Resumo
As diretrizes estabelecidas pelo Estatuto da Cidade determinam a garantia do direito a cidades sustentáveis, à gestão democrática e à inclusão da política patrimonial no planejamento e na gestão do desenvolvimento urbano. O objetivo deste trabalho é realizar uma pesquisa do estado da arte, em bancos de dados, sobre a produção acadêmica nacional relacionada à abordagem do patrimônio cultural entre 2011-2020, nos planos diretores municipais. Por meio da metodologia estado da arte foi possível concluir que há pouca produção acadêmica relacionando o plano diretor ao patrimônio cultural.
patrimônio cultural; plano diretor; estado da arte
Abstract
The guidelines established by the City Statute mandate the guarantee of the right to sustainable cities, democratic management, and the inclusion of heritage policy in urban development planning and management. The objective of this study is to carry out state-of-the-art research, in databases, on the Brazilian academic production related to the approach to cultural heritage in municipal master plans between 2011 and 2020. Through the state--of-the-art methodology, it was concluded that there is limited academic production connecting master plans to cultural heritage.
Introdução
A Constituição Federal (CF) de 1988 trouxe, em seu artigo 182, a atribuição de aplicar a política urbana ao poder público municipal, em cooperação com a sociedade civil, a fim de ordenar o desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (Brasil, 1988). Mais tarde, o Estatuto da Cidade (Brasil, 2001) regulamenta os artigos 182 e 183 da CF/1988 e estabelece os parâmetros e diretrizes da política urbana no Brasil, oferecendo instrumentos, entre eles, o plano diretor, para que o município possa intervir nos processos de planejamento e garantir o direito à cidade. O Estatuto da Cidade define o plano diretor como instrumento básico para orientar a política de desenvolvimento e de ordenamento com a função de definir as condições a que a propriedade deve se conformar para cumprir a sua função social. Para isso, estabelece como diretrizes, entre outras:
(I) garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; (II) gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; [...] e (XII) proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico. (Brasil, 2001, incisos I, II e XII do art. 2º)
Em setembro de 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU, 2015) aprovou a Agenda 2030, que prevê a implementação de 17 Objetivos Globais de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e suas 169 metas para o período de 2016 a 2030 (ONU, 2015). Dentre os objetivos destaca-se o 11º, que objetiva tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. Dentre as metas para esse objetivo, enfatizamos a meta de número 11.3, que consiste em aumentar a urbanização inclusiva e sustentável, as capacidades para o planejamento e a gestão de assentamentos humanos participativos, integrados e sustentáveis em todos os países, até 2030, e a meta de número 11.4, que visa fortalecer esforços para proteger os patrimônios cultural e natural do mundo. Diante disso, faz-se necessário observar que:
[...] a gestão do patrimônio cultural [...] só rompe seu isolamento e se harmoniza com o real sentido de desenvolvimento sustentável, se fizer parte da pauta e do esforço de planejamento governamental e das ações do poder público e da iniciativa privada. Cada vez mais a dimensão cultural deverá se incorporar às outras dimensões do desenvolvimento, como a social e a econômica, relegando ao passado as soluções parciais, incapazes de proporcionar alternativas para uma realidade complexa e dialética. (Iphan, 2012)
O direito à cidade, além de protegido no Estatuto da Cidade e incluído nos 17 ODS, é referido, em diversos documentos produzidos em fóruns internacionais da sociedade, como a Carta Mundial pelo Direito à Cidade (Fórum Social Mundial Policêntrico, 2006), a Carta-Agenda pelos Direitos Humanos nas Cidades (CGLU-2009), a Carta da Cidade do México pelo Direito à Cidade (2009) e a Carta do Rio de Janeiro sobre o Direito à Cidade (2010).
Esta pesquisa visa discutir o estado da arte nas pesquisas acadêmicas que contenham entre suas palavras-chave, simultaneamente: patrimônio cultural, plano diretor e direito à cidade ou direito à cidade sustentável. Para tanto, realizou-se uma pesquisa do estado da arte no Banco de Teses e Dissertações (BDTD), no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no Portal de Periódicos da Capes/Ministério da Educação e Cultura (MEC) e no portal da Scientific Electronic Library Online (SciELO).
Decorre que as políticas do patrimônio cultural devidamente inseridas no planejamento do plano diretor poderão promover o direito constitucional à cidade sustentável. No entanto, apesar de o direito à cidade estar contemplado nos documentos citados e no regramento jurídico brasileiro, problemas profundos (como a violência, o desemprego e a desigualdade) persistem nas cidades, conforme observa Carlos (2007, p. 83):
As desigualdades não podem mais ser ignoradas, não se pode mais governar forjando uma unanimidade. O acirramento das contradições urbanas, fruto do crescimento rápido, no qual o Estado se coloca a serviço da reprodução ampliada do capital, é um fato incontestável. O espaço urbano se reproduz, reproduzindo a segregação, fruto do privilégio conferido a uma parcela da sociedade brasileira.
