RESUMO
O artigo trata da recepção teatral do espetáculo A Filosofia na Alcova, do grupo Pigmalião Escultura que Mexe, sob a perspectiva de dois autores: uma atriz-pesquisadora brasileira que apresenta para o público francês; um espectador-filósofo francês que assiste a um espetáculo brasileiro. Para tanto, a autora brasileira constrói uma escrita introdutória sobre o processo de criação do espetáculo e as repercussões da peça junto ao público. Em um segundo momento, o artigo se abre para que o autor francês deambule sobre as impressões que teve do espetáculo, ao assisti-lo em Charleville-Mézières, em 2015. O objetivo do texto é provocar reflexões a partir da justaposição desses dois olhares, situados em terrenos geográficos, políticos e culturais distintos, sobre a montagem de um texto francófono por brasileiros.
Palavras-chave:
A Filosofia na Alcova
; Marquês de Sade; Recepção Teatral; Teatro de Formas Animadas; Pigmalião Escultura que Mexe
RÉSUMÉ
L'article traite de la réception théâtrale du spectacle A Filosofia na Alcova, du groupe Pigmalião Escultura que Mexe, du point de vue de deux auteurs: une actrice-chercheuse brésilienne qui présente au public français; un philosophe-spectateur français qui regarde une spectacle brésilienne. Dès lors, l'auteur brésilien construit une écriture introductive sur le processus de création du spectacle et les répercussions de la pièce sur le public. Dans un second temps, l'article s'ouvre à une déambulation de l'auteur français sur les impressions qu'il a eues de l'émission, lors de sa visionnage à Charleville-Mézières, en 2015. L'objectif du texte est de provoquer des réflexions à partir de la juxtaposition de ces deux perspectives, situés dans des terrains géographiques, politiques et culturels différents, sur l'assemblage d'un texte francophone par des Brésiliens.
Mots-clés:
La Philosophie dans le Boudoir
; Marquis de Sade; Réception Théâtrale; Théâtres de Marionnettes; Pigmalião Escultura que Mexe
ABSTRACT
The article deals with the theatrical reception of the play Philosophy in the Bedroom, presented by the group Pigmalião Escultura que Mexe, from the perspective of two authors: a Brazilian actress-researcher who performed for a French public and a French philosopher-spectator who watched the Brazilian show. The Brazilian author introduces the process of creating the play and its repercussions among the public. The French author then wanders through his impressions from watching the show in Charleville-Mézières in 2015. The objective of the text is to provoke reflections by juxtaposing these two perspectives, situated in different geographical, political, and cultural terrains, on the staging of a French text by Brazilians.
Keywords:
Philosophy in the Bedroom
; Marquis de Sade; Theatrical Reception; Puppet Theater; Pigmalião Escultura que Mexe
De cá para lá (por Mariliz Schrickte)
O Pigmalião Escultura que Mexe1 1 Site do grupo disponível em: https://www.pigmaliao.com. Acesso em: 02 jun. 2021. é um grupo teatral mineiro fundado na cidade de Belo Horizonte. Transitando pelos encontros das Artes Visuais com as Artes Cênicas, construiu uma trajetória no Teatro de Formas Animadas na qual a filosofia e a política permeiam seus espetáculos. Sua poética é atravessada pela expressão das potencialidades das formas animadas na condição de objetos de apreciação estética. Mikel Dufrenne (1998, p. 23-31)DUFRENNE, Mikel. Estética e Filosofia. São Paulo: Perspectiva, 1998. concebe o objeto estético como uma ideia presente em uma forma sensível. Ao permitir o livre acordo da imaginação e do intelecto, conjurando ao mesmo tempo instâncias sensíveis e significantes, ele mobiliza a alma de quem o vê mais imediatamente do que qualquer outro objeto. É nesse apelo da poesia pela razão, quando a imagem se carrega de estruturas de sentido, que o grupo busca estimular a participação ativa do público na construção de interpretações dialéticas, reflexivas e questionadoras sobre suas próprias realidades.
Em seu repertório, o grupo tem seis espetáculos, três cenas curtas, duas intervenções e mais de dez oficinas e laboratórios, circulando por várias cidades do Brasil e do exterior. Desde sua formação, em 2007, o Pigmalião se preocupa com a construção de um discurso autêntico. Nessa busca, esforçase em firmar seus alicerces em um Teatro de Animação feito exclusivamente para adultos. Dessa forma, tenta promover uma percepção distanciada da ideia de que essa linguagem é sempre associada ao teatro para crianças. O desenho, a construção e a manipulação dos bonecos, nesse intuito, tentam evadir-se do caricatural infantil. O refinamento de suas marionetes, consideradas esculturas como o próprio nome do grupo sugere, visam aos efeitos filosóficos do prazer estético preconizados por Dufrenne (1998)DUFRENNE, Mikel. Estética e Filosofia. São Paulo: Perspectiva, 1998..
O primeiro grande trabalho do grupo, intitulado A Filosofia na Alcova2 2 A Filosofia na Alcova (2011). Espetáculo do Pigmalião Escultura que Mexe. Dramaturgia e direção de Eduardo Felix. Teaser do espetáculo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Dei2QHXwEqc. O dramaturgo Eduardo Felix se utilizou principalmente da tradução da obra para o português feita por Contador Borges, publicado pela editora Iluminuras, em 2000. Muitas passagens foram traduzidas por Felix diretamente do texto de Sade. , objeto de análise neste artigo, consiste na montagem de um polêmico texto de Marquês de Sade, supostamente escrito em 1795. Com essa montagem, o grupo desejava escancarar a porta de entrada de um espaço que almejava conquistar: ser reconhecido como um grupo de teatro que desenvolvesse uma linguagem contemporânea e obter um fluxo de circulação internacional com seus espetáculos. Nesse espetáculo foi eleita, para a maioria dos bonecos, a técnica de marionetes de fios (Figura 1), com os bonecos atuando diretamente sobre o palco e com os/as atores/atrizes que os conduziam à vista do público, vestidos de preto.
Cena: Chegada do Cavaleiro de Mirvel. A Filosofia na Alcova (Pigmalião Escultura que Mexe).
A Filosofia na Alcova ou Os Preceptores Imorais narra a trajetória da jovem Eugénie, de 15 anos, que viaja até a casa da libertina Madame de Saint-Ange, com a autorização do próprio pai, para que seja educada sob preceitos libertinos. Assessorada pelo irmão Cavaleiro de Mirvel e o pervertido Senhor Dolmancé, Saint-Ange discorre sobre ensinamentos sexuais, morais e religiosos de modo teórico e prático, destilando o extremo da libertinagem sadiana. O ápice da história é acompanhado da chegada da mãe de Eugénie, personificando as instituições punitivas e coercitivas, que vem para salvar sua filha (Figura 2; Figura 3). O enredo da história, na sinopse do espetáculo, é apresentado pelo Pigmalião da seguinte forma:
Cena: Chegada da Senhora de Mistival. A Filosofia na Alcova (Pigmalião Escultura que Mexe).
