RESUMO
O artigo trata da controvérsia instaurada pela reconfiguração do problema público da Cannabis medicinal no Brasil. Mobiliza-se a personagem Antígona para dar sentido a essa transformação, reconstruída a partir de manifestações de ativistas, em especial pacientes e familiares de pacientes. Percebe-se a emergência de declarações públicas de insurgência contra os dispositivos legais proibicionistas, referidos pela própria militância como “desobediência civil pacífica”, em uma chave moral que rompe com a linguagem da liberdade individual, articulando noções de dever e necessidade.
Palavras-chave:
Cannabis medicinal; antiproibicionismo; associações de pacientes; Antígona; moralidade
ABSTRACT
This article addresses the controversy created by the public reconfiguration of medical Cannabis in Brazil. The play character Antigone is borrowed to make sense of this transformation, reconstructed based on activist manifestations, especially of patients and their families. Public insurgent declarations emerge against prohibitionist legal provisions, referred to by the activists themselves as “peaceful civil disobedience,” under a moral key that breaks with the language of individual freedom, articulating notions of duty and necessity.
Keywords:
Medical Cannabis; anti-prohibitionism; patient associations; Antigone; morality
Introdução: O debate sobre cannabis medicinal, PL 399 e o livro Tragédia da maconha
O primeiro semestre de 2019 sinalizava um momento delicado para o Conselho Federal de Medicina (CFM). Apesar da entrada no poder de um governo conservador que se alinhou a algumas demandas da cúpula do Conselho - por exemplo, extinção do Programa Mais Médicos -, o CFM se mostrava atento aos processos de reforma regulamentar no rescaldo do debate medicinal da maconha/Cannabis que emergiu a partir de 2014. Naquela altura, as principais movimentações nesse sentido se concentravam em torno de duas consultas públicas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) (nº 654/2019 e 655/2019) e de um projeto de lei da Câmara de Deputados (Projeto de Lei [PL] nº 399/2015). As consultas públicas discutiam questões relativas a medicamentos contendo Cannabis em sua formulação e ao cultivo da planta para fins medicinais, enquanto o PL buscava, em sua versão original, “viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham […] Cannabis sativa em sua formulação”. Esse projeto foi apresentado, em 2015, pelo então deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE), e foi pautado pelo presidente da casa Rodrigo Maia (DEM-RJ), que instaurou Comissão Especial1 1 Comissão Especial é um instituto criado quando a matéria trata de temas pertinentes a mais de duas comissões permanentes e visa concentrar os debates sobre um determinado projeto possibilitando acumular lastro político e técnico e, desse modo, agilizar o processo legislativo, inclusive com previsão regimental de envio do projeto diretamente ao Senado, sem necessidade de apreciação no Plenário da Casa. Para uma análise das audiências públicas sobre maconha/Cannabis na Câmara, ver Rezende, Fraga e Sol (2022). Para uma análise sobre as audiências públicas da Anvisa, ver Rodrigues, Lopes e Mourão (2020). Para outras informações, consultar Anvisa (2019) e Pacientes… (2019). para debatê-lo no segundo semestre de 2019.
Foi nesse contexto que o CFM passou a se posicionar publicamente sobre a temática ao organizar o Fórum sobre a Maconha,2 2 Acerca do Fórum sobre a Maconha, consultar https://eventos.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id= 21158. Os vídeos do fórum estão disponíveis em https://youtube.com/playlist?list=PLH8ncPhsQN-3-on4CfU8E4QCwvbRgkzAr. soltar notas públicas sobre o tema (CFM, 2019b, 2019c, 2019d) e publicar cartilhas e documentos manifestando sua posição. Nesse último item, destacamos a publicação do livro-cartilha A tragédia da maconha: causas, consequências e prevenção (CFM, 2019a) e do documento intitulado Decálogo sobre maconha, que ensejou não só uma reação da parte dos movimentos favoráveis à reforma mas obteve também ressonância nos grupos proibicionistas.3 3 Para uma análise sobre os posicionamentos de diferentes associações médicas sobre o debate da maconha/Cannabis medicinal, veja Fabrício e Amarante (2022). Para uma análise da controvérsia ensejada pelas publicações do Conselho Federal de Medicina (CFM), em especial o tensionamento com a Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis (SBEC), veja Mourão (2021, [2024]). Alguns posicionamentos públicos sobre as publicações podem ser encontradas na fala da pesquisadora e médica Carolina Nocetti, em audiência pública sobre PL 399; e em um fio de posts no Twitter publicado no perfil do médico Luís Fernando Tófoli: https://twitter.com/lftofoli/status/1131375314775531520. Esses posicionamentos do Conselho apontam para uma direção clara: não há nada que possa ser chamado de “maconha medicinal”; as tentativas de alteração nas leis e regulamentos que proíbem a maconha, ainda que aparentemente com bons propósitos e visando tratar pacientes, requerem “cautela” e “estudos que comprovem a eficácia e segurança do medicamento”; “a regulação do plantio e uso coloca em risco esse grupo [os pacientes]” e estão “associada[s] tanto à diminuição da percepção do risco quanto ao [aumento do] uso entre jovens”.4 4 Uma análise mais pormenorizada revela que o título do livro-cartilha e os posicionamentos públicos do Conselho não condizem com o teor geral de A tragédia. Há uma seção que identifica propriedades terapêuticas de vários canabinoides, além do canabidiol (CBD). É possível perceber, através das notas de pé de página para fins de referência, que grande parte do conteúdo e da revisão científica contemplada nessa obra se refere a duas publicações norte-americanas: o livro do National Institute on Drug Abuse (Marijuana Report Series, 2017) e um livro da National Academies of Science (The Health Effects of Cannabis and Cannabinoids: The Current State of Evidence and Recommendations for Research, 2017). Trata-se também de traduções de trechos do original em inglês para o português. Ao reconhecer esse conjunto extenso de propriedades terapêuticas comprovadas, A tragédia, como um todo, vai na contramão daquilo que é preconizado no Decálogo e nas seções “Apresentação” e “Introdução”, respectivamente redigidas pela presidência do CFM e pela Comissão para Controle de Drogas Lícitas e Ilícitas do mesmo conselho, que restringem as possibilidades terapêuticas da planta e derivados. Na época da publicação do livro do CFM, o médico Luís Fernando Tófoli publicou um fio de posts no Twitter chamando atenção para algumas dessas inconsistências: https://twitter.com/lftofoli/status/1131375314775531520.
Dessa forma, a “tragédia” estaria montada e encenada: essas tentativas de reforma voltadas para regulamentar fins terapêuticos alegadamente virtuosos apenas reforçariam os malefícios do uso da droga. Em termos práticos, isso implica a rejeição, por parte do conselho profissional que detém o monopólio legal/administrativo da prescrição de produtos de Cannabis (artigo 13 da Resolução da Diretoria Colegiada [RDC] nº 327/2019 da Anvisa), de qualquer regulação que não aquela voltada ao uso em casos de epilepsia refratária, única situação clínica em que a Cannabis medicinal é reconhecida como eficaz pelo CFM.
O argumento que construiremos aqui vai em outro sentido: o de tentar recolocar, em outro plano, a questão trágica da maconha no debate contemporâneo. Se seguimos Kathrin Rosenfield (2002ROSENFIELD, Kathrin. Sófocles e Antígona. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. Livro eletrônico.) ao delinear, a partir de Aristóteles, a reviravolta - a inversão da situação dramática inicial - como a característica essencial da tragédia, não devemos nos esquecer da rubrica dramática grega e nos perguntar: Afinal, no contexto do problema público do uso medicinal ou terapêutico da planta, qual é a “tragédia da maconha”?
Transformações do debate sobre maconha/Cannabis
Visando tal construção, é necessário contextualizar, com alguns elementos adicionais, o debate no qual o CFM e sua publicação se inserem. Algo que não escapa a pesquisadores e interessados é a mudança que se processou em torno do debate sobre maconha/Cannabis nos últimos anos, já apontada por Corbelle (2015CORBELLE, Florencia. “Activismo cannábico: nuevo actor social”. Voces en el Fénix, Buenos Aires, n. 42, pp. 102-109, 2015.). Os modos de interpretar essa mudança podem variar - quem são os agentes causadores fundamentais da mudança? Quais as características principais dessa mudança? Por que ela passou a ser operada apenas em tempos recentes? -, mas o caráter qualitativo dessa transformação é bastante evidente e difícil de ser contestado. O argumento avançado é que a demanda de pacientes e familiares pela regulação do uso medicinal ou terapêutico da planta e seus derivados implica uma pluralização da forma como esse problema público vem sendo construído, considerando, como argumenta Cefaï (2017aCEFAÏ, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas…: O que nos ensina o pragmatismo (Parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 36, n. 1, pp. 187-213, 2017a., p. 198), que o “esforço de problematização e publicização nada têm de unânime”, indicando que “quem diz publicidade diz pluralidade e conflitualidade”.