Dada a relevância de o patrimônio cultural estar contemplado no plano diretor da cidade como meio de assegurar o direito à cidade sustentável, objetivou-se realizar um levantamento das produções acadêmicas relacionadas ao tema. Optou-se pelo estado da arte que, segundo Romanowski e Ens (2006), possibilita ter uma visão geral do que vem sendo produzido sobre um determinado assunto.
A metodologia da pesquisa
O estado da arte, conforme Ferreira (2002), é uma metodologia de caráter inventariante e descritivo da produção acadêmica e científica, desenvolvida com o objetivo de:
[...] apontar caminhos que vêm sendo tomados e aspectos que são abordados em detrimento de outros. A realização destes balanços possibilita contribuir com a organização e análise na definição de um campo, uma área, além de indicar possíveis contribuições da pesquisa para com as rupturas sociais. (Romanowski e Ens, 2006, p. 39)
Identificar o estado da arte e mapear a produção acadêmica de uma área de investigação é relevante, uma vez que “[...] o estado da arte favorece compreender como se dá a produção do conhecimento em uma determinada área de conhecimento em teses de doutorado, dissertações de mestrado, artigos de periódicos e publicações” (ibid, p. 30). Além disso, esta é uma metodologia que permite experimentar maior familiaridade com o problema, com vistas a constituir hipóteses (Gil, 1999).
Nesse mesmo sentido, Romanowski e Ens (2006, p. 39) elucidam que:
Estados da arte podem significar uma contribuição importante na constituição do campo teórico de uma área de conhecimento, pois, procura identificar os aportes significativos de construção da teoria e prática pedagógica, apontar as restrições sobre o campo em que se move a pesquisa, as suas lacunas de disseminação, identificar experiências inovadoras investigadas que apontam alternativas de solução para problemas da prática e reconhecer as contribuições da pesquisa na constituição de propostas na área focalizada.
Pesquisas do estado da arte fornecem novas perspectivas àqueles que buscam elucidar um tema, como também destaca Soares:
Essa compreensão do estado de conhecimento sobre um tema, em determinado momento, é necessária [...] a fim de que se ordene periodicamente o conjunto de informações e resultados já obtidos, ordenação que permita indicação das possibilidades de integração de diferentes perspectivas, aparentemente autônomas, a identificação de duplicações ou contradições, e a determinação de lacunas e vieses. (Soares, 1989, p. 3)
Dada a relevância do estado da arte ressaltada pelos autores mencionados, optou-se por mapear estudos que relacionassem patrimônio cultural e plano diretor das cidades com vistas à promoção do direito à cidade. Assim, foi realizada uma pesquisa preliminar em setembro de 2020, no BDTD, com os termos: “plano diretor” AND “patrimônio cultural” AND “mapeamento de estudos” OR “plano diretor” AND “patrimônio cultural” AND “revisão de bibliografia” OR “plano diretor” AND “patrimônio cultural” AND “estado da arte”. Não foi encontrada nenhuma pesquisa relacionada aos termos procurados que indicasse a existência de um possível mapeamento de estudos relacionados às palavras-chave escolhidas. A ausência de pesquisas justifica este estudo.
Para desenvolver a pesquisa sobre a produção acadêmica nacional relacionada à abordagem do patrimônio cultural nos planos diretores dos municípios do Brasil, delimitou-se o objeto e as fontes de pesquisa pelos seguintes parâmetros:
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parâmetro temático: as obras associadas às seguintes palavras-chave: “patrimônio cultural”, “planos diretores” e “direito à cidade ou direito à cidade sustentável”;1
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parâmetro linguístico: produções acadêmicas e científicas nacionais, incluídas as produzidas por autores brasileiros e publicadas no exterior;
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fontes para consulta: periódicos, teses e dissertações do BDTD do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes/MEC, no Banco do Portal de Periódicos da Capes/MEC e na SciELO;
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parâmetro cronológico de publicação: entre 2011 e 2020.
Com os parâmetros estabelecidos, iniciou-se a investigação com as seguintes buscas sistemáticas:
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utilizaram-se, no campo de descrição, as palavras-chave: “patrimônio cultural” AND2 “plano diretor” AND “direito à cidade” OR “direito a cidades sustentáveis”;
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considerando que não foram encontrados resultados para essa busca, optou-se por dar sequência à pesquisa utilizando-se, no campo de descrição, apenas a palavra-chave “Plano Diretor”;
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na sequência, ampliou-se a busca utilizando a palavra “plano diretor” e acrescentando outra palavra-chave relacionada ao objeto de estudo: “patrimônio cultural”. Para tanto, foi inserido no campo de busca as palavras “plano diretor” AND “patrimônio cultural”, obedecendo aos mesmos parâmetros descritos anteriormente;
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por último, foi realizada uma busca utilizando a palavra “plano diretor”, acrescentando-se outra palavra-chave relacionada ao objeto de estudo: "direito à cidade” OR “direito à cidade sustentável”, utilizando os mesmos parâmetros.