As marionetes aqui não têm limites: sexo, violência e todo tipo de questionamento religioso e moral fazem desse espetáculo um forte catalisador de questionamentos e reflexões. Adaptação do polêmico Marquês de Sade escrita há mais de duzentos anos, mas que continua a chocar por suas perversões aos bons costumes (Felix, 2011FELIX, Eduardo. ‘A Filosofia na Alcova’. Dramaturgia do espetáculo do grupo Pigmalião Escultura que Mexe. Belo Horizonte, 2011. (Não publicada).)3 3 Sinopse disponível em: https://www.pigmaliao.com/espetaculos. Acesso em: 02 jun. 2021. .
O texto de Sade foi adaptado pelo diretor do grupo, Eduardo Felix, que descreve a obra do autor francês como:
Um texto absolutamente controvertido, que em seu discurso direto faz uma defesa radical da liberdade sexual e coloca o prazer puro acima de qualquer outra coisa. O texto reúne uma coleção de contradições e envolve o leitor por meio das perversões do autor, só que aos poucos ganha uma crueldade que choca e provoca repulsa. Ao mesmo tempo em que Sade faz a defesa lógica de práticas indefensáveis, como o estupro, o assassinato, o roubo, a violência, ele vai criando imagens que levam o leitor ao asco e à condenação de tais práticas. [...] Sabíamos, avisados pelo próprio Sade, que somente uma parte do público perceberia as críticas das entrelinhas, e interpretaria o horror encenado como crítica, e não como apologia. Acreditamos que mesmo quem saísse do teatro horrorizado com todas as maldades expostas, seria obrigado a refletir sobre aquilo que presenciou, e talvez assim chegaríamos ao que Aristóteles aponta como fórmula para se alcançar a catarse: horror seguido de piedade (Felix, 2020FELIX, Eduardo. A Construção de Pigmalião. MAMULENGO: Revista da Associação Brasileira de Teatro de Bonecos. Florianópolis, v. 1, n. 16, 2020. Disponível em: http://abtbcentrounimabrasil.wordpress.com/revistamamulengo/edicoes-anteriores/mamulengo-v-01-n-16-2020/. Acesso em: 9 set. 2020.
http://abtbcentrounimabrasil.wordpress.c... , p. 33-34).
Cabe ressaltar que esse também foi o trabalho que demarcou a minha entrada definitiva como integrante do grupo Pigmalião. Jovem atriz recémchegada em Belo Horizonte, entrei pela primeira vez na alcova do teatro de bonecos para interpretar e manipular Eugénie, a virgem protagonista do romance sadiano. Tanto o autor como sua obra ainda eram desconhecidos em profundidade para mim, apesar de, na época, já ter ouvido falar de alguns filmes polêmicos. Dessa forma, a leitura de A Filosofia na Alcova veio para mim como um sopro catártico: não sabia bem se teria coragem de proferir pela minha boca as palavras de Sade (2003)SADE, Marquês de. A Filosofia na Alcova. São Paulo: Editora Iluminuras, 2003., mas certamente me encantava pela forma distinta com que ele incendiava temas tão contraditórios como a religião, o aborto, o sexo e o incesto.
O espetáculo estreou em 2011, em Brasília, e logo fez temporada em Belo Horizonte. No mesmo ano apresentou sua versão curta no Festival de Formes Brèves Marionnettiques Orbis Pictus4
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Site do festival: http://www.lejardinparallele.fr/festival-orbis-pictus/. Acesso em: 02 jun. 2021.
, na cidade de Reims, na França. No ano seguinte, o espetáculo voltou ao país francês para uma apresentação no Festival Le Manifeste5
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O festival teve sua última edição no ano de 2019. Site do Festival: https://lemanifeste.com/. Acesso em: 02 jun. 2021.
, na cidade de Grande-Synthe, um festival conhecido por seu perfil politicamente engajado. A distinção que verifiquei nessas primeiras apresentações no Brasil e na França foi a de que a reação do público de lá e de cá era diversa em dois momentos do espetáculo. Aqui, o público reagia com gargalhadas na primeira parte, em que as marionetes executavam verdadeiras acrobacias sexuais, e acabava se aquietando quando surgiam em cena as temáticas religiosas. Na França, o público se mostrava mais tímido durante as cenas eróticas e se divertia muito com a burla ao evangelho de Jesus Cristo, encenada aos 28 minutos do espetáculo. No olhar da crítica francesa Coline Merlo (2011)MERLO, Corine. Sade, catharsis et marionnettes. Lantispectacle, 2011. Disponível em: https://lantispectacle.wordpress.com/2013/08/03/marionnettes-incendiaires/. Acesso em: 19 mar. 2020.
https://lantispectacle.wordpress.com/201...
, sobre a apresentação no Le Manifeste (tradução nossa)6
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No original francês: Enfond de scène dans sa cage, le marquis est incommensurable. La pulsion est une force démesurée. Du libre-coursque lui laisse Sade, on passe très vite, dans un déplacement sans heurts, à la revendication de l’affranchissement.Plus d’Eglise, c’est moins une évidence au Brésil que sur nos terres, mais non plus de délégation de laresponsabilité, d’hétéronomie acceptée. Disponível em: https://lantispectacle.wordpress.com/2013/08/03/marionnettes-incendiaires/. Acesso em: 17 mar. 2020.
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No fundo da cena, dentro de sua gaiola, o Marquês é imensurável. A pulsão é uma força desproporcional. Do fluxo livre que nos deixa Sade, passamos muito rapidamente, em um movimento suave, à reivindicação da liberação. Não à Igreja, é menos uma evidência no Brasil que na nossa terra, mas não por isso uma delega de responsabilidade, uma heteronomia aceita.
Em 2014, o espetáculo se apresentou no Festival Nacional Pau Brasil, na cidade de Ouro Branco, interior de Minas Gerais. Pela primeira vez o público compôs-se, em sua maioria, por moradores da cidade e não pela comunidade artística. O fato constatado, por meio da contagem feita pelo diretor do festival, diferenciou-se de outras apresentações já realizadas do espetáculo. Segundo o mesmo diretor, 47 pessoas saíram no meio do espetáculo, após a cena do Evangelho segundo Marquês de Sade. Talvez a religiosidade característica da população de Minas Gerais não tenha suportado assistir Jesus Cristo, Virgem Maria e outros personagens da narrativa bíblica retratados como fantoches suínos em feltro. Trata-se dos únicos bonecos do espetáculo que não possuem feições realistas e acabamento refinado, evidenciando um contraste que acende tons de precariedade e improviso (Figura 4). A história é ironicamente encenada em tons de mau teatro, metaforizando a narrativa sobre a crucificação de Jesus. Abaixo, um trecho do texto proferido pelo personagem Sade, na adaptação de A Filosofia na Alcova:
Irmãos, Deus teve um filho. Um único filho gerado de forma incompreensível, pois, se o homem fode, quis que seu Deus também fodesse. Naquele tempo, imaginava-se que Deus chegaria na terra planando sob raios celestes, em meio a um cortejo de anjos, aclamado por todo o universo... Porém foi no ventre de uma porca, em um chiqueiro, que se anunciou o salvador da terra. Quando criança, o Deus moleque prestava pequenos serviços, muito libertinos, aos sacerdotes do templo de Jerusalém. Depois de desaparecer inexplicavelmente por quinze anos, ele reapareceu na Judéia, proclamandose o Filho de Deus, igual ao pai (Felix, 2011FELIX, Eduardo. ‘A Filosofia na Alcova’. Dramaturgia do espetáculo do grupo Pigmalião Escultura que Mexe. Belo Horizonte, 2011. (Não publicada)., cena 9).