Nesse sentido, para ancorar nossa abordagem da questão, estamos próximos de uma vertente analítica da sociologia dos problemas públicos. Consideramos o problema público a partir de uma abordagem pragmatista, alinhada àquela que Brandão (2019) desenvolveu sobre o mesmo tema que aqui nos debruçamos: um problema é público ao afetar, direta ou indiretamente, uma quantidade diversa de pessoas que passam a considerar uma determinada situação como problemática, como algo negativo e que deve ser debatido com vistas a uma solução para tal estado de coisas. Trata-se de uma experiência inquieta vivenciada por um público diverso e que volta sua atenção para tal questão (DEWEY, 1946DEWEY, John. The Public and Its Problems: An Essay in Political Inquiry. Chicago: Gateway, 1946.; MEAD, 2021MEAD, George H. Mente, self e sociedade. Edição definitiva. Petrópolis, RJ: Vozes, 2021.). Aqui, a centralidade da performance - enfatizando a ação coletiva híbrida e dinâmica da situação performática, em oposição às noções de ritual e de apresentação - e do proprietário do problema - daqueles atores legitimados a falar sobre esse problema - são centrais (BRANDÃO, 2017BRANDÃO, Marcílio. Dito, feito e percebido: Controvérsias, performances e mudanças na arena da maconha. 2017. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife; École des hautes études en sciences Sociales, Paris, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/27601. Acesso em: 16 fev. 2024.
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).
Em relação ao tema aqui em foco, é possível, por um lado, identificar, em importantes veículos de comunicação, como os apresentados a seguir, a construção de uma abordagem que contesta o enquadramento proibicionista que vincula a maconha ao tráfico violento, ao crime organizado, às prisões e à necessidade da atuação policial no combate ao uso e comércio de “entorpecentes”. Reportagens pioneiras publicadas, em 2014, na revista Superinteressante destacaram aspectos relativos a propriedades terapêuticas da planta. Naquele mesmo ano, foi publicado o filme documentário Ilegal, dirigido por Tarso de Araújo (jornalista ligado à Superinteressante) e Raphael Erichsen. Essa pauta alcançou programas prestigiosos, como o Fantástico e programas matinais voltados para família (RODRIGUES; LOPES; MOURÃO, 2021RODRIGUES, Ana Paula Lopes da Silva; LOPES, Ivonete da Silva; MOURÃO, Victor Luiz Alves. “‘Nobody is talking about drug legalization’: Re-Signification of Marijuana on Globo and Record Morning Programs”. Research, Society and Development, Itabira, MG, vol. 10, n. 2, e16910212344, 2021. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/12344. Acesso em: 19 mar. 2021.
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), reforçando o enquadramento medicinal alternativo. Como indica Cefaï (2017aCEFAÏ, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas…: O que nos ensina o pragmatismo (Parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 36, n. 1, pp. 187-213, 2017a., p. 201), essa publicização “tem consequências performativas [para o problema público da Cannabis medicinal]: ele ganha credibilidade e legitimidade”.
Por outro, percebe-se que esse movimento de pautar aspectos medicinais está calcado em um lastro medicinal-científico que tem uma trajetória histórica que pode remontar a milênios, ou, de maneira mais moderna, ao processo de medicalização da Cannabis (BRANDÃO, 2023BRANDÃO, Marcílio. “A maconha na jurisdição médica brasileira”. In: FRAGA, Paulo; ROSA, Lilian; REZENDE, Daniela (org.). De maconha à Cannabis: Entre política, história e moralidades. Juiz de Fora, MG: Editora UFJF, 2023. pp. 21-39. Disponível em: https://www2.ufjf.br/nevidh/wp-content/uploads/sites/504/2018/06/DOC-20230805-WA0049-1.pdf. Acesso em: 16 fev. 2024.
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; CROWTHER; REYNOLDS; TANSEY, 2010CROWTHER, Stefania; REYNOLDS, Lois; TANSEY, Elizabeth Matilda (ed.). The Medicalization of Cannabis. London: Wellcome Trust Centre for the History of Medicine at UCL, 2010. Disponível em: http://www.histmodbiomed.org/sites/default/files/44870.pdf. Acesso em: 16 fev. 2024.
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) e de emergência do que podemos chamar de paradigma científico canabinoide (MOURÃO, 2021MOURÃO, Victor Luiz Alves. “Mapeamento Preliminar de controvérsias científicas do uso medicinal de Cannabis no Brasil”. In: Congresso Brasileiro de Sociologia, 20., 2021, Belém. Anais […]. Belém: Congresso Brasileiro de Sociologia, 2021., [2024]). Em nosso país, o livro de Renato Malcher-Lopes e de Sidarta Ribeiro (2007) foi importante ao sintetizar e divulgar informações científicas e terapêuticas da planta. Brandão (2023BRANDÃO, Marcílio. “A maconha na jurisdição médica brasileira”. In: FRAGA, Paulo; ROSA, Lilian; REZENDE, Daniela (org.). De maconha à Cannabis: Entre política, história e moralidades. Juiz de Fora, MG: Editora UFJF, 2023. pp. 21-39. Disponível em: https://www2.ufjf.br/nevidh/wp-content/uploads/sites/504/2018/06/DOC-20230805-WA0049-1.pdf. Acesso em: 16 fev. 2024.
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), por sua vez, destaca como essas propriedades foram interpretadas e apropriadas pela medicina alopática, área profissional que ainda hoje se impõe como proprietária do problema público da maconha, vide as resoluções da Anvisa e a atuação do CFM, o que influencia sobremaneira o sistema regulatório vigente, ancorado no proibicionismo, como também destacado por Castro (2023CASTRO, Marco Vinícius de. “Moralidades contra as normas: Desacordos morais e o uso medicinal da Cannabis no Brasil”. In: FRAGA, Paulo; ROSA, Lilian; REZENDE, Daniela (org.). De maconha à Cannabis: Entre política, história e moralidades. Juiz de Fora, MG: Editora UFJF, 2023. pp. 58-71. Disponível em: https://www2.ufjf.br/nevidh/wp-content/uploads/sites/504/2018/06/DOC-20230805-WA0049-1.pdf. Acesso em: 16 fev. 2024.
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).
No âmbito regulatório, percebe-se igualmente um movimento forte de pautar aspectos medicinais da planta e derivados, perpassando tanto agências do Executivo dedicadas à temática (Anvisa) quanto órgãos legislativos em diferentes níveis da federação (REZENDE; FRAGA; SOL, 2022REZENDE, Daniela Leandro; FRAGA, Paulo; SOL, Aruna. “Audiências públicas sobre maconha/Cannabis na Câmara dos Deputados brasileira, 1997-2020”. Opinião Pública, Campinas, SP, vol. 28, pp. 425-461, 2022.; REZENDE; ROSA, 2023; RODRIGUES; LOPES; MOURÃO, 2020RODRIGUES, Ana Paula Lopes da Silva; LOPES, Ivonete da Silva; MOURÃO, Victor Luiz Alves. “‘Eficácia, segurança e qualidade’: Parâmetros discursivos nas audiências públicas da Anvisa sobre regulamentação e pesquisas com Cannabis para fins medicinais”. Teoria e Cultura, Juiz de Fora., MG, vol. 15, n. 2, pp. 134-147, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/TeoriaeCultura/article/view/29313. Acesso em: 16 fev. 2024.
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). O judiciário também tem regulado o tema a partir da concessão de habeas corpus a pacientes e a associações de pacientes, autorizando o cultivo e a extração de óleos medicinais (POLICARPO; MARTINS, 2019POLICARPO, Frederico; MARTINS, Luana. “‘Dignidade’, ‘doença’ e ‘remédio’: Uma análise da construção médico-jurídica da maconha medicinal”. Antropolítica, Niterói, RJ, n. 47, pp. 143-166, 2019.). Em especial, a tramitação do PL 399 funcionou ao mesmo tempo tanto como um espaço de recepção desses debates assinalados anteriormente quanto como gatilho, provocando ações e reações por parte de movimentos sociais, de diversas associações da sociedade civil e dos demais poderes de Estado, sejam eles favoráveis ou não ao projeto em questão. Esse aspecto evidencia a dimensão organizacional ou institucional desse problema público, que se constitui como seu ambiente, limitando as possibilidades de sua enunciação, debate e resolução (CEFAÏ, 2017aCEFAÏ, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas…: O que nos ensina o pragmatismo (Parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 36, n. 1, pp. 187-213, 2017a.).
Desse modo, percebemos que há uma série de fissões no paradigma proibicionista estabelecido de interdição e de repressão ao uso e à posse da planta e derivados (FIORE, 2012FIORE, Maurício. “O lugar do Estado na questão das drogas: O paradigma proibicionista e as alternativas”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 92, pp. 9-21, 2012. ISSN: 0101-3300. Disponível em: https://www.scielo.br/j/nec/a/yQFZQG48VQvdYW8hQVMybCd/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 16 fev. 2024.