Essas buscas foram realizadas nos seguintes bancos de dados: BDTD; Banco do Portal de Periódicos da Capes e da SciELO. Para realizar a pesquisa no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes utilizou-se a página do Portal Brasileiro de Dados Abertos.3 Uma vez acessada a página dos dados abertos, inseriu-se o termo Capes em seu campo de busca e selecionou-se os dados com extensão CSV, que permitem localizar o Catálogo de Teses e Dissertações que se encontram disponibilizados por ano, em arquivos de dados com extensões XLS e CSV. Foram baixados os arquivos dos respectivos anos, selecionando-se os dados CSV. Cada arquivo foi sistematizado, e os filtros foram aplicados de acordo com os parâmetros estabelecidos para a pesquisa.
Dessa forma, os resultados encontrados nos portais de buscas (BDTD/Ibict, no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes/MEC, no Banco do Portal de Periódicos da Capes/MEC e na SciELO foram levantados, catalogados, agrupados, quantificados e expressos em quadros temáticos. Também foram agrupados em dois blocos, separando no primeiro bloco os trabalhos que continham entre suas palavras-chave os termos “plano diretor e patrimônio cultural”; no segundo bloco, os que continham entre suas palavras-chave os termos “plano diretor e direito à cidade ou direito à cidade sustentável”.
Com o objetivo de demonstrar o conteúdo temático das pesquisas selecionadas, foi construída uma nuvem de palavras4 (NP),5 utilizando as palavras-chave das 11 produções selecionadas. Ela se propõe a evidenciar a aproximação e a relação com o tema proposto nesta pesquisa.
O Estado da Arte – Resultados
A partir do desenvolvimento do trabalho e das informações levantadas, sistematizaram-se os resultados obtidos, constatando-se que a tríade: “patrimônio cultural”, “plano diretor” e “direito à cidade” ou “direito a cidades sustentáveis” não foi objeto da produção acadêmica na pesquisa realizada nestes bancos de dados no período de 2011 a 2020.
Os resultados encontrados na busca realizada com a palavra-chave “plano diretor” estão no Quadro 1.
– Número de produções acadêmicas sobre plano diretor, patrimônio cultural, direito à cidade e cidade sustentável, no Brasil, de 2011 a 2020
– Número de teses, dissertações e artigos sobre plano diretor por ano de defesa/publicação, período 2011-2020
Na sequência, apresenta-se o mapeamento da distribuição longitudinal das produções no decorrer do período pesquisado, por Bancos de Dados. Em 2020, foi encontrado o menor volume de publicação, 13 trabalhos. É possível que esse baixo volume se relacione ao contexto da pandemia covid-19.
Constatou-se um total de 528 trabalhos que abordam a temática “plano diretor”; o Gráfico 2 mostra esse resultado por região brasileira. É possível verificar que há uma concentração maior na região Sudeste, com 45,5% das produções (240 trabalhos). A segunda maior concentração foi observada na região Sul com 26% dos trabalhos (138 produções). A região Nordeste ocupa a terceira posição em número de produções, com 15% dos trabalhos (78 produções). Na região Centro-Oeste, foram encontrados 6,5% das produções (34 trabalhos). Na região Norte, foram encontrados 4% dos trabalhos (22 produções) referentes à temática proposta.
Quanto à área do conhecimento à qual os trabalhos acadêmicos estão relacionados, foi pesquisada no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes e no Portal do BDTD/Ibict, uma vez que o Portal de Periódicos da Capes não traz essa informação. Verificou-se que as produções estavam relacionadas, em sua maioria, com as áreas da arquitetura e urbanismo, da geografia, das engenharias e do planejamento urbano (Gráfico 3).
Os 96 artigos encontrados (67 do Portal de Periódicos da Capes e 29 do Portal da SciELO) foram publicados em 51 revistas.
Em continuidade, foram constatados 25 trabalhos na busca quando acrescentada a palavra “plano diretor” aos descritores “patrimônio cultural” e “direito à cidade” ou “direito à cidade sustentável”. Destes, 8 trabalhos (5 dissertações e 3 artigos) traziam as palavras-chave “plano diretor” e “patrimônio cultural”. Destes, 2 dissertações não estavam alinhadas ao objeto do estudo e foram excluídas, permanecendo 6 trabalhos (3 dissertações e 3 artigos), encontrados no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, Periódicos Capes e na SciELO (Quadro 2).
Os demais 18 trabalhos têm as palavras-chave “plano diretor” e “direito à cidade” ou “direito à cidade sustentável”. Destes, 13 não estavam alinhados a este estudo e foram excluídos, permanecendo 5 trabalhos alinhados a esta pesquisa (2 teses, 2 dissertações e 1 artigo) encontrados no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes e Periódicos Capes, conforme o Quadro 3.
