizada pelo aumento da criminalidade. Como alternativa, em 1985, criaram-se os Conselhos Comunitários de Segurança do Estado de São Paulo, pensados enquanto órgão de monitoramento das polícias e de diálogo com a sociedade civil. No entanto, as instâncias acabaram dominadas por proprietários de pequenos negócios, favoráveis ao endurecimento penal. Assim, as reformas paulistas se revelaram pouco produtivas em termos de democratização do policiamento (GONZÁLEZ, 2020, p. 114).
Em seguida, durante a década de 1990, casos de violência policial, como o Massacre do Carandiru e o Caso Favela Naval, motivaram a criação de ouvidorias da Polícia e de programas de monitoramento de policiais envolvidos em ações letais (GONZÁLEZ, 2020GONZÁLEZ, Yanilda María. Authoritarian Police in Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2020., p. 249; SOUZA; BATTIBUGLI, 2014SOUZA, Luís Antonio Francisco de; BATTIBUGLI, Thaís. “O difícil caminho da reforma: A polícia e os limites do processo de reforma pós-redemocratização”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 2, pp. 293-319, 2014., p. 298). A atuação das ouvidorias logo encontrou alguns empecilhos relevantes: o receio da população de fazer denúncias, o repasse das investigações para as corregedorias internas e o grau incipiente de institucionalização de muitos desses órgãos (VALENTE, 2012VALENTE, Júlia Leite. “‘Polícia Militar’ é um oximoro: A militarização da segurança pública no Brasil”. Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESP/Marília, Marília, SP, n. 10, pp. 204-244, 2012., p. 217). A exceção notável à última regra é a Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo: criada em 1995, ela tem autonomia funcional, orçamento próprio e status permanente garantidos pela Lei Complementar nº 826, de 20 de junho de 1997.
Entre os programas de monitoramento, o principal expoente foi o Programa de Acompanhamento de Policiais Envolvidos em Ocorrências de Alto Risco (PROAR), criado em São Paulo no ano de 1995. Nos anos subsequentes à sua implementação, contudo, o PROAR foi criticado por “dificultar a ação policial”. Em decorrência disso, o programa foi substituído, em 2002, por uma versão mais flexível quanto à obrigatoriedade de participação e ao tempo de afastamento imposto aos PMs monitorados (NEME, 2007NEME, Cristina. “Reforma en la policía: control de la violencia policial en São Paulo”. Revista Latinoamericana de Estudios de Seguridad, Quito, n. 2, pp. 85-98, 2007., pp. 92-94). Em 2000, o governo de São Paulo criou a Comissão Especial para a Redução da Letalidade; no entanto, ela esbarrou em dificuldades de trabalhar com a polícia e em falta de apoio político. A comissão minguou e foi desativada em 2011 (GONZÁLEZ, 2020GONZÁLEZ, Yanilda María. Authoritarian Police in Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2020., p. 96).
Também entre as décadas de 1990 e 2000 se intensificaram as discussões no Legislativo federal sobre a necessidade de uma reforma estrutural das polícias, em especial a possibilidade de unificar as corporações militares e civis. Todavia, durante a gestão Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995-2002), o foco do Executivo foram os Programas Nacionais de Direitos Humanos, documentos que reuniam diagnósticos e propostas quanto às violações de direitos fundamentais (VALENTE, 2012VALENTE, Júlia Leite. “‘Polícia Militar’ é um oximoro: A militarização da segurança pública no Brasil”. Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESP/Marília, Marília, SP, n. 10, pp. 204-244, 2012., p. 216). Isso acabou por constituir uma contradição que se manteria nos governos federais posteriores: investiu-se em uma política nacional e institucional de direitos humanos, mas mantiveram-se, com ajustes pontuais, as estruturas policiais herdadas da Ditadura (LIMA, 2022LIMA, Renato Sérgio de. “Como funciona a segurança pública no Brasil”. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ano 16, 2022.; MARTINS, 2021MARTINS, Carla Benitez. “Permanências estruturais e ausência de rupturas na política criminal e de segurança nos governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2016)”. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, vol. 12, n. 1, pp. 548-579, 2021. DOI: 10.1590/2179-8966/2020/57154.
https://doi.org/10.1590/2179-8966/2020/5...
; SOARES, 2007SOARES, Luiz Eduardo. A política nacional de segurança pública: Histórico, dilemas e perspectivas. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 21, n. 61, pp. 77-97, 2007. DOI: 10.1590/s0103-40142007000300006.
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).
Mesmo assim, a presidência de FHC foi importante para consolidar o papel da União na segurança pública, em especial por meio da criação da Secretaria Nacional da Segurança Pública (Senasp), em 1997 (MADEIRA; RODRIGUES, 2015MADEIRA, Lígia Mori; RODRIGUES, Alexandre Ben. “Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011”. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, vol. 49, n. 1, pp. 3-21, 2015. DOI: 10.1590/0034-76121702.
https://doi.org/10.1590/0034-76121702....
, pp. 7-8; MARTINS, 2021MARTINS, Carla Benitez. “Permanências estruturais e ausência de rupturas na política criminal e de segurança nos governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2016)”. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, vol. 12, n. 1, pp. 548-579, 2021. DOI: 10.1590/2179-8966/2020/57154.
https://doi.org/10.1590/2179-8966/2020/5...
, p. 570). A articulação entre níveis federativos foi fomentada também pela criação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e pelos primeiros planos nacionais de segurança pública (SOARES, 2007SOARES, Luiz Eduardo. A política nacional de segurança pública: Histórico, dilemas e perspectivas. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 21, n. 61, pp. 77-97, 2007. DOI: 10.1590/s0103-40142007000300006.
https://doi.org/10.1590/s0103-4014200700...
, pp. 83-84). Ainda, a edição de planos locais se tornou condição para o repasse de verbas federais aos estados e municípios (SOUZA; BATTIBUGLI, 2014SOUZA, Luís Antonio Francisco de; BATTIBUGLI, Thaís. “O difícil caminho da reforma: A polícia e os limites do processo de reforma pós-redemocratização”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 2, pp. 293-319, 2014., pp. 298-299; VALENTE, 2012VALENTE, Júlia Leite. “‘Polícia Militar’ é um oximoro: A militarização da segurança pública no Brasil”. Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESP/Marília, Marília, SP, n. 10, pp. 204-244, 2012., pp. 216-217). Por fim, criou-se o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), destinado a apoiar projetos na área. Contudo, diante da ausência de prioridades claras, seus recursos financeiros foram usados para custeio de equipamentos básicos - viaturas e armas - em vez da promoção de inovação (SOARES, 2007, p. 85).
A tendência de envolvimento da União na temática do policiamento se acentuou durante os dois governos de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Na sua campanha presidencial de 2002, Lula colocou o tema da segurança pública como prioridade e defendeu que o governo federal deveria ser protagonista nessa área. O Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP) proposto pelo candidato à Presidência foi elaborado em conjunto com especialistas e apresentado ao Congresso Nacional e ao Ministério da Justiça durante a pré-candidatura, ocasião em que foi bem recebido, mesmo por seus adversários políticos (SOARES, 2007SOARES, Luiz Eduardo. A política nacional de segurança pública: Histórico, dilemas e perspectivas. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 21, n. 61, pp. 77-97, 2007. DOI: 10.1590/s0103-40142007000300006.
https://doi.org/10.1590/s0103-4014200700...
, pp. 86-87).
A estratégia traçada por esse plano combinava políticas sociais, qualificação tecnológica e reformas institucionais (AZEVEDO; CIFALI, 2015AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CIFALI, Ana Cláudia. “Política criminal e encarceramento no Brasil nos governos Lula e Dilma: Elementos para um balanço de uma experiência de governo pós-neoliberal”. Civitas, Porto Alegre, vol. 15, n. 1, pp. 105-127, 2015. DOI: 10.15448/1984-7289.2015.1.19940.
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2015....
, p. 120; MADEIRA; RODRIGUES, 2015MADEIRA, Lígia Mori; RODRIGUES, Alexandre Ben. “Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011”. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, vol. 49, n. 1, pp. 3-21, 2015. DOI: 10.1590/0034-76121702.
https://doi.org/10.1590/0034-76121702....
, p. 9; MARTINS, 2021MARTINS, Carla Benitez. “Permanências estruturais e ausência de rupturas na política criminal e de segurança nos governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2016)”. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, vol. 12, n. 1, pp. 548-579, 2021. DOI: 10.1590/2179-8966/2020/57154.
https://doi.org/10.1590/2179-8966/2020/5...
, p. 570). Nessa última categoria, as principais ambições eram (i) desconstitucionalizar a estrutura policial, o que ampliaria as possibilidades de reformas estaduais, e (ii) normatizar o SUSP de modo a fomentar a cooperação entre as polícias civis e militares, preparando-as para a implementação, em um futuro próximo, do “modelo de ciclo completo”, no qual as atividades de policiamento ostensivo e de investigação seriam exercidas conjuntamente (SOARES, 2007SOARES, Luiz Eduardo. A política nacional de segurança pública: Histórico, dilemas e perspectivas. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 21, n. 61, pp. 77-97, 2007. DOI: 10.1590/s0103-40142007000300006.
https://doi.org/10.1590/s0103-4014200700...
, pp. 87-89). Para promover a integração das diferentes polícias até que essas reformas legislativas fossem aprovadas e implementadas, o plano previa a criação de um sistema de governança nacional baseado nos “Gabinetes de Gestão Integrada”: fóruns deliberativos que reuniriam governadores e representantes institucionais das corporações. Essa estrutura também fomentaria a experimentação dentro dos marcos legais vigentes (SÁ E SILVA, 2012SÁ E SILVA, Fabio De. “‘Nem isto, nem aquilo’: Trajetória e características da política nacional de segurança pública (2000-2012)”. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, vol. 6, n. 2, pp. 412-432, 2012., pp. 417-418). Enfatizava-se, por fim, a produção de dados e diagnósticos qualificados que pudessem fomentar ações sistemáticas no lugar de políticas reativas (SÁ E SILVA, 2012, p. 415).
Uma vez eleito, Lula indicou Luiz Eduardo Soares - antropólogo com experiência prévia na Secretaria da Segurança Pública do Rio de Janeiro e atuação pública pautada em pressionar por reformas da polícia - para assumir a chefia da Senasp. Soares recebeu a tarefa de “construir um consenso com os governadores em torno do plano, e foi bem-sucedido, tendo conquistado o apoio dos 27 governadores da época (SOARES, 2007SOARES, Luiz Eduardo. A política nacional de segurança pública: Histórico, dilemas e perspectivas. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 21, n. 61, pp. 77-97, 2007. DOI: 10.1590/s0103-40142007000300006.
https://doi.org/10.1590/s0103-4014200700...
