Acessibilidade / Reportar erro

Gênese Anticolonial do Constitucionalismo Latino-Americano

Anticolonial Genesis of Latin American Constitutionalism

Resumo

Este artigo analisa o constitucionalismo latino-americano e seu caráter anticolonial no nascedouro dos Estados Nacionais do continente. Para tanto, busca descrever as contradições sociais existentes no momento das independências, no começo do século XIX. Estuda o caráter do constitucionalismo latino-americano, utilizando exemplos das repúblicas do Haiti e do Paraguai e conclui com as dificuldades de sua implantação, que se mantém até hoje.

Palavras-chave:
Constitucionalismo latino-americano; Haiti; Paraguai; Anticolonialismo

Abstract

This article analyze Latin American constitutionalism and its anticolonial character in the birth of the continent's national states. For that seek to describe the existing social contradictions at the time of independence, the early nineteenth century. Article studies the character of Latin American constitutionalism using examples from the Republics of Haiti and Paraguay and conclude with the difficulties of its implementation, which continues to this day.

Keywords:
Latin American constitutionalism; Haiti; Paraguay; Anticolonialism

Introdução: Por que são latino-americanas as constituições?

Há uma produção teórica muito extensa sobre o constitucionalismo latino-americano, chamado algumas vezes de ‘novo’ ou ‘neo’, mas não há consenso sobre seu início, sua gênese. Roberto Viciano Pastor1 1 VICIANO PASTOR, Roberto. Estudios sobre el nuevo constitucionalismo latinoamericano. Valencia, Espanha: Tirant Lo Blanch. 2012. , em obra que comparte com outros autores, denomina de novo e desenvolve a ideia de que o é em relação ao constitucionalismo europeu e não a si mesmo. Assim, nega que haja um “velho” constitucionalismo latino-americano, como se o anterior fosse reprodução do europeu, portanto não merecendo o adjetivo de latino-americano. Diz ainda que o novo nasce com a Constituição venezuelana de 1999, por ser a primeira com participação efetivamente popular. Nessa concepção, a novidade é praticamente andina e entende que havia um constitucionalismo universal (europeu); em 1999, a América Latina inovou com as três constituições andinas, da Venezuela, Equador e Bolívia. Ao contrário disso, desde o início do constitucionalismo, há na América Latina uma busca permanente por alternativa local anticolonial como forma jurídica de constituir Estados Nacionais. Neste artigo será abordada apenas parte da trajetória dessa busca com os dois primeiros países a alcançarem a independência, Haiti e Paraguai, ambos claramente antieuropeus.

O que caracteriza o constitucionalismo latino-americano não é só o fato de escrever uma constituição na América Latina por constituintes da região, mas por seu conteúdo revelar formações sociais por um lado diferentes das da Europa e, por outro, com uma identidade regional. Assim, para ganhar o título de latino-americanas, as constituições têm de ter uma marcada identidade que as diferenciem das demais regiões do planeta. É necessário entender essas diferenças e identidades, nem sempre claras, já os povos da América Latina, pensados na diversidade indígena e afrodescendente, entre outras, são muito vastos apesar dos Estados serem tão parecidos entre si. O processo colonial sofrido aproxima todos os países da região; eis um primeiro ponto de identidade, a formação colonial. O segundo ponto, derivado do colonialismo, é a forma de exploração do trabalho, escravagista e genocida, e o terceiro é a profunda exploração extrativista da natureza, seja mineral, seja vegetal, o que implica em um controle antipopular da terra e da natureza.

No início do século XX, com a criação dos Estados de Bem-Estar Social, houve uma mudança na teoria constitucional europeia que passou a defender a existência de uma força normativa2 2 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução Gilmar Mendes. Porto Alegre: SAFabris. 2010. nos textos constitucionais aprovados. Este ‘novo’, que a América Latina contribuiu fortemente com a Constituição mexicana de 1917, já fazia parte do pensamento latino-americano anticolonial desde o Haiti, em 1804, portanto outra característica latino-americana que deve ser ressaltada. Quer dizer, quando Konrad Hesse elaborou sua teoria da força normativa da constituição, na América Latina já se disputava a aplicação direta das normas constitucionais, não apenas no século XX com a Constituição mexicana de 1917, mas antes disso, no Haiti, no Paraguai, na Constituição bolivariana de Chuquisaca e mesmo na discussão perdida no Brasil, que não conseguiu impedir a manutenção da escravidão com a Carta outorgada de 1824.

O que caracterizou o constitucionalismo do continente no fim do século XX, chamando a atenção dos teóricos, foi a inclusão de direitos mais ou menos autônomos dos povos indígenas e outros tradicionais, além de uma forte proteção da natureza, muitas vezes denominada de meio ambiente. Esses dois direitos, povos e natureza, se contradizem e se opõem aos direitos individuais protegidos pela tradição constitucionalista europeia, capitalista. A inclusão de povos com direitos não individuais e proteções ou direitos da/ou sobre a natureza que restringem direitos de propriedade individual da terra é o que dá a essencialidade do caráter latino-americano das constituições do século XX e XXI, a começar pela brasileira de 1988.3 3 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. A essência socioambiental do constitucionalismo latino-americano. Revista da Faculdade de Direito da UFG. Goiânia, vol. 41, n. 1, p. 197-215. jan/jul. 2017. Esses direitos se antagonizam com os direitos individuais por serem coletivos em sua essência e existência, entendidos não como a soma de direitos individuais, mas como pertencentes a comunidade ou grupo humano determinado, no caso de povos, e indeterminado, no caso da natureza e, em consequência, da terra. Essas características são a marca da anticolonialidade, por isso são de tão difícil aplicação nas sociedades capitalistas dependentes.

As constituições que inovaram na formulação deste conteúdo podem, portanto, ser chamadas de novas porque, embora já houvesse a discussão dos direitos dos povos e da natureza, e do anticolonialismo, desde o nascimento dos Estados Nacionais, no começo do século XIX, esses não estavam explícitos. A maioria das constituições formadoras eram formalmente muito parecidas com as europeias, entretanto estava presente o gérmen da discussão sobre o Estado Nacional como protetor das especificidades sociais locais e limitante da propriedade individual da terra e de acumulação de riqueza. Essa discussão foi vencedora tanto no Haiti como no Paraguai, por isso a opção por estes dois nascimentos, que, de resto, são os primeiros.

Este artigo pretende estudar o nascimento deste constitucionalismo nas independências. Para isso, será analisado o momento de nascimento dos Estados Nacionais e as forças ou atores sociais presentes naquele momento. Os dois casos analisados serão as constituições oriundas da Guerra do Haiti e a ausência de um texto escrito com o nome de Constituição no Paraguai. Ambos são paradigmáticos da luta anticolonial e auxiliam no entendimento da gênese do constitucionalismo latino-americano, entendido como a adoção das ideias da modernidade para a criação de Estados Nacionais com fundamento em regras jurídicas, acrescida da idiossincrasia do continente, portanto anticolonial, anti escravagista e que favoreça as culturas locais, principalmente indígena.

O nascimento dos Estados Nacionais latino-americanos

Os Estados latino-americano e caribenhos nasceram sob o jugo do colonialismo e sob a pressão de um escravagismo orgânico. A gênese das constituições latino-americanas e seu constitucionalismo está presente na discussão das condições de formação das sociedades independentes porque tiveram que enfrentar o debate sobre o escravagismo e a ocupação da terra, dificultando a aplicação dos modelos liberais que se apresentavam na Europa. A discussão sobre a ocupação da terra está muito presente na formação das sociedades da América Latina em contradição com a ocupação liberal da América do Norte4 4 FITZMAURICE, Andrew. Sovereignty, property and Empire: 1500-2000. Cambridge: University Press. 2014. 360 p. . Na América Latina, as metrópoles mantiveram a terra sobre absoluto controle, assim como o trabalho escravo. As elites, nas independências, pretenderam manter o controle sob a terra e a escravidão, por isso sua divergência com os povos originários, os camponeses e os “Libertadores”. No Brasil, depois da independência, a terra foi tão controlada quanto antes, sendo inacessível aos trabalhadores.5 5 SILVA, Lígia Osório. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da lei de terras de 1850. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1996. Essa discussão gerou, em diversos países, incompatibilidades com o constitucionalismo europeu ou norte-americano, ou pelo menos diferenças fortes, demonstrando a insuficiência das teorias constitucionais exógenas. Dessa forma, as discussões, ou melhor, a discussão sobre o nascimento dos novos países independentes, sua forma jurídica e organização política tem traços próprios que desde então vão indicando o que viria a ser o constitucionalismo latino-americano tão explícito do século XXI.

Ao se analisar as constituições e os discursos constitucionais de Bolívar, Toussaint L'Overture, Francia, Artigas, San Martin, Marti ou Morelos, fica clara a insuficiência das propostas europeias e norte-americana. Mesmo no Brasil, onde a independência e a Constituição foram feitas por um herdeiro português e que parece não ter havido debate nem resistência, meio escondido na história, é possível sentir esta preocupação6 6 No Brasil do começo do século XIX houve discussões, com José Bonifácio, para incluir na Constituição a distribuição de terras para todos, o fim da escravidão e o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas. Porém o Imperador promulgou uma Constituição típica da colonialidade. . Ainda que as posições que levavam em conta a realidade local tenham sido derrotadas ou traídas, estas marcas ficaram e se revelaram em outros momentos históricos, como no México e na Bolívia, no século XX. Foram reveladas também nas leis que compuseram o mundo jurídico de cada país, como exemplo, a Lei de Terras, Lei nº 601/1850, no Brasil7 7 SILVA, Lígia Osório. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da lei de terras de 1850. Campinas: UNICAMP, 1996. .

As contradições entre colonialismo e independência, liberdade e escravidão, natureza e produção para exportação, sociedades hegemônicas e sociedades tradicionais, fortemente presentes na gênese do constitucionalismo latino-americano, no século XIX, podem desvelar as inovações ocorridas no final do século XX e XXI, que tem como ponto culminante a Constituição mexicana de 1917, as andinas do século XXI e a cubana de 2019. Alguns autores, seguindo uma classificação de Raquel Yrigoyen8 8 YRIGOYEN FAJARDO, Raquel. Pluralismo jurídico, derecho indígena y jurisdición especial en los países andinos. El Otro Derecho. Vol. 30, n. ILSA/Bogotá. 2004. p. 171-196. , sustentam que o ‘novo’ constitucionalismo nasceu no fim do século XX e se aprimorou em degraus ou momentos - esses crescem reconhecendo a existência de povos até o autorreconhecimento estatal como plurinacional. Esta trajetória assim entendida deixa curta a história e esconde os ricos debates e lutas na formação dos Estados Nacionais no começo do século XIX e mesmo no fim do XVIII, deixando de considerar a extraordinária revolução negra do Haiti. Assim, é necessário voltar às origens, esquecendo a palavra ‘novo’ e a rápida evolução do século XX e XXI para entender as profundas origens do constitucionalismo latino-americano nas lutas pelas independências. As discussões, debates, angústias e práticas da formação de Estados Modernos na América Latina estiveram ausentes nas discussões europeias e nos escritos dos teóricos europeus e eurocentristas que, em geral, viam no emaranhado legislativo constitucional do século XIX uma reprodução automática e literal das constituições do chamado Velho Mundo. Os constitucionalistas europeus que estudam o contexto latino-americano se surpreendem com as soluções encontradas para dar vida aos direitos dos povos e da natureza, terra, principalmente nos séculos XX e XXI. O século XIX é esquecido, como se não houvesse nem debates nem práticas na formação dos Estados Nacionais. A leitura dos espanhóis Bartolomé Clavero9 9 CLAVERO, Bartolomé. Derechos indígenas y cultura constitucional en América. México: Siglo XXI. 1994. , Viciano Pastor10 10 VICIANO PASTOR, Roberto. Estudios sobre el nuevo constitucionalismo latinoamericano. Valencia, Espanha: Tirant Lo Blanch. 2012 e Martínez Dalmau11 11 DALMAU, Rubén Martínez. Los Nuevos paradigmas constitucionales de Ecuador y Bolivia. La Tendencia - Revista de análisis político -, Quito, nº 9, p. 38, , março/abril de 2009. , por exemplo, demonstra essa admiração e, ao mesmo tempo, incompreensão da origem dessas constituições plurinacionais, pioneiras em reconhecer direito de povos, desafiando os antigos critérios de autonomias, mas mantendo uma necessária soberania nacional.