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). A despeito do reconhecido potencial ou caráter terapêutico da Cannabis,5
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É possível identificar, na literatura especializada no Brasil, que havia potencial terapêutico conhecido de longa data, como mostrou Brandão (2014, 2017, 2023) e Malcher-Lopes e Ribeiro (2007).
chamamos atenção para o reenquadramento do debate público que a tematização recente de aspectos terapêuticos foi capaz de promover. Essa abordagem alternativa à planta se materializa não só na mudança da configuração do problema público, mas também em práticas políticas relativas à maconha e em modos de se construir pesquisas e conhecimentos. Todo esse contexto provoca ainda uma profusão de projetos de lei e de resoluções regulamentares que abalam os pilares do proibicionismo estabelecido.6
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Vide o crescente movimento de apresentação de projetos de lei voltados ao uso medicinal da Cannabis em estados e municípios (REZENDE, ROSA, 2023). O caso de São Paulo teve grande repercussão diante da sanção pelo governador, Tarcísio de Freitas, fortemente vinculado ao ex-presidente Bolsonaro, este declaradamente contrário à proposta de regulação da Cannabis apresentada no PL 399 (AO APROVAR…, 2023).
A partir disso, entendemos que há uma contexto de forte inflexão no cenário moral e de práticas políticas relativas ao proibicionismo, configurando o que aqui denominamos de neoativismo canábico, que amplia o debate para além das bases já estabelecidas pelo ativismo canábico (CORBELLE, 2015CORBELLE, Florencia. “Activismo cannábico: nuevo actor social”. Voces en el Fénix, Buenos Aires, n. 42, pp. 102-109, 2015.).
Diante disso, a proposta deste artigo é a de colocar em foco algumas situações públicas de mobilização e luta dos grupos favoráveis à mudança e à regulação do uso medicinal da Cannabis e construir uma análise que dê conta de alguns aspectos que estão em jogo nesses momentos. Nos termos de Cefaï (2017bCEFAÏ, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas…: O que nos ensina o pragmatismo (Parte 2)”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 36, n. 2, pp. 129-142, 2017b., p. 133), trata-se de cenas públicas, características do processo de construção de problemas públicos, que permitem pensar a arena pública considerando a dramaturgia e a retórica, produzindo uma ordem simbólica: “Atores realizam operações de dramatização, de argumentação, de narração, com objetivos de expressão, persuasão, sedução, que transportam seus auditórios para campos de experiência e para universos de discursos” (CEFAÏ, 2017bCEFAÏ, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas…: O que nos ensina o pragmatismo (Parte 2)”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 36, n. 2, pp. 129-142, 2017b., p. 135). Desse modo, tentaremos evidenciar alguns elementos de performance da questão medicinal da maconha/Cannabis que foram fundamentais nessa transformação e que se encontram umbilicalmente conectados ao deslocamento moral que foi operado nesse processo histórico. Trata-se aqui da emergência de uma gramática da vida pública ancorada em noções como dever, necessidade e cuidado (PAREDES; CÁCERES, 2023PAREDES, Juan Pablo; CÁCERES, Daniela. “La sociología de los problemas públicos”. Cinta de Moebio, Santiago, n. 76, pp. 37-49, 2023.).
A tragédia da maconha em cinco atos públicos
A análise de algumas situações públicas e/ou publicadas em termos da maconha/Cannabis medicinal nos dão algumas indicações de como a dinâmica contenciosa em torno do problema se desenrola e de que modo se constrói um repertório de ação coletiva visando atuar politicamente nesse âmbito. Ainda em 2014, ocorreram três eventos - aqui denominados “atos”, ou “cenas” (CEFAÏ, 2017bCEFAÏ, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas…: O que nos ensina o pragmatismo (Parte 2)”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 36, n. 2, pp. 129-142, 2017b.) -representativos de um processo que viria a se desdobrar nos anos seguintes.
Primeiro ato: Audiência Pública no Senado, em 25 de agosto de 2014, requerida pelo senador Cristovam Buarque (PDT-DF), tendo como objeto o debate sobre a regulamentação dos usos recreativo, medicinal e/ou industrial da maconha (Requerimento Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa [RDH] nº 27/2014). A audiência foi marcada por testemunhos públicos dos sofrimentos pessoais e familiares por questões de saúde diversas, mas especialmente de pais no cuidado de crianças com epilepsia refratária, tratadas com sucesso com canabidiol. Destacamos aqui alguns trechos que são representativos desse aspecto:
A minha questão moral, profissional, no combate à droga ou ao pensamento da liberação vem de [sic] encontro ao meu sentimento de mãe. E eu pergunto, a qualquer um de vocês, o que não fariam por um filho? Trafiquei? Trafiquei. Comprei o remédio antes de sair a minha liminar, porque eu quero dar ao meu filho, sim, a oportunidade de ser feliz, de ter dignidade e, principalmente, de viver, porque a nossa luta é pela vida. E é isto que eu peço aos senhores encarecidamente: discutam essa nossa urgência de um projeto de lei que libere o uso medicinal. O CBD, o canabidiol, é um dos componentes. (Palmas.) […] Não podemos fechar os olhos e dar as costas a essa coisa boa que pode ser a Cannabis, que é a Cannabis, eu tenho certeza disso (Luciana Bezerra von Szilagyi).
Dia 29 de maio foi o último dia em que a Anvisa discutiu o canabidiol em sua reunião, pelo menos falou no assunto. De lá para cá, nunca mais falou. Do dia 29 de maio para cá [25 de agosto], o meu filho teve em torno de 1.305 crises convulsivas; ele tem pelo menos quinze crises convulsivas ao dia. Hoje é o aniversário dele e nós estamos aqui, Senador, porque essa é a nossa vida, é a vida dos nossos filhos. Me desculpe a emoção. Nós somos a favor, pelos nossos filhos e por esses tantos outros filhos que nós estamos tendo (Sheila Geriz).
Eu passo a noite acordada, segurando meu filho batendo a cabeça na parede. Por isso estou aqui, pedindo em nome de todas as mães. Quantos Samuel têm que passar a noite acordado, batendo a cabeça na parede, se mordendo, autista? Então, agradeço imensamente pela sua boa vontade. Falo que eu trafiquei também. Faz mais de um mês que eles estão tomando remédio e hoje vejo uma grande evolução no meu filho. O autista me olha, sorri para mim e vê que sou eu. Esse é o melhor presente que existe para uma mãe. […] Eu quero qualidade de vida. Eu, não, todas as mães. Então, eu acho que realmente o CBD é a solução para essas crianças (Cibelle Fernandes).
Além dessas falas, logo no início da reunião, o senador Cristovam Buarque realizou a leitura de uma “carta de uma mãe que precisou traficar o remédio do seu filho para poder voltar a dar vida a ele”, assim assinalada pela própria. Renato Malcher-Lopes, pesquisador da área de neurologia e autor de Maconha, cérebro e saúde, realizou fala apresentando aspectos terapêuticos e o sistema endocanabinoide.
Em contraponto, manifestações contrárias à legalização da maconha, com posicionamentos mais ou menos enfáticos contra a equivalência entre maconha/Cannabis e seus derivados com remédio:
Se maconha fosse bom, não estaríamos discutindo isso aqui. Se querem legalizar uma droga, devem procurar outros meios, não essa forjada, tentada, de convencimento de tratamento e saúde. (Palmas.) (senador José Eduardo Fleury Fernandes Costa).
É evidente que aqui, nós, que estamos contra a legalização, somos todos a favor disso [do tratamento das condições de saúde apresentadas]. Parece que somos alguns monstros. Só monstros seriam contrários ao canabidiol, o CBD, para resumir. Somos contra o THC, que é uma coisa completamente diferente, que leva à dependência. […] O Renato [Malcher-Lopes] teve quarenta minutos - eu contei aqui, Senador -, quarenta minutos para a exposição dele, que, na minha opinião, não foi de técnico; foi de um verdadeiro ativista. Ele fez apologia ao uso da maconha no Brasil. Apologia. (Palmas.) (Luiz Bassuma, ex-deputado).