O excerto da crítica da francesa Coline Merlo e o episódio de debandada do público do interior de Minas Gerais nos incitam a entender as diferenças do panorama religioso de lá e de cá. O Brasil traz nos dados do IBGE de 2010 um número de 86,6% de cristãos declarados, dividindo-se em 64,6% católicos e 22,2% evangélicos (IBGE, 2012IBGE. Censo 2010: número de católicos cai e aumenta o de evangélicos, espíritas e sem religião. Agência IBGE Notícias, Rio de Janeiro, 29 jun. 2012. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/14244-asi-censo-2010-numero-de-catolicos-cai-e-aumenta-o-de-evangelicos-espiritas-e-sem-religiao#:~:text=Em%202010%2C%20chegaram%20a%2022,64%2C6%25%20em%202010. Acesso em: 8 set. 2020.
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/ag...
). Na França, em pesquisa realizada em 2012 pela Gallup International7
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Dados Gallup International 2012. Disponível em: https://sidmennt.is/wp-content/uploads/Gallup-International-um-tr%C3%BA-og-tr%C3%BAleysi-2012.pdf. Acesso em: 8 set. 2020.
, apenas 39% das pessoas se atestam religiosas, enquanto 29% se colocam como ateus convictos. Mesmo com a denominação de estado laico para a separação da política e da religião, característica de ambos os países mencionados, a história nos mostra o quanto é latente a influência das questões religiosas na opinião política. A tendência de crescimento da influência da religião na política brasileira é notória com o aumento do poderio da bancada evangélica nas instâncias de poder e com episódios disparatados, como a recente inserção da Bíblia, livro que conta a história secular do povo judeu e de seu messias Jesus Cristo, como patrimônio cultural e imaterial do Estado do Rio de Janeiro, sob a Lei nº 9.177 (Barbosa Júnior, 2021BARBOSA JÚNIOR, Zé. Bíblia, o livro que é a cara do Rio!, por pastor Zé Barbosa Jr. Revista Fórum, 14 jan. 2021. Disponível em: https://revistaforum.com.br/rede/biblia-o-livro-que-e-a-cara-do-rio-por-pastor-ze-barbosa-jr/. Acesso em: 16 fev. 2021.
https://revistaforum.com.br/rede/biblia-...
).
É na esteira de leis que ilustram a relação estreita entre política e religião que aparece outro dado contrastante de lá e de cá: o aborto na França é descriminalizado desde 1975 (Santos, 2012SANTOS, Beatriz Carneiro dos. Aborto, direitos reprodutivos e feminismo na França de Nicolas Sarkozy. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 7, p. 133-143, jan./abr. 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-33522012000100007. Acesso em: 10 set. 2021.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
, p. 134), enquanto no Brasil é crime até os dias de hoje, com tendência de liberação cada vez mais retroativa diante do cenário político brasileiro. Basta mencionar o caso da menina
capixaba de 10 anos, estuprada desde os 6 anos pelo tio, que recebeu autorização da justiça para realizar um aborto em agosto de 2020. Os abortos em caso de estupro são legais no Brasil desde 1940 e devem ser conduzidos sob sigilo pela justiça, porém o caso ganhou grande repercussão nacional e protestos contrários que teriam sido motivados pela própria Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do atual governo federal (Jiménez, 2020JIMÉNEZ, Carla. Menina de 10 anos violentada faz aborto legal, sob alarde de conservadores à porta do hospital. EL País, São Paulo, 16 ago. 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-16/menina-de-10-anos-violentada-fara-aborto-legal-sob-alarde-de-conservadores-a-porta-do-hospital.html. Acesso em: 18 jan. 2021.
https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08...
).
Essa distinta relação da sociedade com a interrupção forçada da gestação pode ser elemento gerador de recepções diferenciadas diante da cena 11 do espetáculo (Figura 5), quando três fetos de espuma dialogam sobre o aborto e dois deles defendem sua realização caso os métodos contraceptivos não sejam eficientes. Na adaptação do texto A Filosofia na Alcova de Sade, a versão feto da personagem Saint-Ange diz:
E se tudo falhar e a desgraça da gravidez acontecer, aborta nas primeiras sete ou oito semanas, para que o bebê saia mais suavemente. [...] Nós, mulheres, podemos fazer o que quisermos com aquilo que trazemos em nossos úteros. A mãe tem todos os direitos sobre os filhos, qualquer que seja a idade que eles tenham (Felix, 2011FELIX, Eduardo. ‘A Filosofia na Alcova’. Dramaturgia do espetáculo do grupo Pigmalião Escultura que Mexe. Belo Horizonte, 2011. (Não publicada)., cena 11).
O excerto mostra a filosofia de Sade, mas coloca como enunciadores a imagem das próprias vítimas do ato abortivo. Esse atrito entre o texto e a imagem acende a possibilidade de uma leitura que transita entre a crítica e a apologia a uma questão social que tem repercussões diferentes nos dois contextos geográficos apresentados. Segundo Kristeva (2012, p. 185)KRISTEVA, Julia. Introdução à Semanálise. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2012.,
O significado poético remete a outros significados discursivos, de modo a serem legíveis no enunciado poético vários outros discursos. [...] Nessa perspectiva, claro é que o significado poético não pode ser considerado como dependente de um único código. Ele é ponto de cruzamento de vários códigos (pelo menos dois), que se encontram em relação de negação uns com os outros.
Dos espectadores que ficam até o final do espetáculo não é incomum receber impressões sobre uma constante sensação de culpa ao sentir prazer em assistir ao horror que está sendo encenado no palco. Para o diretor Eduardo Felix, uma “catarse aristotélica” (Felix, 2020FELIX, Eduardo. A Construção de Pigmalião. MAMULENGO: Revista da Associação Brasileira de Teatro de Bonecos. Florianópolis, v. 1, n. 16, 2020. Disponível em: http://abtbcentrounimabrasil.wordpress.com/revistamamulengo/edicoes-anteriores/mamulengo-v-01-n-16-2020/. Acesso em: 9 set. 2020.
http://abtbcentrounimabrasil.wordpress.c...
, p. 34). Mas podemos trazer a interpretação de Nietzsche sobre o assunto, comparando esse efeito à sensação de prazer advinda do aniquilamento do herói na Tragédia Grega. Para o filósofo alemão, isso era visto como um efeito purgativo da catarse, à imagem de uma alfinetada que fazia estourar o excesso nocivo de compaixão acumulada (apud Desgranges, 2017DESGRANGES, Flávio. A Inversão da Olhadela: alterações no ato do espectador teatral. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 2017., p. 60-61). Aqui, pode-se desencadear uma importante reflexão sobre a culpa cristã como instrumento de controle e sua influência na recepção dos discursos políticos abordados na representação artística.
A participação no Festival Mondial de Marionnettes de Charleville-Mézières (2015)8
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Site do festival disponível em: https://www.festival-marionnette.com/fr/. Acesso em: 02 jun. 2021.
permitiu que o grupo levasse novamente o espetáculo A Filosofia na Alcova para apreciação de um público francês e recebesse novos retornos, como a do crítico Philip de Saintange (2015, tradução nossa)SAINTANGE, Philip de. Festival Mondial Des Théâtres De Marionnettes Charleville-Mézières 2015 (1). Karoo, 2015. Disponível em: https://karoo.me/scene/festival-mondial-des-theatres-de-marionnettes-charleville-mezieres-2015-1. Acesso em: 19 mar. 2021.
https://karoo.me/scene/festival-mondial-...