Os autores europeus de Direito Constitucional não americanistas mostram certo desdém pelas constituições da América Latina, por exemplo, o professor Maurice Duverger que publicou alentado livro em 1978DUVERGER, Maurice. Constitutions et documents politiques. Paris: Presses Universitaire de France. 1978. sobre Constituições e Documentos Políticos12 12 DUVERGER, Maurice. Constitutions et documents politiques. Paris: Presses Universitaire de France. 1978. sem qualquer referência à Revolução e Constituição mexicanas. Hoje está claro que, em 1917, o México escreveu um dos mais importantes textos legais fundadores do Bem-Estar Social e da intervenção do Estado nas ordens econômica e social, assim como uma constituição com força normativa. A Constituição mexicana de 1917 merece integralmente o adjetivo de latino-americana, com caráter anticolonial, apesar de já ter sido traída tantas vezes. Com o rompimento das ditaduras na América Latina, nos anos 1980, os juristas ibéricos, principalmente, passaram a olhar com maior atenção as constituições que começaram a surgir. É o caso da Constituição brasileira de 1988 e, em seguida, a colombiana de 1991. Estas duas constituições impressionaram pela clareza na proteção dos direitos indígenas e a extensão aos povos afrodescendentes e pelo reconhecimento dos diretos sobre o meio ambiente, nome jurídico que compreende a natureza. Importantes constitucionalistas portugueses e espanhóis passaram a estudar estas constituições e ampliaram o estudo às outras constituições do continente. O sevilhano Bartolomé Clavero dedicou vários livros e artigos sobre o tema, sempre preocupado com as questões indígenas. Outro sevilhano, Joaquín Herrera Flores, organizou cursos de mestrado e doutorado na Espanha com ênfase na América Latina, com temas, professores e alunos latino-americanos13 13 Cursos oficiais da Universidade Pablo de Olavide, em Sevilha, Andaluzia, Espanha. . Em Portugal, constitucionalistas como Jorge Miranda e Gomes Canotilho14 14 J.J. Gomes Canotilho é co-autor e co-organizador da alentada obra “Comentários a constituição do Brasil”. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 2018. também se voltaram a estudos principalmente da constituição brasileira. Houve uma densa discussão das constituições brasileira e colombiana. E as novidades de estenderam por todo o continente, até chegar às admiradas constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009), que definiram os Estados como plurinacionais e garantiram direta e indiretamente, respectivamente, os direitos da natureza, deixando clara a existência de peculiaridades latino-americanas anticoloniais e identidades entre elas, a ponto de se falar, então, em constitucionalismo latino-americano.

A terra, sua ocupação e os direitos a ela referentes foram discussões infraconstitucionais no século XIX, mas ganharam status constitucional em 1917 no México, o que depois se expandiu para o continente, finalmente reconhecido como direito coletivo ao meio ambiente ou à natureza, e constitucionalizando o que se chamou de função social. As relações de trabalho, livres e coletivas, os direitos das mulheres e restrições ao direito individual e patrimonialístico da propriedade imóvel, urbana e rural também foram ganhando espaço nas constituições com cada vez mais força normativa.

Todavia, estas inovações e diferenças não são flores sem haste que pairam no espaço sem ligação com as lutas concretas contra 500 anos de colonização. A limitação temporal dos estudos constitucionais latino-americanos acaba ofuscando as práticas e os debates ocorridos ao longo dos últimos duzentos anos. É necessário buscar o início do constitucionalismo latino-americano nas lutas pela independência, um processo continuado desde Tupac Amaru e Sepé Tiaraju, até os direitos da natureza da constituição equatoriana de 2008, passando por Zumbi dos Palmares e Toussaint L’Overture e textos constitucionais, como as constituições do Haiti de 1804, do México de 1917, da Bolívia de 1938, a negativa constitucional de Francia e as constituições de Bolívar. Nesse sentido, a Constituição boliviana de 2009 pode ser incompreendida se não for conhecida a de 1938, a Revolução de 1952 e a Constituição Bolivariana de Chuquisaca de 1826. Entender essa história ajuda a compreender a dificuldade de implementação das belas constituições do continente.

Havia forças díspares e contraditórias nas sociedades coloniais no momento das independências e elas explicam a discussão anticolonial e o medo das elites em romper com a colonialidade e a escravidão.

As sociedades latino-americanas e as independências

Na época da chegada das primeiras caravelas ibéricas, passagem dos séculos XV para XVI, a população do continente era, em cálculos moderados, de 70 milhões de pessoas, distribuídas em milhares de povos organizados em pequenos grupos ou em grandes impérios15 15 STANNARD, David. American Holocaust: the conquest of new word. New York: Oxford University Press. 1992. 391 p. . A população na América em 1500 era maior do que a europeia. Grondin e Viezzer anotam que a população americana era de 67 milhões em 1500 e no processo colonial foram mortos 61 milhões16 16 GRONDIN, Marcelo e VIEZZER, Moema. O maior genocídio da história da humanidade. Toledo: Gráfica e Editora. 2018. 298 p. . Os cronistas da época relatam esses genocídios; Frei Bartolomé de Las Casas, em sua vasta obra, conta o assassinato sem causa de milhões de pessoas em poucos anos17 17 LAS CASAS, Bartolomé. Brevísima relación de la destrucción de las Índias. Medellin/Colombia: Editorial Universidad de Antioquia. 2011. 209 p. (pg. 10 e seguintes). . Segundo as Nações Unidas, hoje vivem na América Latina 45 milhões de indígenas18 18 AGENCIA BRASIL. Relatório da ONU aponta aumento do número de indígenas na América Latina. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2014-09/relatorio-da-onu-aponta-aumenta-do-numero-de-indigenas-na-america> . Acesso em 2 abr. 2019. . Esses números, não sendo um estudo demográfico, indicam que a colonização nas Américas foi de uma violência ímpar amplificada com a tragédia dos africanos sequestrados e trazidos em condições sub-humanas. O historiador da University of London, Kenneth Morgan, estima que aportaram nas Américas mais de 12 milhões de pessoas19 19 MORGAN, Kenneth. Cuatro siglos de esclavitud atlántica. Tradución de Carmen Castells. Barcelona: Editorial Planeta. 2017. 287 p. nos quatro séculos de tráfico de escravizados africanos. O autor explica a dificuldade de acertar estas contas porque o tráfico, especialmente no século XIX, era clandestino. Esse número, somado aos europeus, asiáticos e norte-africanos que chegaram ao continente, oferece uma dimensão do que foi a substituição de população, com graves consequências culturais. Por um lado, o genocídio indígena, por outro, a imigração forçada e a miscigenação abalaram as sociedades locais a ponto de destruir os impérios existentes e exterminar povos livres. É possível dizer que nem os chegantes nem os substituídos se mantiveram incólumes às mutações culturais. Alguns, como os africanos negros e os indígenas atraídos, foram perversamente obrigados a esquecer ou esconder suas origens culturais, sua língua, sua religiosidade e sua arte20 20 MOURA, Clóvis. Dialética radical do Brasil negro. 2ªed. São Paulo: Editora Anita Garibaldi. 214. 336 p. especialmente pg. 233-273. . Outros simplesmente passaram a viver de maneira diferente do que viviam em seus países e seus filhos aprenderam coisas impensáveis no país de seus pais.

Mas não só as gentes passaram por este processo de mutação e substituição. A natureza, os não humanos, também. A economia colonial foi perversamente extrativista ou agrícola; as minas de ouro, prata e outros metais fundamentais para a formação da riqueza das metrópoles e a formação do capitalismo foram devastadoras da natureza e a maior parte do trabalho, escravizado ou servil, era indígena, o que impôs mudanças nas suas ordens sociais. A outra parte da economia colonial, a agricultura de exportação, destruiu a natureza local da mesma forma. As grandes lavouras, nas terras baixas e férteis, ocuparam mão de obra escrava africana, tanto para extrair minérios como para a produção agrícola em larga escala. Portanto, as consequências foram perversas com a natureza, o que impôs um rígido regime de controle sobre as terras para garantir acesso somente aos grandes latifundiários. Por outro lado, as metrópoles se apropriaram rápida e violentamente dos conhecimentos dos nativos para a localização das minas e para uso das plantas domesticadas que vieram compor a culinária europeia e literalmente matar a fome do continente, como batata, milho, tomate, e acrescentar glamour em suas festas e teatros, como tabaco e cacau.

Dessa forma, como colônia, é possível dizer que a América sofreu uma transformação das gentes e da natureza, e até mesmo esta separação entre gente e natureza foi uma concepção trazida da Europa. Quem não sucumbiu ao colonialismo, quem dele se esquivou, fugiu ou se escondeu, continuou a viver em harmonia, como os indígenas, os chamados escravos fugidos e outros povos que foram se retirando para o interior, misturando, plantando e colhendo os frutos generosos da natureza, aprendendo a conviver com ela e a mantê-la.

Duas Américas passaram, então, a existir: a América colonial, que excluiu a natureza, explorou o trabalho em forma escravagista e formou riquezas acumuláveis para as metrópoles e controlou a terra apenas para produção agrícola de larga escala; outra, distante, escondida, que manteve a natureza preservada com ela convivendo, abrigando povos indígenas, com suas línguas e tradições, e que também abrigou novos povos, fugidos ou desiludidos do mundo colonial, como os quilombolas21 21 A tradução do termo quilombola para as línguas utilizadas na América Latina não é simples, mas podem ser chamados de palenques, marrons, cimarrón, jíbaros etc. e outros camponeses, praticando agricultura de subsistência, mantendo a biodiversidade.