, pp. 86-87).
Contudo, pouco tempo depois ,e apesar desse sucesso inicial nas negociações, a reforma das polícias foi retirada da pauta do governo (AZEVEDO; CIFALI, 2015AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CIFALI, Ana Cláudia. “Política criminal e encarceramento no Brasil nos governos Lula e Dilma: Elementos para um balanço de uma experiência de governo pós-neoliberal”. Civitas, Porto Alegre, vol. 15, n. 1, pp. 105-127, 2015. DOI: 10.15448/1984-7289.2015.1.19940.
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2015....
, p. 121). Antes de completar um ano no cargo, Soares foi desonerado em resposta a pressões de grupos de interesse (MARTINS, 2021MARTINS, Carla Benitez. “Permanências estruturais e ausência de rupturas na política criminal e de segurança nos governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2016)”. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, vol. 12, n. 1, pp. 548-579, 2021. DOI: 10.1590/2179-8966/2020/57154.
https://doi.org/10.1590/2179-8966/2020/5...
, p. 571). Em seguida, a gestão Lula desistiu da desconstitucionalização da estrutura policial. Esse movimento foi atribuído à avaliação interna de que assumir um papel central na segurança pública poderia implicar riscos políticos desnecessários. Temia-se que o presidente assumisse a responsabilidade pelos indicadores de violência perante a opinião pública, o que poderia desgastar sua figura no caso de as reformas só surtirem efeito a longo prazo (SOARES, 2007SOARES, Luiz Eduardo. A política nacional de segurança pública: Histórico, dilemas e perspectivas. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 21, n. 61, pp. 77-97, 2007. DOI: 10.1590/s0103-40142007000300006.
https://doi.org/10.1590/s0103-4014200700...
, pp. 88-89).
Para o segundo mandato de Lula, a proposta para a área de segurança pública foi articulada em torno do conceito de segurança cidadã. Manteve-se, assim, o papel da União enquanto coordenadora de iniciativas, mas a abordagem para enfrentar as questões de policiamento foi alterada. O principal expoente dessa agenda foi o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), apresentado, em 2007, pelo Ministério da Justiça de Tarso Genro (AZEVEDO; CIFALI, 2015AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CIFALI, Ana Cláudia. “Política criminal e encarceramento no Brasil nos governos Lula e Dilma: Elementos para um balanço de uma experiência de governo pós-neoliberal”. Civitas, Porto Alegre, vol. 15, n. 1, pp. 105-127, 2015. DOI: 10.15448/1984-7289.2015.1.19940.
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2015....
, pp. 121-122; MARTINS, 2021MARTINS, Carla Benitez. “Permanências estruturais e ausência de rupturas na política criminal e de segurança nos governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2016)”. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, vol. 12, n. 1, pp. 548-579, 2021. DOI: 10.1590/2179-8966/2020/57154.
https://doi.org/10.1590/2179-8966/2020/5...
, p. 571).
O Pronasci se propunha a realizar convênios entre o governo federal e os estados e municípios, financiando projetos de valorização dos profissionais de segurança pública e de envolvimento da comunidade na prevenção da violência, bem como reformas incrementais relacionadas à modernização institucional, desincentivo à corrupção policial e combate ao crime organizado. Seus princípios norteadores eram a integração das polícias com a sociedade civil e a adoção de soluções adaptadas aos contextos locais (MADEIRA; RODRIGUES, 2015MADEIRA, Lígia Mori; RODRIGUES, Alexandre Ben. “Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011”. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, vol. 49, n. 1, pp. 3-21, 2015. DOI: 10.1590/0034-76121702.
https://doi.org/10.1590/0034-76121702....
, pp. 11-13). O programa representou um avanço na medida em que reconhecia a violência como fenômeno multifatorial e buscava soluções preventivas. Sinalizou, portanto, uma mudança no paradigma de políticas de segurança pública, inclusive com consequências para o direcionamento de verbas do Ministério de Justiça, deslocadas de projetos repressivos para projetos de prevenção, e benefícios para a capilaridade e capacidade de indução federal (SÁ E SILVA, 2012SÁ E SILVA, Fabio De. “‘Nem isto, nem aquilo’: Trajetória e características da política nacional de segurança pública (2000-2012)”. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, vol. 6, n. 2, pp. 412-432, 2012., pp. 420-421). No entanto, teve resultados fragmentados, enfrentando problemas quanto à adesão efetiva à programática, disputas ideológicas internas e falta de mecanismos de monitoramento dos projetos implementados6
6
Para análise mais detalhada dos problemas identificados pela literatura quanto à estruturação e ao funcionamento do Pronasci, como a ausência de mecanismos de participação social, a não garantia de verbas para o futuro dos projetos e a distorção dos focos do programa em resposta a interesses políticos locais, ver Madeira e Rodrigues (2015) e Sá e Silva (2012).
(AZEVEDO; CIFALI, 2015AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CIFALI, Ana Cláudia. “Política criminal e encarceramento no Brasil nos governos Lula e Dilma: Elementos para um balanço de uma experiência de governo pós-neoliberal”. Civitas, Porto Alegre, vol. 15, n. 1, pp. 105-127, 2015. DOI: 10.15448/1984-7289.2015.1.19940.
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2015....
, p. 122).
Enquanto isso, a promoção de reformas estruturais nas polícias não foi tematizada no segundo mandato de Lula (AZEVEDO; CIFALI, 2015AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CIFALI, Ana Cláudia. “Política criminal e encarceramento no Brasil nos governos Lula e Dilma: Elementos para um balanço de uma experiência de governo pós-neoliberal”. Civitas, Porto Alegre, vol. 15, n. 1, pp. 105-127, 2015. DOI: 10.15448/1984-7289.2015.1.19940.
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2015....
; MADEIRA; RODRIGUES, 2015MADEIRA, Lígia Mori; RODRIGUES, Alexandre Ben. “Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011”. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, vol. 49, n. 1, pp. 3-21, 2015. DOI: 10.1590/0034-76121702.
https://doi.org/10.1590/0034-76121702....
), quando se desistiu da proposta de normatização do Susp (SOARES, 2007SOARES, Luiz Eduardo. A política nacional de segurança pública: Histórico, dilemas e perspectivas. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 21, n. 61, pp. 77-97, 2007. DOI: 10.1590/s0103-40142007000300006.
https://doi.org/10.1590/s0103-4014200700...
, p. 94). Essa continuidade estrutural, junto com a intensificação da política de guerra às drogas, contribuiu para limitar o alcance do Pronasci (SOUZA; BATTIBUGLI, 2014SOUZA, Luís Antonio Francisco de; BATTIBUGLI, Thaís. “O difícil caminho da reforma: A polícia e os limites do processo de reforma pós-redemocratização”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 2, pp. 293-319, 2014.; MARTINS, 2021MARTINS, Carla Benitez. “Permanências estruturais e ausência de rupturas na política criminal e de segurança nos governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2016)”. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, vol. 12, n. 1, pp. 548-579, 2021. DOI: 10.1590/2179-8966/2020/57154.
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).
Em suma, apesar de a segurança pública ter ocupado espaço importante na agenda política e no orçamento da União entre 2003 e 2009 (SOUZA; BATTIBUGLI, 2014SOUZA, Luís Antonio Francisco de; BATTIBUGLI, Thaís. “O difícil caminho da reforma: A polícia e os limites do processo de reforma pós-redemocratização”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 2, pp. 293-319, 2014., p. 300), houve relativa continuidade com relação à gestão FHC. O Executivo federal manteve postura contraditória durante as duas presidências: avançou-se em termos de planejamento sistemático e coordenação de iniciativas estaduais, mas omitiu-se quanto a reformas estruturais (SOARES, 2007SOARES, Luiz Eduardo. A política nacional de segurança pública: Histórico, dilemas e perspectivas. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 21, n. 61, pp. 77-97, 2007. DOI: 10.1590/s0103-40142007000300006.
https://doi.org/10.1590/s0103-4014200700...
, p. 92). O período foi, assim, marcado pela ausência de rupturas, o que favoreceu um aprofundamento da militarização do policiamento durante o governo Dilma Rousseff (2011-2016) (MARTINS, 2021MARTINS, Carla Benitez. “Permanências estruturais e ausência de rupturas na política criminal e de segurança nos governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2016)”. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, vol. 12, n. 1, pp. 548-579, 2021. DOI: 10.1590/2179-8966/2020/57154.
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, p. 569).
Durante a gestão de Dilma, a segurança pública foi, em um primeiro momento, secundarizada. Optou-se por deixar a maior parte da responsabilidade com os estados. Quanto ao governo federal, este atuaria, de modo estratégico, no combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas, bem como no sistema prisional e na segurança de grandes eventos. O principal projeto foi o Brasil Mais Seguro, que investia em inteligência policial e tecnologia, apoiando principalmente as corporações civis (SÁ E SILVA, 2017SÁ E SILVA, Fabio de. “Barcos contra a corrente: A política nacional de segurança pública de Dilma Rousseff a Michel Temer”. Boletim de Análise Político-Institucional, Brasília, DF, n. 11, pp. 17-27, 2017.). Programas de prevenção, bem como as ideias de municipalização e participação popular, receberam menos atenção no período,7
7
Cumpre mencionar o desenvolvimento, em 2012, do primeiro Plano Nacional de Prevenção à Violência contra Juventude Negra, o Plano Juventude Viva. Embora tenha ocorrido no âmbito do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, sobretudo por meio da Secretaria da Juventude e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, o projeto é relevante para a segurança pública por reunir ações que buscavam reduzir a mortalidade de jovens negros por homicídios através de inclusão social.
e o Pronasci teve seus recursos reduzidos (MARTINS, 2021MARTINS, Carla Benitez. “Permanências estruturais e ausência de rupturas na política criminal e de segurança nos governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2016)”. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, vol. 12, n. 1, pp. 548-579, 2021. DOI: 10.1590/2179-8966/2020/57154.
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, pp. 573-574).
A campanha de reeleição da presidenta valorizou as medidas implementadas para a Copa do Mundo de 2014, a preparação para as Olimpíadas de 2016 e a proposta dos Centros Integrados de Comando e Controle (AZEVEDO; CIFALI, 2015AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CIFALI, Ana Cláudia. “Política criminal e encarceramento no Brasil nos governos Lula e Dilma: Elementos para um balanço de uma experiência de governo pós-neoliberal”. Civitas, Porto Alegre, vol. 15, n. 1, pp. 105-127, 2015. DOI: 10.15448/1984-7289.2015.1.19940.