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No original francês: Restons dans des manipulations à couper le souffle, mais changeons de continent, de registre et de type de marionnettes. Le Brésil avec des marionnettes à fils. Le pluriel du mot prend tout son sens quand on compte le nombre de cordons qui permettent aux pantins de s’animer comme des humains. Mais quel humain ? Le plus abject parmi tous les infâmes, le plus pervers parmi les sadiques : le marquis de Sade. Si généralement il s’agit de faire marcher des poupées de bois et de leur donner la possibilité de faire quelques gestes de la main et des mouvements de tête, lorsqu’on annonce Sade et la Philosophie dans le boudoir, les moins cultivés d’entre nous s’imaginent aisément qu’il est un autre membre du corps qu’il faudra faire vivre et de la plus belle manière qui soit (Saintange, 2015).
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Continuemos com as manipulações de cortar o fôlego, mas mudemos de continente, de registro e de tipo de bonecos. O Brasil com as marionetes de fios. O plural da palavra Fio faz todo sentido quando contamos o número de cordas que permitem aos bonecos serem animados como humanos. Mas que humano? O mais abjeto entre todos os infames, o mais perverso entre os sádicos: o Marquês de Sade. Se geralmente se trata de fazer andar bonecos de madeira e dar-lhes a possibilidade de fazer alguns gestos com as mãos e movimentos de cabeça, quando Sade e A Filosofia na Alcova são anunciados, até os menos cultos entre nós podem facilmente imaginar que é outro membro do corpo que deverá ser trazido à vida e da forma mais bela possível.
A declaração de Saintange, que traz coincidentemente o mesmo sobrenome da personagem do espetáculo, confirma a maior intimidade que os franceses têm com a obra do autor conterrâneo, no que concerne aos escritos e à biografia de Sade. O escritor, chamado por muitos como o filósofo do mal, passou 30 anos de sua vida entre prisões e sanatórios e escreveu sua primeira obra na Bastilha (Figura 6). Nascido em Paris, em 1740, vivenciou o Antigo Regime e a Revolução Francesa e, em meio a todas as repressões de seu tempo, escreveu uma vasta obra permeada de erotismo, crueldade, ateísmo e quebra de valores morais. Seu trabalho escandalizou seu tempo, atravessou o século XIX condenado ao silêncio e, ainda no século XX, foi censurada pelos tribunais franceses sob alegação de afronta à moral e aos bons costumes (Moraes, 1991MORAES, Eliane Robert. Prefácio. In: SADE, Marquês de. Os crimes do amor e a arte de escrever ao gosto do público. Traduzido por Magnólia Costa Santos. Porto Alegre: L&PM, 1991., p. 7). O incômodo dos leitores é marca até os dias de hoje, porém já é efeito conhecido dos franceses, ao contrário dos brasileiros, que talvez conheçam mais o adjetivo sádico do que a origem desse termo.
Boneco do Marquês de Sade, transformado em personagem na adaptação da obra A Filosofia na Alcova (Pigmalião Escultura que Mexe).
Também a encenação de um texto de Sade que se realiza 200 anos depois de sua escrita acende questões que trafegam pelo conceito de transcriação, de Haroldo de Campos, e que, consequentemente, suscitam reflexões abordadas por outros autores, tais como Walter Benjamin. Campos (2011)CAMPOS, Haroldo de. Da transcriação: poética e semiótica da operação tradutora. Belo Horizonte: Viva Voz, 2011. concebe a tradução como uma transposição criativa, uma recriação por parte daquele que o está traduzindo. A partir disso ele traz algumas problemáticas que podem surgir no trabalho de quem faz a adaptação de uma obra literária para um texto teatral a ser encenado. Entre elas, destaca a intraduzibilidade da poesia, o que torna seu desdobramento uma coisa outra, uma nova criação e ou crítica da obra original; as consequências da existência de uma expectativa daqueles que já conhecem a obra original; a operação tradutora como estranhante ao texto original, evadindo de uma função utilitária e acomodatícia. Também se tem o entendimento de Benjamin sobre a função semiótica da tradução, que seria a de resgatar o “modo de representar”, ou seja, recriar o modus operandi da poesia e não o seu conteúdo significante em si (Campos, 2011CAMPOS, Haroldo de. Da transcriação: poética e semiótica da operação tradutora. Belo Horizonte: Viva Voz, 2011., p. 27-28).
Nessa esteira, Campos relembra o caráter mutável das obras, concebido por Benjamin, o que atesta um teor de constante renovação não só das traduções e desdobramentos como da própria obra original. Transmutação essa que pode ser motivada pelo seu deslocamento do contexto geográfico e cultural de origem, mas também do contexto temporal. Por exemplo, na adaptação de A Filosofia na Alcova de Felix, a idade da protagonista se mantém, mas toma outro sentido quando encenada na sociedade em que vivemos. Na França do século XVIII, quando foi escrita a obra original, as jovens podiam se casar quando mal haviam completado 13 anos, e já eram inseridas na vida sexual e reprodutiva. Hoje a menina de 15 anos, idade da personagem Eugénie, é tida como adolescente, categoria criada apenas no século XIX, o que adia o amadurecimento sexual e o entendimento de sua formação como mulher. Além disso, o cenário em que vivemos, onde se escancara diariamente casos de estupro e violência contra crianças e jovens, tem chocado a sociedade e, portanto, gera outro sentido para o espectador que assiste hoje a filosofia de Sade. A opção, na adaptação, de manter e evidenciar a faixa etária da personagem se torna uma escolha planejada e é capaz de gerar uma nova camada de sentido ao espetáculo.
Todas as observações supracitadas podem ser relacionadas com o conceito de letramento que ganha potência na educação da década de 1980 e que consiste na relação da leitura e da escrita com a prática social. Em uma aplicação rápida, é como se todos pudessem ler os espetáculos, mas o entendimento está em relação direta com o campo social desses espectadores. Nas palavras de Deleuze e Guattari (1995, p. 12)DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. V. II. São Paulo: Ed. 34, 1995. Disponível em: http://escolanomade.org/wp-content/downloads/deleuze-guattari-mil-platos-vol2.pdf. Acesso em: 15 set. 2020.
http://escolanomade.org/wp-content/downl...
,
Não existe significância independente das significações dominantes nem subjetivação independente de uma ordem estabelecida de sujeição. Ambas dependem da natureza e da transmissão das palavras de ordem em um campo social dado.
O Pigmalião se apropria dessas possibilidades de manipulação textual e imagética para promover cenários de identificação, choque e catarse em seu público e com isso se propõe a questionar certas estruturas cristalizadas pela linguagem e pelo imaginário cultural, social, histórico religioso e político. O grupo pretende promover uma peça artística que faça, em consonância com o pensamento de Roland Barthes, “[...] vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a consistência de seus gostos, de seus valores e de suas lembranças” e que faça “entrar em crise sua relação com a linguagem” (Barthes, 1987BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. São Paulo: Perspectiva, 1987. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4992360/mod_resource/content/1/BARTHES-Roland-O-Prazer-Do-Texto.pdf. Acesso em: 17 set. 2020.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
, p. 21).