O grupo formado pela América não integrada, com povos indígenas resistentes ou sobreviventes, sequestrados africanos e seus filhos que já não podiam ou não sabiam voltar para sua pátria, mas não desejavam, ou não eram bem-vindos no convívio da sociedade hegemônica, colonial, queria distância do mundo colonial e preferiu o silêncio e invisibilidade22 22 MOURA, Clóvis. Rebeliões da senzala. 3ªed. São Paulo LECH, 1981. 282 p. ainda que mantivessem certas relações. Parte desse grupo passou a viver na periferia do sistema colonial, conservando com dificuldade sua identidade, outros se afastaram, repudiando qualquer aproximação e repelindo os avanços coloniais. Esta parte da América, depois da independência e mais próximo ao século XX, cresceu em população e número de povos com a chegada de brancos, meio-brancos, meio-negros, quase-índios, que, enganados ou arrependidos, também foram deixando de lado o Estado organizado ou civil e se embrenharam numa vida íntima com a natureza. Os caboclos, que se arranchavam onde podiam, sem direito à terra, se tornaram posseiros, ocupantes, “invasores” na terminologia colonial, provendo as próprias necessidades, livres, sem fome, sem dinheiro e sem direitos. Assim como os índios e quilombolas, esses posseiros reivindicaram a terra, foram se tornando povos tradicionais, ou tribais, segundo a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Estes povos no século XX, apesar de vistos como imensas reservas de mão de obra, eram, e continuam sendo, inoportunos, porque ocupam as terras que serão necessárias para a expansão da sociedade hegemônica. Todos eles juntos, embora não formem um grupo homogêneo, mantêm interesses muito próximos à essência do constitucionalismo latino-americano: são povos, reclamam direitos coletivos e precisam da terra como natureza para se manter como são e a chamam de terra, lar, casa, com codinomes como mãe-terra, mãe-natureza, tekoha ou pachamama, entre muitos outros. Lutam pela terra, mas sobretudo lutam por um modo de vida que, ainda quando não tenham clara consciência, é anticolonial e anticapitalista.

No final do século XVIII, a América Latina não colonial era formada por indígenas e quilombolas que pretendiam manter a distância os europeus e evitar ou impedir que tomassem suas terras e eles mesmo como trabalhadores. Não que não tenham participado das independências, o fizeram em grande medida, mas como soldados, acreditando que a independência significaria liberdade e autonomia. Em geral, não foram enganados pelos Libertadores, mas pelos governos que se seguiram.

A outra América, devastada pelo extrativismo mineral e agricultura extensiva e monocultural, era formada pelos proprietários e trabalhadores escravizados e outras gentes periféricas, a sociedade colonial. Para gerir as colônias, as metrópoles mantiveram feitores, pequenos proprietários, administradores, policiais, burocratas, chamados de homens livres ou homens bons. Sempre homens e sempre brancos ou quase brancos, além dos europeus diretamente ligados à metrópole. Isto formou uma casta que a América espanhola chamou de elite crioula (élite criolla) e o Brasil de aristocracia, em sua maior parte formada por descentes de europeus. Alguns foram estudar na Europa e voltaram para ocupar cargos importantes na colônia, sempre sob a direção de europeus de nascença, fidalgos, quase nobres23 23 RAMOS, Jorge Abelardo. História da Nação Latino-americana. Trad. Marcelo Hipólito López et alii. 3ª ed. Florianópolis: Insular. 2014. 584 p. .

Em algumas colônias, especialmente francesas, parte dessa elite era mulata, filhos de uma miscigenação forçada e criminosa e treinada para sustentar a escravidão. A elite crioula foi se tornando proprietária das terras, concessionários das minas, sócios minoritários nas exportações e comerciantes ricos. Em muitos lugares foram se afastando dos interesses das metrópoles e passaram a sonhar com a independência, e desde o final do século XVIII conspiravam. Essa elite era influenciada pelo iluminismo e pelas ideias europeias em que se espelhavam, mas o conteúdo da liberdade e da igualdade em seus discursos e práticas ganhou cores próprias, especialmente porque na América teriam que enfrentar a questão racial e a superação do escravagismo24 24 RAMOS, Jorge Abelardo. História da nação Latino-americana. Trad. Marcelo Hipólito López et al. 3ª ed. Florianópolis: Insular. 2014. 584 p. , que não estavam em questão na Europa.

Os escravizados, os servis e os mais ou menos assalariados, sempre dependentes, subjugados e maltratados, viviam em péssimas condições. Os empregados, durante todo o período colonial e mesmo depois, já com a constituição dos Estados Nacionais, eram recrutados geralmente de forma forçada como escravizados africanos ou indígenas ou imigrantes mais ou menos voluntários. Por isso havia uma permanente comunicação entre as duas Américas, quer dizer, os livres da primeira estavam sempre ameaçados a violentamente serem arrastados como não livres para o mundo colonial, assim como muitos mantinham esperança de voltar ou ingressar na liberdade, e às vezes conseguiam.

Os escravizados que retornaram à liberdade e trabalhadores agrícolas que abandonaram a plantation, não poucas vezes com dívidas, e que foram se tornar posseiros distantes, escondidos, acabaram formando sociedades autônomas que foram sistematicamente combatidas e criminalizadas pelo poder colonial e depois pelos Estados Nacionais constitucionalizados, em geral com muita violência. Quando os trabalhadores, por fuga ou ardil, deixavam o mundo colonial, formando um novo povo ou aderindo a um existente, como os quilombolas, eram sempre ameaçados por estarem em terras proibidas. As autoridades metropolitanas os caçavam sem escrúpulos, os Estados Nacionais tratavam de ‘integrá-los’, com políticas de proibição do uso da terra, regularizações fundiárias e assimilação pelo trabalho assalariado. São inúmeras e comumente mal contadas as guerras contra camponeses, indígenas e quilombolas, todas terminadas em massacres e aprisionamentos. Até século XVIII, estas guerras foram contra indígenas e africanos.

Ambas as Américas tinham interesse na independência e promoveram ou participaram de forma não homogênea da criação dos Estados Nacionais e suas constituições, formando ou contribuindo para um constitucionalismo anticolonial. Todos falavam em liberdade, mas seguramente cada um deles emprestava ao termo um significado diferente. Humboldt anota que “em termos de comércio e de política, no momento das discussões sobre as independências, a palavra liberdade expressava somente uma ideia relativa”25 25 HUMBOLDT, Alexander de. Political essay on the Kingdom of New Spain. v. 4. London: Longman. 1814. 374 p. p. 97. “In affairs of commerce, as well as in politics, the word freedom expresses merely a relative idea”. elivro grátis. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=tu0MAAAAIAAJ&printsec=frontcover&dq=humboldt&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwjPtKih_97hAhV4HbkGHeR6BdEQ6AEITzAF#v=onepage&q=humboldt&f> . São inúmeros os levantes indígenas, todos radicalmente contra a metrópole sem propostas de integração, alteração legislativa ou reconhecimento de direitos. As lutas eram contra a colonização e pela manutenção das sociedades originárias e pela tentativa de expulsão dos invasores, quer dizer, também contra os crioulos, diretamente identificados com a colonização e os estrangeiros. Um dos grandes exemplos desta resistência indígena foi a chamada rebelião de Tupac Amaru e Tupac Katari, no Alto Peru, que manteve por um período a independência de La Paz26 26 LEWIN, Boleslao. La rebelión de Tupac Amaru y los origenes de la independencia de Hispanoamérica. Buenos Aires: SELA. 1967. 944 p. , no século XVIII.

Durante os três séculos que antecederam as independências, portanto, foi se formando uma sociedade peculiar. Enquanto na Europa a sociedade se organizava com base no individualismo, racionalismo, liberdade e igualdade, na América se aprofundava e institucionalizava concepções racistas contra negros e indígenas, ampliando a escravidão. Esta formação social colonial que tinha como base trabalho escravo e administração exógena gerou fontes de descontentamento que moldaram diferentes reações. Cada ator social reagia de forma diferente, mas com certa padronização em toda América Latina.

No começo do século XIX, os líderes das elites crioulas formados na ilustração europeia reclamavam a independência para continuar e desenvolver seus negócios livremente. Houve fortes divisões internas, mas todos defendiam a necessidade de organizar Estados Nacionais com garantias formais de direitos civis e estruturação de poderes. Entre estes líderes havia os que imaginavam que podiam associar-se aos europeus, com as antigas ou novas metrópoles e os que preferiam uma independência profunda e sem laços coloniais, pelo menos num primeiro momento.27 27 ARCINIEGAS, Germán. La libertad: el destino de América. Bogotá: Editorial Planeta Colombiana. 2009. 224 pg. Essas forças, comandadas por extraordinários generais e líderes, como Bolívar, San Martín e Artigas, impulsionaram as guerras de independência na América espanhola e propuseram constituições que pudessem se parecer com os povos que organizavam, mas enfrentaram oposição interna de outros membros da elite que, de forma sistemática, os afastaram do poder nos novos Estados criados assim que o exército espanhol foi derrotado. O constitucionalismo anticolonial latino-americano serviu para derrotar a metrópole, mas não era implantado pela elite crioula no poder que reaviva a colonialidade, com a manutenção de controle antipopular da terra, escravidão, submissão aos povos indígenas e dependência de mercados externos.

A Teoria de Estado forjada a partir do iluminismo destes líderes, especialmente Bolívar e Artigas, embora possa se parecer formalmente com as constituições aprovadas e com as ideias dos teóricos europeus, está muito longe da prática aplicada pelos governantes, com exceções. Para dar um exemplo singelo, a liberdade pensada por Bolívar e Artigas era abolicionista e de garantia de direito à terra aos indígenas. Não foi essa a prática do continente.

Antes da independência propriamente dita, as lutas foram permanentes e, em geral, esquecidas “… la hicieron los negros. Los nombres de sus caudillos han quedado ignorados”, afirmava Arciniegas na primeira página do livro citado. A elite branca fez ensaios de independência marcados por uma forte intelectualidade e o sonho de construir um país livre não só do colonialismo, mas das diferenças internas, como foi o liderado por Tiradentes no Brasil e Francisco de Miranda28 28 MARTÍNEZ, Francisco. Francisco de Miranda: El Precursor. Serie Líderes de Venezuela. Caracas: Edicomunicacion. 2001. na Venezuela, entre outros. Em 1929, José Carlos Mariátegui chamou esses Estados de semicoloniais porque, embora com governo próprio, se subordinavam a interesses forâneos29 29 MARIÁTEGUI, José Carlos. La tarea americana: selección de estudios e prólogo introductorio de Héctor Alimonda. Buenos Aires: Prometeo/CLACSO, 2010. 272 p. pg.125. .

Este caldo de contradições resultou em propostas constitucionais distintas, com visões de Estados e políticas diferentes, algumas já com características latino-americanas, com propostas anticoloniais de defesa da liberdade, antiescravista e de melhor uso da terra, portanto, com respeito à natureza e aos povos. As independências e suas constituições foram marcadas pelas contradições das duas Américas, mas principalmente pelas contradições internas da América colonial, que se traduzia por constituições com caráter latino-americano e governos pró-coloniais.

Cada país independente que se constitui na América Latina teve sua especificidade. As grandes histórias da construção do constitucionalismo latino-americano foram: 1) a guerra de independência do Haiti; 2) a independência do Paraguai; 3) as independências dos países que integravam a pátria grande sonhada por Bolívar; 4) a independência do México e sua constituição pioneira do século XX; 5) José Marti e a independência de Cuba e revolução socialista; 6) As independências do vice-reino do Prata; 7) a independência do Brasil. Este artigo está limitado à análise das duas primeiras histórias: Haiti e Paraguai.