Ainda que tenha sido marcado por discussões acirradas, houve um momento especialmente tenso quando Cassiano Teixeira, fundador da Abrace (associação canábica situada em João Pessoa). disse: “Eu uso CBD. Eu tenho, hoje, já o contato. Quem precisar de CBD, pode falar comigo”. Ao terminar a fala, recebeu voz de prisão do pastor Marlan Gustavo: “Quero dizer que, até hoje, não foi regulamentada a venda da droga aqui, e esse rapaz falou que ele tinha o CBD para vender. Então, peço a sua prisão agora. Ele falou que ele tinha, em cadeia nacional”. Marlan é rebatido pelo senador Cristovam Buarque, que contesta a autoridade do pastor. Sérgio Harfouche, promotor de Justiça da Infância e da Adolescência por Mato Grosso do Sul e membro do Conselho Nacional de Política de Drogas (CONAD), um dos presentes, contrário ao projeto de lei em debate, argumenta que “o que houve aqui foi, no mínimo, uma apologia ao uso”. Cassiano saiu escoltado pelo Senador.7 7 Para mais informações sobre essa reunião, consultar https://legis.senado.leg.br/comissoes/reuniao?0&reuniao=2791
Segundo ato: IV Simpósio sobre Maconha, realizado em 2014 pelo Centro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID-Unifesp), pioneiro na realização de pesquisas com maconha no país. Trata-se de um encontro marcadamente científico, com presença de pacientes e familiares que ocuparam posições proeminentes no evento, relatando sua experiência com condições de saúde diversas e tratamento com a planta. Esse encontro, com pacientes de diferentes regiões e cidades brasileiras, acabou representando o embrião do associativismo da Cannabis medicinal.8 8 A gravação do IV Simpósio, incluindo relatos de pacientes, está disponível em https://youtube.com/playlist?list=PL0EWj1xyL2w. Há informações sobre o evento publicadas no Boletim Maconhabrás (2014, 2017), editado pelo CEBRID. No Boletim Maconhabrás, número 6, publicado em maio de 2017 pelo próprio CEBRID, consta um editorial de autoria do prof. Elisaldo Carlini, ator relevante para o desenvolvimento do conhecimento científico sobre a planta, em que este aponta que a estratégia de contar, no evento, com apresentações de pacientes obteve resultados importantes:
Em 2014, novo esforço e o IV Simpósio sobre Cannabis foi realizado pelo CEBRID. Mudou-se a estratégia. Foi optado convidar pacientes que sofriam de doenças e que poderiam se beneficiar do tratamento com Cannabis. Médicos brasileiros e de outros países (Canadá, EUA e Reino Unido) então discutiram as apresentações. Foi um sucesso, com muita intervenção da assistência. Seguiu-se nos dias e semanas seguintes um envolvimento intenso da imprensa escrita, falada, além de programas de TV. O governo ficou pressionado e cercado de críticas; e, como consequência, finalmente surgiu à aprovação de extratos de maconha enriquecidos com canabidiol para o tratamento de epilepsia resistente, sobretudo em crianças. Como dissemos, foi tal a emoção daqueles pacientes descrevendo seus sofrimentos sem poderem receber medicamentos à base de maconha que se apresentavam ativos no exterior, conforme atestado pelos médicos estrangeiros presentes, que praticamente o governo (diga-se Anvisa) realmente começou a estudar como aprovar o uso médico da maconha. E não tardou a surgir a Resolução nº 130/2016 da Anvisa, aprovando o uso sob receita médica do medicamento Mevatyl®, lançado pelo laboratório Ipsen, de origem francesa.
Terceiro ato: O documentário Ilegal: a vida não espera (2014), de Tarso Araújo e Raphael Erichsen.9 9 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=c-jhJY6Q3ro&ab_channel=SBEC-SociedadeBrasileiradeEstudosdaCannabis. O documentário apresenta uma cena de Katiele Fischer, que assume que está “traficando” CBD para tratar de uma condição de sua filha Anne, portadora da síndrome CDKL5, que pode provocar dezenas de convulsões diárias, o que compromete marcadamente o desenvolvimento da criança.10 10 Para uma análise mais detida do documentário, ver Castro (2023). O filme começa com uma ligação de Katiele para a Anvisa a respeito de demandas da Agência para importação do que a primeira chama de “suplemento alimentar”. Posteriormente, Katiele aparece em ligação para verificar porque sua encomenda, que viria dos Estados Unidos “camuflada”, foi retida na alfândega e encaminhada para a Anvisa, que a remeteu telegrama sobre o produto:
Atendente Camila (Anvisa): Anvisa, Camila, boa tarde. Com que eu falo, por gentileza?
Katiele: Boa tarde, Camila. Meu nome é Katiele. Deixa eu te falar, Camila, eu importei esse produto e eu recebi um telegrama, entendeu? Eu preciso conversar com alguém da Anvisa que possa me orientar. Eu vou ser bem sincera com você, Camila. Eu não sei aonde [sic] ele está. Eu não tenho tempo pra ficar… Eu preciso do produto. Por isso que eu… eu não vou abrir a resolução porque eu não vou entender. Eu não vou retornar de novo a vocês porque, é, eu acho que não faz sentido… Eu tô te pedindo uma explicação e você manda eu ler a resolução. Eu não vou entender a resolução. Você fala pra eu ligar pra você de volta. Então vamos cortar essa burocracia, eu já estou falando com você, eu não sei qual é a resolução. Então me passa pra alguém que me fale como eu faço pra poder importar o produto que eu quero.
Camila: Senhora, as informações já foram passadas. Esse é o procedimento da Central.
Katiele: Toda vez que eu for importar eu vou ter que passar por essa espera? Toda vez a minha filha vai ter que ficar esturricando de convulsionar dentro da minha casa?
Silêncio
Katiele: Tendo sessenta convulsões por semana? Eu não sei se você fez a conta rápido, mas dá uma convulsão a cada duas horas. Em quanto tempo depois que eu responder esse telegrama eu vou ter o produto?
Logo depois do encerramento da ligação, é mostrada uma cena em que Anne Fischer, filha de Katiele, sofre uma convulsão e é amparada pela mãe. Em seguida, há o depoimento do neuropediatra Eduardo Faveret, que diz:
A convulsão é uma coisa que, quem vê pela primeira vez, acha que a pessoa tá morrendo. Então, a sensação das mães é uma sensação de morte iminente a cada crise que ela tem. No caso dessas epilepsias graves, você vê o seu filho não se desenvolvendo ou regredindo desse desenvolvimento.
Estes três atos são representativos de um primeiro momento da transformação do debate e do neoativismo canábico. Temos a entrada de um enquadramento que ainda está sendo “testado” e contra-argumentado no processo de formação do problema público da maconha/Cannabis medicinal. Nos dois últimos atos por nós selecionados e abaixo apresentados, vemos um contexto já mais estruturado, com um “ecossistema”, ou uma arena pública (CEFAÏ, 2017aCEFAÏ, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas…: O que nos ensina o pragmatismo (Parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 36, n. 1, pp. 187-213, 2017a.), em processo de formação (com associações canábicas formadas e a emergência de empresas voltadas para “prospectar” o mercado), ainda que as críticas ao moroso processo de regulamentação do uso medicinal e os desafios abertos à lei injusta permaneçam e até tomem contornos mais incisivos.
Quarto ato: Audiências da Comissão Especial criada para debater o PL 399/2015, ocorridas ao longo de 2019 e 2020. Nota-se a presença de especialistas e cientistas, técnicos de agências governamentais, familiares e representantes de associações como expositores. Novamente, apresentam-se testemunhos pessoais e relatos de casos terapêuticos, além de exposição de literatura e pesquisas científicas corroborando argumentos favoráveis à reforma. Para nossos propósitos aqui, destacamos trechos da fala de Margarete Brito (19 de novembro de 2019): “Pode haver pena de morte ou o que for, que todo mundo vai continuar plantando. Não adianta. […] Se for feita uma lei ruim, Deputado, ela vai continuar sendo descumprida”.
Destacamos que a mobilização da figura da “mãe” é central, explicitando seu sofrimento, seja pela dependência de seus filhos, seja pela ausência de regulamentação legal para o uso de Cannabis medicinal. Entretanto, observamos que, no primeiro caso, o “vilão” a ser combatido não é especificamente a maconha/Cannabis, mas “as drogas” mobilizadas de forma genérica, argumentação típica do proibicionismo, que associa o termo à ideia de “perigo” (FIORE, 2012FIORE, Maurício. “O lugar do Estado na questão das drogas: O paradigma proibicionista e as alternativas”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 92, pp. 9-21, 2012. ISSN: 0101-3300. Disponível em: https://www.scielo.br/j/nec/a/yQFZQG48VQvdYW8hQVMybCd/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 16 fev. 2024.
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, nota 4). Também é comum a ideia de que a maconha é “porta de entrada” para outras drogas. Essa argumentação se mantém, mesmo nos debates sobre o PL 399/2015.
Como o deputado Pastor Eurico e outros disseram aqui, sou também contra qualquer tipo de liberação de uso de droga, porque estou vendo o que está acontecendo nas famílias, os assassinatos. […] Eu fui vítima, há 24 anos, das drogas. Eu tenho um irmão morrendo nas drogas, eu tenho uma mãe que faleceu vitimada pelas angústias, pelo espancamento, pelos empurrões de um filho drogado. Então, só defende a liberação da droga quem não conhece o prejuízo que elas causam (deputado Pastor Sargento Isidório, Audiência Pública CE PL 399/2015, 2019).
No caso da mobilização da categoria “mãe” em defesa da regulação da Cannabis medicinal, o foco recai sobre essa planta especificamente.
Existe essa hipocrisia. Há muita gente usando e muito pouca gente disposta a dizer que está usando. Quem está na linha de frente dos que têm essa coragem? Mães e pais de pacientes, porque, quando se trata de um filho, não há mais medo, não há mais vergonha, não há nenhum tipo de amarra (Sidarta Ribeiro, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte [UFRN], Audiência Pública CE PL 399/2015, 2019).