Verificou-se, diante dos resultados, que a tríade “patrimônio cultural”, “plano diretor” e “direito à cidade ou direito à cidade sustentável” não foi objeto de nenhuma produção acadêmica na pesquisa realizada no período 2011-2020 nas fontes BDTD/Ibict; Catálogo de Teses e Dissertações da Capes/MEC; Banco do Portal de Periódicos da Capes/MEC; SciELO,
De um total de 528 trabalhos desta pesquisa, constatou-se que 1,14% (6) relacionado ao plano diretor tem entre suas palavras-chave patrimônio cultural, e 2,09% (11) dos trabalhos apresentam afinidade com o tema deste estudo, mas não tratam especificamente do encontro temático proposto – Patrimônio Cultural, Plano Diretor e Direito à Cidade. Entretanto, são relevantes ao corpus desta pesquisa em função do encontro temático proposto em partes de capítulos, parágrafos ou até mesmo em frases ou citações.
Uma vez mapeados os trabalhos, passou-se à leitura analítica, à interpretação e apresentação dos dados apresentados a seguir. O Gráfico 4 mostra a distribuição por ano, e o Gráfico 5 por região geográfica brasileira.
– Produção que contempla, simultaneamente, “plano diretor” e “patrimônio cultural”; “plano diretor” e “direito à cidade”, por ano, entre 2011 e 2020
– Produção acadêmica que contempla “plano diretor” e “patrimônio cultural”, “plano diretor” e “direito à cidade”, e “plano diretor”, “patrimônio cultural” e “direito à cidade”, por região brasileira, de 2011 a 2020
No intuito de promover melhor visualização acerca do conteúdo temático das pesquisas selecionadas, foi construída uma NP com as palavras-chave das 11 produções selecionadas constantes nos Quadros 2 e 3. Pode-se observar que a Figura 1 evidencia a aproximação com o assunto proposto nesta pesquisa.
Tendo em vista o objetivo proposto – encontrar trabalhos que tivessem em suas palavras-chave “plano diretor”, “patrimônio cultural” e “direito à cidade” –, constatou-se que: o termo “plano diretor” figurou em todos os 11 trabalhos; o termo “patrimônio cultural” apareceu em 6 trabalhos; o termo “direito à cidade” apareceu em 5 trabalhos; os termos “participação popular” e “democracia” apareceram em 3 trabalhos; o termo “estatuto da cidade” apareceu em 2 trabalhos; os demais termos apareceram em 1 trabalho.
Nesse contexto, as palavras-chave indicam a frequência da temática, sendo possível dizer que “plano diretor” é o termo mais crebro e o assunto mais relevante nas produções selecionadas, seguido dos termos “patrimônio cultural” e “direito à cidade”.
Constata-se que, embora não se tenha encontrado nenhuma produção acadêmica que tivesse como assunto a tríade “patrimônio cultural”, “plano diretor” e “direito à cidade”, as produções identificadas e selecionadas comprovam que estas se relacionam com os parâmetros estabelecidos na metodologia.
Primeiro bloco: plano diretor e patrimônio cultural
Neste bloco, optou-se por agrupar os dados com os 6 trabalhos apresentados no Quadro 2, que abordam “plano diretor e patrimônio cultural” e analisam a inclusão da política patrimonial no planejamento urbano dos municípios por meio do plano diretor para promover o direito à cidade ou à cidade sustentável.
Entre os trabalhos que apresentam essa abordagem, a dissertação Plano Diretor como elemento de preservação do meio ambiente histórico-cultural (Tonial, 2013) estuda o Plano Diretor como um meio de preservar o meio ambiente histórico-cultural. A autora busca comprovar a necessidade de os planos diretores municipais contemplarem e regulamentarem o cuidado com o meio ambiente cultural com a finalidade de preservá-lo para a atual e a futura geração. A pesquisa evidenciou que é de competência do Poder Público Municipal e da sociedade o cuidado e a preservação do patrimônio cultural a fim de garantir um dos direitos fundamentais – o direito à cultura – e ainda garantir que histórias de gerações passadas cheguem às gerações futuras. Conclui reafirmando que o plano diretor municipal é um dos importantes instrumentos para a preservação e o cuidado do patrimônio cultural.
Na mesma direção, a dissertação O patrimônio cultural e a cidade: uma análise dos conflitos relacionados ao tombamento do centro antigo e do centro histórico de Manaus, de Magalhães (2013), objetiva compreender a relação entre a cidade, o patrimônio cultural e o plano diretor na proteção dos bens de valor cultural, por meio do planejamento urbano, a fim de promover qualidade de vida para as pessoas que vivem na cidade.
Magalhães, em sua produção, lembra que o conceito contemporâneo possibilita desvincular o patrimônio cultural da ideia de excepcionalidade e monumentalidade, que vêm atreladas à identidade nacional defendida na Era Vargas para considerar como patrimônio cultural aquilo que é relevante para os grupos formadores da sociedade brasileira. O autor aborda, ainda, o fato de o patrimônio cultural se localizar nas cidades que são, além de um espaço geográfico urbanamente ocupado, resultado das manifestações culturais de seus povos, dos seus sistemas de produção e de seus conflitos sociais. Diante disso, defende a necessidade de envolver a sociedade na gestão da cidade, praticando a gestão democrática. Para tanto, as intervenções urbanas necessárias devem ser levadas ao conhecimento da sociedade. Os interesses envolvidos devem ser expostos e os valores culturais relacionados devem ser identificados para que, uma vez conhecidos, possam ser debatidos. Assim, sociedade e poder público, juntos, podem decidir o que deve ser protegido e o que deve ser realizado na cidade, promovendo mais qualidade de vida e desenvolvimento sustentável.