A liberdade francesa e a escravidão em Saint Domingue

“… la colonia de Saint Domingue, fue, por lejos, la colônia más rica que haya tenido jamás em parte alguna una potencia colonial30 30 GRUNER, Eduardo. Haití: la única revolución de esclavos triunfante. IN: PINEAU, Marisa. Huellas y legados de la esclavitud en las Américas: proyecto Unesco La ruta del Esclavo. Saenz Peña, Argentina: Universidad Nacional de Três de Febrero. 2012. 239 p. pag. 223. . Saint Domingue conheceu a maior guerra negra das Américas. Os haitianos enfrentaram as três potências europeias da época, França, Espanha e Inglaterra e atemorizaram o mundo americano alertando para o risco da sublevação negra, inspirando Hegel a escrever a dialética do amo e o escravo, segundo Buck-Morss31 31 BUCK-MORSS, Susan. Hegel y Haití: la dialéctica amo-esclavo, una interpretación revolucionaria. Trad. Fermín Rodriguez. Buenos Aires: Editorial Norma. 2005. 103 p. . Pelo menos dois grandes romances latino-americanos do século XX contam esta história, El reino de este mundo, do cubano Alejo Carpentier e La isla bajo el mar, da chilena Isabel Allende. A longa guerra travada na ilha (1791-1804) foi integralmente promovida pelos africanos e seus descendentes não mulatos, foi a mais autêntica e precisa guerra pela liberdade: guerra de escravizados contra amos32 32 ARISTIDE, Jean-Bertrand. Tousaint L’Overture: la revolución haitiana. Traducción de Alfredo Brotons Muñoz. Madrid: Akal. 2013. 174 p. . A maioria absoluta da população era escravizada, os poucos fugitivos viviam nas cordilheiras, os marrons, e eram perseguidos e mortos impiedosamente pela administração francesa. A elite crioula formada por alguns poucos brancos e mulatos serviam aos interesses dos proprietários latifundiários franceses que raramente viviam na América e mantinham poder econômico na Metrópole.

Um dia, no final do século XVIII, liderados por Toussaint L’Overture o Haiti amanheceu rompendo grilhões, declarando o fim da escravidão porque todos os homens eram livres como sempre deveriam ter sido, repetindo o que estava escrito na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Faziam coro aos cidadãos de Paris e se consideravam cidadãos franceses. De fato, L'Overture havia descoberto que na Metrópole o povo havia feito uma revolução, e que a sociedade era livre, igual e fraterna. Hasteou a bandeira da Revolução e enfrentou quem resistia. Os proprietários de terras e gentes fugiram ou morreram, os mulatos livres e a elite branca, capatazes, burocratas, seguiram os fugitivos ou aderiram reticentes e temerosos aos revolucionários.

Estava iniciada a guerra que tornaria Saint Domingue na República do Haiti, independente, soberana e latino-americana. Mas não era bem assim que imaginava Toussaint L'Overture que estava maravilhado com a revolução francesa e não cansava de repetir sua consigna. Para ele liberdade, igualdade e fraternidade era tudo o que poderiam desejar os africanos escravizados em toda América. Imaginava que Saint Domingue continuaria sendo um pedaço da França revolucionária, livre e fraterna. Não havia nenhuma razão para ser um território independente, seria uma parte da França livre, mesmo porque sabia já da avidez da Espanha e da Inglaterra e como território francês seria muito mais forte. Por várias vezes tentou fazer acordo com a França, mas recebia como resposta que não havia sido abolida a escravidão. A França ilustrada, livre e revolucionária, se debatia entre declarar o fim da escravidão e alterar o regime das colônias que lhe garantiam altos ingressos ou manter a escravidão e abrir uma profunda contradição interna. Afinal venceu a economia, mas politicamente continuou oscilando entre ser explícita na negativa da liberdade ou justificar a hostilidade contra L’Overture por outras razões. L'Overture foi enganado, preso e morto na França, por Napoleão.33 33 JAMES, Cyril Lionel Robert. Los jacobinos negros: Toussaint L’Overture y la Revolución de Haití. Traducción de Rosa López Oceguera. Título original: Black Jacobins: Toussaint L’Overture and the San Domingo Revolution. Buenos Ayres: RyR, 2013. 525 p.

Os homens e as mulheres livres não tinham como voltar à África e a terra que lhes fizeram adotar à força, Saint Domingue, sempre conheceram como parte da França e poderia continuar sendo desde que todos fossem livres. Possivelmente seria diferente se o exército de L'Overture fosse formado por indígenas e tratassem os franceses como invasores. A luta dos negros era contra a escravidão e os franceses haviam feito uma sangrenta revolução pela liberdade. Tudo isso se encaixava na lógica do General ex-escravizado. É claro que estava irmanado com o povo francês, mas não contava que o racismo construído para manter a ética da escravidão tinha calado tão fundo na Europa que não poderia admitir uma parte dela dirigidas por negros.

Em 1793, afinal, foi proclamada a abolição da escravidão e poderia ter encerrado a Guerra Negra. As hostilidades, entretanto, continuaram. L'Overture se fez proclamar Comandante em Chefe da Colônia, mas a França não aceitou. A Inglaterra e a Espanha mantiveram as hostilidades, também. Era inaceitável um Estado Nacional negro, já não era a independência que pesava, mas o sistêmico racismo colonial. Para encerrar as disputas internacionais em 1801, L'Overture chamou uma Assembleia Constituinte com representantes de toda ilha e promulgou a Constituição haitiana de 180134 34 DUARTE, Evandro Charles Piza & QUEIROZ, Marcos Vinícius Lustosa. A Revolução Haitiana e o Atlântico Negro: o Constitucionalismo em face do Lado Oculto da Modernidade. Direito, Estado e Sociedade n.49 p. 10 a 42 jul/dez 2016. .

A primeira Constituição da América Latina foi escrita sem nenhuma interferência externa, por livre determinação do povo haitiano e sob a direção de um militar vitorioso. Mas seu primeiro artigo estabelecia: “Santo Domingo em toda a sua extensão, e (cita as ilhas adjacentes), formam o território de uma única colônia, que faz parte do Império Francês, mas que está sujeito a leis próprias”.35 35 No original: “Saint-Domingue dans toute son étendue, et Samana, la Tortue, la Gonâve, les Cayemites, l'Ile-à-Vaches, la Saône et autres îles adjacentes, forment le territoire d'une seule colonie, qui fait partie de l'Empire français, mais qui est soumis à des lois particulières”. Disponível em: <http://mjp.univ-perp.fr/constit/ht1801.htm>. Acesso em: 14 mai. de 2019 Quer dizer, L'Overture proclamava a independência, mas não o afastamento da França, confiava que Paris seria a capital dos países e pessoas livres.

Napoleão não sancionou a Constituição e não aceitou L’Overture como dirigente da colônia. Para restabelecer a “autoridade francesa” enviou uma expedição com 25 mil homens sob o comando do General Leclerc. A guerra reiniciou e a expedição fracassou totalmente. Sem outra saída, a França chamou L'Overture a Paris, em 1803. Enganado por Napoleão, foi preso e levado a uma masmorra onde morreu. A revolta e o desânimo tomaram conta da ilha, mas o General Jean-Jacques Dessalines, também ex-escravizado, segundo homem na hierarquia e sucessor L'Overture, assumiu o comando e declarou a independência, chamando nova constituinte36 36 JAMES, Cyril Lionel Robert. Los jacobinos negros: Toussaint L’Overture y la Revolución de Haití. Traducción de Rosa López Oceguera. Título original: Black Jacobins: Toussaint L’Overture and the San Domingo Revolution. Buenos Ayres: RyR, 2013. 525 p. . A Constituição do Haiti independente foi promulgada em maio de 1804. Era a segunda Constituição da América Latina e Caribe37 37 Idem. . Estava constituído o primeiro Estado Nacional independente da América Latina, popular, anticolonial e antiescravista.

O povo e os generais do Haiti aprenderam que os dirigentes da revolução francesa, os ilustrados, racionais e liberais europeus, os queriam apenas como escravos, nem mesmo na condição de colônia autônoma serviriam. Não poderiam ser cidadãos. A História lhes reservaria mais uma decepção: não foram reconhecidos como nação independente por nenhuma potência europeia, nem pelos Estados Unidos da América. Sentiram o peso da liberdade e as represálias à luta anticolonial, sobretudo, sentiram o peso do racismo.

Estas duas constituições são fruto de um constitucionalismo latino-americano na essência e não só pelo fato de terem sido escritas em território latino-americano, por latino-americanos de nascimento ou adoção forçada. Ambas são anteriores à Constituição espanhola de Cádis, 1812, que influenciou o pensamento jurídico constitucional da América Espanhola. São anteriores até mesmo à Carta outorgada por Napoleão à Espanha, chamada de Constituição de Baiona, escrita por Napoleão antes de invadir a Espanha em 1808.

Ambas as constituições haitianas são muito parecidas entre si, apesar da primeira declarar-se colônia de França e a segunda um Império independente. A ideia constitucional do Haiti independente era de que a Constituição regeria efetivamente a vida do povo, portanto teria força normativa. Por isso, cada vez que havia necessidade de alteração na vida nacional, era promovida uma alteração na Constituição, não por emendas, mas a reescrevendo. Assim, o Haiti teve muitas constituições no curto período anterior às demais independências latino-americanas: 1801, 1804, 1805, 1806, 1807, 1811, 181638 38 Haiti escreveu constituições em 1801, 1805, 1806, 1807, 1811, 1816, 1843, 1846, 1849, 1867, 1874, 1879, 1888, 1889, 1918, 1932, 1935, 1946, 1950, 1957, 1964, 1983, 1987, além de algumas revisões, sendo a última em 2011. Todos os textos utilizados neste artigo são da Digithèque MJP: http://mjp.univ-perp.fr/mjp.htm , acessado múltiplas vezes, sendo a última em 15 de maio de 2019. .

O Haiti passou a ser um país importante no processo de independência da América Latina não só pelo exemplo de luta e persistência. Simon Bolívar lá encontrou abrigo, recebeu proteção, ajuda financeira, armas e até uma prensa tipográfica e comprometeu-se a abolir a escravidão em cada independência que promovesse39 39 LYNCH, John. Simón Bolívar. Traducción castellana de Alejandra Chaparro. Barcelona: Crítica. 2010. 478 p. . Embora não fosse reconhecido pelas potências europeias, era respeitado e reconhecidos pelos latino-americanos. Mas não apenas, provavelmente foi das ideias de Dessalines que Bolívar imaginou a República de presidentes vitalícios não hereditários que defendeu e aplicou especialmente na Constituição de Chuquisaca.

As Antilhas, onde primeiro chegaram os espanhóis em 1492, foi o epicentro do genocídio indígena. San Domingos, Puerto Rico, Cuba e Jamaica tiveram sua população originária praticamente extinta pela liquidação física ou miscigenação forçada, o que explica porque não aparecem os indígenas nas lutas de independência, apenas os grupos sociais integrantes do processo colonial. A Guerra do Haiti é negra, de trabalhadores escravizados! Mas é essencialmente anticolonial. Por isso, a sociedade que se constituiu ali pode ser considerada a origem, a gênese do constitucionalismo latino-americano. O desenvolvimento posterior do Haiti também é essencialmente anticolonial ou pós-colonial. As grandes potências formadas no vácuo colonial e escravista, França, Inglaterra e os Estados Unidos da América, não aceitaram a independência haitiana e, com bloqueio econômico e permanente provocação de litigiosidade, o mantiveram em tensão interna e externa permanente.