Eu sempre digo às mães que vêm nos procurar, pedindo pelo amor de Deus para socorrer seu filho, para não esperarem pelo Estado, porque o Estado nos vira as costas, sim. […] Senador, quando eu comecei a plantar, tive que ignorar a lei, porque a vida da minha filha é mais importante do que qualquer lei; porque a lei e o Estado ignoram a nossa necessidade, ignoram o nosso sofrimento. […] Que a sociedade civil e as associações participem da construção de uma regulamentação, pois foram os cultivadores, mães e pacientes que trouxeram o debate da Cannabis terapêutica para o Brasil e são os mais interessados e necessitados. E é isto que estamos fazendo aqui: estamos participando, mas nós queremos ser ouvidos (Cidinha Carvalho, Associação Cultive. Audiência Pública CE PL 399/2015, 2019).
Quinto ato: Em um evento em São Paulo, em 2019, voltado para marcar o quinto aniversário do documentário Ilegal, há uma mudança relativa no contexto, com a presença de empresários e de associações canábicas já estabelecidas. Margarete Brito coloca de maneira incisiva: “Você tem que acreditar, porque nós não estamos fazendo nada de errado. Quem tá errada é a lei, e por isso nós vamos desobedecer, sim” (A CANNABIS…, 2019; PINHEIRO, 2019PINHEIRO, Roberta. “Cinco anos após lançamento de Ilegal, debate ainda é necessário”. Correio Braziliense, Brasília, DF, 13 out. 2019. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2019/10/13/interna_diversao_arte,797036/cinco-anos-do-filme-ilegal.shtml. Acesso em: 29 fev. 2024.
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; QUEM…, 2019).
Roteiro e repertórios: Performances e dramatização do problema
Diante dessas situações públicas de problematização da questão, surge uma indagação fundamental: como interpretar esses acontecimentos? Como dimensionar o impacto dessas situações públicas na configuração do debate público que envolve a planta? O movimento analítico que buscamos construir aqui se realiza a partir das formulações pragmáticas relativas à compreensão da dramatização do problema público e da conformação da arena pública, que envolvem performances, encenações, modos de aquisição de visibilidade. Situados no campo teórico-analítico de uma sociologia pragmática da crítica (BOLTANSKI 2009BOLTANSKI, Luc. De La Critique: Précis De Sociologie de l’émancipation. Paris: Gallimard, 2009.; BOLTANSKI; THÉVENOT, 1991; KREPLAK; LAVERGNE, 2008KREPLAK, Yaël; LAVERGNE, Cécile. “Les Pragmatiques à l’épreuve du pragmatisme: Esquisse d’un ‘air de famille’”. Tracés, Lyon, vol. 15, pp. 127-145, 2008. DOI: 10.4000/traces.713. Disponível em: http://journals.openedition.org/traces/713. Acesso em: 16 fev. 2024.
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), construímos uma análise que envolve parte do repertório colocado em ação na performance pública do que denominamos de neoativismo canábico (MCADAM; TARROW; TILLY, 2004MCADAM, Douglas; TARROW, Sidney; TILLY, Charles. Dynamics of Contention. Cambridge: Cambridge University Press, 2004., 2009; MOURÃO, 2023MOURÃO, Victor Luiz Alves. “Neoativismo canábico, controvérsias científicas e canabização do humano: Transformações no complexo simbólico e político da Cannabis. In: FRAGA, Paulo; ROSA, Lilian; REZENDE, Daniela (org.). De maconha à Cannabis: Entre política, história e moralidades. Juiz de Fora, MG: Editora UFJF, 2023. pp. 72-83. Disponível em: https://www2.ufjf.br/nevidh/wp-content/uploads/sites/504/2018/06/DOC-20230805-WA0049-1.pdf. Acesso em: 16 fev. 2024.
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), buscando, assim, delimitar o regime moral de justificação que conforma tais situações.
Os regimes de justificação estão implícitos nas situações sociais cotidianas e são mobilizados pelos atores em momentos de conflito para justificar suas ações e decisões. Desse modo, a capacidade crítica dos atores é colocada em relevo, e tais momentos conflitivos se mostram analiticamente profícuos para se compreender os fundamentos morais das instituições sociais. A análise permite identificar algumas características que conformam as performances políticas e públicas em torno da Cannabis medicinal e que sinalizam para uma transformação do regime moral de justificação que envolve o debate sobre maconha/Cannabis em nosso contexto.
Em particular, a virada do problema social (ou mais propriamente societal, algo problemático a partir do entendimento de grupos sociais específicos) para uma caracterização pública do problema (tornando-o algo que requer uma resposta pública - seja em termos de políticas [policies] ou de debates públicos - que vise sua resolução) é fundamental, marcando, eminentemente, uma virada do eixo do singular para o geral (FREIRE, 2014FREIRE, Jussara. “Sociologia da moral, ação coletiva e espaço público”. In: WERNECK, Alexandre; OLIVEIRA, Luis Roberto Cardoso de. Pensando bem: Estudos de sociologia e antropologia da moral. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014.). As perguntas que nos guiam a partir disso seriam: Quais seriam esses procedimentos e estratégias de publicização do problema? Que moralidade(s) é(são) mobilizada(s) nesse processo? Trabalharemos a partir do insight de Joel Robbins, que aponta que os valores podem ser encontrados no mundo em pessoas capazes de concretizá-los em sua plenitude (ROBBINS, 2015ROBBINS, Joel. “Onde no mundo estão os valores?: Exemplaridade, moralidade e processo social”. Sociologias, Porto Alegre, vol. 17, n. 39, pp. 164-196, 2015. ISSN: 1517-4522. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=86838423006. Acesso em: 7 jul. 2022.
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). Desse modo, adotamos uma posição heurística que busca delinear os valores que as lideranças do associativismo canábico representam, buscando caracterizar o horizonte moral delineado por esses processos.
Diante do exposto, como então podemos delinear as cenas apresentadas na seção anterior? De maneira mais direta, trata-se de testemunhos públicos de situações/experiências desenroladas em âmbito privado/doméstico. Lá se colocam/publicizam dificuldades, sofrimentos, sacrifícios, da busca e da luta por dignidade, saúde, qualidade de vida. Ainda que as situações sejam variadas, elas apontam para questões de saúde e de tratamentos associados, e os processos de atenção e de visibilização se concentram em casos de crianças com doenças raras, acometidas de epilepsia de tipo refratário, com resistência aos medicamentos pela medicina estabelecida. São figuras da família, cuidadores, que se apresentam em público para narrar/descrever situações que se desenrolam dentro de paredes, “dramas” que lhes acometem, e que passariam despercebidas do público em geral caso não fossem apresentadas nesses espaços. São mães, pais, filhos e filhas e demais parentes que assumem a face visível e mais contundente do trabalho ativista, o que, de certa forma, retoma uma gramática da vida pública preexistente, a maternidade acionada como recurso e a mãe como ator político, estratégia comum a manifestações políticas latino-americanas (Madres de la Plaza de Mayo) e brasileiras (Mães pela Anistia), que garantem legitimidade a essas demandas.
Nesse processo, há uma visibilização do care, do trabalho de cuidado, de toda uma série de esforços que visam resguardar pacientes, pessoas com condições de saúde diversas. Nesse ponto, como já ressaltado, analisado e criticado por grande parte da literatura feminista (HIRATA, 2016HIRATA, Helena. “Subjetividade e sexualidade no trabalho de cuidado”. Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 46, pp. 151-163, 2016.), o corte de gênero é especialmente saliente. Entretanto, essa questão inicialmente privada, vivenciada no âmbito doméstico/familiar, coloca em movimento uma dinâmica coletiva, como explicita a fala de Cibelle Fernandes: “Esse é o melhor presente que existe para uma mãe. […] Eu quero qualidade de vida. Eu, não, todas as mães”. Isso faz
as linhas da experiência se mexerem, abrindo os “particulares” a interesses crenças e desejos que transcendem suas perspectivas habituais. E começa a dizer respeito a pessoas bem mais além daquelas que são diretamente atingidas, impelindo-as a formarem uma experiência comum, a se indignarem conjuntamente e a se mobilizarem em público (CEFAÏ, 2017aCEFAÏ, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas…: O que nos ensina o pragmatismo (Parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 36, n. 1, pp. 187-213, 2017a., p. 196).
Nesse sentido, o que poderia ser considerado uma “zona de sombra”, já que pertencente ao mundo privado, reconfigura-se, muda de sentido, passando a ser considerado legítimo, próprio de tematização pública.
A problematização do “estado de coisas atual”, proibicionista, inicia-se a partir dessa experiência, que se desenrola a princípio em dimensão privada. Afinal, os testemunhos apontam como o tratamento das condições de saúde não só não encontram amparo nas ações estatais, como são particularmente obstaculizadas por ele. Assim, há um processo duplo de (1) contestação do proibicionismo e da interdição e (2) demanda pela regulamentação do uso e pela construção de políticas públicas e redes de apoio estatais para promover o uso adequado das substâncias e remédios. Essas demandas ou indagações “organizam um campo de intervenção” (CEFAÏ, 2017aCEFAÏ, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas…: O que nos ensina o pragmatismo (Parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 36, n. 1, pp. 187-213, 2017a., p. 199), transformando uma situação problemática em problema público, o que implica em tradução desse problema a partir de chaves interpretativas (não homogêneas ou consensuais, mas plurais e conflitivas), relações de causalidade, motivações e possíveis soluções, “estratégias de aliança e oposição”, promovendo um “trabalho do sentido” produzindo não só um “campo de experiência coletiva”, mas implicando também agentes públicos, uma vez que “publicizar é comprometer poderes públicos”.