Esse empreendimento do grupo nunca deixa de surpreender quanto à recepção de seus diferentes públicos, como na ocasião da palestra de encerramento do 3º. Pro-Vocação - Encontro Internacional sobre Formação no Teatro de Animação – em maio de 2019, em Florianópolis, conduzida pelo filósofo e professor Philippe Choulet. Na ocasião, em que me fiz presente como ouvinte, consegui captar (no meu francês básico) algo como “[...] o espetáculo de marionetes A Filosofia na Alcova apresentado em 2015 em Charleville-Mézières não nos choca mais”. Foi a partir dessa estimulante afirmação que procurei o professor Philippe Choulet para apresentar sua versão, a qual, abaixo, traz toda a profusão de conexões, devaneios e lembranças próprias ao seu processo de recepção artística e às suas referências culturais.
De lá para cá (por Philippe Choulet)
Como podemos, como ousamos encenar os fantasmas do Marquês de Sade em teatro de bonecos? É essa proeza que foi realizada pela companhia brasileira Pigmalião Escultura que Mexe…
Era um lindo dia no final de setembro de 2015 (precisamente nos dias 22 e 23 de setembro, na Salle du Bois Crancé), em Charleville-Mézières (França), uma cidade um tanto sulfurosa, pois foi a cidade natal de Arthur Rimbaud, poeta precoce, original e escandaloso (seus amores por Verlaine…), que acaba como mercador de armas e numa agonia atroz em Marseille… Mas também a cidade de Michel Fourniret, pedófilo e assassino em série (de crianças e de adolescentes), e dos irmãos Kouachi, autores, em nome de um Islã puritano, intolerante e fanático, do atentado contra o jornal satírico Charlie-Hebdo... Enfim, vemos todo um desfile perturbador. Mas a cidade pode se orgulhar de organizar, a cada dois anos, um Festival Mundial de Teatros de Bonecos, do qual essa Filosofia na Alcova fez parte.
O programa desse espetáculo, encenando A Filosofia na Alcova (La Philosophie dans le boudoir) do Marquês de Sade, que na França ousamos chamar, com um toque de ironia, o divino Marquês, foi ao mesmo tempo atraente e inquietante.
Sade na França
Atraente, porque minha geração (educada em Letras durante os anos 1970 e seguintes, e sobretudo em Letras de vanguarda, modernistas e libertárias...) conhece muito bem seu Sade, incluindo seus comentaristas, seus epígonos, seus defensores, seus glosadores (Georges Bataille, Pierre Klossowski, Maurice Blanchot, Yves Bonnefoy, Jacques Lacan, Gaétan Picon, Pierre Naville, Roland Barthes, Annie Le Brun...) – e digamos que o ler não nos assusta mais. De fato, existe uma cultura-Sade na França, e isso seria por causa dos sucessivos escândalos de edições literárias de suas obras...
Isso é para insistir sobre o fato de que Sade faz parte, realmente, de um saber e de um inconsciente francês, e isso em dois pontos:
1° – O primeiro ponto, aquele da Revolução Política de 1789 – embora condenado e preso, ele foi um farol de liberdade, sendo um libertário (grosso modo, um Diderot excessivo, um Diderot sem inibição, sem Superego, ou suficientemente temerário para provocar este Superego...), e ele escapou dos movimentos de purificação contra os aristocratas (o Terror)... Devemos a ele a célebre frase ‘francês, ainda mais um esforço se você quiser ser republicano’ (muito atual), e vamos ler sua correspondência, repleta de considerações políticas, críticas às instituições e aos grandes da situação – em particular juízes... o que mostra que Sade não se reduz somente ao lado sulfuroso das perversões sexuais ou do sadismo...
2° – O segundo ponto, o da Revolução dos costumes, característica do espírito francês desde Rabelais... e isso, mesmo que Sade não seja muito lido – mas é apontado como libertário (e até pela sexualidade feminina – espantoso, não?), enfim, um ícone...
Certamente, os textos de Sade tiveram alguns obstáculos... Assim, foi preciso esperar os anos 1960 para ver publicado o que, na época, estimavase ser a obra completa do Marquês, sob a direção de Gilbert Lely (no Círculo do Livro Precioso, com prefácios e posfácios dos citados Bataille, Klossowski, Lacan, Bonnefoy, etc.). Depois, em 1986, a edição publicada por Jean-Jacques Pauvert (Fonds Pauvert), com um prefácio de Annie Le Brun… E finalmente, na editora Gallimard, coleção La Pléiade, em 3 volumes, com edição de Michel Delon, 1990-1998.
Eu me lembro, quando estudante, de ter conseguido encontrar em livro de bolso, portanto em edições muito populares, alguns escritos, inclusive La Philosophie dans le boudoir, ou Justine... Idem para o sulfuroso Opus pistorum de Henri Miller, obra-prima pornográfica, ou ainda o terrível Jardin des supplices de Octave Mirbeau... Não me lembro de a censura ter sido muito ativa na época...
Isso quer dizer que Sade, na França, fazia parte da paisagem literária e cultural comum – mesmo se não o lêssemos realmente, nem com muita frequência – e que não era assustador. Espontaneamente, inconscientemente, sabíamos que ele estava apenas contando os horrores comuns à humanidade: nossos professores de literatura e de história nunca esconderam de nós a ultraviolência de tiranos e déspotas, algozes e criminosos, de Calígula e Nero a Landru10 10 Nota de Tradução (N. T.): Henri Désiré Landru foi um assassino em série francês, que recebeu a alcunha de Barba Azul. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Henri_Désiré_Landru. Acesso em: 9 fev. 2021. , passando pelo Dr. Petiot11 11 N. T.: Dr. Marcel Petiot, médico francês que passou a Segunda Guerra Mundial roubando e assassinando judeus sob os auspícios de ajudá-los a escapar dos nazistas. Disponível em: https://enciclopediavirtual.com.br/historia/dr-satan-dr-marcel-petiot-o-assassino-em-serie-dr-jekyll-e-mr-hyde-da-vida-real/. Acesso em: 9 fev. 2021. , Jack, o Estripador, Gilles de Rais12 12 N. T.: Gilles de Rais, foi um cavaleiro e senhor da Bretanha, Anjou e Poitou, líder do exército francês e um companheiro de armas de Joana d'Arc. Ele é mais conhecido por sua reputação posterior de ser um serial killer confesso de crianças. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Gilles_de_Rais. Acesso em: 9 fev. 2021. ... Eu acrescento que os anos 1960 e 1970 foram de um reconhecimento cultural da importância de Sade, graças ao trabalho de historiadores e a certos programas de televisão em particular, para a compreensão dos Campos – campos de concentração, campos de extermínio, campos de trabalho, Gulag Soviético e Gulag Chinês13 13 N. T.: Gulag era um sistema de campos de trabalhos forçados para criminosos, presos políticos e qualquer cidadão em geral que se opusesse ao regime na União Soviética. Antes da Revolução, o Gulag chamava-se Katorga, e aplicava exatamente a mesma coisa: pena privativa de liberdade, pena de trabalhos forçados e pena de morte. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Gulag. Acesso em: 9 de fev. 2021. … A história da arte também contribuiu para reabrir o dossiê Sade, com o expressionismo alemão (Grosz, em particular)… Na época, nada poderia nos surpreender sobre a humanidade... Ficamos até surpresos que possamos ser surpreendidos.