A prosperidade do Haiti nas primeiras décadas de independência, com base na produção agrícola de autossubsistência foi reconhecida por Humboldt como a mais apropriada para as Antilhas independentes40 40 HUMBOLDT, Alexander Freiherr von. Ensayo político sobre la isla de Cuba, (Introd. por Fernando Ortiz; correcciones, notas y apéndices por Francisco Arango y Parrreño, J. S. Thrasher). La Habana: Cultural, 1960, p. 323. . Para conceder a independência à antiga colônia, em 1825, o governo francês exigiu o pagamento de 150 milhões de francos para indenizar os antigos proprietários de escravos. Os outros países, incluindo os Estados Unidos, alegaram que somente poderiam reconhecer a independência do Haiti depois da França. O governo local, pressionado inclusive militarmente, cedeu e aceitou pagar em 5 anuidades; para pagar a primeira, tomou um empréstimo da própria França de 30 milhões de francos. Em 1838, a França diminui a dívida, impagável de qualquer forma, a 60 milhões41 41 GRAFENSTEIN, Johanna von. Haiti en el siglo XIX: desde la Revolución de esclavos hasta la ocupación norte americana (1791-1915). Istor, Revista de Historia Internacional, CIDE, Año XII, número 46. Otoño de 2011, pp. 3- 32, ISSN 1665-1715. . A independência foi reafirmada, mas o país estava falido, endividado e sem acesso aos mercados externos. As novas metrópoles destruíram a prosperidade descrita e elogiada por Humboldt. Os enfrentamentos e provocações continuaram até que, em 1844, a ilha foi dividida ao meio e os haitianos foram expulsos do lado oriental, que formou a República Dominicana. Então, em 1854, motivado pelo descontentamento da população, se iniciou um regime autoritário e autocrático para “el regocijo de la comunidad internacional y racista”, diria Johanna von Grafenstein42 42 Idem. p. 9.

O feliz reino deste mundo nascido em guerra medonha pelo sonho de liberdade que estava tão próxima depois da sangrenta revolução da metrópole sucumbiu porque ousou ser igualmente livre, não aceitou a colonialidade, não acreditou no racismo e buscou um caminho de desenvolvimento próprio. Como não chamar estas primeiras constituições de latino-americanas? Como não dizer que aqueles Libertadores não pensaram e praticaram um constitucionalismo latino-americano? É verdade que não eram indígenas, mas tampouco eram a elite crioula. Haiti aprendeu a duras penas os males do colonialismo pós-colonial que, em última instância, são os mesmos do escravismo e promotores do capitalismo. Haiti foi vítima, antes e depois da independência, do racismo colonialista e porque se negou a produzir a riqueza alheia, foi impedido, mais uma vez à força, de construir a riqueza de seu povo.

O Paraguai e o constitucionalismo

Muito longe das Antilhas, no coração da América do Sul, outro país se alçava em independência anticolonial e também pagaria caro a ousadia.

A Província do Paraguai, subordinada ao Vice-Reinado do Prata, estava a meio caminho das ricas minas de Potosi, no Alto Peru, e o porto exportador, Buenos Aires. Localizado entre os rios Paraná e Paraguai, era um vastíssimo território ocupado por muitos povos indígenas independentes, principalmente o povo Guarani que estendia seus domínios desde as bases da cordilheira, para além do Chaco, até próximo do litoral atlântico e o Rio Uruguai ao sul. A região e o povo Guarani foram o centro das experiências jesuíticas de uma colonização sem colonos, na expressão de Meliá43 43 Barlomeu MELIÁ é um dos mais importantes etnólogos do povo Guarani e estudioso das Missões. Utilizou o apropriado termo em conferência proferida em Curitiba, na PUC/PR, em 2016. , chamada de Missões. O povo Guarani, formado por hábeis agricultores, desenvolveu entre outras muitas coisas o cultivo da erva-mate, amendoim, milho, mandioca44 44 SUSNIK, Branislava. Una visión socio-antropologica del Paraguay: XVI-½XVII. Asunción: Museo Etonográfico Dr. Andrés Barbero. 197 p. . Nas reduções jesuíticas das Missões, desenvolveu habilidades de fundição, criação de gado, cerâmica, construção civil, fiação de tecidos de algodão que seriam extremamente úteis durante a independência.45 45 PALÁEZ PADILLA, Jorge. Pueblos originarios y Estado nación en Paraguay: el proceso de construcción nacional durante la Dictadura perpetua de José Gaspar Rodríguez de Francia. San Luis Potosí/México: CENEJUS. 2015. 241 p.

A reação política ocorrida na Espanha quando Napoleão, em 1808, entregou a coroa espanhola a seu irmão Luís ante a abdicação dos Reis Carlos IV e Fernando VII em Baiona, repetiu-se em todas as colônias. As elites de Buenos Aires tomaram diferentes posições, ora em defesa de Fernando VII, que se dizia enganado, ora em defesa da Corte de Cádis e, em alguns casos, com propostas independentistas anticoloniais. Na região, duas outras potências ajudavam a complicar o quadro político: Portugal que tinha interesse na região cisplatina e a Inglaterra, inimiga da França e da Espanha, tencionava controlar o Rio da Prata.

A margem esquerda do Rio Uruguai - atual estado do Rio Grande do Sul e República Oriental do Uruguai - estava controlada pelo General José Artigas que acusava Buenos Aires de manter aliança com Portugal e com a Espanha. Artigas propunha uma independência sem condições, abolição da escravatura e distribuição de terras a todos os chamados americanos, indígenas e negros, e virtual expulsão de estrangeiros46 46 O’DONNELL, Pacho. Artigas: la versión popular de la revolución de mayo. 1ª ed. Buenos Aires: Aguilar. 2012. 256 p. . Além disso, não admitia entregar a Colônia do Sacramento nem a Província Cisplatina a Portugal. Artigas, com um exército popular, bem organizado, mas pobre e mal armado, não aceitava menos do que a organização de uma nação inteira, o que incluía não admitir a concentração do poder em Buenos Aires, nem a aliança com a Inglaterra, nem a aproximação com Portugal cujo governo estava no Rio de Janeiro47 47 RAMOS, Jorge Abelardo. História da nação latino-americana. Trad. Marcelo Hipólito López et alii. 3ª ed. Florianópolis: Insular. 2014. 584 p. .

Esta luta contra Buenos Aires e Portugal representava em toda a sua plenitude o que Bruschera chamou de dialética da emancipação ibero-americana, de um lado “o patriciado das cidades capitais” e de outro “o sentimento de libertação dos povos, interpretado pelos grandes caudilhos” na busca do “ser histórico continental”.48 48 BRUSCHERA, Oscar H. Artigas. Coleção “Los Nuestros”. Montevideo: Editorial Nuestra América. Tradução de João Manuel Rodrigues. 1971. 180 p. pg. 9. As independências da América do Sul e os chamados libertadores sustentavam esse “sentimento de libertação”, mas todos foram traídos tão logo as elites crioulas se viram livres dos espanhóis. Prevaleceu, portanto, a ordem do “patriciado”, como conclui o autor, mas o único país em que a libertação anticolonial dos povos venceu na América do Sul foi justamente o Paraguai, sob o comando do Dr. José Gaspar Rodriguez de Francia.49 49 idem.

No conturbado período de 1811 a outubro de 1814, em que o antigo vice-reino do Prata se esvaía e Buenos Aires tentava manter o controle e domínio, enfrentando lutas intestinas e externas e, fazendo alianças e acordos com a Inglaterra e Portugal, a província do Paraguai foi se distanciando. Era intensa a atividade política no Paraguai; no princípio, a maioria defendia a fidelidade ao Rei Fernando VII, mas já havia a defesa da independência completa. Desde o início, Dr. Francia fazia eloquentes e densos discursos contra qualquer alinhamento colonial, propondo uma independência total. Francia foi ganhando adeptos principalmente entre o povo, os camponeses, os pequenos proprietários, todos americanos e, evidentemente, entre a oposição dos estrangeiros e setores da economia mais ligados às metrópoles. Com muita habilidade, Francia foi afastando as lideranças não convencidas com a República e com a Independência e com o “sentimento de libertação dos povos”. Foi proclamada a República sob a direção de Francia, para negar qualquer relação com as monarquias e, finalmente, declarada a independência tanto em relação à Espanha como ao Rio da Prata, Buenos Aires.

Em 1813 foi realizado o primeiro Congresso Nacional, com mil votantes, representantes de todas as regiões, com massiva participação camponesa e popular com um domínio bastante confortável ao Dr. Francia. Neste Congresso foi aprovado o “Reglamiento de Gobierno”, um documento com características constituintes que utilizava termos da Antiguidade romana e da modernidade francesa. Ali apareceu pela primeira vez a palavra República (Republica del Paraguay) e ainda nomeava o governo como um Consulado de dois membros. Esses eram Dr. José Gaspar Rodriguez de Francia e Pedro Juan Caballero, com iguais poderes, mas que se alternariam a cada ano na direção do Estado. O documento é muito mais do que um esboço de constituição, mas trata principalmente da forma de governo e dos poderes dos cônsules. São 17 artigos, sendo que o último consolida um Congresso de mil sufragistas, como o que estava aprovando o Regulamento, garantindo que qualquer mudança somente poderia ser estabelecida por esse Congresso. Era o constitucionalismo em prática.

A Província do Paraguai tornou-se um país independente. Organizou-se segundo os interesses da população e constitui-se em uma República, a primeira da América do Sul. O primeiro Congresso constituinte, de 1813, não redigiu ou aprovou uma Constituição propriamente dita, como se viu, mas foi organizado segundo um sufrágio universal e a maioria dos membros era representante de trabalhadores, funcionários e artesãos. Foram dois meses de reuniões e Assunção vivia um clima de construção de Nação50 50 GUERRA VILABOY, Sergio. El Paraguay de Doctor Francia. Crítica & Utopia. Nº 5. Dictadura y Dictadores. Buenos Aires. Setiembre de 1981. . A proposta de constituir um Estado Nacional independente, segundo as possibilidades, habilidades e vontades do povo e da natureza em que lhes coube viver, marcadamente rural, com respeito à outra América, indígena, sem escravidão ou servidão, estava desenhado no Paraguai de Francia e de seus sucessores, por isso pode-se dizer que aí está o berço do constitucionalismo latino-americano na América do Sul.

Coube ao Dr. Francia o primeiro ano de consulado. Foi então promulgada uma lei em 1.° de março de 1914 (Resolución Consular) que atacou diretamente a elite crioula formada pela oligarquia comercial de Assunção e espanhóis residentes, chamados de peninsulares.51 51 Texto do Decreto disponível em: <https://nacaomestica.org/blog4/?p=18345 > Acesso em: mai. 2019. A Lei, cujo preâmbulo dizia ser “medida necessária para facilitar o progresso da sagrada causa da liberdade da República contra as maquinações de seus inimigos”, proibia o casamento entre homem europeu e mulher “americana conocida y reputada como española”, branca, portanto, desautorizando os casamentos entre europeus e permitindo apenas que se casassem com “con indias de los pueblos, mulatas conocidas y negras”. Política inversa ao branqueamento da população praticada sem sucesso efetivo, mas intensificador do racismo em outros países como o Brasil. A partir daí o cerco contra os estrangeiros, espanhóis e outros europeus foi apertando de tal forma que em pouco tempo a maior parte tinha se mudado para Argentina e Brasil, onde em geral mantinham interesses econômicos e apoiavam a colonialidade.