Na terceira dissertação, A proposta de salvaguarda das Unidades Especiais de Preservação (UEPs) de Maceió: uma avaliação após 11 anos de instituição do instrumento urbanístico,Carvalho (2017) inseriu no plano diretor os 56 imóveis de valor histórico, arquitetônico e simbólico passíveis de serem protegidos. São bens com valor material e artístico, monumentos e espaços públicos comuns, ligados a valores de memória e valores afetivos, espaços antigos, mas também espaços modernos. Constatou, por fim, que a proteção inserida no Plano Diretor pode não se equipar ao tombamento, mas este, mesmo assim, pode apresentar semelhanças entre o processo de tombamento e a construção do Plano Diretor. Isto porque o plano diretor contém condições, incentivos e penalidades relacionadas à conservação das Unidades e ainda conta com a gestão democrática, uma vez que o processo de construção do plano diretor deve necessariamente se dar num processo participativo.
O quarto trabalho é um artigo de Colesanti e Campos (2012), A tutela do Patrimônio Cultural e o município de Uberlândia-MG, publicado na Revista da Faculdade de Direito de Uberlândia. As autoras discorrem sobre a responsabilidade do estado para atuar na proteção do patrimônio cultural a partir da CF/1988 e seus instrumentos. Tanto a União, quanto os estados, o Distrito Federal e os municípios têm, entre suas atribuições, a responsabilidade de proteger os bens patrimoniais. Colesanti e Campos lembram que a CF/1988, em seu artigo 216, apresenta um conceito amplo de patrimônio cultural e traz orientações relacionadas e aplicáveis. No entanto, ponderam que a conceituação e um conjunto de normas não garantem a sustentabilidade do patrimônio cultural. Outro elemento destacado no estudo é o artigo 23 da CF/1988, que reconhece o município como ente e atribui a ele responsabilidades comuns aos estados e à União como o dever de cuidar do patrimônio público (histórico, artístico e cultural). O artigo aborda a política urbana, fruto de reivindicações de movimentos populares pela reforma urbana, que instituiu o novo plano diretor como instrumento da política de desenvolvimento urbano. Este é compreendido como o documento que, construído com a participação popular, deve orientar as ações e intervenções em um território, compatibilizando os interesses coletivos, distribuindo de forma justa os benefícios oriundos da urbanização, promovendo o direito à cidade e a proteção do patrimônio cultural. No caso de Uberlândia, o estudo constata que, mesmo com a participação do cidadão na proteção do patrimônio cultural assegurada na legislação brasileira, na prática, inúmeras dificuldades são apresentadas quanto à efetivação desse direito.
Nessa perspectiva, o artigo de Trevizol (2016), Patrimônio cultural e o Plano Diretor em municípios de pequeno porte, retrata as dificuldades e fragilidades encontradas no planejamento urbano. O artigo trata das implicações no patrimônio cultural geradas por conflitos que podem ser desencadeados a partir de ações propostas por um plano diretor deficiente. O autor defende que o plano diretor é a ferramenta chave para o ordenamento e o equilíbrio das relações existentes em uma cidade, ainda que ocupada por uma sociedade movida pelo capital. Trevizol traz uma reflexão crítica sobre os Planos Diretores nos pequenos municípios e como estes, quando não bem elaborados, podem gerar conflitos sociais e econômicos em uma cidade.
Há, ainda, o sexto trabalho, Patrimônio cultural, cidade, sustentabilidade: qual o papel da legislação urbanística na preservação e no desenvolvimento, de Figueiredo (2014). A autora pauta a integração entre o planejamento territorial e as políticas setoriais e considera o patrimônio cultural um recurso para o desenvolvimento sustentável e a construção de um futuro menos desigual. No artigo, ela destaca duas experiências: a Zona Especial de Preservação Cultural (Zepec), criada pelo Plano Diretor Estratégico de São Paulo, e a Zona Especial de Interesse do Patrimônio de Paranapiacaba (Zeipp), instituída pelo Plano Diretor Participativo de Santo André. A autora afirma que, enquanto as Zepecs estão alicerçadas na ideia de monumento e em uma visão segmentada do patrimônio e da cidade, com uma incongruência entre as políticas de preservação e de ordenamento urbano, a Zeipp vincula o ordenamento territorial às políticas de preservação, conservação ambiental e desenvolvimento urbano e socioeconômico na perspectiva do planejamento e da gestão integrados e participativos. Figueiredo também não se limita a considerar a paisagem como um testemunho às futuras gerações, mas, sim, como um significativo recurso na busca pelo desenvolvimento sustentável das comunidades, criando identidade e memória, valores para a manutenção da política de proteção. Por isso, conforme a autora, a política aplicada em Santo André é uma experiência que buscou novas possibilidades de políticas sustentáveis para as cidades.