De maneira mais aguda e contundente, articulam-se processos de desobediência civil pacífica, assim assumidos explicitamente por grande parte da liderança dos associativismos canábicos (“uma lei ruim”, que deve ser desobedecida). A contravenção é assumida em público, e coloca-se em questão o próprio fundamento e a legitimidade da construção legal vinculada ao proibicionismo, ainda que com graus diversos de extensão e crítica. Os processos de contestação dos regulamentos estabelecidos envolvem se colocar em situação de perigo e vulnerabilidade (estamos traficando, cometendo crimes, e não iremos nos calar nem se resignar, mas lutar de frente, assumindo publicamente o ato insurgente: “Pode haver pena de morte ou o que for, que todo mundo vai continuar plantando. Não adianta”). Aqui se mostra patente o que chamaremos mais adiante de disjunção moral/legal: o que está previsto em lei se contrapõe ao que se espera enquanto deveres e modos adequados de se viver socialmente, elemento central na tragédia de Antígona.
Seguindo a formulação presente em Werneck (2009WERNECK, Alexandre. O invento de Adão: O papel do ato de dar uma desculpa na manutenção das relações sociais. 2009. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009, p. 56), trata-se de um accountability social, uma tensão reflexiva entre o genérico (princípios morais) e o circunstancial (atos efetivamente levados a cabo), que adquire uma configuração em termos de justificação (que “surge como uma recusa de descompasso entre princípio moral [universal] e ação [localizada]”, e não em termos de uma desculpa dada, que “surge como uma constatação de descompasso entre esse princípio moral e essa ação”). Esse processo se desenrola perante a “ordem”, ou seja, diante daqueles em posições de responsabilidade pela manutenção da ordem legal, cujo princípio moral se encontra abalado, confrontando-os e colocando-os em uma posição legitimamente frágil.
Diante do que foi apresentado analiticamente até agora, já temos em mãos algo que desafia o proibicionismo e sua delimitação do que seria trágico em relação à maconha. Afinal, se toda a justificativa da interdição de uso/posse/produção se pautou por questões ligadas aos malefícios individuais e coletivos que as drogas causam, a disseminação de casos e conhecimentos ligados a aspectos terapêuticos da planta provoca uma inversão de posições manifestada pelos recalcitrantes da posição favorável ao proibicionismo: afinal, reclamam eles, “não somos monstros”. Ao contrário das posições estabelecidas no debate calcado no argumento da liberdade ou responsabilidade individuais, os aspectos ligados à saúde e à família passam a ser disputados pelos antagônicos, dando guarida a um momento auspicioso para alterações estruturais. Trata-se, portanto, de uma conjuntura crítica, que desloca os proprietários do problema. Desse modo, o que se colocava como a “tragédia da maconha” parece adquirir outros contornos nesse novo estado de coisas moral.
Afinal, qual seria a tragédia da maconha? Para uma dramaturgia do neoativismo canábico: Antígona e a disjunção moral/legal
Em outro registro, o que poderíamos denominar preliminarmente de uma autointerpretação mitológica do movimento aponta para uma configuração simbólica distinta. Aqui o mito fundamental seria a Caverna de Platão, tal qual colocado pela publicação acadêmica de uma das lideranças do movimento (CARVALHO; BRITO; GANDRA, 2017CARVALHO, Virgínia Martins; BRITO, Margarete Santos de; GANDRA, Mário. “Mães pela Cannabis medicinal em um Brasil aterrorizado entre luzes e fantasmas”. Forum Sociológico, Lisboa, série 2, n. 30, pp. 57-66, 2017. Disponível em: https://journals.openedition.org/sociologico/1747. Acesso em: 16 fev. 2024.
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). Desse modo, o propósito dos movimentos que buscam regulamentar o uso medicinal da Cannabis é o “esclarecimento”, ou seja, levar conhecimentos à população das propriedades terapêuticas da planta; são movimentos capazes de iluminar as trevas nas quais estamos atualmente submetidos coletivamente, errando em meio à ignorância e ao obscurantismo. Sem querer invalidar tal interpretação e contestar sua importância política e cognitiva, consideramos mais profícua a mobilização do mito trágico de Antígona para delinearmos o processo que se desenrola no âmbito do neoativismo canábico (MOURÃO, 2023MOURÃO, Victor Luiz Alves. “Neoativismo canábico, controvérsias científicas e canabização do humano: Transformações no complexo simbólico e político da Cannabis. In: FRAGA, Paulo; ROSA, Lilian; REZENDE, Daniela (org.). De maconha à Cannabis: Entre política, história e moralidades. Juiz de Fora, MG: Editora UFJF, 2023. pp. 72-83. Disponível em: https://www2.ufjf.br/nevidh/wp-content/uploads/sites/504/2018/06/DOC-20230805-WA0049-1.pdf. Acesso em: 16 fev. 2024.
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).
Ainda que as versões do mito sejam várias, tentaremos sintetizar o enredo para avançar no argumento. Antígona é filha de Édipo e Jocasta, e irmã de Polinice e Etéocles, irmãos que se matam disputando o trono de Tebas. Creonte, seu tio, assume o poder, e estabelece decreto que proíbe enterro de Polinice, sob pena de morte. Antígona desafia e o enterra, duas vezes, assumindo ainda o ato perante o soberano, que ordena que seja enterrada viva. Advertido por Tirésias (profeta/adivinho cego) e pelo coro (opinião pública), Creonte se arrepende, mas não consegue salvá-la a tempo e cai em desgraça. Trata-se de um drama central no legado cultural grego, que contabiliza uma crítica avolumada: por exemplo, G. W. F. Hegel, George Steiner (1996STEINER, George. Antigones: How the Antigone Legend Has Endured in Western Literature, Art, and Thought. New Haven, CT; London: Yale University Press, 1996.), Kathrin Rosenfield (2002ROSENFIELD, Kathrin. Sófocles e Antígona. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. Livro eletrônico.), Judith Butler (2014BUTLER, Judith. O clamor de Antígona. Florianópolis: Editora da UFSC, 2014.). A partir daqui, inspirados na crítica literária, filosófica e política da peça, tentaremos aproximar analiticamente nosso caso empírico com a trama de Antígona, atentando-nos especialmente ao que a interpretação crítica da peça nos permite ver em nossa trama histórica.
Alguns elementos presentes na peça permitem validar, ao menos inicialmente, essa aproximação. Temos uma figura feminina, a irmã, que assume os cuidados e os deveres sagrados, contrariando o estabelecido pelo decreto de Creonte. Há um desafio ao poder, não só realizando o ato interditado, como assumindo, de maneira pública e explícita, a sua execução. Desse modo, elementos ligados à observância de regras morais familiares e de desafio à ordem estatal/legal para seu devido cumprimento se apresentam, de maneira concomitante, no drama grego e nas situações acima colocadas. Para conseguirmos avançar, delimitaremos alguns pontos profícuos para costurar não só a relação entre a peça e as situações públicas do problema da Cannabis medicinal, mas para nos auxiliar no processo de análise do que chamamos aqui de uma dramaturgia do neoativismo canábico.
Primeiro ponto: O que está em jogo e o que propulsiona as ações de Antígona não remetem à defesa da autonomia e do arbítrio individuais. Antígona não é uma figura “liberal”, que faz o que faz como emblema da defesa de uma esfera individual em que ela teria a prerrogativa de definir o que lhe cabe de acordo com seus próprios preceitos e valores, em detrimento do poder do Estado. Trata-se, antes de tudo, de um dever, sagrado/religioso, “inalienável”, que não cabe a ela ignorar (e tampouco é ignorado pela comunidade de Tebas) (ROSENFIELD, 2002ROSENFIELD, Kathrin. Sófocles e Antígona. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. Livro eletrônico.). Isso nos permite atentar a algo que está em jogo no caso do neoativismo canábico, e que representa uma virada fundamental da situação militante anterior e já mencionada: a busca pela Cannabis medicinal não é fundamentalmente uma busca pela licença de uso do remédio, mas pela observação adequada dos cuidados de saúde e da dignidade humana. Não se trata de uma liberdade, mas de um dever. Estamos na dimensão do dever moral/sagrado, e não do arbítrio/autonomia/responsabilidade individual. Desse modo, rompe-se a relação entre privado e público estabelecida, e se reorganizam os termos em um novo patamar, pautando questões privadas, questionando ordenamentos públicos, minando a legitimidade da política proibicionista de repressão generalizada aos usos da planta. Há uma reconsideração “[d]os termos em que se estabelece a dicotomia dentro/fora da norma” (RODRIGUES, 2012RODRIGUES, Carla. “Antígona: Lei do singular, lei no singular”. Sapere Aude, Belo Horizonte, vol. 3, n. 5, pp. 32-54, 2012., p. 52), e uma redistribuição das moralidades e competências nesse âmbito.