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, p. 122). Contudo, embora as medidas tenham sido avaliadas pelo governo como um “sucesso”, as estratégias e os equipamentos de policiamento importados para os megaeventos esportivos foram incorporadas ao repertório de policiamento autoritário rotineiramente mobilizado contra parte da população (MACHADO; MACIEL; SOUZA, 2021MACHADO, Marta Rodriguez de Assis; MACIEL, Débora A.; SOUZA, Rafael de. “Intertwining Public Security Policy and Protest Control in Brazil: Sports Mega-Events and International Diffusion of Repression”. Latin American Law Review, Bogotá, n. 7, pp. 81-100, 2021. DOI: 10.29263/lar07.2021.06.
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). Ainda, a dinâmica de segurança pública criada resultou em uma maior interação entre polícias e Forças Armadas, com consequente intensificação do abandono de pautas reformistas. O contexto relativizou limites entre segurança pública e nacional, reforçando a lógica política de não questionar a militarização ou a ausência de controle civil das PMs (MARTINS, 2021MARTINS, Carla Benitez. “Permanências estruturais e ausência de rupturas na política criminal e de segurança nos governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2016)”. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, vol. 12, n. 1, pp. 548-579, 2021. DOI: 10.1590/2179-8966/2020/57154.
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).
Essa tendência se manifestou também nos estados, notavelmente por meio das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio de Janeiro. O projeto foi desenvolvido no âmbito da PMERJ e iniciado entre 2008 e 2009,8
8
Quando ocorreu a “pacificação” e subsequente instalação de postos de policiamento nas comunidades Dona Marta, Cidade de Deus e Batan.
durante o governo Lula. Contou inclusive com apoio do Pronasci (MADEIRA; RODRIGUES, 2015MADEIRA, Lígia Mori; RODRIGUES, Alexandre Ben. “Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011”. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, vol. 49, n. 1, pp. 3-21, 2015. DOI: 10.1590/0034-76121702.
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, p. 17; SÁ E SILVA, 2012SÁ E SILVA, Fabio De. “‘Nem isto, nem aquilo’: Trajetória e características da política nacional de segurança pública (2000-2012)”. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, vol. 6, n. 2, pp. 412-432, 2012., p. 419). Porém, o número de UPPs foi significativamente expandido entre 2010 e 2014 (MORAES; MARIANO; FRANCO, 2015MORAES, Joysi; MARIANO, Sandra R. H.; FRANCO, Andrea Marinho de Souza. “Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro: Uma história a partir das percepções e reflexões do gestor responsável por sua implantação”. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, vol. 49, n. 2, pp. 493-518, 2015.), já em um contexto no qual a cidade do Rio de Janeiro se preparava para receber megaeventos esportivos da Copa do Mundo em 2014 e das Olímpiadas em 2016 (BATISTA, 2011BATISTA, Vera Malguati. “O alemão é muito mais complexo”. Revista Justiça e Sistema Criminal, Curitiba, vol. 3, n. 5, pp. 103-125, 2011., p. 105; VALENTE, 2014VALENTE, Júlia Leite. “UPPs: Observações sobre a gestão militarizada de territórios desiguais”. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 9, pp. 207-225, 2014. DOI: 10.12957/dep.2014.8590.
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, pp. 222-223).
O projeto das UPPs propunha “retomar” comunidades controladas pelo tráfico de drogas e instituir nelas um policiamento de viés comunitário. Esse seria exercido por policiais militares treinados de forma diferenciada e estaria vinculado ao oferecimento de serviços sociais, a “UPP Social” (MORAES; MARIANO; FRANCO, 2015MORAES, Joysi; MARIANO, Sandra R. H.; FRANCO, Andrea Marinho de Souza. “Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro: Uma história a partir das percepções e reflexões do gestor responsável por sua implantação”. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, vol. 49, n. 2, pp. 493-518, 2015.). Contudo, as UPPs não mudaram a lógica da ação policial nas favelas, e a UPP Social nunca se concretizou. Sua implementação foi inicialmente seguida de uma queda de letalidade nas comunidades beneficiadas, mas, poucos anos depois, se intensificaram os relatos de violência, intimidação e arbitrariedade contra moradores desses locais (FRANCO, 2016; LEITE, 2012LEITE, Márcia Pereira. “Da ‘metáfora da guerra’ ao projeto de ‘pacificação’: Favelas e políticas de segurança pública no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, vol. 2, n. 11, pp. 374-388, 2012.; MISSE, 2014MISSE, Daniel Ganem. “Cinco anos de UPP: Um breve balanço”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 3, pp. 675-700, 2014.). O diagnóstico é que o projeto não lidou de forma suficiente com o éthos bélico e a seletividade racial presentes na PMERJ (MACHADO, 2020MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. As Unidades de Polícia Pacificadora e a segurança pública no Rio de Janeiro: A bypass de quê? Journal of Institutional Studies, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 3, pp. 1486-1499, 2020.). Outra crítica às UPPs diz respeito ao seu uso para promover o controle social em áreas de interesse turístico, o que gerou questionamentos sobre o verdadeiro foco da iniciativa (BATISTA, 2011BATISTA, Vera Malguati. “O alemão é muito mais complexo”. Revista Justiça e Sistema Criminal, Curitiba, vol. 3, n. 5, pp. 103-125, 2011.; VALENTE, 2014VALENTE, Júlia Leite. “UPPs: Observações sobre a gestão militarizada de territórios desiguais”. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 9, pp. 207-225, 2014. DOI: 10.12957/dep.2014.8590.
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).
Entre 2014 e 2016, o governo federal cogitou lançar o Pacto Nacional pela Redução de Homicídios. O projeto seria liderado pela Senasp e pelo Ministério da Justiça, contando, ainda, com apoio institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Contudo, o plano acabou “caminhando em direção errática, repetindo a antiga fórmula de uma cartela de projetos (como sempre, muito numerosos e não necessariamente articulados uns aos outros) a serem apresentados aos estados e municípios” (SÁ E SILVA, 2017SÁ E SILVA, Fabio de. “Barcos contra a corrente: A política nacional de segurança pública de Dilma Rousseff a Michel Temer”. Boletim de Análise Político-Institucional, Brasília, DF, n. 11, pp. 17-27, 2017., p. 23). Nesse sentido, Sá e Silva (2017SÁ E SILVA, Fabio de. “Barcos contra a corrente: A política nacional de segurança pública de Dilma Rousseff a Michel Temer”. Boletim de Análise Político-Institucional, Brasília, DF, n. 11, pp. 17-27, 2017.) nota que a cartilha do pacto incluía, ao lado de projetos de inovação, propostas tradicionais de aparelhamento e valorização do policiamento ostensivo.
Talvez como reação a essa intensificação da militarização da segurança pública, o governo Dilma também foi marcado por novas discussões sobre a reforma estrutural das polícias no Congresso Nacional. As demandas por mudanças na segurança pública ganharam força com a violenta repressão aos protestos de 2013 (LIMA; BUENO; MINGARDI, 2016LIMA, Renato Sérgio de; BUENO, Samira; MINGARDI, Guaracy. “Estado, polícias e segurança pública no Brasil”. Revista Direito GV, São Paulo, vol. 12, n. 1, pp. 49-85, 2016. DOI: 10.1590/2317-6172201603.
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, p. 50), sendo canalizadas sob o mote da desmilitarização das polícias. Nesse contexto, apresentou-se no Senado Federal a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 51/2013, considerada por estudiosos como a mais ampla e completa tentativa de reforma das polícias (AZEVEDO; NASCIMENTO, 2016AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; NASCIMENTO, Andrea Ana do. “Desafios da reforma das polícias no Brasil: Permanência autoritária e perspectivas de mudança”. Civitas, Porto Alegre, vol. 16, n. 4, pp. 653-672, 2016.; OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2020OLIVEIRA, Márcio Luís de; OLIVEIRA, Edson Rodrigues de. “A desmilitarização e a unificação das instituições militares estaduais e a Polícia Civil no Brasil: Reflexos na segurança pública estadual”. Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, vol. 12, n. 1, pp. 51-94, 2020.).
Elaborada com participação de Luiz Eduardo Soares, a PEC nº 51/2013 previa a instituição do ciclo completo e carreiras únicas em todas as polícias, a desvinculação das PMs das Forças Armadas, a criação obrigatória de ouvidorias externas e a possibilidade de municipalização. Os estados teriam autonomia para organizar suas polícias, desde que dentro dessas diretrizes gerais (AZEVEDO; NASCIMENTO, 2016AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; NASCIMENTO, Andrea Ana do. “Desafios da reforma das polícias no Brasil: Permanência autoritária e perspectivas de mudança”. Civitas, Porto Alegre, vol. 16, n. 4, pp. 653-672, 2016., pp. 663-664). A proposta foi respaldada, em 2014, pelo relatório da Comissão Nacional da Verdade, que coloca a existência de polícias militarizadas como uma “anomalia”.
A PEC nº 430/2009, de iniciativa da Câmara dos Deputados, trazia medidas semelhantes, mas era menos detalhada. Em paralelo, discutiu-se a unificação e desmilitarização das polícias em caráter opcional (PEC nº 102/2011) e a instituição do ciclo completo nas PMs sem desmilitarizá-las (PEC nº 431/2014). O ano de 2015, em especial, aparece como um marco no debate legislativo devido à realização de diversas audiências públicas e seminários sobre reformas na segurança pública (BEATO FILHO; RIBEIRO, 2016BEATO FILHO, Cláudio; RIBEIRO, Ludmila. “Discutindo a reforma das polícias no Brasil”. Civitas, Porto Alegre, vol. 16, n. 4, pp. 174, 2016., p. 175). Contudo, nenhuma das propostas debatidas nesse período chegou à aprovação.
Para Lima (2022LIMA, Renato Sérgio de. “Como funciona a segurança pública no Brasil”. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ano 16, 2022., pp. 15-16), isso decorreu da ausência de pressão do governo federal quanto à pauta de reformas da polícia. Avalia-se que, caso a segurança pública fosse uma prioridade para o Executivo federal, este poderia alterar a composição de forças no Congresso, sobrepondo-se aos conflitos corporativos e políticos que travam a tramitação de propostas de reforma da polícia (SOARES, 2007SOARES, Luiz Eduardo. A política nacional de segurança pública: Histórico, dilemas e perspectivas. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 21, n. 61, pp. 77-97, 2007. DOI: 10.1590/s0103-40142007000300006.
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, p. 85). No entanto, a agenda não foi priorizada por nenhuma Presidência da República entre os anos 1990 e 2018.