Todos os trabalhos deste bloco são unânimes e corroboram com outras abordagens que defendem que a legislação que compõe o regramento urbanístico aparenta ser indispensável para o ordenamento do espaço de uma cidade. Para Rolnik (1997), a legislação urbana tem a função de servir como referência para a população até quando não são aplicadas, uma vez que delimitam o poder e organizam territórios, conferem significados e geram noções de civilidade e de cidadania. Funcionam como forte referencial cultural mesmo que não saiam efetivamente do papel, pois marcam tempos e acontecimentos, estabelecendo um ideal e uma intenção, constituindo fatos da história urbana. “Aí reside, talvez, um dos aspectos mais interessantes da lei: aparentemente funciona como uma espécie de molde da cidade ideal ou desejável” (ibid., p. 13).
Todos os trabalhos citados, uns mais, outros menos, abordam as fragilidades relacionadas aos Planos Diretores – ou por serem elaborados sem ler a cidade e o território adequadamente, ou por não serem aplicados, ou por não terem sido construídos adequadamente. Há de se considerar que só a existência do plano diretor enquanto documento não dá conta de garantir direitos e proteger os bens culturais como referência de uma dada sociedade. As conquistas são fruto da reforma urbana, porém os mecanismos e instrumentos da lei, por si só, não conseguirão consolidar o direito à cidade sustentável, tornando-se necessário serem bem aplicados. Estaria essa conquista vinculada à pressão popular? E estaria também vinculada ao fato de os operadores do direito precisarem romper com a prática da lógica do mercado? Uma vez que:
[...] instrumentos e planos, mesmo quando respaldados em leis, são, em princípio, apenas recursos que só se converterão em riquezas efetivas quando houver condições de implementação eficaz desses mesmos instrumentos e planos. Essas condições são de várias ordens – econômicas, políticas, culturais... – mas um aspecto que parece decisivo no sentido de viabilizar tanto a elaboração quanto a implementação de instrumentos e planos, em uma sociedade tão heterônoma quanto a brasileira, onde há leis que “pegam” e outras que não “pegam”, é a pressão popular e a capacidade de a sociedade civil monitorar e fiscalizar o cumprimento das leis. (Souza, 2010, p. 322)
Porém, todas as pesquisas têm apontado que há instrumentos legais que podem, quando elaborados com a devida participação popular, orientar o desenvolvimento sustentável.
Segundo bloco: plano diretor e direito à cidade
Nese grupo serão destacados os 5 trabalhos apresentados no Quadro 3, que tratam do plano diretor e do direito à cidade e que problematizam a gestão democrática na gestão das cidades do planejamento urbano e, por conseguinte, da gestão do patrimônio.
Do ponto de vista legal, o direito à cidade sustentável está contemplado na CF (Brasil, 1988). Por sua vez, o Estatuto da Cidade, Lei Federal n. 10.257/2001 (Brasil, 2001), regulamenta os artigos 182 e 183 da CF/1988 e estabelece parâmetros e diretrizes da política urbana no Brasil. O Estatuto oferece instrumentos para que o município possa intervir nos processos de planejamento e garantir a realização do direito à cidade, além de definir o plano diretor como instrumento básico para orientar a política de desenvolvimento e de ordenamento com a função de estabelecer as condições às quais a propriedade deve se conformar para que cumpra a sua função social.
Von Gehlen (2017), em A participação popular e a democracia deliberativa como legitimação das políticas urbanas e garantia do direito à cidade, lembra que:
Tanto na Constituição Federal como no estatuto da cidade foram previstos meios de participação popular, [...] no sentido de se planejar a cidade de acordo com a ótica do cidadão, tem plenas condições de ser atingida, bastando que esta participação seja efetiva e significativa. (Ibid., p. 15)
O estudo de Von Gehlen trata da participação popular na formulação das políticas públicas para assegurar o direito à cidade e a efetivação da democracia, em particular, no município de Chapecó/SC. Nele, o autor faz uma análise da democracia deliberativa e sua relação com a efetiva participação nas políticas públicas. Avalia se a legislação vigente possibilita a efetiva participação popular na formulação das políticas públicas e no planejamento da cidade e identifica as causas da deficiência no exercício da participação popular dos cidadãos e da sociedade civil organizada no âmbito das audiências públicas e dos conselhos deliberativos. O estudo busca levantar as possíveis consequências dessas deficiências para a garantia do direito à cidade e a efetivação da democracia. A pesquisa de Von Gehlen mostra-se muito relevante, uma vez que muitos dos municípios brasileiros têm a obrigatoriedade de fazer e/ou revisar seus Planos Diretores a cada dez anos, cuja legitimidade está vinculada à participação popular. Muitos dos municípios estudados têm baixa participação popular em reuniões comunitárias, audiências públicas ou outros eventos que demandam participação popular. Enfrentam, ainda, o fato de que nem sempre os poucos que participam conseguem representar os interesses da grande maioria da população.