Em 3 de outubro de 1814, outro Congresso com mil deputados, altamente representativo da Nação, com grande participação de camponeses, determinou novas formas de governo acabando o Consulado e designando Dr. Francia o Ditador Supremo da República por cinco anos, pela expressiva margem de mais de 85% dos votos52 52 ARECES, Nidia R. De la independencia a la guerra de la Tróplice Alianza (1811-1870). In: TELESCA, Ignacio. Historia del Paraguay. Asunción: Taurus Historia. 2010. 443 p. p. 157. .

O descontentamento das elites era visível e Francia, com o apoio renovado do Congresso e das classes populares, continuou investindo contra os interesses econômicos e eclesiásticos. Necessitando manter a política de construir a nação, Francia seria, cinco anos depois e por unanimidade, eleito pelo Congresso Ditador Perpétuo da República.

Os dois termos, Cônsul e Ditador, não têm a mesma conotação que se lhe empresta no século XXI, são termos tirados diretamente da Roma antiga.53 53 O Hino do Paraguai, que terminou de ser escrito apenas em 1846, afirma no verso segundo: Nueva Roma, la Patria ostentará/ dos caudillos de nombre y valer,/ que rivales —cual Rómulo y Remo—/ dividieron gobierno y poder./ Largos años —cual Febo entre nubes—/ viose oculta la perla del Sud./Hoy un héroe grandioso aparece/ realzando su gloria y virtud... Deste modo, os títulos provavelmente foram determinados pela erudição do Dr. Francia, cuja personalidade e cultura está expressa numa das mais importantes obras de ficção da literatura latino-americana, Yo, el Supremo, do paraguaio Roa Bastos. A ideia de mandatário perpétuo, em geral não hereditário, se repetiu nos países que foram sendo criados após as independências, como no Haiti, no Paraguai e, depois, na Constituição de Chuquisaca de inspiração bolivariana. A ideia foi defendida por Bolívar em suas cartas e outros escritos54 54 BOLIVAR, Simón. Obra politica y constitucional. Prólogo, antología y notas de Eduardo Rozo Acuña. Madrid: Tecnos. 2007. 203 p. , principalmente para a América do Sul, por desconfiança dos libertadores nas elites locais que poderiam retornar à colônia ou fazer acordos com novas metrópoles contra os interesses do povo. Esse também era o temor de Francia, que tinha o absoluto apoio do povo, quer seja por seu despojamento de bens materiais, quer seja por sua dedicação em efetivamente resolver os problemas do país. General José de San Martín, o outro libertador, criador de repúblicas, como a do Chile, no final das lutas quando voltou à Argentina e finalmente teve que exilar-se na Espanha, considerava que os Estados Nacionais latino-americanos deveriam restaurar as monarquias,55 55 LYNCH, John. San Martín: soldado argentino, héroe americano. Traducción Alejandra Chaparro. Barcelona: Crítica. 2009. 382 p. com dinastias americanas, caso contrário os interesses das elites crioulas locais fariam acordos neocoloniais contra seus povos e a favor de que antigas ou novas metrópoles voltassem a comandar os novos países, como, de fato, aconteceu.

O Paraguai ficava cada vez mais isolado e sofrendo hostilidades dos vizinhos. Com domínio sobre a terra e a produção, Francia foi orientando o trabalho e organizando o povo para suprir as necessidades e garantir a defesa contra eventuais ataques. O país rapidamente se tornou autossuficiente em algodão, gado e cereais e iniciou uma indústria baseada na fundição, tecelagem e cerâmica. As experiências missioneiras estavam sendo utilizadas. Em longo ofício datado de 25 de dezembro de 1820, Francia se dirige ao Comandante Fernando Acosta para que ele reclame às autoridades brasileiras que reconheçam Paraguai como República independente e parem de incentivar roubos de gado e outros bens em prejuízo da alimentação do povo.56 56 FRANCIA: 1817-1830/ Comentários Guido Rodrigues Alcalá. Vol II. Edición comentada, aumentada y corrigida de la colección Doroteo Barrero del Archivo Nacional de Asunción. Asunción: 2009. 1771 pg. p. 700. Este ofício demonstra as hostilidades dos vizinhos para com a prosperidade do Paraguai independente, ficando claro que havia sido encontrado um caminho latino-americano para o desenvolvimento que não dependia das metrópoles europeias.

A legislação implementada por Francia tinha um caráter latino-americano contrário a qualquer colonialismo e tendia a proteger a independência das hostilidades constantes dos vizinhos. Há pouco conhecimento na América Latina desta vitoriosa experiência que transformou um país isolado, sem saída para o mar senão atravessando territórios hostis, na mais importante potência sul-americana.

Em 1840 faleceu o Doutor Francia. Apesar da comoção social que se estabeleceu, a sucessão foi tranquila e manteve as políticas de Estado já estabelecidas. Carlos Antonio López assumiu o Governo e encomendou uma atualização da legislação. Em 1844, foi reescrito o Regulamento Governamental de 1813, chamado de Ley de Administración Pública. Não se chamava Constituição, ainda que se parecesse e os teóricos paraguaios do constitucionalismo assim a chamem. O título de ditador perpétuo foi retirado e o governante passou a se chamar Presidente da República, com um mandato de 10 anos. A eleição se daria por maioria, considerada como tal a metade dos votos mais quatro.

Em 1862, passados 50 anos da independência, assumiu a presidência o filho de Carlos López, Francisco Solano López. O país não tinha dívidas, era já um grande centro industrial e manufatureiro, tinha desenvolvido navegação fluvial e linhas férreas, mas era um país fechado, praticamente sem comércio exterior. Solano López, homem de cultura e educado na Europa, tentou abrir o país propondo tratados de amizade com os vizinhos que, em geral, nunca foram ratificados.57 57 ARECES, Nidia R. De la independencia a la guerra de la Tróplice Alianza (1811-1870). In: TELESCA, Ignacio. Historia del Paraguay. Asunción: Taurus Historia. 2010. 443 p. pg. 159.

O Paraguai e sua independência tinha ido longe demais. Os vizinhos o desprezavam e cobiçavam. Iniciou-se, então, a guerra fratricida chamada no Brasil de “Guerra do Paraguai” e no Paraguai de Guerra Grande ou Guerra da Tríplice Aliança. O fato é que Brasil, Argentina e Uruguai, contraindo empréstimos da Inglaterra, entraram em guerra contra o Paraguai que resistiu heroicamente. Foram cinco anos de destruição. As cifras do massacre são controversas, mas nenhuma é aceitável humanitariamente. Nidia Areces estima que de 60-70% da população morreu em consequência da guerra, de cada cinco mortos apenas uma era mulher, sendo em algumas partes uma relação ainda maior. Anota que o desequilíbrio na população pós-guerra ocorreu não apenas entre sexo, mas entre gerações. E ainda foram perdidos acervos culturais, bibliotecas, arquivos, lugares, além da proibição do uso da língua guarani. Acrescente-se a isso a perda de parte do território58 58 idem. pg. 193. . Foi o preço da não submissão.

Vívian Trías afirma que Francia e os dois López provaram que era viável um modelo de desenvolvimento libertador na América Latina, e que para o interromper foi necessária “una guerra implacable y abrumadora59 59 TRIAS, Vívian. El Paraguay de Francia, el Supremo, y la guerra de la tríplice aliança. Buenos Aires: Crisis. 1975. p. 79 . Até hoje a história dessa Guerra Grande é mal contada na América Latina exatamente porque ela destruiu um modelo de desenvolvimento diferente do colonialismo e da colonialidade posterior, e a forma de constituir o Estado Nacional, discutido e criado junto com o povo. Isso explica a importância de entender este processo no estudo do constitucionalismo latino-americano e a razão de ser inserido em gênese.

Com o Paraguai destruído e diminuído em seu território, em 1870 foi sancionado o primeiro documento jurídico com o nome de Constituição, a Constitución de la República del Paraguay. Estava destruída por uma guerra implacable a rica experiência da independência marcadamente anticolonial e popular da América Latina. A nova Constituição seguia a tradição constitucionalista europeia, muito parecida com a argentina e a espanhola, já não havia novidade nem ameaça, o Paraguai estava destruído.

Considerações Finais

As independências do Paraguai e do Haiti foram exemplos da derrota colonial e da elite proprietária e neocolonial. As duas independências jamais foram assimiladas pelas novas potências. Há, porém, diferenças profundas entre elas. Haiti é africano, Paraguai indígena. Haiti nasceu de uma longa guerra contra os impérios e foi destruído pelo estrangulamento econômico e racismo da colonialidade, Paraguai nasceu do desprezo da colonialidade, não sem resistência e luta, e foi destruído 60 anos depois por uma guerra de extermínio que envergonha os vencedores.60 60 TRIAS, Vívian. El Paraguay de Francia, el Supremo, y la guerra de la tríplice aliança. Buenos Aires: Crisis. 1975. Nos dois processos está presente a guerra de destruição, nos dois o cerco econômico. Neste sentido, estas duas formações sociais estatais expressam em seus inícios a tentativa de pôr em prática uma profunda e clara proposta de constituir Estados latino-americano, isto é, de constituir um Estado Nacional popular, anticolonial e no qual a terra sirva a todos.

L’Overture adotou o constitucionalismo com Constituição à moda francesa, como se viu, Dr. Francia optou por organizar o Estado paraguaio sem necessidade de redigir uma constituição. Se partirmos do princípio puramente formal que constituição é uma lei que leva o nome de Constituição e que estabelece a organização do Estado e a garantia de direitos individuais, então o Paraguai não foi constituído por uma Constituição e sim por um Regulamento de Governo ditado inovadoramente por Francia. Entretanto, o que mais interessa para a constituição do Estado no Paraguai é o Congresso Popular que o definiu e não o documento escrito que dele resultou. Tampouco segue o modelo constitucionalista criar um estado independente como colônia da França. Neste sentido, a Constituição de 1801, haitiana, tampouco seria uma Constituição, mas fez nascer uma ideia constitucional anticolonial que se realizou com força em 1804.

Porém, deixando de lado o formalismo, o constitucionalismo é a estruturação, a partir de hipotética autodeterminação popular, de Estados Nacionais com hierarquias definidas e direitos reconhecidos numa legalidade expressa. É claro que essa autodeterminação é imaginada, hipotética, porque é a expressão da força hegemônica num determinado momento histórico e não necessariamente a vontade discutida, consultada e determinada pelo povo. No caso das duas independências, porém, os Estados que se formaram eram populares no sentido de terem sido erigidos pela vontade soberana do povo, caso contrário Haiti não teria vencido a Guerra de Independência e o Paraguai não teria resistido ao ataque militar por tanto tempo.

Na América Latina, quase todas constituições das independências expressavam essa essência latino-americana voltada para os povos, mas assim que o poder era assumido, seus princípios e materialidade eram esquecidos e passavam a valer as normas de direito comum ou civil sobre as terras e as gentes, negando direitos coletivos, sem proteger a natureza e pouco se importando com o povo, mantendo na maioria dos casos a escravidão, apesar da proclamação formal, na Constituição, da liberdade como um direito de todos. A manutenção da colonialidade, assim, se fazia na prática de uma constituição sem força normativa, exatamente ao contrário do Paraguai “sem constituição” e do Haiti com sua declaração de liberdade colonial.