Sade, o realista
É verdade que o universo sadiano é assustador. Mas a humanidade, desde então, tem visto outros, tão ou mais assustadores quanto, por meio das colonizações e da fabricação dos impérios no século XIX, das duas guerras mundiais, dos campos de extermínio, guerrilhas, guerras civis etc. E, obviamente, ainda não acabou. As perversões sadianas são apenas uma ínfima parte dentro de uma lista de perversões sexuais inventadas por alguns humanos, e particularmente aquelas que eles dirigem contra outros humanos, a fim de impor um tipo de reconhecimento por meio da dor, da maldade, da crueldade, da tortura.
Devemos recordar constantemente a frase de Nietzsche: “Ninguém mente tanto quanto um homem indignado” (Além do Bem e do Mal, § 26). Em outras palavras, o Marquês de Sade nos ensinou a sermos realistas e a encarar a ultraviolência humana. Ultraviolência é um termo que aparece no cinema de Kubrick (cf. Paths of Glory, Spartacus, Full Metal Jacket, Clockwork Orange, Shining, entre outros).
Em suma, sabemos muito bem o que o homem está pronto para fazer ao homem e vice-versa. Nada disso pode nos surpreender, indignar ou escandalizar. Não estamos sem saber, não estamos sem ignorar (o que quer dizer a mesma coisa, mas ‘não estamos sem ignorar’ tem um toque de ironia, justamente porque a expressão visa a provável repressão desse saber…). A condenação moral do Marquês de Sade (sua censura) é principalmente o ato de gente ignorante ou de gente que não quer entender que Sade pelo menos tem a virtude de nos ensinar a não ser mais hipócritas. Mesmo os párocos e padres se entregaram a todos os tipos de violência, não nos esquecemos – as depravações sexuais dos padres seriam esquecidas?
Sade é um memorialista do Mal. Um escritor que se atreveu a levar a narração do Mal ao clímax, enquanto, lembremo-nos, a realidade sempre supera a ficção: Nero, Calígula, Vitélio... Se quiseres começar uma lista das torturas e do prazer pelas torturas, transcrito na literatura, comece por Sade... Prova de que a literatura é como um instrumento óptico, diz Proust, o qual conhecia o sadismo afetivo e mundano e ainda mais o masoquismo (leia Sodoma e Gomorra!). Sade, herdeiro de Maquiavel (nota: dizemos maquiavélico / maquiaveliano, e sádico / sadiano ...), Hobbes, Spinoza, e precursor de Nietzsche, Freud, Bataille. Sade, cujos escritos motivaram uma categorização especial, a de um tipo de prazer (gozo) retirado da dor e do sofrimento alheio como vítima e, portanto, da transgressão: a pulsão sádica (cf. Freud, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, 1905). Assim como Kafka: é kafkiano... Privilégio da originalidade em Maquiavel, Sade e Kafka: o de ter nomeado algo que conhecíamos (o cinismo ganancioso do maquiavélico, o gozo da crueldade, o labirinto administrativo), mas que não tínhamos o nome14 14 Cf. Nietzsche: “O que é originalidade? Ver algo que ainda não tem nome, ainda não pode ter nome, embora esteja diante dos olhos de todos. Os homens geralmente são tão comuns que apenas o nome das coisas os torna visíveis para eles. - Os homens originais geralmente eram também aqueles que davam nomes às coisas” (Gai savoir, § 261). “O que há de original no homem é que ele vê algo que todos não conseguem ver” (Gai savoir, fragment posthume § 12-80, Gallimard, 2ème édition, p. 459). .
Sade, inspirador de Octave Mirbeau (O jardim dos suplícios), André Breton, Clovis Trouille, Max Ernst, Dali, Georges Bataille, Kubrick e muitos outros... Lacan percebeu o momento decisivo de Sade, surgindo ao mesmo tempo que a moral kantiana (Sade, com Kant / Kant com Sade): dois absolutos, um da pulsão sexual (com o imperativo do gozo), o outro do imperativo categórico da lei moral (sádico em seu gênero)... Um século depois de Sade, Freud, de fato, oficializa e institui a descoberta sádica em uma ciência humana, a psicanálise, com a noção de sádico, de fase sádico-anal em crianças (nesse caso, a ciência humana em questão é antes uma ciência do desumano no homem!).
Sade no palco, então
Eu disse: ir a esse espetáculo me colocou num estado de curiosidade e excitação.
Em relação à representação teatral, porém, uma inquietude: como diabos eles iriam realizar isso? (Diabo, é o caso de dizer!) Como fazer para realizar as cenas de tortura? Que desafio, de fato, encenar esse texto tão cruel e demoníaco! E pensamos também em outros textos, Justine e os infortúnios da virtude, ou Os 120 dias de Sodoma e Gomorra... Curiosamente, pensei que só os artistas da América do Sul conseguiriam aceitar o desafio (não me pergunte por quê – talvez precisamente por um movimento de protesto contra uma opressão vivida, sofrida, religiosa, política ou moral, opressão que visa primeiro os corpos sexuais, quem sabe…).
E aí, era preciso pensar no público, no público de Charleville... E já, um contentamento e até um elogio: os diálogos em francês eram legendados... Pelo menos, os espectadores não podiam fingir não entender o que seria apresentado ali.
A sala estava lotada. Tive, ao meu lado, à esquerda e à direita, duas senhoras de idade respeitável (a minha), e imaginei uma pequena cena irônica, antecipando as suas reações: uma partiria, ofendida, resmungando não sei o quê (insultos, com certeza, da ordem da maldição moralizante: que vergonha!), a outra permanecendo por estoicismo, porque ela pagou o seu lugar, e ela queria ver até onde iria... Achei que isso poderia lembrá-la de suas primeiras experiências de curiosidade sobre a diferença entre os sexos...
A emoção também veio daí, da incrível pró-vocação de uma companhia corajosa, ou melhor: imprudente, diante de um público de bons costumes, de moral pequeno burguesa (os proletários não vão muito ao teatro, nem mesmo de bonecos, e hoje em dia são tão moralistas como os outros cidadãos!…).
Resumindo, fiquei com um pouco de medo...
E então, não, nada. Nada aconteceu. Quer dizer: minhas vizinhas, como o público, permaneceram sábias, atentas, focadas, lendo o texto que passava, observando as cenas terríveis que se seguiram, sem vacilar, quase neutras, anestesiadas – enquanto eu estava agitado, não pelo conteúdo das cenas, mas pela forma da sua apresentação, da sua brincadeira, pela audácia barroca e pelas engenhosas descobertas do arranjo das coisas tão delicadas de mostrar – é delicado porque é violento!
Logo após o final, nós nos levantamos e vestimos nossos casacos. Eu as pergunto o que acharam disso. Uma disse: “É interessante, nunca me atrevi a ler Sade, vou ler”. A outra disse-me: “Sim, é interessante, fala de nós”. Esse “fala de nós” ficou na minha memória. Ela entendeu que Sade estava lidando com um problema universal da humanidade, o reconhecimento e aceitação de sua agressividade fundamental, de sua violência fundamental. Ela talvez até tivesse entendido que as cenas sadistas / sádicas faziam parte de sua experiência (experiência reprimida, felizmente!), de seu ódio, de seu desejo de assassinato, de seu desgosto pela vida (“Ó minha mãe, por que você me deu à luz?” … e “além disso, neste mundo?”)15 15 N. T.: Trechos de falas dos personagens, no espetáculo. , da sua servidão sexual e genital, do seu ódio de parturiente, mesmo… se ela houvesse tido filhos… Quem sabe?... Uma sala de teatro não é o divã de um analista, mas senti que o espetáculo havia tocado num lugar sensível...