Os mecanismos sociopolíticos responsáveis pela inércia institucional descrita acima e pela consequente continuidade de um policiamento violento e autoritário no Brasil democrático são objeto de estudo em diversas áreas das ciências sociais. A seguir, analisam-se as diferentes explicações teóricas produzidas a esse respeito.
Discussões teóricas sobre a dificuldade de reformar as PMs
As análises existentes sobre porque é tão difícil reformar as PMs estão aqui sistematizadas de acordo com afinidades teóricas percebidas entre seus conteúdos. Muitos trabalhos abordam as dificuldades de reformar as polícias como um todo, sem distinguir entre as PMs, as polícias civis e demais corporações. Nesses casos, este texto destaca os aspectos da teorização que são mais relevantes para a problemática das PMs.
A primeira subseção explora explicações que dialogam com a sociologia da violência, e/ou com os “estudos policiais”, campo multidisciplinar destinado a desenvolver uma ciência social especializada na profissão policial (MUNIZ; CARUSO; FREITAS, 2018MUNIZ, Jacqueline de Oliveira; CARUSO, Haydée; FREITAS, Felipe. “Os estudos policiais nas ciências sociais: Um balanço sobre a produção brasileira a partir dos anos 2000”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais (BIB), São Paulo, vol. 84, pp. 148-187, 2018. DOI: 10.17666/bib8405/2018.
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; VASCONCELOS, 2011VASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha. “A polícia à luz da sociologia da violência: ‘Policiólogos’ entre a crítica e a intervenção”. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, vol. 9, pp. 72-86, ago./set. 2011.). Dessa forma, esta subseção aborda campos de estudo mais formalizados, nos quais há uma filiação explícita à escola de pensamento.
A segunda subseção, por outro lado, reúne estudos baseados em conceitos e discussões do neoinstitucionalismo, corrente da ciência política que foca em como regras formais e informais conformam resultados políticos (HALL; TAYLOR, 1996HALL, Peter A.; TAYLOR, Rosemary C. R. “Political Science and the Three New Institutionalisms”. Political Studies, Thousand Oaks, CA, vol. 44, n. 5, pp. 936-957, 1996.). Essa classificação abrange trabalhos de diferentes gêneses acadêmicas, inclusive alguns cujos autores são identificados com o campo da sociologia da violência (COSTA, 2004bCOSTA, Arthur Trindade Maranhão. Entre a lei e a ordem: Violência e reforma nas polícias do Rio de Janeiro e Nova York. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004b.; SOARES, 2007SOARES, Luiz Eduardo. A política nacional de segurança pública: Histórico, dilemas e perspectivas. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 21, n. 61, pp. 77-97, 2007. DOI: 10.1590/s0103-40142007000300006.
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). Embora isso tenha sido levado em consideração, a revisão crítica dos artigos avaliou que sua base conceitual e suas proposições teóricas os aproximam do referencial neoinstitucionalista, motivo pelo qual optou-se por inclui-los nessa segunda classificação.
Reconhece-se também que muitos dos trabalhos analisados combinam abordagens da sociologia da violência/estudos policiais e abordagens neoinstitucionalistas. Nesse sentido, a categorização das contribuições buscou atentar para a ênfase relativa que seus autores conferem a cada marco teórico, sem prejuízo de que tenham se utilizado de ambos. É importante considerar, ainda, que a maior parte dos trabalhos inclui, como ponto de partida para suas teorizações, considerações valorativas sobre como se deve reformar a polícia.
Sociologia da violência e estudos policiais
Na sociologia da violência e em campos relacionados, como a criminologia crítica ou a justiça de transição, uma parte relevante das pesquisas sobre a dificuldade de promover reformas da polícia enfatiza o papel de heranças autoritárias na história do país. Ressaltam a gênese ditatorial do modelo atual das polícias brasileiras e a ausência de medidas de justiça de transição à época da redemocratização (ALVAREZ; SALLA; SOUZA, 2004ALVAREZ, Marcos César; SALLA, Fernando; SOUZA, Luís Antonio Francisco de. Políticas de segurança pública em São Paulo: Uma perspectiva histórica. São Paulo: NEV-USP, 2004.; ASSIS, 2020ASSIS, Emerson Francisco. “Justiça de transição e violência policial: Reflexões críticas sobre a segurança pública no Brasil”. Revista de Direitos Humanos e Efetividade, Florianópolis, vol. 4, n. 1, pp. 1-20, 2020.; AZEVEDO; NASCIMENTO, 2016AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; NASCIMENTO, Andrea Ana do. “Desafios da reforma das polícias no Brasil: Permanência autoritária e perspectivas de mudança”. Civitas, Porto Alegre, vol. 16, n. 4, pp. 653-672, 2016.; MACAULAY, 2012MACAULAY, Fiona. “Cycles of Police Reform in Latin America”. In: FRANCIS, David J. (ed.). Policing in Africa. New York: Palgrave Med, 2012. pp. 165-190. DOI: 10.1057/9781137010582.
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; PINHEIRO, 1997PINHEIRO, Paulo Sérgio. “Violência, crime e sistemas policiais em países de novas democracias”. Tempo Social, São Paulo, vol. 9, n. 1, pp. 43-52, 1997.). A continuidade de uma cultura institucional antidemocrática é considerada responsável, de um lado, por lobbies e sabotagens que inviabilizam reformas estruturais (MACAULAY, 2012, p. 177) e, de outro lado, pela dificuldade de assimilar os programas de policiamento alternativo ou formações em direitos humanos que têm caracterizado os esforços incrementais (ALBUQUERQUE; PAES-MACHADO, 2004ALBUQUERQUE, Carlos Linhares de; PAES-MACHADO, Eduardo. “The Hazing Machine: The Shaping of Brazilian Military Police Recruits”. Policing and Society, London, vol. 14, n. 2, pp. 175-192, 2004.; AZEVEDO; NASCIMENTO, 2016, p. 660).
Em paralelo, o autoritarismo social - ou, nos termos de Pinheiro (1991PINHEIRO, Paulo Sérgio. “Autoritarismo e transição”. Revista USP, São Paulo, n. 9, pp. 45-56, 1991.), o autoritarismo socialmente implantado - também é citado como um fator para a manutenção de práticas policiais violentas na democracia brasileira (ADORNO, 1998ADORNO, Sérgio. “Consolidação democrática e políticas de segurança no Brasil: rupturas e continuidades”. In: ZAVERUCHA, Jorge (org.). Democracia e instituições políticas brasileiras no final do século XX. Recife: Bagaço, 1998., 1999; CALDEIRA, 2002CALDEIRA, Teresa P. R. “The Paradox of Police Violence in Democratic Brazil”. Ethnography, Thousand Oaks, CA, vol. 3, n. 3, pp. 235-263, 2002.; PINHEIRO, 1997PINHEIRO, Paulo Sérgio. “Violência, crime e sistemas policiais em países de novas democracias”. Tempo Social, São Paulo, vol. 9, n. 1, pp. 43-52, 1997., 2001). Sustenta-se que a ausência de um consenso público sobre como se deve conduzir a segurança pública cria constrangimentos adicionais para os processos políticos de reforma da polícia, já complicados pela necessidade de negociar com os interesses corporativos e alinhar lideranças locais, estaduais e nacionais (ADORNO, 1999, pp. 134-135). Nesse contexto, a mobilização de grupos conservadores e sua capacidade de reforçar percepções coletivas de que uma polícia violenta é necessária para combater a criminalidade impede mudanças nas corporações. Tal conjuntura “constrangedora” de reformas se mantém mesmo quando governos comprometidos com a pauta dos direitos humanos estão em situação política confortável para avançar as propostas de reformas (ADORNO, 2003, p. 128).
A permanência de grupos de “lei e ordem” e a permeabilidade da sociedade brasileira aos seus argumentos é, por sua vez, relacionada ao processo histórico de formação da sociedade brasileira: por ser baseado na escravidão como modo de produção, não teria promovido uma adequada universalização de direitos de cidadania (ADORNO, 1998ADORNO, Sérgio. “Consolidação democrática e políticas de segurança no Brasil: rupturas e continuidades”. In: ZAVERUCHA, Jorge (org.). Democracia e instituições políticas brasileiras no final do século XX. Recife: Bagaço, 1998.; PINHEIRO, 2001PINHEIRO, Paulo Sérgio. “Transição política e não estado de direito na República”. In: SACHS, Ignacy; WILHEIM, Jorge; PINHEIRO, Paulo Sérgio. (org.). Brasil: Um século de transformações. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. pp. 260-305.). O diagnóstico é que, como consequência disso, “as forças comprometidas com os avanços democráticos ainda não conseguiram superar as forças comprometidas com o passado” (ALVAREZ; SALLA; SOUZA, 2004ALVAREZ, Marcos César; SALLA, Fernando; SOUZA, Luís Antonio Francisco de. Políticas de segurança pública em São Paulo: Uma perspectiva histórica. São Paulo: NEV-USP, 2004., p. 16). Nessa formulação, a ideia de passado se refere não só à experiência recente da Ditadura Militar de 1964, mas também à história brasileira como um todo, marcada por diversas formas de controle social sobre as populações marginalizadas, como “isolamento, segregação, preconceito, carência de direitos, injustiças sociais, opressão, agressões às liberdades civis e públicas” (ALVAREZ; SALLA; SOUZA, 2004, pp. 17-18). Essa linha de estudos destaca, portanto, a importância em analisar historicamente as políticas de segurança pública brasileiras para compreender os obstáculos para se promover reformas no cenário atual.
É importante destacar que a sociologia da violência exerce certa hegemonia acadêmica no debate científico sobre segurança pública e direitos humanos no Brasil. Isso decorre, ao menos em parte, do fato de seus fundadores - em sua maioria homens brancos do eixo Rio-São Paulo, formados intelectualmente em meio à repressão e as violações da Ditadura - terem buscado construí-lo como um campo de ciência aplicada às políticas públicas no contexto de abertura democrática. De forma correlata, muitos desses pesquisadores ocuparam cargos políticos no Poder Executivo e/ou se mantiveram próximos ao poder estatal desde 1988 (RAMOS, 2017RAMOS, Paulo Cesar. “A formação do campo de estudos da violência no Brasil: Estrutura e habitus nas ciências sociais da Nova República”. Saberes em Perspectiva, Jequiezinho, BA, vol. 7, n. 17, pp. 95-117, 2017., pp. 102-103). Esses fatores contribuíram para uma “concentração institucional” e uma “tensão entre o campo do conhecimento e o campo da política pública” (RAMOS, 2017, p. 109), que é por vezes problematizada por excluir outras perspectivas teóricas, como as que questionam o próprio pressuposto de que seria viável promover reformas no aparato policial.9 9 Em pesquisa de opinião sobre o sistema de segurança pública desenvolvida pela Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJR), 71% dos entrevistados responderam “sim” à questão sobre se seria possível fomentar o debate de fim das polícias no Brasil. A IDMJR, que têm desenvolvido diversos trabalhos e investigações na linha do abolicionismo penal, argumenta que o dado contraria o que é colocado “pelas mídias hegemônicas, intelectuais/pensadores da branquitude e lideranças partidárias” mostrando que a população considera importante o debate sobre abolição das polícias (IDMJR, 2021, p. 13).