Quando se lê as constituições do final do século XX e XXI, é possível sentir que são uma espécie de renascer das velhas causas populares do início do século XIX, repetindo a contradição entre a vontade popular e vontade das elites. A diferença entre as Constituições formadoras e as atuais é que a essência popular e anticolonial passou a ser escritas a partir de um aprendizado de duzentos anos de frustração, com protagonismo indígena. No Paraguai e no Haiti, a vontade popular se sobrepôs na prática, independentemente dos acertos ou desacertos das constituições. Nas constituições do final do século XX a vontade popular entrou em disputa direta para fixar o texto da constituição, cada vez de forma mais explícita. Pôr em prática essa vontade popular, porém, é outra questão, porque as forças anticoloniais continuam fortes, atuantes e dominantes. Quando a derrota interna das elites parece definitiva, acodem as forças externas econômicas ou militares.

Tal como antes, a dificuldade de implantação dos dispositivos anticoloniais das constituições latino-americanas, desde a brasileira de 1988 à boliviana de 2009, está presente. E as razões são as mesmas: as oligarquias continuam tentando destruir ou impedir a construção de sociedades fraternas.

Bibliografia

  • AGENCIA BRASIL. Relatório da ONU aponta aumento do número de indígenas na América Latina. Publicado em 9/9/2014. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2014-09/relatorio-da-onu-aponta-aumenta-do-numero-de-indigenas-na-america>. Acesso em 2 de abr. 2019.
    » http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2014-09/relatorio-da-onu-aponta-aumenta-do-numero-de-indigenas-na-america
  • ARCINIEGAS, Germán. La libertad: el destino de América. Bogotá: Editorial Planeta Colombiana. 2009. 224 pg.
  • ARECES, Nidia R. De la independencia a la guerra de la Tríplice Alianza (1811-1870). In: TELESCA, Ignacio. Historia del Paraguay. Asunción: Taurus Historia. 2010. 443 p.
  • ARISTIDE, Jean-Bertrand. Tousaint L’Overture: la revolución haitiana. Traducción de Alfredo Brotons Muñoz. Madrid: Akal. 2013. 174 p.
  • BOLIVAR, Simón. Obra politica y constitucional. Prólogo, antología y notas de Eduardo Rozo Acuña. Madrid: Tecnos. 2007. 203 p.
  • BRUSCHERA, Oscar H. Artigas. Coleção “Los Nuestros”. Montevideo: Editorial Nuestra América. Tradução de João Manuel Rodrigues. 1971. 180 p.
  • BUCK-MORSS, Susan. Hegel y Haití: la dialéctica amo-esclavo, una interpretación revolucionária. Trad. Fermín Rodriguez. Buenos Aires: Editorial Norma. 2005. 103 p.
  • CLAVERO, Bartolomé. Derechos indígenas y cultura constitucional em América. México: Siglo XXI. 1994.
  • DALMAU, Rubén Martínez. Los nuevos paradigmas constitucionales de Ecuador y Bolivia. La Tendencia - Revista de análisis político -, Quito, nº 9, p. 38. março/abril de 2009.
  • DUARTE, Evandro Charles Piza & QUEIROZ, Marcos Vinícius Lustosa. A Revolução Haitiana e o Atlântico Negro: o Constitucionalismo em face do lado oculto da modernidade. Direito, Estado e Sociedade. n.49 p. 10 a 42 jul/dez 2016.
  • DUVERGER, Maurice. Constitutions et documents politiques. Paris: Presses Universitaire de France. 1978.
  • FITZMAURICE, Andrew. Sovereignty, property and Empire: 1500-2000. Cambridge: University Press. 2014. 360 p.
  • FRANCIA: 1817-1830/ Comentários Guido Rodrigues Alcalá. Vol II. Edición comentada, aumentada y corrigida de la colección Doroteo Barrero del Archivo Nacional de Asunción. Asunción: 2009. 1771 pg. 700 p.
  • GRONDIN, Marcelo e VIEZZER, Moema. O maior genocídio da história da humanidade. Toledo: Gráfica e Editora. 2018. 298 p.
  • GRUNER, Eduardo. Haití: la única revolución de esclavos triunfante. IN: PINEAU, Marisa. Huellas y legados de la esclavitud en las Américas: proyecto Unesco la ruta del esclavo. Saenz Peña, Argentina: Universidad Nacional de Três de Febrero. 2012. 239 p. pag. 223.
  • GUERRA VILABOY, Sergio. El Paraguay de Doctor Francia. Crítica & Utopia. Nº 5. Dictadura y Dictadores. Buenos Aires. Setienbre de 1981.
  • HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução Gilmar Mendes. Porto Alegre: SAFabris. 2010.
  • HUMBOLDT, Alexander de. Political essay on the Kingdom of New Spain. v. 4. London: Longman. 1814. 374 p. p. 97. “In affairs of commerce, as well as in politics, the word freedom expresses merely a relative idea”. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=tu0MAAAAIAAJ&printsec=frontcover&dq=humboldt&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwjPtKih_97hAhV4HbkGHeR6BdEQ6AEITzAF#v=onepage&q=humboldt&f Acesso em: 20 de julho de 2019.
    » https://books.google.com.br/books?id=tu0MAAAAIAAJ&printsec=frontcover&dq=humboldt&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwjPtKih_97hAhV4HbkGHeR6BdEQ6AEITzAF#v=onepage&q=humboldt&f
  • HUMBOLDT, Alexander Freiherr von. Ensayo político sobre la isla de Cuba (Introd. por Fernando Ortiz; correcciones, notas y apéndices por Francisco Arango y Parrreño, J. S. Thrasher). La Habana: Cultural, 1960, p. 323.
  • GRAFENSTEIN, Johanna von. Haiti en el siglo XIX: desde la Revolución de esclavos hasta la ocupación norte americana (1791-1915). Istor, Revista de Historia Internacional, CIDE, Año XII, número 46. Otoño de 2011, pp. 3- 32, ISSN 1665-1715.
  • JAMES, Cyril Lionel Robert. Los jacobinos negros: Toussaint L’Overture y la Revlución de Haití. Tradicción de Rosa López Oceguera. Título original: Black Jacobins: Toussaint L’Overture and the San Domingo Revolution. Buenos Ayres: RyR, 2013. 525 p.
  • LAS CASAS, Bartolomé. Brevísima relación de la destrucción de las Índias. Medellin/Colombia: Editorial Universidad de Antioquia. 2011. 209 p. (pgs. 10 e seguintes).
  • LEWIN, Boleslao. La rebelión de Tupac Amaru y los origenes de la independencia de Hispanoamérica. Buenos Aires: SELA. 1967. 944 p.
  • LYNCH, John. San Martín: soldado argentino, héroe americano. Traducción Alejandra Chaparro. Barcelona: Crítica. 2009. 382 p.
  • LYNCH, John. Simón Bolívar. Traducción castellana de Alejandra Chaparro. Barcelona: Crítica. 2010. 478 p.
  • MARIÁTEGUI, José Carlos. La tarea americana: Selección de estudios e prólogo introductorio de Héctor Alimonda. Buenos Aires: Prometeo/CLACSO, 2010. 272 p. pg.125.
  • MARTÍNEZ, Francisco. Francisco de Miranda: El Precursor. Serie Líderes de Venezuela. Caracas: Edicomunicacion. 2001.
  • MORGAN, Kenneth. Cuatro siglos de esclavitud atlántica. Tradución de Carmen Castells. Barcelona: Editorial Planeta. 2017. 287 p.
  • MOURA, Clóvis. Dialética radical do Brasil negro. 2ªed. São Paulo: Editora Anita Garibaldi. 214. 336 p. especialmente pgs. 233-273.
  • MOURA, Clóvis. Rebeliões da senzala. 3ªed. São Paulo LECH, 1981. 282 p.
  • O’DONNELL, Pacho. Artigas: la versión popular de la revolución de mayo. 1ª ed. Buenos Aires: Aguilar. 2012. 256 p.
  • PALÁEZ PADILLA, Jorge. Pueblos originarios y Estado nación en Paraguay: el proceso de construcción nacional durante la Dictadura perpetua de José Gaspar Rodríguez de Francia. San Luis Potosí/México: CENEJUS. 2015. 241 p.
  • RAMOS, Jorge Abelardo. História da nação latino-americana. Trad. Marcelo Hipólito López et alii. 3ª ed. Florianópolis: Insular. 2014. 584 p.
  • RAMOS, Jorge Abelardo. História da nação latino-americana. Trad. Marcelo Hipólito López et alii. 3ª ed. Florianópolis: Insular. 2014. 584 p.
  • SILVA, Lígia Osório. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da lei de terras de 1850. Campinas: UNICAMP, 1996.
  • SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. A essência socioambiental do constitucionalismo latino-americano. Revista da Faculdade de Direito da UFG. Goiânia, vol. 41, n. 1, p. 197-215. jan/jul. 2017.
  • STANNARD, David. American holocaust: the conquest of new word. New York: Oxford University Press. 1992. 391 p.
  • SUSNIK, Branislava. Una visión socio-antropologica del Paraguay: XVI-½XVII. Asunción: Museo Etonográfico Dr. Andrés Barbero. 197 p.
  • TRIAS, Vívian. El Paraguay de Francia, el Supremo, y la guerra de la tríplice aliança. Buenos Aires: Crisis. 1975. 79 p.
  • VICIANO PASTOR, Roberto. Estudios sobre el nuevo constitucionalismo latinoamericano. Valencia, Espanha: Tirant Lo Blanch. 2012.
  • ______. Estudios sobre el nuevo constitucionalismo latinoamericano. Valencia, Espanha: Tirant Lo Blanch. 2012.
  • YRIGOYEN FAJARDO, Raquel. Pluralismo Jurídico, derecho indígena y jurisdición especial en los países andinos. El Otro Derecho. Vol. 30, n. ILSA/Bogotá. 2004. p. 171-196.
  • 1
    VICIANO PASTOR, Roberto. Estudios sobre el nuevo constitucionalismo latinoamericano. Valencia, Espanha: Tirant Lo Blanch. 2012.
  • 2
    HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução Gilmar Mendes. Porto Alegre: SAFabris. 2010.
  • 3
    SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. A essência socioambiental do constitucionalismo latino-americano. Revista da Faculdade de Direito da UFG. Goiânia, vol. 41, n. 1, p. 197-215. jan/jul. 2017.
  • 4
    FITZMAURICE, Andrew. Sovereignty, property and Empire: 1500-2000. Cambridge: University Press. 2014. 360 p.
  • 5
    SILVA, Lígia Osório. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da lei de terras de 1850. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1996.
  • 6
    No Brasil do começo do século XIX houve discussões, com José Bonifácio, para incluir na Constituição a distribuição de terras para todos, o fim da escravidão e o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas. Porém o Imperador promulgou uma Constituição típica da colonialidade.