Segundo ponto: Se o fundamento moral se põe nesse local de um dever que não lhe cabe ignorar, o Estado e a lei, tal qual existem, deixam de ser o referente moral fundamental. Esse fundamento moral está, portanto, aquém ou além do Estado. A tensão entre legal e moral se exacerba, há uma ruptura entre ordens distintas, uma que remete à dimensão política-legal e outra que remete à ordem cultural-tradicional. Como esse trecho do diálogo entre Antígona e sua irmã, Ismena, coloca bem:
Ismena: Mas não tens medo? Creonte proibiu!
Antígona: A ele não compete afastar-me do que é meu (ROSENFIELD, 2002ROSENFIELD, Kathrin. Sófocles e Antígona. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. Livro eletrônico., p. 650).
A disjunção moral-legal, que perpassa todo o drama grego em foco, é também notória no neoativismo canábico. Em vinculação com o primeiro ponto, pode ser observada no deslocamento que, realizado no problema público da Cannabis medicinal, se mostra distintivo em relação ao problema público da legalização das drogas até então estabelecido, este com uma configuração moral de caráter marcadamente liberal, assentado na premissa da liberdade negativa (vide, por exemplo, Fiore [2012FIORE, Maurício. “O lugar do Estado na questão das drogas: O paradigma proibicionista e as alternativas”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 92, pp. 9-21, 2012. ISSN: 0101-3300. Disponível em: https://www.scielo.br/j/nec/a/yQFZQG48VQvdYW8hQVMybCd/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 16 fev. 2024.
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]) e adquirindo contornos típicos do processo de legalização do álcool nos Estados Unidos na década de 1930.11
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A liberdade negativa é aquela que pressupõe a inviolabilidade de liberdades individuais pelo Estado, ou seja, visa proteger os indivíduos da arbitrariedade estatal ou da tirania. Nessa abordagem, o consumo de substâncias classificadas como drogas deve ser regulado pelo próprio indivíduo, caso seus danos recaiam sobre ele próprio e não afete terceiros. Nessa perspectiva não se demanda total desregulamentação do uso dessas substâncias, mas uma regulação que não se baseie na abstinência ou na criminalização do uso. Importante observar que a liberdade liberal e o próprio liberalismo político se fundamentam em uma dicotomia entre indivíduo e Estado, entre público (reino da regulação) e privado (reino da liberdade).
Não se trata mais do ativismo canábico como “novo ator social” que reivindica sua autonomia em termos de “usuário responsável”, nos termos de Corbelle (2015CORBELLE, Florencia. “Activismo cannábico: nuevo actor social”. Voces en el Fénix, Buenos Aires, n. 42, pp. 102-109, 2015.), mas de pessoas que não têm responsabilidade (diríamos “culpa”) de estarem sofrendo das condições de saúde que lhes acometem, e que precisam (mais uma vez a autonomia dos sujeitos não é ressaltada) da planta e derivados para tratar desse “mal”.
Desse modo, a extensão da virada pública do problema teria sido limitada pelo posicionamento liberal da oposição ao proibicionismo, que mostra seus limites em sua capacidade de generalizar tal ancoragem moral - afinal, o que teria eu, “cidadão de bem”, cumpridor de deveres, a ver com um maconheiro/drogado que busca seu direito e liberdade de consumir uma substância intoxicante, por diversão? Assim, se o proibicionismo foi bem-sucedido em neutralizar a resposta liberal em termos públicos, não logrou fazê-lo no debate medicinal, em que o processo de justificativa é pautado em termos de saúde, dignidade, família, e de deveres, e não em termos de liberdade de escolha, autonomia individual e direitos, como se colocava habitualmente no debate antiproibicionista.
Terceiro ponto: A partir disso, a proibição do enterro de Polinices, deixando seu cadáver profanado às intempéries, é, de fato, um ardil, que não evita o sepultamento (afinal, trata-se de um dever que Antígona assume), mas a empurra para uma transgressão fatal (ROSENFIELD, 2002ROSENFIELD, Kathrin. Sófocles e Antígona. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. Livro eletrônico.). Não poderíamos ler o proibicionismo sob esse mesmo prisma? Ele não evita que o cuidado buscado pelos parentes seja feito, mas força esses parentes para uma transgressão da regulação proibicionista. Desse modo, há uma equivalência funcional, em termos políticos e sociais, entre o proibicionismo à maconha e o decreto de Creonte, que, em consonância com a disjunção moral-legal relatada, estabelece o contexto no qual compreende o assumir público da contravenção. Como podemos ver no trecho da peça:
Ismena: Mas não deixa que ninguém saiba do teu plano. Cobre tudo nas sombras - vou estar contigo.
Antígona: Não, diz tudo a todo mundo. Eu te odeio [ainda] mais [c]aso não proclames em alto e bom som (ROSENFIELD, 2002ROSENFIELD, Kathrin. Sófocles e Antígona. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. Livro eletrônico., p. 678).
Esse assumir público, conforme visto na cena do conflito em torno da declaração de Cassiano Teixeira ou de Margarete Brito, ultraja de maneira incisiva aqueles que estão no poder, encarregados de fazer valer o que se encontra estabelecido nas letras da lei.
Quarto ponto: Esse bloco de mudanças performáticas lastreadas por um novo horizonte moral em relação à planta altera completamente o cenário de disputa política em seu entorno. As estratégias políticas estabelecidas anteriormente perdem eficácia. O pânico moral dos favoráveis à proibição não encontra mais amparo. Se, como coloca Carla Rodrigues (2012RODRIGUES, Carla. “Antígona: Lei do singular, lei no singular”. Sapere Aude, Belo Horizonte, vol. 3, n. 5, pp. 32-54, 2012., p. 49) a partir de Judith Butler, “a função do tabu como centro orientador e organizador da estrutura de parentesco seria cultivar o incesto como espectro de uma dissolução social; espectro que teria também a função de garantir a norma sob ameaça de uma aberração à norma”, o tabu proibicionista (seja do enterro de Polinices-inimigo, seja do uso da planta) perde eficácia e não logra ser mais instrumento de uma estratégia efetiva de pânico moral. Famílias que buscam tratar dos seus com uso de substância proibida não são alvo crível de denúncias morais atentando contra a ordem social, afinal, o bem-estar dos filhos é o desejo de todas as mães.
Quinto ponto: Seguindo formulação de Judith Butler (2014BUTLER, Judith. O clamor de Antígona. Florianópolis: Editora da UFSC, 2014.), Antígona age não a partir de uma oposição entre pré-política e política (conforme interpretação de Hegel sobre o drama), mas dentro da política, falando na mesma língua do Estado em oposição a ele. Essas mães/mulheres defensoras da Cannabis medicinal, tal qual Antígona, “assume[m] a voz da lei ao cometer seu ato contra esta” (BUTLER, 2014BUTLER, Judith. O clamor de Antígona. Florianópolis: Editora da UFSC, 2014., p. 29); não se trata de uma pré- ou antipolítica, mas de uma outra política. Não se trata, portanto, da defesa do parentesco ou da maternidade/privada versus a lei do Estado/pública. Assim como em Antígona, uma questão familiar (cuidados, saúde e doença de familiares) se desdobra na dimensão política (proibicionismo). O desenrolar, desse modo, se volta não para sua abolição (do Estado) ou para um retorno à pré-política (como em Hegel), mas na direção de uma interpelação ao Estado para uma nova resposta a esse problema público.
Assim, a tragédia da maconha, recolocada a partir do problema público da Cannabis medicinal, reverte a inversão, e recoloca o páthos trágico do drama em outro âmbito: os proibicionistas, ao buscarem defender a saúde individual e pública, impedem o tratamento adequado de pacientes; ao buscarem defender os laços sociais e as famílias, estão impedindo que algumas famílias cuidem dos seus. A indagação colocada pelos familiares de pacientes reconfigura as posições de “culpados e de vítimas, defensores, juízes e reparadores” (CEFAÏ, 2017aCEFAÏ, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas…: O que nos ensina o pragmatismo (Parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 36, n. 1, pp. 187-213, 2017a., p. 197).
Conclusão: Deslocamentos/pluralização do regime moral da maconha/Cannabis
Esse artigo buscou construir uma análise incidindo sobre situações performáticas de pauta pública sobre Cannabis e seus usos medicinais. Inspirados na abordagem teórica pragmatista de análise de problemas públicos, indicamos a emergência de um repertório dramatúrgico do neoativismo canábico, que logrou construir um novo cenário moral sobre o debate da Cannabis, alterando a configuração simbólica, moral e política estabelecida até então. Desse modo, temos uma contestação aos princípios morais universais que estavam estabelecidos no trato com a planta a partir da emergência de uma série de vivências que desafiam uma visão essencialmente maléfica do seu uso. Nesse processo, houve uma positivação de aspectos da saúde (de droga para remédio) e da família (de ameaçada para restaurada) ligados à planta, e uma reformulação da ideia de direitos nesse âmbito, afastando-se de premissas de liberdade individual negativa e apoiando-se em formulações ligadas à dignidade humana e à saúde. Há um embaralhamento das posições políticas relativas à planta e a emergência de um neoativismo canábico (MOURÃO, 2023MOURÃO, Victor Luiz Alves. “Neoativismo canábico, controvérsias científicas e canabização do humano: Transformações no complexo simbólico e político da Cannabis. In: FRAGA, Paulo; ROSA, Lilian; REZENDE, Daniela (org.). De maconha à Cannabis: Entre política, história e moralidades. Juiz de Fora, MG: Editora UFJF, 2023. pp. 72-83. Disponível em: https://www2.ufjf.br/nevidh/wp-content/uploads/sites/504/2018/06/DOC-20230805-WA0049-1.pdf. Acesso em: 16 fev. 2024.