Algumas palavras, então, e em seguida fomos para o palco para ver as traquitanas, as montagens, os bonecos que haviam sido usados para o espetáculo, e o que me impressionou foi o silêncio que todos nós três tínhamos, elas e eu, agora cúmplices, porque tínhamos partilhado aquilo, mesmo que não nos conhecêssemos – e que elas não se conhecessem também... Foi um momento comovente, esse silêncio, feito só de olhares, enquanto muitos outros espectadores vinham dar os parabéns aos artistas, e conversar... como de costume. Nós, não, não queríamos bater papo. Eu apenas disse uma palavra a uma jovem artista que lá estava: Bravo, magnífico! (em francês, hein!). Um pouco singelo... não pude expressar minha admiração, para falar a verdade... as palavras só me vieram mais tarde.
A sexualidade em bonecos...
O que achei realmente cativante no espetáculo foi que esses artistas compreenderam (talvez sem teorizar) todo o benefício artístico que podemos obter do distanciamento radical que oferece o boneco, e eles obtiveram uma bela parte gráfica e gestual: impossível para o público se identificar com esse boneco (quer ele interprete ou simule o carrasco ou a vítima), sem dúvida impossível também para os atores-marionetistas-manipuladores se metamorfosearem em seus heróis ou em seus personagens (sem sadismo ou masoquismo, sem esperar piedade – mesmo assim não duvido de alguma confusão diante da série de horrores a serem imitados, a serem simulados por bonecos...). Devemos lembrar que o boneco não é mais do que um receptáculo vazio e inerte de nossas projeções e que é estúpido nos projetarmos nele?
Feito isso, encontraram uma veia que, apesar de tudo, tende a desaparecer um pouco, mesmo que esteja sendo renovada por meio de alguns esforços (como vemos em Ilka Schönbein, por exemplo). Aliás, temos vestígios dessa audácia que consiste em encenar cenas eróticas, pornográficas, mesmo marcadas pela ultraviolência dos bonecos – e precisamente por serem bonecos, isso permite mais liberdade e até um certo respeito pelo público… De fato, o boneco pode interpretar atos que o corpo humano em præsentia, no palco, só saberia representar deixando o seu público muito desconfortável (e provavelmente os próprios atores, apesar de seu ativismo). Na década de 1970, vimos algumas coisas, na forma de happenings, especialmente vindas da cena holandesa... Não que fosse chocante, não, apenas não era artisticamente construída e não podíamos ter nenhum prazer estético verdadeiro... E também não era excitante. O realismo nos colocava diante de cenas de fatos diversos ou comportamentos bastante comuns, e era frustrante... Mas também era uma moda.
O boneco, portanto, tem disposição para apresentar isso justamente com a arte da manipulação e do distanciamento necessário para receber o choque – em que manifesta sua condição de objeto transicional, produzindo por si só, por meio de seu aparecimento, o espaço potencial / transicional (Winnicott), bastante apto a permitir-nos contemplar as cenas com prazer, com um verdadeiro prazer. Observe que ver Sade em bonecos também não é excitante (francamente, essa não é a finalidade! Exceto a excitação à reflexão: isso dá o que pensar). Por outro lado, existe um verdadeiro prazer estético e uma admiração pela obra, pelas soluções encontradas para problemas delicados e pelo virtuosismo da execução16 16 Há um filme de Henri Xhonneux e Roland Topor, intitulado Marquis, de 1989, feito tanto de comédia quanto de animação, e que enfoca a vida e a obra de Sade... .
A descoberta dessa singular força dos bonecos – aquela que consiste em poder simular sem que sejam insuportáveis os atos proibidos, os tabus – deve ter sido feita há muito tempo, ainda que a censura por ali tenha passado, e nos fez grandes ignorantes quanto à história dessas transgressões... Mas, apostemos que no tempo de Aristófanes, ou principalmente dos romanos, especialistas em licenças de todo tipo, existia esse tipo de show secreto, underground, diríamos hoje. Sabemos que, durante o Renascimento inglês (Shakespeare, Ben Jonson, Marlowe...), houve esse tipo de diversão (podemos imaginar A Megera Domada interpretado assim...). Foi especialmente no século XVIII (século dos libertinos) e no século XIX que essas representações se desenvolveram, satisfazendo uma cultura popular, operária e proletária, muito distante dos sentimentos moralistas e puritanos da burguesia.
No Segundo Império, por volta de 1860, havia um Erotikon Theatron que exibia performances ligando prostitutas, mulheres depravadas a clientes, burgueses, cafetões... e isso com humor, longe da hipocrisia dominante17 17 Há de fato uma virtude maquiaveliana dos teatros de bonecos, pois TUDO pode ser mostrado ali, TUDO pode ser simulado sem danos. Maquiaveliano quer dizer: mostramos a verdade oculta das coisas (o que Maquiavel mostra para a política de César Bórgia) que o próprio político maquiavélico não quer mostrar, obviamente (Frederico II da Prússia escreverá um Anti-Maquiavel, acusando a mentira de Maquiavel e protestando a sua boa-fé e boa vontade...). Devemos, portanto, distinguir o que é maquiaveliano (o pensar e olhar crítico, o realismo: mostrar o que é) do que é maquiavélico (busca ávida de interesse, mesmo que isso signifique usar mentiras, força e destreza). (Henri Monnier, Paul Ranson, o Cabaret Le Chat Noir – há um elogio dos bonecos de Yvette Guilbert…). Essa tradição culminou com os teatros de bonecos de Alfred Jarry e seus Ubu Roi, Ubu Cocu, etc., também representados como bonecos (esquecemos com muita frequência, mas como eles se prestam bem a isso!), em que nada é dissimulado: estupidez, ferocidade, vulgaridade, violência, estupidez e infâmia… Eles eram menos pudicos do que nós, e isso não é algo para nos orgulharmos. Não estou certo de que a humanidade esteja progredindo, se o verdadeiro progresso, diz Nietzsche, consiste em aprender a suportar a verdade...
Obviamente, é uma pena que não tenhamos narrativas, descrições ou roteiros para todas essas representações, mas isso mostra que a arte de simular a sexualidade sobre todos os seus ângulos, sem tabus, não esperou a pornografia cinematográfica.
É uma sorte que essa atuação de A Filosofia na Alcova (La Philosophie dans le Boudoir) tenha reacendido a chama, para o grande prazer (repito) e surpresa de todos... O corpo brasileiro, se assim posso dizer, encarna uma forma de resistência às ideologias mais retrógradas e às formas de violência institucional (entre as quais a censura, que pode levar até à prisão), mesmo que viva e sobreviva numa sociedade ultraviolenta que não ousa olhar-se de frente18 18 No início de 2019, o Centre National de la Danse em Paris sediou o Festival Carioca Panorama, agendado, mas cancelado no Rio... . Nisso, paradoxalmente, existe um valor moral, ético e sociopolítico.