  • 7
    SILVA, Lígia Osório. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da lei de terras de 1850. Campinas: UNICAMP, 1996.
  • 8
    YRIGOYEN FAJARDO, Raquel. Pluralismo jurídico, derecho indígena y jurisdición especial en los países andinos. El Otro Derecho. Vol. 30, n. ILSA/Bogotá. 2004. p. 171-196.
  • 9
    CLAVERO, Bartolomé. Derechos indígenas y cultura constitucional en América. México: Siglo XXI. 1994.
  • 10
    VICIANO PASTOR, Roberto. Estudios sobre el nuevo constitucionalismo latinoamericano. Valencia, Espanha: Tirant Lo Blanch. 2012
  • 11
    DALMAU, Rubén Martínez. Los Nuevos paradigmas constitucionales de Ecuador y Bolivia. La Tendencia - Revista de análisis político -, Quito, nº 9, p. 38, , março/abril de 2009.
  • 12
    DUVERGER, Maurice. Constitutions et documents politiques. Paris: Presses Universitaire de France. 1978.
  • 13
    Cursos oficiais da Universidade Pablo de Olavide, em Sevilha, Andaluzia, Espanha.
  • 14
    J.J. Gomes Canotilho é co-autor e co-organizador da alentada obra “Comentários a constituição do Brasil”. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 2018.
  • 15
    STANNARD, David. American Holocaust: the conquest of new word. New York: Oxford University Press. 1992. 391 p.
  • 16
    GRONDIN, Marcelo e VIEZZER, Moema. O maior genocídio da história da humanidade. Toledo: Gráfica e Editora. 2018. 298 p.
  • 17
    LAS CASAS, Bartolomé. Brevísima relación de la destrucción de las Índias. Medellin/Colombia: Editorial Universidad de Antioquia. 2011. 209 p. (pg. 10 e seguintes).
  • 18
    AGENCIA BRASIL. Relatório da ONU aponta aumento do número de indígenas na América Latina. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2014-09/relatorio-da-onu-aponta-aumenta-do-numero-de-indigenas-na-america> . Acesso em 2 abr. 2019.
  • 19
    MORGAN, Kenneth. Cuatro siglos de esclavitud atlántica. Tradución de Carmen Castells. Barcelona: Editorial Planeta. 2017. 287 p.
  • 20
    MOURA, Clóvis. Dialética radical do Brasil negro. 2ªed. São Paulo: Editora Anita Garibaldi. 214. 336 p. especialmente pg. 233-273.
  • 21
    A tradução do termo quilombola para as línguas utilizadas na América Latina não é simples, mas podem ser chamados de palenques, marrons, cimarrón, jíbaros etc.
  • 22
    MOURA, Clóvis. Rebeliões da senzala. 3ªed. São Paulo LECH, 1981. 282 p.
  • 23
    RAMOS, Jorge Abelardo. História da Nação Latino-americana. Trad. Marcelo Hipólito López et alii. 3ª ed. Florianópolis: Insular. 2014. 584 p.
  • 24
    RAMOS, Jorge Abelardo. História da nação Latino-americana. Trad. Marcelo Hipólito López et al. 3ª ed. Florianópolis: Insular. 2014. 584 p.
  • 25
    HUMBOLDT, Alexander de. Political essay on the Kingdom of New Spain. v. 4. London: Longman. 1814. 374 p. p. 97. “In affairs of commerce, as well as in politics, the word freedom expresses merely a relative idea”. elivro grátis. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=tu0MAAAAIAAJ&printsec=frontcover&dq=humboldt&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwjPtKih_97hAhV4HbkGHeR6BdEQ6AEITzAF#v=onepage&q=humboldt&f>
  • 26
    LEWIN, Boleslao. La rebelión de Tupac Amaru y los origenes de la independencia de Hispanoamérica. Buenos Aires: SELA. 1967. 944 p.
  • 27
    ARCINIEGAS, Germán. La libertad: el destino de América. Bogotá: Editorial Planeta Colombiana. 2009. 224 pg.
  • 28
    MARTÍNEZ, Francisco. Francisco de Miranda: El Precursor. Serie Líderes de Venezuela. Caracas: Edicomunicacion. 2001.
  • 29
    MARIÁTEGUI, José Carlos. La tarea americana: selección de estudios e prólogo introductorio de Héctor Alimonda. Buenos Aires: Prometeo/CLACSO, 2010. 272 p. pg.125.
  • 30
    GRUNER, Eduardo. Haití: la única revolución de esclavos triunfante. IN: PINEAU, Marisa. Huellas y legados de la esclavitud en las Américas: proyecto Unesco La ruta del Esclavo. Saenz Peña, Argentina: Universidad Nacional de Três de Febrero. 2012. 239 p. pag. 223.
  • 31
    BUCK-MORSS, Susan. Hegel y Haití: la dialéctica amo-esclavo, una interpretación revolucionaria. Trad. Fermín Rodriguez. Buenos Aires: Editorial Norma. 2005. 103 p.
  • 32
    ARISTIDE, Jean-Bertrand. Tousaint L’Overture: la revolución haitiana. Traducción de Alfredo Brotons Muñoz. Madrid: Akal. 2013. 174 p.
  • 33
    JAMES, Cyril Lionel Robert. Los jacobinos negros: Toussaint L’Overture y la Revolución de Haití. Traducción de Rosa López Oceguera. Título original: Black Jacobins: Toussaint L’Overture and the San Domingo Revolution. Buenos Ayres: RyR, 2013. 525 p.
  • 34
    DUARTE, Evandro Charles Piza & QUEIROZ, Marcos Vinícius Lustosa. A Revolução Haitiana e o Atlântico Negro: o Constitucionalismo em face do Lado Oculto da Modernidade. Direito, Estado e Sociedade n.49 p. 10 a 42 jul/dez 2016.
  • 35
    No original: “Saint-Domingue dans toute son étendue, et Samana, la Tortue, la Gonâve, les Cayemites, l'Ile-à-Vaches, la Saône et autres îles adjacentes, forment le territoire d'une seule colonie, qui fait partie de l'Empire français, mais qui est soumis à des lois particulières”. Disponível em: <http://mjp.univ-perp.fr/constit/ht1801.htm>. Acesso em: 14 mai. de 2019
  • 36
    JAMES, Cyril Lionel Robert. Los jacobinos negros: Toussaint L’Overture y la Revolución de Haití. Traducción de Rosa López Oceguera. Título original: Black Jacobins: Toussaint L’Overture and the San Domingo Revolution. Buenos Ayres: RyR, 2013. 525 p.
  • 37
    Idem.
  • 38
    Haiti escreveu constituições em 1801, 1805, 1806, 1807, 1811, 1816, 1843, 1846, 1849, 1867, 1874, 1879, 1888, 1889, 1918, 1932, 1935, 1946, 1950, 1957, 1964, 1983, 1987, além de algumas revisões, sendo a última em 2011. Todos os textos utilizados neste artigo são da Digithèque MJP: http://mjp.univ-perp.fr/mjp.htm , acessado múltiplas vezes, sendo a última em 15 de maio de 2019.
  • 39
    LYNCH, John. Simón Bolívar. Traducción castellana de Alejandra Chaparro. Barcelona: Crítica. 2010. 478 p.
  • 40
    HUMBOLDT, Alexander Freiherr von. Ensayo político sobre la isla de Cuba, (Introd. por Fernando Ortiz; correcciones, notas y apéndices por Francisco Arango y Parrreño, J. S. Thrasher). La Habana: Cultural, 1960, p. 323.
  • 41
    GRAFENSTEIN, Johanna von. Haiti en el siglo XIX: desde la Revolución de esclavos hasta la ocupación norte americana (1791-1915). Istor, Revista de Historia Internacional, CIDE, Año XII, número 46. Otoño de 2011, pp. 3- 32, ISSN 1665-1715.
  • 42
    Idem. p. 9.
  • 43
    Barlomeu MELIÁ é um dos mais importantes etnólogos do povo Guarani e estudioso das Missões. Utilizou o apropriado termo em conferência proferida em Curitiba, na PUC/PR, em 2016.
  • 44
    SUSNIK, Branislava. Una visión socio-antropologica del Paraguay: XVI-½XVII. Asunción: Museo Etonográfico Dr. Andrés Barbero. 197 p.
  • 45
    PALÁEZ PADILLA, Jorge. Pueblos originarios y Estado nación en Paraguay: el proceso de construcción nacional durante la Dictadura perpetua de José Gaspar Rodríguez de Francia. San Luis Potosí/México: CENEJUS. 2015. 241 p.
  • 46
    O’DONNELL, Pacho. Artigas: la versión popular de la revolución de mayo. 1ª ed. Buenos Aires: Aguilar. 2012. 256 p.
  • 47
    RAMOS, Jorge Abelardo. História da nação latino-americana. Trad. Marcelo Hipólito López et alii. 3ª ed. Florianópolis: Insular. 2014. 584 p.
  • 48
    BRUSCHERA, Oscar H. Artigas. Coleção “Los Nuestros”. Montevideo: Editorial Nuestra América. Tradução de João Manuel Rodrigues. 1971. 180 p. pg. 9.
  • 49
    idem.
  • 50
    GUERRA VILABOY, Sergio. El Paraguay de Doctor Francia. Crítica & Utopia. Nº 5. Dictadura y Dictadores. Buenos Aires. Setiembre de 1981.
  • 51
    Texto do Decreto disponível em: <https://nacaomestica.org/blog4/?p=18345 > Acesso em: mai. 2019.
  • 52
    ARECES, Nidia R. De la independencia a la guerra de la Tróplice Alianza (1811-1870). In: TELESCA, Ignacio. Historia del Paraguay. Asunción: Taurus Historia. 2010. 443 p. p. 157.
  • 53
    O Hino do Paraguai, que terminou de ser escrito apenas em 1846, afirma no verso segundo: Nueva Roma, la Patria ostentará/ dos caudillos de nombre y valer,/ que rivales —cual Rómulo y Remo—/ dividieron gobierno y poder./ Largos años —cual Febo entre nubes—/ viose oculta la perla del Sud./Hoy un héroe grandioso aparece/ realzando su gloria y virtud...
  • 54
    BOLIVAR, Simón. Obra politica y constitucional. Prólogo, antología y notas de Eduardo Rozo Acuña. Madrid: Tecnos. 2007. 203 p.
  • 55
    LYNCH, John. San Martín: soldado argentino, héroe americano. Traducción Alejandra Chaparro. Barcelona: Crítica. 2009. 382 p.
  • 56
    FRANCIA: 1817-1830/ Comentários Guido Rodrigues Alcalá. Vol II. Edición comentada, aumentada y corrigida de la colección Doroteo Barrero del Archivo Nacional de Asunción. Asunción: 2009. 1771 pg. p. 700.
  • 57
    ARECES, Nidia R. De la independencia a la guerra de la Tróplice Alianza (1811-1870). In: TELESCA, Ignacio. Historia del Paraguay. Asunción: Taurus Historia. 2010. 443 p. pg. 159.
  • 58
    idem. pg. 193.
  • 59
    TRIAS, Vívian. El Paraguay de Francia, el Supremo, y la guerra de la tríplice aliança. Buenos Aires: Crisis. 1975. p. 79
  • 60
    TRIAS, Vívian. El Paraguay de Francia, el Supremo, y la guerra de la tríplice aliança. Buenos Aires: Crisis. 1975.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2019
  • Aceito
    11 Out 2019
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - 7º Andar, CEP: 20.550-013, (21) 2334-0507 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: direitoepraxis@gmail.com