Como uma forma de crítica a essa perspectiva dominante, ao final dos anos 1990, cientistas sociais interessados diretamente na polícia brasileira - e não nas dinâmicas políticas ou sociais que ela integra - propuseram tratar os estudos policiais como campo próprio do conhecimento. Reivindicava-se, nesse sentido, o desenvolvimento de uma ciência social da polícia. Essa seria uma disciplina dedicada exclusivamente a teorizar sobre os problemas verificados no interior das corporações policiais e desenvolver metodologias próprias para seu estudo. Se oporia, assim, à prática de uma ciência social aplicada à polícia, na qual metodologias sociológicas e antropológicas são utilizadas para analisar as polícias em serviço de agendas políticas ou acadêmicas (MUNIZ; CARUSO; FREITAS, 2018MUNIZ, Jacqueline de Oliveira; CARUSO, Haydée; FREITAS, Felipe. “Os estudos policiais nas ciências sociais: Um balanço sobre a produção brasileira a partir dos anos 2000”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais (BIB), São Paulo, vol. 84, pp. 148-187, 2018. DOI: 10.17666/bib8405/2018.
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). Destacam-se, nessa abordagem, a discussão sobre o mandato policial e a discricionariedade para tomar decisões que ele implica (MUNIZ; SILVA, 2010).
A partir daí, os autores entendem que o problema das reformas das PMs está nas táticas adotadas até aqui. O mais adequado seria desenvolver mecanismos de controle interno e de natureza informal. Defendem-se, nesse sentido, movimentos em direção a uma governança democrática de polícia, isto é, um conjunto de instâncias autorizativas e mecanismos de controle que permitam definir os sentidos e as práticas do trabalho policial legítimo e legal (PROENÇA JÚNIOR; MUNIZ; PONCIONI, 2009PROENÇA JÚNIOR, Domício; MUNIZ, Jacqueline de Oliveira; PONCIONI, Paula. “Da governança de polícia à governança policial: Controlar para saber; saber para governar”. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, vol. 2, n. 5, pp. 14-50, 2009., p. 24). Desse modo, apontam-se as limitações das mudanças implementadas “de cima para baixo”, sejam elas incrementais ou estruturais (MUNIZ; PROENÇA JÚNIOR, 1997; PROENÇA JÚNIOR; MUNIZ; PONCIONI, 2009). Pelas mesmas razões, também há uma crítica importante à agenda da segurança cidadã (MESQUITA NETO, 1999MESQUITA NETO, Paulo. “Violência policial no Brasil: Abordagens teóricas e práticas de controle”. In: PANDOLFI, Dulce Chaves; CARVALHO, José Murilo de (org.). Cidadania, justiça e violência. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999. pp. 130-148., 2004; MUNIZ; PROENÇA JÚNIOR, 1997), em contraponto à produção internacional e seu otimismo com o policiamento comunitário (BAYLEY; SKOLNICK, 1988BAYLEY, David H.; SKOLNICK, Jerome H. “Theme and Variation in Community Policing”. Crime and Justice, London, vol. 10, pp. 1-37, 1988.; GOLDSTEIN, 1977GOLDSTEIN, Herman. Policing a Free Society. Cambridge: Ballinger, 1977.).
Os trabalhos vinculados ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) - think tank de destaque na produção de dados sobre as polícias brasileiras - parecem se situar entre a sociologia da violência e os estudos policiais. De um lado, os pesquisadores FBSP têm fortes laços formativos com a sociologia da violência e têm dado seguimento ao papel desse campo de mediar o debate acadêmico e público. De outro, incorporam algumas perspectivas mais críticas sobre as políticas de segurança pública que são características dos estudos policiais. Além disso, o Fórum tem como diretriz institucional a inclusão das categorias policiais em seus debates e representação de seu posicionamento em seus produtos.
Tal como as análises sociológicas, os artigos publicados por pesquisadores do FBSP consideram que a redemocratização requeria uma agenda de reformas que adequasse a segurança pública ao novo regime. A não realização das mudanças necessárias criou “zonas cinzentas” que favoreceram a continuidade de práticas autoritárias (LIMA; BUENO; MINGARDI, 2016LIMA, Renato Sérgio de; BUENO, Samira; MINGARDI, Guaracy. “Estado, polícias e segurança pública no Brasil”. Revista Direito GV, São Paulo, vol. 12, n. 1, pp. 49-85, 2016. DOI: 10.1590/2317-6172201603.
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, p. 50). Em especial, destaca-se que a CF de 1988 não enfrentou (i) problemas históricos relacionados à divisão de competências federativas na matéria de segurança pública e (ii) o modelo de polícia bipartido entre instituições civis e militares, criado pela Ditadura de 1964. Nos anos 1990, a conjuntura de escalada da violência urbana polarizou o tema e desfavoreceu reformas da polícia que corrigissem esses “erros”, tendo prevalecido medidas emergenciais de endurecimento penal (LIMA; BUENO; MINGARDI, 2016, pp. 57-58).
Assim, Lima, Bueno e Mingardi (2016LIMA, Renato Sérgio de; BUENO, Samira; MINGARDI, Guaracy. “Estado, polícias e segurança pública no Brasil”. Revista Direito GV, São Paulo, vol. 12, n. 1, pp. 49-85, 2016. DOI: 10.1590/2317-6172201603.
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, p. 64) pontuam que a ausência de reformas estruturais democráticas nas PMs se relaciona com “uma enorme dificuldade da sociedade brasileira de se desvencilhar de suas históricas estruturas autoritárias”. Esse aspecto é observado nas ações e prioridades do Legislativo e do Executivo federais. Nas décadas de 2000 e 2010, o Congresso Nacional manteve o enfoque dos anos 1990, priorizando projetos que criavam crimes ou agravavam penas. Enquanto isso, demandas corporativas conflitantes criaram um “jogo de soma zero” na pauta de reformas da segurança pública, no qual cada categoria profissional da polícia veta projetos legislativos de interesse das outras corporações. No caso das PMs, essa dinâmica se repete entre as categorias internas (praças e oficiais), havendo também conflitos com os comandantes gerais de cada estado (LIMA, 2022LIMA, Renato Sérgio de. “Como funciona a segurança pública no Brasil”. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ano 16, 2022.).
No Executivo, o governo federal preferiu renunciar ao exercício da liderança no tema. Diante da necessidade de apresentar soluções aos problemas da criminalidade e da violência policial, os governadores estaduais - diretamente responsáveis pelas pautas - recorreram à realização de reformas incrementais, única opção que estava em sua alçada (LIMA, 2022LIMA, Renato Sérgio de. “Como funciona a segurança pública no Brasil”. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ano 16, 2022., pp. 14-15). A avaliação é que a ausência de reformas estruturais nos marcos normativos e a arquitetura institucional da segurança pública limitaram o alcance dessas reformas incrementais. Isso porque elas acabam sendo lastreadas apenas na vontade política do gestor que as implementa. Assim, elas estão constantemente submetidas a riscos de descontinuidade e geram apenas ganhos pontuais (LIMA; BUENO; MINGARDI, 2016, pp. 65-66).
As análises vinculadas ao FBSP também se aproximam da noção de governança de polícia desenvolvida no âmbito dos estudos policiais, os quais insistem que eventuais reformas estruturais devem ser acompanhadas de medidas incrementais que dialoguem com as redes e os saberes informais no interior das corporações policiais. Seus diagnósticos conferem destaque a projetos de formação profissional devido ao seu potencial de se vincular a interesses corporativos de melhoria de condições de trabalho. Avaliam que caberia, assim, considerar as disputas políticas que existem hoje no interior das polícias brasileiras e como estas podem vetar ou fomentar a adesão às mudanças (LIMA; BUENO; MINGARDI, 2016LIMA, Renato Sérgio de; BUENO, Samira; MINGARDI, Guaracy. “Estado, polícias e segurança pública no Brasil”. Revista Direito GV, São Paulo, vol. 12, n. 1, pp. 49-85, 2016. DOI: 10.1590/2317-6172201603.
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, pp. 59-60).
Simultaneamente, seria preciso organizar as normativas e regulações aplicáveis ao policiamento. Para isso, Lima (2019LIMA, Renato Sérgio de. “Segurança pública como simulacro de democracia no Brasil”. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 33, n. 2000, pp. 69-90, 2019. DOI: 10.1590/s0103-4014.2019.3396.000.
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) propõe o desenvolvimento de uma governança em segurança pública por meio de mecanismos de coordenação federativa que permitam uma implementação coerente das políticas de segurança pública em todo o território nacional, reduzam a incerteza legal sobre as funções das polícias (frequentemente resolvida na prática cotidiana dos agentes) e evitem conflitos de competência quanto à gestão do tema.
Neoinstitucionalismo
O neoinstitucionalismo é um conjunto de teorias desenvolvidas no âmbito da ciência política e que propõe, como reação ao enfoque behaviorista dos anos 1970, analisar fenômenos políticos e sociais a partir da premissa de que instituições importam (HALL; TAYLOR, 1996HALL, Peter A.; TAYLOR, Rosemary C. R. “Political Science and the Three New Institutionalisms”. Political Studies, Thousand Oaks, CA, vol. 44, n. 5, pp. 936-957, 1996.). Segundo essas teorias, instituições são conjuntos de regras formais e informais que orientam o comportamento dos atores quanto a uma determinada atividade, condicionando as ações que tomam para atingir seus objetivos (HELMKE; LEVITSKY, 2006HELMKE, Grace; LEVITSKY, Steven. “Introduction”. In: HELMKE, Grace; LEVITSKY, Steven (ed.). Informal Institutions and Democracy: Lessons from Latin America. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2006. pp. 1-30.).
Essa perspectiva tem influenciado parte das discussões contemporâneas sobre reforma e mudança institucional (PRADO; TREBILCOCK, 2009PRADO, Mariana Mota; TREBILCOCK, Michael. “Path Dependence, Development, and the Dynamics of Institutional Reform”. University of Toronto Law Journal, Toronto, vol. 59, n. 3, pp. 341-380, 2009. DOI: 10.3138/utlj.59.3.341.