Importante referir que a participação popular já se encontra amparada em diversas normativas brasileiras como no artigo 1º, parágrafo único, da CF/1988, que estabelece a democracia – participativa e/ou representativa – como princípio do estado democrático e institui a cooperação das associações representativas no planejamento municipal como preceito a ser seguido pelos municípios (Brasil, 1988, artigo 29, inciso XII). Esta também aparece estabelecida no Estatuto da Cidade, quando, em suas diretrizes, determina que a gestão da política urbana seja democrática (Brasil, 2001, artigo 2º, inciso II). Considerando que o patrimônio cultural está contido na política urbana, tem-se, nesta, implícita a determinação da participação popular na gestão do patrimônio cultural. Essa determinação é corroborada pelo Art. 216, parágrafo 1º da CF/1988, que determina que “O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação” (Brasil, 1988, pp. 139-140). Seria o plano diretor uma dessas outras formas de acautelamento e preservação?
A dissertação de Silva (2018), O espaço urbano, a lei e o direito à cidade em disputa: A (in)existência da gestão democrática no processo de revisão do III Plano Diretor de Pelotas pelo Conselho Municipal do Plano Diretor (2013-2017), trata da relação entre espaço urbano e gestão democrática na efetivação do direito à cidade no município de Pelotas/RS, no processo de revisão do III Plano Diretor. Para tanto, a autora problematizou o princípio da gestão democrática como norteador da elaboração, fiscalização e revisão do plano diretor e analisou o Conselho Municipal do Plano Diretor (Conplad) da Cidade de Pelotas quanto ao seu caráter democrático. O estudo constatou que, no caso analisado, a gestão democrática do espaço urbano não aconteceu, uma vez que o próprio funcionamento do Conplad desrespeitou a Lei Orgânica Municipal e os princípios públicos de publicidade e transparência, não sendo democrático na sua composição nem na sua atuação. A autora, ao concluir, lembra que reivindicar espaços participativos é combater a mercantilização do espaço urbano e contribuir para fortalecer e consolidar a democracia como condição de justiça social.
Nesse sentido, afirma Varella (2018) em O direito ao auto-ordenamento: experimentações do planejamento subversivo e resistências ao planejamento territorial heterônomo em Paranaguá-PR:
A aproximação com os movimentos sociais permitiu, então, trazer à tona as potencialidades das ações coletivas cotidianas destes atores para se pensar na construção de um planejamento territorial “outro”, capaz de fomentar a autonomia dos grupos e, ainda, consolidar direitos concretos no dia a dia, servindo à luta contra a segregação socioespacial das cidades. (Ibid., p. 8)
A tese de Varella teve como objetivo provocar reflexões sobre as cidades brasileiras referentes ao planejamento e à gestão territorial na realização do direito à cidade. O autor discute o “direito à cidade” na realidade brasileira e o quanto ele tem apresentado um desgaste histórico: apesar de estar previsto constitucionalmente, não se efetiva na prática. O estudo apresenta os potenciais que a efetivação do direito à cidade possui para a transformação da realidade socioespacial, atualmente cada vez mais segregada. Tem-se como natural ver as pessoas da classe alta vivendo em condomínios de luxo enquanto os trabalhadores são destinados a ocupar espaços que, na maioria das vezes, parecem invisibilizados a quem o direito à cidade é constantemente negado. Varella destaca que subverter o plano diretor significa transformá-lo e afirma que essa tarefa, em Paranaguá ou em qualquer outra cidade, é um grande desafio. Porém, menciona que a participação popular é necessária na luta pelo direito à cidade realizada pelos movimentos sociais e que é possível alcançar um planejamento urbano que resulte em menos segregação urbana e, gradativamente, conquistar o direito à cidade para todas e todos.
A tese Desenvolvimento e políticas públicas, direito à cidade e participação popular na política urbana da cidade do Natal-RN: uma crítica sociojurídica ao direito urbanístico (Ferreira, 2019) analisa o papel do direito urbanístico para fundamentar a compreensão do direito à cidade a partir da análise da gestão pública no contexto da política urbana em Natal/RN. Para a autora, o diálogo acerca da democracia e dos direitos de participação podem diminuir a desigualdade e a dominação nas cidades, e a participação popular pode construir uma cidade melhor, mais justa e equilibrada.
O último trabalho selecionado, Algumas contribuições de Milton Santos para a compreensão do Plano Diretor Participativo das cidades (Moreira, Dantas e Martins, 2015), traz uma análise sobre as teorias de Milton Santos nas dinâmicas espacial e social das cidades e tece considerações sobre como tais análises podem ser relevantes para a compreensão do direito à política pública de planejamento urbano por meio do plano diretor. Sendo este uma obrigatoriedade municipal, pode cuidar do planejamento urbano de forma que a função social da propriedade e da cidade fique contemplada. Assim, permite que o espaço urbano na cidade contribua para que seus habitantes tenham seus direitos fundamentais garantidos. É nesse contexto que Moreira, Dantas e Martins definem o plano diretor, a partir de uma análise das dinâmicas espaciais e sociais das cidades, como o instrumento capaz de contribuir efetivamente com a construção de uma cidade mais justa e mais democrática. No entanto, os trabalhos deste bloco apontam que a participação popular na construção dos planos, quando há participação, não representa os interesses de toda a cidade, pois os representantes que participam são de setores bem específicos, quase sempre dominantes da sociedade, corroborando com Villaça quando diz: “A classe dominante sempre participou seja dos planos diretores seja dos planos e leis de zoneamento. Quem nunca participou foram – e continuam sendo – as classes dominadas, ou seja, a maioria” (Villaça, 1999, p. 50).