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), com uma perda de eficácia das estratégias políticas de manutenção do status quo proibicionista. Se o proibicionismo neutralizou a resposta antiproibicionista liberal, não conseguiu fazer o mesmo no debate medicinal, fundado em outros argumentos ou tropos, explorados a partir dos cinco atos apresentados.
A condição estabelecida para os familiares e pacientes, de vulnerabilidade e perigo, é interpretada a partir da chave de vítimas (da doença, do sistema), o que impede sua culpabilização pelos atos contra a lei publicamente assumidos. Em suas demandas, os atores de uma dramaturgia do neoativismo canábico não buscam deliberadamente o prazer e a recreação com a droga, mas, ao contrário, a redução de um sofrimento enorme que lhes acomete, malgré eux-mêmes [apesar de si mesmos]. O fato da doença publicizada acometer crianças reforça o aspecto de inocência e de ausência de escolha. Desse modo, o sofrimento vivenciado em âmbito privado e exposto dramaturgicamente em espaço público funciona como um dispositivo político de mudança social/legal no caso aqui analisado.
A partir desse cenário, e tendo em vista a conformação histórica desse problema público, a controvérsia dificilmente se estabilizará. Os processos de regulamentação são vários e suas resoluções são objeto de forte debate e contestação, seja entre campos opostos, seja de maneira interna a esses campos, o que reforça o argumento de Cefaï (2017aCEFAÏ, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas…: O que nos ensina o pragmatismo (Parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 36, n. 1, pp. 187-213, 2017a.) de que publicizar é pluralizar. Apenas para mencionar alguns aspectos salientes, há um forte tensionamento simbólico dos termos do debate, entre maconha e Cannabis (e outros ainda propostos), entre a diversidade de usos e propósitos, em relação ao escopo da população que poderia se beneficiar terapeuticamente de seu uso e em relação às condições de saúde que poderiam ser tratadas. Além disso, a incorporação da temática do uso adulto/recreativo e dos aspectos violentos/repressivos dos proibicionismo foram pautados apenas secundariamente nos atos analisados, tendo em vista a estratégia hegemônica de avançar com maior rapidez e legitimidade no processo de regulamentação do uso medicinal (e industrial). Essa questão remete aos bastidores das cenas públicas analisadas, ao que é considerado secundário, invisibilizado, ainda que temporariamente (CEFAÏ, 2017bCEFAÏ, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas…: O que nos ensina o pragmatismo (Parte 2)”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 36, n. 2, pp. 129-142, 2017b.). Esses pontos contribuem para uma caracterização aberta das disputas travadas nesse momento.
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» https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/12344 - RODRIGUES, Carla. “Antígona: Lei do singular, lei no singular”. Sapere Aude, Belo Horizonte, vol. 3, n. 5, pp. 32-54, 2012.
- ROSENFIELD, Kathrin. Sófocles e Antígona. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. Livro eletrônico.
- SÓFOCLES. Antígona: Tragédias completas. Tradução Jaa Torrano. Cotia, SP: Ateliê, 2022.
- STEINER, George. Antigones: How the Antigone Legend Has Endured in Western Literature, Art, and Thought. New Haven, CT; London: Yale University Press, 1996.
- WERNECK, Alexandre. O invento de Adão: O papel do ato de dar uma desculpa na manutenção das relações sociais. 2009. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009
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Esse trabalho contou com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Notas
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1
Comissão Especial é um instituto criado quando a matéria trata de temas pertinentes a mais de duas comissões permanentes e visa concentrar os debates sobre um determinado projeto possibilitando acumular lastro político e técnico e, desse modo, agilizar o processo legislativo, inclusive com previsão regimental de envio do projeto diretamente ao Senado, sem necessidade de apreciação no Plenário da Casa. Para uma análise das audiências públicas sobre maconha/Cannabis na Câmara, ver Rezende, Fraga e Sol (2022). Para uma análise sobre as audiências públicas da Anvisa, ver Rodrigues, Lopes e Mourão (2020). Para outras informações, consultar Anvisa (2019) e Pacientes… (2019).
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2
Acerca do Fórum sobre a Maconha, consultar https://eventos.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id= 21158. Os vídeos do fórum estão disponíveis em https://youtube.com/playlist?list=PLH8ncPhsQN-3-on4CfU8E4QCwvbRgkzAr.
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3
Para uma análise sobre os posicionamentos de diferentes associações médicas sobre o debate da maconha/Cannabis medicinal, veja Fabrício e Amarante (2022). Para uma análise da controvérsia ensejada pelas publicações do Conselho Federal de Medicina (CFM), em especial o tensionamento com a Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis (SBEC), veja Mourão (2021, [2024]). Alguns posicionamentos públicos sobre as publicações podem ser encontradas na fala da pesquisadora e médica Carolina Nocetti, em audiência pública sobre PL 399; e em um fio de posts no Twitter publicado no perfil do médico Luís Fernando Tófoli: https://twitter.com/lftofoli/status/1131375314775531520.
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4
Uma análise mais pormenorizada revela que o título do livro-cartilha e os posicionamentos públicos do Conselho não condizem com o teor geral de A tragédia. Há uma seção que identifica propriedades terapêuticas de vários canabinoides, além do canabidiol (CBD). É possível perceber, através das notas de pé de página para fins de referência, que grande parte do conteúdo e da revisão científica contemplada nessa obra se refere a duas publicações norte-americanas: o livro do National Institute on Drug Abuse (Marijuana Report Series, 2017) e um livro da National Academies of Science (The Health Effects of Cannabis and Cannabinoids: The Current State of Evidence and Recommendations for Research, 2017). Trata-se também de traduções de trechos do original em inglês para o português. Ao reconhecer esse conjunto extenso de propriedades terapêuticas comprovadas, A tragédia, como um todo, vai na contramão daquilo que é preconizado no Decálogo e nas seções “Apresentação” e “Introdução”, respectivamente redigidas pela presidência do CFM e pela Comissão para Controle de Drogas Lícitas e Ilícitas do mesmo conselho, que restringem as possibilidades terapêuticas da planta e derivados. Na época da publicação do livro do CFM, o médico Luís Fernando Tófoli publicou um fio de posts no Twitter chamando atenção para algumas dessas inconsistências: https://twitter.com/lftofoli/status/1131375314775531520.
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5
É possível identificar, na literatura especializada no Brasil, que havia potencial terapêutico conhecido de longa data, como mostrou Brandão (2014, 2017, 2023) e Malcher-Lopes e Ribeiro (2007).
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6
Vide o crescente movimento de apresentação de projetos de lei voltados ao uso medicinal da Cannabis em estados e municípios (REZENDE, ROSA, 2023). O caso de São Paulo teve grande repercussão diante da sanção pelo governador, Tarcísio de Freitas, fortemente vinculado ao ex-presidente Bolsonaro, este declaradamente contrário à proposta de regulação da Cannabis apresentada no PL 399 (AO APROVAR…, 2023).
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7
Para mais informações sobre essa reunião, consultar https://legis.senado.leg.br/comissoes/reuniao?0&reuniao=2791
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8
A gravação do IV Simpósio, incluindo relatos de pacientes, está disponível em https://youtube.com/playlist?list=PL0EWj1xyL2w. Há informações sobre o evento publicadas no Boletim Maconhabrás (2014, 2017), editado pelo CEBRID.
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9
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=c-jhJY6Q3ro&ab_channel=SBEC-SociedadeBrasileiradeEstudosdaCannabis.
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10
Para uma análise mais detida do documentário, ver Castro (2023).
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11
A liberdade negativa é aquela que pressupõe a inviolabilidade de liberdades individuais pelo Estado, ou seja, visa proteger os indivíduos da arbitrariedade estatal ou da tirania. Nessa abordagem, o consumo de substâncias classificadas como drogas deve ser regulado pelo próprio indivíduo, caso seus danos recaiam sobre ele próprio e não afete terceiros. Nessa perspectiva não se demanda total desregulamentação do uso dessas substâncias, mas uma regulação que não se baseie na abstinência ou na criminalização do uso. Importante observar que a liberdade liberal e o próprio liberalismo político se fundamentam em uma dicotomia entre indivíduo e Estado, entre público (reino da regulação) e privado (reino da liberdade).
Editor responsável:
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
17 Jun 2024 -
Data do Fascículo
May-Aug 2024
Histórico
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Recebido
05 Set 2023 -
Aceito
08 Dez 2023