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, pp. 342-343). Assim, embora as análises aqui reunidas não sejam todas explicitamente filiadas ao neoinstitucionalismo, elas compartilham um interesse pelas regras (explícitas ou implícitas) dos processos político-eleitorais brasileiros e a forma como estas dificultam a reforma das PMs. Além disso, o papel dos interesses corporativos policiais em moldar a resistência às reformas recebe maior destaque com relação às heranças autoritárias do que nas outras abordagens.
Um primeiro exemplo é o estudo de Beato Filho e Ribeiro (2016) sobre qual seria o melhor caminho para reformar as polícias do Brasil. Descrito pelos autores como uma “análise dos limites e [das] possibilidades do que chamamos de processo de mudança” (BEATO FILHO; RIBEIRO, 2016BEATO FILHO, Cláudio; RIBEIRO, Ludmila. “Discutindo a reforma das polícias no Brasil”. Civitas, Porto Alegre, vol. 16, n. 4, pp. 174, 2016., p. 177), o artigo discute as alternativas possíveis para uma reforma da polícia, bem como o alcance e os custos políticos de cada opção. Aponta que reformas estruturais são muito custosas em razão da resistência de lobbies corporativistas. Isso é reforçado no caso de propostas que prescrevem a extinção de alguma das forças policiais existentes, como é o caso de projetos de desmilitarização. Os autores avaliam que tal situação decorre, ao menos em parte, da falta de discussões aprofundadas sobre o destino de profissionais e organizações associadas ao velho arranjo. O resultado, de todo modo, é a inércia nos processos legislativos referentes a mudanças no arcabouço jurídico-institucional das polícias (BEATO FILHO; RIBEIRO, 2016, pp. 187-189).
Sugerem, então, que estratégias de “médio alcance” - o que equivale, na terminologia deste artigo, à categoria de reformas incrementais - são mais politicamente factíveis e sustentáveis, podendo ser implementadas imediatamente e sem tanta resistência das organizações policiais e seus representantes políticos (BEATO FILHO; RIBEIRO, 2016BEATO FILHO, Cláudio; RIBEIRO, Ludmila. “Discutindo a reforma das polícias no Brasil”. Civitas, Porto Alegre, vol. 16, n. 4, pp. 174, 2016., p. 191). Contudo, os autores ressalvam que essas intervenções devem ser entendidas como parte de um processo. Ainda, indicam que elas só surtirão o impacto desejado se acompanhadas por melhor controle (externo e interno) das corporações e de melhor coordenação entre as polícias e o sistema de justiça nas atividades de persecução criminal (BEATO FILHO; RIBEIRO, 2016, p. 199). A ausência desses mecanismos de acompanhamento poderia explicar o fracasso das reformas incrementais já implementadas.
González (2020GONZÁLEZ, Yanilda María. Authoritarian Police in Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2020.), por sua vez, pormenoriza a inviabilidade política de reformas de alto impacto democrático na segurança pública latino-americana. Partindo de um estudo comparado de reformas da polícia desenvolvidas no estado de São Paulo, na província de Buenos Aires e na Colômbia,10 10 González propõe estabelecer sua comparação entre as unidades políticas diretamente responsáveis pelas polícias. Por isso, lida com o nível estadual/provincial no Brasil e na Argentina, países federalistas, e com o nível nacional na Colômbia, que é um país unitário. conclui-se que a explicação está no poder estrutural das polícias. Como elas são responsáveis pelo exercício da coerção estatal e esse é um recurso estratégico para o poder executivo, há fortes incentivos políticos para que os governantes as mantenham em uma posição confortável e assim evitem tensionar a relação (GONZÁLEZ, 2020GONZÁLEZ, Yanilda María. Authoritarian Police in Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2020., p. 19). A autora aponta, ainda, que as polícias conseguem usar seu potencial de disrupção da ordem pública para influenciar decisões políticas, mesmo quando seu trabalho cotidiano é de baixa eficiência e apresenta problemas de coordenação (GONZÁLEZ, 2019, p. 45).
González (2019GONZÁLEZ, Yanilda María. “The Social Origins of Institutional Weakness: Preferences, Power, and Police Reform in Latin America”. World Politics, Cambridge, vol. 71, n. 1, pp. 44-87, 2019. DOI: 10.1017/S004388711800014X.
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, p. 47) complementa a discussão sobre dependência de trajetória com variáveis apontadas pela literatura anglófona sobre o policiamento como potenciais preditoras da ocorrência de reformas da polícia: pressão social, mobilização da sociedade civil, competição política e organização federal. Sua pesquisa parte da observação de que, ao contrário do que é previsto tanto pelas teorias sobre mudança institucional quanto pelos estudos sobre policiamento, os governos latino-americanos evitam reformar suas polícias mesmo em face de crises sociais ou políticas que criam conjunturas críticas. Diante desses acontecimentos, as coalizões governantes tendem a optar pela instituição de novas políticas de segurança pública ou de medidas simbólicas contra a tortura e a truculência.
Para a autora, isso decorreria da ausência de incentivos eleitorais que contraponham o poder estrutural da polícia - ou seja, de pressões públicas que obriguem os governos a “mexer com a polícia”, mesmo que isso implique riscos para os atores políticos envolvidos. González considera como incentivos eleitorais relevantes (i) a existência de uma oposição política capaz de mobilizar a pauta da segurança pública e (ii) a convergência das preferências sociais sobre segurança pública. Ambas são condições necessárias, mas não suficientes, para que uma reforma policial efetiva seja realizada. Na ausência de qualquer uma das duas, é mais confortável para os governos manter o status quo do policiamento, mesmo diante de conjunturas críticas, pois assim evitam o risco de perda do controle sobre a coerção estatal (GONZÁLEZ, 2019GONZÁLEZ, Yanilda María. “The Social Origins of Institutional Weakness: Preferences, Power, and Police Reform in Latin America”. World Politics, Cambridge, vol. 71, n. 1, pp. 44-87, 2019. DOI: 10.1017/S004388711800014X.
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, pp. 48-49).
A proposta teórica de González (2020GONZÁLEZ, Yanilda María. Authoritarian Police in Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2020., p. 29) é interessante porque incorpora o autoritarismo social como fator para a dificuldade de reformas da polícia ao mesmo tempo em que rejeita explicações unicamente baseadas em permanências antidemocráticas. Segundo ela, os problemas da segurança pública latino-americana não devem ser lidos apenas como resultantes de “entulho autoritário”, mas como uma realidade produzida no âmbito de processos democráticos normais, marcados pela fragmentação da opinião pública sobre o tema. Nesse sentido, faz referência ao trabalho de Caldeira (2000CALDEIRA, Teresa P. R. Cidade de muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000., 2002), cujas etnografias evidenciam o apoio de parte importante da população brasileira ao endurecimento penal e à violência policial, mesmo entre os grupos sociais tipicamente alvejados e os indivíduos que expressaram desconfiança nas corporações quando questionados. O resultado é que reformas estruturais das polícias só são politicamente interessantes quando “escândalos” geram consenso social temporário sobre a necessidade de mudar o modelo de segurança pública. Ainda, é necessário que haja uma oposição política capaz de canalizar essa demanda (GONZÁLEZ, 2020GONZÁLEZ, Yanilda María. Authoritarian Police in Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2020., p. 46). Na ausência desses fatores, mesmo um escândalo de violência policial receberá apenas respostas simbólicas ou, quando muito, motivará reformas incrementais, consideradas de baixo impacto.
Costa (2011COSTA, Arthur Trindade Maranhão. “Police Brutality in Brazil: Authoritarian Legacy or Institutional Weakness?” Latin American Perspectives, Thousand Oaks, CA, vol. 38, n. 5, pp. 19-32, 2011. DOI: 10.1177/0094582X10391631
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) também propõe que não basta a explicação de que a violência policial é um “legado autoritário” e considera necessário esmiuçar o que viabiliza a continuidade institucional de polícias violentas na democracia brasileira. Para o autor, cujo campo empírico se refere às reformas implementadas no estado do Rio de Janeiro nos governos de Brizola (Costa, 2004b, 2008) e, de forma geral, após o advento da CF de 1988 (Costa, 2011), a resposta está na fraqueza institucional dos mecanismos disponíveis para controle da polícia.
O autor argumenta que todas as reformas levadas à cabo desde a redemocratização deixaram intactos elementos estruturais cuja continuidade garante a inefetividade do controle externo sob a atividade policial (COSTA, 2011COSTA, Arthur Trindade Maranhão. “Police Brutality in Brazil: Authoritarian Legacy or Institutional Weakness?” Latin American Perspectives, Thousand Oaks, CA, vol. 38, n. 5, pp. 19-32, 2011. DOI: 10.1177/0094582X10391631
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, p. 20). São eles: a autonomia das polícias na condução de inquéritos; o caráter militar e pouco sistemático dos códigos disciplinares das corporações; a constante oscilação na orientação das políticas de segurança pública; a falta de autonomia funcional e política das corregedorias e ouvidorias; e a jurisdição militar em casos de violência policial não letal (COSTA, 2011, pp. 24-29).
Por sua vez, a ausência de reformas nesses pontos “nevrálgicos” para o controle da atividade policial é entendida como sintoma do modelo de controle social que prevalece no Brasil. Esse controle seria baseado na dominação do Estado sob a sociedade e exige que a polícia possa agir livre e arbitrariamente, inclusive com violência. Assim, diz Costa (2011COSTA, Arthur Trindade Maranhão. “Police Brutality in Brazil: Authoritarian Legacy or Institutional Weakness?” Latin American Perspectives, Thousand Oaks, CA, vol. 38, n. 5, pp. 19-32, 2011. DOI: 10.1177/0094582X10391631
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, p. 31), a fraqueza institucional do controle externo sob as polícias brasileiras é resultado de uma lógica histórica que não foi alterada pela redemocratização de 1988.