Considerações finais
Os trabalhos descritos aqui, constatam (mesmo de formas distintas) que uma cidade sustentável – que gere bem-estar para as atuais e futuras gerações – precisa, necessariamente, que o planejamento urbano, por meio da gestão democrática, garanta que as políticas de proteção do patrimônio cultural, ambiental e arqueológico estejam asseguradas no seu plano diretor.
Com relação ao objetivo proposto para este artigo – realizar uma pesquisa do estado da arte no contexto do BDTD/Ibict, no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, no Portal de Periódicos da Capes/MEC e no Portal da SciELO, sobre a produção acadêmica nacional relacionada à abordagem do patrimônio cultural nos planos diretores municipais – tendo como recorte temporal o período de 2011 a 2020 – foi possível constatar, ainda que com algumas limitações, que há um volume significativo de pesquisas relacionadas ao plano diretor. Porém, poucas abordam, simultaneamente, o plano diretor e o patrimônio cultural.
É possível evidenciar lacunas quanto à problematização do encontro temático da tríade proposta – “gestão do patrimônio cultural”, “plano diretor” e “cidades sustentáveis”. Tais lacunas incluem:
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a pouca produção acadêmica relacionando plano diretor a patrimônio cultural;
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a ausência da tríade “gestão do patrimônio cultural”, “plano diretor” e “cidades sustentáveis” na produção acadêmica;
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a ausência do patrimônio cultural na pauta do planejamento urbano;
A identificação dessas lacunas pode provocar o aprofundamento e a expansão da temática aqui proposta, na medida em que:
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problematizem a relevância de as políticas patrimoniais integrarem o plano diretor, formando uma política de conjunto, uma vez que o desenvolvimento sustentável passa pela salvaguarda do patrimônio, conforme estabelecem os próprios regramentos urbanísticos;
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indaguem acerca do lugar do patrimônio cultural na pauta do planejamento urbano, uma vez que não há como praticar a cultura da sustentabilidade sem proteger seus bens comuns – seus patrimônios culturais – ambiental e arqueológico;
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sugiram, como ação necessária, promover a sensibilização sobre a importância do patrimônio cultural– no sentido de empoderar o cidadão para participar efetivamente da gestão democrática e, assim, reivindicar a salvaguarda do patrimônio cultural em prol da sociedade sustentável para as atuais e futuras gerações.
Por fim, há de se considerar que o patrimônio cultural é produto da relação do homem com a natureza e que ele conecta o passado, o presente e o futuro. Ele está localizado, geograficamente, em todos os lugares do mundo, entretanto, primeiro se torna local ou municipal, depois é tombado, registrado ou chancelado como estadual, nacional ou mundial, mesmo que nem sempre siga essa lógica. O patrimônio deve ser usufruído, prioritariamente, por aqueles que são seus possessores e deve ser uma ferramenta para induzir o desenvolvimento sustentável nos municípios. Sua gestão, ainda que por vezes desperte conflitos, deve ser feita de modo democrático e participativo.
Dessa forma, o planejamento urbano como instrumento de gestão precisa contemplar o patrimônio cultural nos seus regramentos.
Nota de agradecimento
Agradecemos o apoio da Universidade da Região de Joinville – Univille à tradução ou revisão de artigos científicos para a Língua Inglesa, conforme Resolução n. 26/18 do Conselho Universitário e Edital n. 4/24 da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação.
Referências
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Notas
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1
Aplicando-se o filtro “assunto” com o objetivo de encontrar os trabalhos que, de fato, discorrem sobre os temas descritos nas palavras-chave, e não apenas os mencionam em contextos diversos.
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2
AND e OR – escritos em letras maiúsculas – são operadores booleanos que têm o objetivo de informar ao respectivo sistema de busca a combinação de descritores utilizados na pesquisa. AND funciona como a palavra “E” – interseção –, buscando apenas artigos que contenham simultaneamente as palavras-chave digitadas. Já o operador “OR” – união – funciona como a palavra “OU”, buscando artigos que contenham pelo menos uma das palavras que, normalmente, são sinônimas.
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4
Nuvem de palavras (word cloud) é um gráfico digital que mostra o grau de frequência das palavras em um texto. Esse recurso pode ser utilizado em atividades de interpretação e produção de textos.
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5
(NP) são recursos gráficos que representam frequências de palavras que por si só não vão responder uma questão de pesquisa, mas apontam caminhos para o que se observar em um estudo.