Em outros trabalhos, Costa (2004bCOSTA, Arthur Trindade Maranhão. Entre a lei e a ordem: Violência e reforma nas polícias do Rio de Janeiro e Nova York. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004b., 2008) pontua que atores do sistema político, em geral, hesitam em mudar a lógica de suas relações com as corporações policiais. No Brasil, uma complicação advém das pressões sociais quanto aos índices de violência urbana. Mesmo a parcela da sociedade que aprova reformas democráticas condiciona seu apoio a uma redução da criminalidade no curto prazo, enquanto propostas de endurecimento penal têm forte apelo eleitoral (COSTA, 2008COSTA, Arthur Trindade Maranhão. “As reformas nas polícias e seus obstáculos”. Civitas, Rio de Janeiro, vol. 8, n. 3, pp. 409-427, 2008., p. 416). Tal como González, Costa (2008, p. 424) alude que essas últimas medidas encontram apoio mesmo nos setores populacionais mais vitimados pela violência policial e conclui que reformas só acontecem em momentos específicos de apoio da sociedade civil, quando “a polícia torna-se um problema e mudanças institucionais são umas das formas de responder satisfatoriamente à opinião pública”.
Apesar de Costa (2011COSTA, Arthur Trindade Maranhão. “Police Brutality in Brazil: Authoritarian Legacy or Institutional Weakness?” Latin American Perspectives, Thousand Oaks, CA, vol. 38, n. 5, pp. 19-32, 2011. DOI: 10.1177/0094582X10391631
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) não utilizar o termo “reforma estrutural”, infere-se da sua construção que é esse o tipo de medida que o autor considera capaz de promover mudanças nas polícias. Nesse sentido, sua análise se aproxima da de González (2020GONZÁLEZ, Yanilda María. Authoritarian Police in Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2020.). Ambos convergem também em que as reformas ambiciosas da polícia só são viáveis em conjunturas políticas específicas.11
11
Tanto González (2020) quanto Costa (2011) implicitamente consideram que algumas vias de reforma estrutural da polícia são possíveis à nível estadual. Nesse sentido, González (2020, p. 227-230) classifica a alteração dos regimentos disciplinares da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) que Franco Montoro buscou promover no estado em 1983 como uma tentativa de reforma estrutural. Costa (2011, pp. 25-28), por sua vez, trata a consolidação de políticas de segurança pública contra a brutalidade policial e a concessão de autonomia às corregedorias e ouvidorias da polícia como “mudanças em elementos estruturais”; ambos seriam passíveis de realização pelos estados. Contudo, considera-se aqui que, sem a alteração do modelo organizacional constitucional, que impõe um policiamento ostensivo militarizado, a assimilação de mudanças na disciplina, política de segurança pública e/ou no funcionamento do controle externo fica limitada (MACHADO, 2020). Por isso, uma reforma estrutural da polícia exigiria mudanças constitucionais e, por tanto, precisaria ser realizada via Congresso Nacional.
E, mesmo nesse caso, é necessário que eventos particularmente graves motivem uma parcela significativa da sociedade civil a apoiar e/ou pressionar a pauta. Quanto às reformas que conseguiram ser implementadas nos estados brasileiros - aqui reunidas na categoria de reformas incrementais - também há similaridades entre os dois autores: González (2020) opina que são elas intrinsicamente insuficientes e Costa (2011) avalia que elas não conseguem ter o impacto esperado justamente devido à ausência de mudanças estruturais.
Soares (2007SOARES, Luiz Eduardo. A política nacional de segurança pública: Histórico, dilemas e perspectivas. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 21, n. 61, pp. 77-97, 2007. DOI: 10.1590/s0103-40142007000300006.
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, 2019, pp. 88-89) argumenta que a promoção de reformas nas PMs é prejudicada pelas regras do ciclo eleitoral brasileiro, no qual há eleições (municipais ou estaduais e federais) a cada dois anos. O hiato curto entre pleitos contrasta com o tempo longo exigido para maturação de reformas da polícia: não há como um projeto gerar efeitos positivos antes das próximas eleições. Ao mesmo tempo, promover uma reforma é assumir protagonismo na temática, o que torna o político responsável, diante da opinião pública, por qualquer variação negativa na criminalidade. Isso pode prejudicar não só suas chances de reeleição, mas também o desempenho do seu partido nas próximas eleições.
O caráter autoritário das concepções sociais sobre violência vigentes no Brasil é considerado um fator relevante. Contudo, Soares (2019SOARES, Luiz Eduardo. Por que tem sido tão difícil mudar as polícias? In: SOARES, Luiz Eduardo. Desmilitarizar. Rio de Janeiro: Boitempo, 2019., pp. 41-42, 49) defende que reformas no modelo organizacional das polícias podem promover melhorias mesmo “se reconhecermos que a autorização da sociedade para [a] brutalidade policial representa uma variável importante”. Nesse sentido, concepções errôneas sobre quais deveriam ser as prioridades dos partidos políticos progressistas - mudanças nas estruturas sociais, cultura de respeito aos direitos humanos, medidas parciais para coibir a brutalidade policial - também contribuiriam para o imobilismo na temática da reforma da polícia. A referência a medidas parciais como um erro de prioridade permite intuir que, tal como González (2019GONZÁLEZ, Yanilda María. “The Social Origins of Institutional Weakness: Preferences, Power, and Police Reform in Latin America”. World Politics, Cambridge, vol. 71, n. 1, pp. 44-87, 2019. DOI: 10.1017/S004388711800014X.
https://doi.org/10.1017/S004388711800014...
, 2020) e Costa (2008COSTA, Arthur Trindade Maranhão. “As reformas nas polícias e seus obstáculos”. Civitas, Rio de Janeiro, vol. 8, n. 3, pp. 409-427, 2008., 2011), além de Lima (2019LIMA, Renato Sérgio de. “Segurança pública como simulacro de democracia no Brasil”. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 33, n. 2000, pp. 69-90, 2019. DOI: 10.1590/s0103-4014.2019.3396.000.
https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2019....
, 2022), Soares considera que as reformas incrementais terão resultados insuficientes se desacompanhadas de reformas estruturais.
Souza (2015SOUZA, Robson S. R. Quem comanda a segurança pública no Brasil: Atores, crenças e coalizões que dominam a política nacional de segurança pública. Belo Horizonte: Letramento, 2015.) converge com esses autores ao apontar que reformas incrementais não são capazes, por si só, de mudar o policiamento brasileiro. Contudo, sua análise enfatiza a formação do funcionamento da segurança pública brasileira enquanto campo político. Quanto ao primeiro aspecto, o autor pontua que a construção sócio-histórica do aparato de segurança pública brasileiro se pautou no objetivo de contenção da população mais pobre a partir de um funcionamento discricionário, autoritário e pouco transparente (SOUZA, 2015SOUZA, Robson S. R. Quem comanda a segurança pública no Brasil: Atores, crenças e coalizões que dominam a política nacional de segurança pública. Belo Horizonte: Letramento, 2015., p. 41). Quanto ao segundo, seu trabalho mapeia as redes que participam, contemporaneamente, da produção de políticas federais de segurança pública, como as associações profissionais policiais, movimentos sociais e grupos acadêmicos. Para o autor, tais atores se articulam em coalizões que muitas vezes têm tanto interesses corporativos conflitantes quanto entendimentos antagônicos quanto aos propósitos da atuação policial. Essa fragmentação é exacerbada, ainda, pela desarticulação entre as organizações que compõem o campo e, consequentemente, entre seus grupos de interesse. O argumento proposto é de que são as capacidades de influência, as disputas e os acertos dessas coalizões que condicionam a orientação das políticas nacionais de segurança pública (SOUZA, 2015, pp. 96-99). Analisando os principais governos pós-redemocratização, Souza pontua que, nos mandatos de FHC, tais processos resultaram em uma opção por enfatizar a promoção de direitos humanos e o paradigma de segurança cidadã. Os governos Lula seguiram caminho similar, mas apostaram também na integração entre as diferentes agências policiais, sob liderança federal. Assim, em ambos os períodos, as negociações políticas entre coalizões resultaram na retirada de pauta de reformas estruturais da polícia.
De forma complementar, Flom (2022FLOM, Hernán. “The Politics of Police Violence: Political Competition and Police Killings in Brazil”. Journal of Urban Affairs, London, Special Issue, pp. 1-23, 2022. DOI: 10.1080/07352166.2021.2018935
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) discute como dinâmicas políticas impactam o sucesso de reformas incrementais. Sua pesquisa analisa medidas de redução de letalidade policial desenvolvidas em São Paulo e no Rio de Janeiro. O autor traça a hipótese de que a rotatividade partidária e a fragmentação política dos governos estaduais prejudicam a implementação das reformas. A fragmentação política, definida como a existência de disputas internas na coalizão governista e/ou a ausência de uma maioria legislativa, aumenta os custos políticos de conseguir apoio para a implementação inicial. Já a alternância de partidos no governo provocaria mudanças repentinas de orientação política e, consequentemente, levaria à descontinuidade de projetos (FLOM, 2022FLOM, Hernán. “The Politics of Police Violence: Political Competition and Police Killings in Brazil”. Journal of Urban Affairs, London, Special Issue, pp. 1-23, 2022. DOI: 10.1080/07352166.2021.2018935
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, p. 6). Tais fatores explicariam por que o estado de São Paulo conseguiu consolidar avanços durante os anos 1990, quando houve um longo governo do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Enquanto isso, a alternância de poder e as disputas intrapartidárias que caracterizaram o governo do Rio de Janeiro na mesma época teriam inviabilizado o adequado desenvolvimento de medidas similares.
Flom (2022FLOM, Hernán. “The Politics of Police Violence: Political Competition and Police Killings in Brazil”. Journal of Urban Affairs, London, Special Issue, pp. 1-23, 2022. DOI: 10.1080/07352166.2021.2018935
https://doi.org/10.1080/07352166.2021.20...
, pp. 8-9) reconhece, no entanto, que as iniciativas incrementais de São Paulo foram apenas comparativamente bem-sucedidas, pois os indicadores de violência policial do estado continuaram muito elevados para um contexto democrático. O artigo não se aprofunda quanto às razões para tal e também não discute se reformas estruturais seriam necessárias. De todo modo, merece destaque por traçar proposições causais sobre como processos político-eleitorais prejudicam reformas incrementais da polícia.
Conclusão
Este artigo propôs uma revisão da bibliografia sobre por que é tão difícil reformar as PMs. Buscou sistematizar as explicações de diferentes campos das ciências sociais quanto ao fracasso de reformas que visam instituir um policiamento democrático nessas corporações enquanto fenômeno que parece independer da estratégia de reforma escolhida.
O exercício parte da diferenciação feita pela literatura de mudança institucional entre reformas incrementais (medidas parciais, focadas em certos aspectos de uma organização) e reformas estruturais (medidas abrangentes, que objetivam promover alterações substanciais no funcionamento organizacional como um todo). Embora a literatura institucionalista considere que reformas incrementais apresentam vantagens estratégicas por reduzirem os custos e resistências associados a processos de mudança institucional, pesquisas sobre reforma da polícia no Brasil divergem e defendem a necessidade de reformas estruturais. Nesse sentido, apontam o baixo impacto e a volatilidade de esforços incrementais desenvolvidos sob o pano de fundo de uma estrutura de segurança pública autoritária.
A análise das tentativas de reforma das PMs desde a redemocratização até 2018 mostra que as reformas incrementais desenvolvidas em São Paulo e no Rio de Janeiro encontraram obstáculos variados. Os projetos mais ambiciosos de policiamento comunitário e de acompanhamento de agentes envolvidos em ocorrências letais implementados entre 1980 e 1990 foram descontinuados após pressões advindas da sociedade e da própria polícia. A criação de ouvidorias da Polícia e, no caso do Rio de Janeiro, das UPPs, trouxe alguns avanços. No entanto, as medidas tiveram seu impacto limitado pela continuidade de elementos estruturais, respectivamente, as organizações e procedimentos responsáveis por investigações sobre violência policial e a lógica militarizada e seletiva da ação policial nas favelas.
Quanto a reformas estruturais da PMs, o panorama apresentado evidencia que estas foram repetidamente retiradas da agenda do Executivo federal, cujo apoio é considerado essencial para vencer os conflitos corporativos que travam a tramitação das propostas. Os governos federais pós-redemocratização optaram por focar em medidas de direitos humanos ou na direção e no financiamento de políticas de segurança pública estaduais.
Assim, apesar de discussões sobre o ciclo completo, a unificação das polícias e/ou a desmilitarização serem recorrentes no Congresso Nacional, nenhuma medida de reforma estrutural foi aprovada desde a promulgação da CF de 1988. A mais recente alta da atividade legislativa sobre reforma da polícia ocorreu em 2013-2015, quando foram apresentadas ao menos quatro PECs relevantes e realizadas diversas audiências públicas sobre o tema.
A literatura das ciências sociais sugere algumas explicações acerca do motivo pelo qual nenhum dos dois tipos de reforma democrática obtiveram os resultados esperados. A revisão de bibliografia agrupou as contribuições por afinidade teórica. Entre os estudos desenvolvidos no marco da sociologia da violência, há uma ênfase nas heranças antidemocráticas que permeiam as estruturas institucionais da polícia e a própria cultura social brasileira. Destaca-se a influência tanto da Ditadura Militar de 1964 - período em que o modelo organizacional atual das polícias foi implementado - quanto do passado histórico do Brasil, marcado pela escravidão e, após a abolição, pela segregação social de certas populações, sobretudo a negra.
Os estudos policiais consideram que é problemático pensar em uma intervenção “de cima para baixo” nas corporações policiais, pautando a necessidade de, por um lado, estabelecer diálogos com as redes informais no interior dessas organizações e, por outro lado, desenvolver conhecimentos e metodologias especificamente direcionados à polícia. As análises vinculadas ao FBSP incorporam as duas teorizações anteriores. Porém, desenvolvem uma discussão mais detalhada sobre o imobilismo político das reformas estruturais da polícia, buscando identificar as instituições e as associações políticas relevantes para a pauta desde a redemocratização. Ainda, apresentam um diagnóstico claro de que a falta de reforma estruturais no modelo organizacional autoritário compromete o impacto de reformas incrementais, mesmo se desenvolvidas conforme as premissas “de baixo para cima” aqui elencadas.
Os trabalhos de “inspiração” neoinstitucionalista também aprofundam a discussão sobre o imobilismo político da pauta de reformas estruturais da polícia. Contudo, diferenciam-se por um enfoque mais marcado nos mecanismos que bloqueiam a aprovação dessas medidas, a respeito dos quais arriscam formular algumas proposições causais. Assim, Beato Filho e Ribeiro (2016) chamam a atenção para custos políticos derivados de resistências e González (2019GONZÁLEZ, Yanilda María. “The Social Origins of Institutional Weakness: Preferences, Power, and Police Reform in Latin America”. World Politics, Cambridge, vol. 71, n. 1, pp. 44-87, 2019. DOI: 10.1017/S004388711800014X.
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, 2020) destaca o papel de incentivos eleitorais e do poder da polícia. Costa (2008COSTA, Arthur Trindade Maranhão. “As reformas nas polícias e seus obstáculos”. Civitas, Rio de Janeiro, vol. 8, n. 3, pp. 409-427, 2008., 2011) discute a opção política de manter certos elementos autoritários como uma expressão do modelo de controle social historicamente vigente no Brasil. Por fim, Soares elenca o funcionamento do ciclo eleitoral brasileiro como um desincentivo importante, chamando atenção também para o que considera leituras errôneas do campo progressista sobre a pauta.
Nesses trabalhos, reformas incrementais aparecem como opções menos politicamente custosas, mas insuficientes quando desacompanhadas de medidas estruturais. O artigo de Flom (2022FLOM, Hernán. “The Politics of Police Violence: Political Competition and Police Killings in Brazil”. Journal of Urban Affairs, London, Special Issue, pp. 1-23, 2022. DOI: 10.1080/07352166.2021.2018935
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) oferece uma complementação ao se questionar sobre os fatores que prejudicam o desenvolvimento e o amadurecimento de reformas estaduais incrementais. Sua conclusão aponta a fragmentação política como variável independente de interesse.
Para concluir, cumpre reiterar que esta revisão de literatura não pretende dar conta de toda a produção existente sobre reformas das PMs e suas dificuldades. Além disso, vale destacar que, a despeito da sistematização aqui proposta separá-los em categorias, muitos dos estudos analisados compartilham premissas centrais. A maioria dos trabalhos, por exemplo, parece reconhecer que há uma conexão entre a formação histórica da sociedade brasileira, o apoio da população a práticas policiais violentas e a continuidade de estruturas institucionais autoritárias. Divergem, no entanto, ao enfatizarem diferentes meios pelos quais esse passado se reproduz na política atual: ausência de medidas de transição pós-ditadura, lobbies da polícia, resistências institucionais internas, mobilizações sociais, incentivos eleitorais, custos políticos. Focar em um desses mecanismos não significa negar a existência de outros, mas optar por destrinchar um aspecto de uma problemática essencialmente multifatorial.
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» https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2014.06.006.
Notas
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1
Entende-se por reforma democrática da polícia uma reforma que institui em uma ou mais corporações policiais um modelo de policiamento que siga as diretrizes de uma segurança pública compatível com os direitos políticos do sistema democrático, elencadas na primeira página e, especialmente no caso brasileiro, compatível com os direitos e deveres elencadas pela Constituição Federal (CF) de 1988.
-
2
O panorama tem por foco as reformas da polícia desenvolvidas após a promulgação da CF de 1988. Contudo, devido à sua relevância, são tratados também projetos de reforma desenvolvidos em São Paulo e no Rio de Janeiro durante a fase de transição do regime militar para a democracia (1982-1988).
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3
Em sua obra, González (2020) diferencia entre reformas estruturais, reformas marginais e reformas operacionais da polícia. Reformas marginais criam órgãos de monitoramento ou acompanhamento da polícia, sem poder de sanção. Já reformas operacionais buscam mudar a atuação prática dos policiais. Essas últimas duas categorias são aqui reunidas na de reformas incrementais.
-
4
Incluem-se neste recorte tanto reformas direcionadas diretamente às PMs quanto reformas mais amplas na segurança pública, na justiça criminal ou no policiamento que incluíam as PMs em seu escopo.
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5
Apesar da justificativa apresentada e da relevância dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro em termos populacionais e de indicadores de violência, cumpre reiterar que o recorte de análise se deu por razões de conveniência da pesquisa. Nesse sentido, é certo que houve outras iniciativas relevantes de reforma da polícia, como em Pernambuco, Espírito Santo e outros estados, as quais mereceriam análise à parte.
-
6
Para análise mais detalhada dos problemas identificados pela literatura quanto à estruturação e ao funcionamento do Pronasci, como a ausência de mecanismos de participação social, a não garantia de verbas para o futuro dos projetos e a distorção dos focos do programa em resposta a interesses políticos locais, ver Madeira e Rodrigues (2015) e Sá e Silva (2012).
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7
Cumpre mencionar o desenvolvimento, em 2012, do primeiro Plano Nacional de Prevenção à Violência contra Juventude Negra, o Plano Juventude Viva. Embora tenha ocorrido no âmbito do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, sobretudo por meio da Secretaria da Juventude e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, o projeto é relevante para a segurança pública por reunir ações que buscavam reduzir a mortalidade de jovens negros por homicídios através de inclusão social.
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8
Quando ocorreu a “pacificação” e subsequente instalação de postos de policiamento nas comunidades Dona Marta, Cidade de Deus e Batan.
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9
Em pesquisa de opinião sobre o sistema de segurança pública desenvolvida pela Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJR), 71% dos entrevistados responderam “sim” à questão sobre se seria possível fomentar o debate de fim das polícias no Brasil. A IDMJR, que têm desenvolvido diversos trabalhos e investigações na linha do abolicionismo penal, argumenta que o dado contraria o que é colocado “pelas mídias hegemônicas, intelectuais/pensadores da branquitude e lideranças partidárias” mostrando que a população considera importante o debate sobre abolição das polícias (IDMJR, 2021, p. 13).
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10
González propõe estabelecer sua comparação entre as unidades políticas diretamente responsáveis pelas polícias. Por isso, lida com o nível estadual/provincial no Brasil e na Argentina, países federalistas, e com o nível nacional na Colômbia, que é um país unitário.
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11
Tanto González (2020) quanto Costa (2011) implicitamente consideram que algumas vias de reforma estrutural da polícia são possíveis à nível estadual. Nesse sentido, González (2020, p. 227-230) classifica a alteração dos regimentos disciplinares da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) que Franco Montoro buscou promover no estado em 1983 como uma tentativa de reforma estrutural. Costa (2011, pp. 25-28), por sua vez, trata a consolidação de políticas de segurança pública contra a brutalidade policial e a concessão de autonomia às corregedorias e ouvidorias da polícia como “mudanças em elementos estruturais”; ambos seriam passíveis de realização pelos estados. Contudo, considera-se aqui que, sem a alteração do modelo organizacional constitucional, que impõe um policiamento ostensivo militarizado, a assimilação de mudanças na disciplina, política de segurança pública e/ou no funcionamento do controle externo fica limitada (MACHADO, 2020). Por isso, uma reforma estrutural da polícia exigiria mudanças constitucionais e, por tanto, precisaria ser realizada via Congresso Nacional.
Editor responsável:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Jun 2024 -
Data do Fascículo
May-Aug 2024
Histórico
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Recebido
16 Jun 2023 -
Aceito
05 Fev 2024