Voltando para cá (por Mariliz Schrickte)
Retomando a frase de Philippe Choulet, que foi a detonadora para nosso encontro e para a escrita deste artigo, posso afirmar que agora compreendo por que A Filosofia na Alcova não “nos choca mais”: a ficção de Sade já foi superada pelas atrocidades da humanidade. Concordo com o filósofo, e com sua citação de Nietzsche, ao afirmar que o verdadeiro progresso, hoje, está em suportar a verdade, postas que aqui estão, nos dias de hoje, as barbáries que se perpetuam. E cabe sempre lembrar que a carga de verdade suportada por um sobrevivente europeu e um sobrevivente sul-americano é sempre diferente, defronte à diversidade de contextos político-sócio-culturais, heranças, referências e diretrizes coloniais que caracterizam modos de ver, viver e pensar tão diferentes. Talvez por essa razão, como comentei no início do artigo, a reação do público brasileiro tenha sido tão diferente da do público francês. Pensando nisso, ratifico que o objetivo deste artigo foi apresentar esses dois pontos de vista: o meu, como artista atuante no processo do espetáculo, brasileira, e o de Philippe Choulet, filósofo e espectador do espetáculo, francês, para tentar, com isso, criar um movimento dialético na análise do leitor, partindo da observação das diferentes realidades culturais de cada autor.
Sob esse aspecto, cabe reiterar a surpresa de Philippe Choulet ao ver Sade ser por vezes ícone libertário da sexualidade feminina, considerando toda sua visão masculina sobre o sexo e as mulheres. Mesmo reconhecendo a importância de tal discussão, não cabe aqui desenrolar tais reflexões, visto que não se vê como objetivo do artigo. Porém, não posso deixar de mencionar a influência do livro (e da peça) de Sade em minha vida, nem do modo
como fui chacoalhada por novos modos de ser, estar e agir como mulher. Para além de concordar ou discordar do que diz Sade, percebo que minha experiência perpassa a “estética do risco” do Teatro Pós-Dramático (Lehmann, 2017LEHMANN, Hans-Thies. Teatro Pós-dramático. Lisboa: Orfeu Negro, 2017., p. 388), quando atento que A Filosofia na Alcova, antes de trazer uma mensagem em sentido tradicional e informativo, vem para causar horror, desorientação e chamar a atenção do público para pensar determinados assuntos.
É nessa esteira que também se encontram as propostas artísticas do grupo Pigmalião quando tenta resgatar o modo de re-presentar sadiano, buscando fazer com que o espetáculo teatral leve seu público a imaginar um mundo outro. O boneco, aqui, é ferramenta para recriar esse mundo ao avesso, suporte distanciado que permite uma maior liberdade em cenas pornográficas e ultraviolentas, que, segundo a fala de Philippe Choulet, deixam o público menos desconfortável. Nesse sentido, os bonecos dão ao grupo a coragem e a imprudência necessárias para adentrar os palcos com a blasfêmia de Sade. A crueldade sadiana vem, então, justificada por essa função contestatória de representar os extremos e é tomada emprestada pelo Pigmalião para exercer uma crítica aos aportes de seu tempo por meio do seu corpo brasileiro. Ao contrário do que acredita Philippe Choulet, em minha perspectiva, ousando olhar sua realidade de frente e almejando despertar uma infinidade de sensações e reflexões.
Notas
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1
Site do grupo disponível em: https://www.pigmaliao.com. Acesso em: 02 jun. 2021.
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2
A Filosofia na Alcova (2011). Espetáculo do Pigmalião Escultura que Mexe. Dramaturgia e direção de Eduardo Felix. Teaser do espetáculo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Dei2QHXwEqc. O dramaturgo Eduardo Felix se utilizou principalmente da tradução da obra para o português feita por Contador Borges, publicado pela editora Iluminuras, em 2000. Muitas passagens foram traduzidas por Felix diretamente do texto de Sade.
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3
Sinopse disponível em: https://www.pigmaliao.com/espetaculos. Acesso em: 02 jun. 2021.
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4
Site do festival: http://www.lejardinparallele.fr/festival-orbis-pictus/. Acesso em: 02 jun. 2021.
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5
O festival teve sua última edição no ano de 2019. Site do Festival: https://lemanifeste.com/. Acesso em: 02 jun. 2021.
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6
No original francês: Enfond de scène dans sa cage, le marquis est incommensurable. La pulsion est une force démesurée. Du libre-coursque lui laisse Sade, on passe très vite, dans un déplacement sans heurts, à la revendication de l’affranchissement.Plus d’Eglise, c’est moins une évidence au Brésil que sur nos terres, mais non plus de délégation de laresponsabilité, d’hétéronomie acceptée. Disponível em: https://lantispectacle.wordpress.com/2013/08/03/marionnettes-incendiaires/. Acesso em: 17 mar. 2020.
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7
Dados Gallup International 2012. Disponível em: https://sidmennt.is/wp-content/uploads/Gallup-International-um-tr%C3%BA-og-tr%C3%BAleysi-2012.pdf. Acesso em: 8 set. 2020.
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8
Site do festival disponível em: https://www.festival-marionnette.com/fr/. Acesso em: 02 jun. 2021.
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9
No original francês: Restons dans des manipulations à couper le souffle, mais changeons de continent, de registre et de type de marionnettes. Le Brésil avec des marionnettes à fils. Le pluriel du mot prend tout son sens quand on compte le nombre de cordons qui permettent aux pantins de s’animer comme des humains. Mais quel humain ? Le plus abject parmi tous les infâmes, le plus pervers parmi les sadiques : le marquis de Sade. Si généralement il s’agit de faire marcher des poupées de bois et de leur donner la possibilité de faire quelques gestes de la main et des mouvements de tête, lorsqu’on annonce Sade et la Philosophie dans le boudoir, les moins cultivés d’entre nous s’imaginent aisément qu’il est un autre membre du corps qu’il faudra faire vivre et de la plus belle manière qui soit (Saintange, 2015SAINTANGE, Philip de. Festival Mondial Des Théâtres De Marionnettes Charleville-Mézières 2015 (1). Karoo, 2015. Disponível em: https://karoo.me/scene/festival-mondial-des-theatres-de-marionnettes-charleville-mezieres-2015-1. Acesso em: 19 mar. 2021.
https://karoo.me/scene/festival-mondial-... ). -
10
Nota de Tradução (N. T.): Henri Désiré Landru foi um assassino em série francês, que recebeu a alcunha de Barba Azul. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Henri_Désiré_Landru. Acesso em: 9 fev. 2021.
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11
N. T.: Dr. Marcel Petiot, médico francês que passou a Segunda Guerra Mundial roubando e assassinando judeus sob os auspícios de ajudá-los a escapar dos nazistas. Disponível em: https://enciclopediavirtual.com.br/historia/dr-satan-dr-marcel-petiot-o-assassino-em-serie-dr-jekyll-e-mr-hyde-da-vida-real/. Acesso em: 9 fev. 2021.
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12
N. T.: Gilles de Rais, foi um cavaleiro e senhor da Bretanha, Anjou e Poitou, líder do exército francês e um companheiro de armas de Joana d'Arc. Ele é mais conhecido por sua reputação posterior de ser um serial killer confesso de crianças. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Gilles_de_Rais. Acesso em: 9 fev. 2021.
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13
N. T.: Gulag era um sistema de campos de trabalhos forçados para criminosos, presos políticos e qualquer cidadão em geral que se opusesse ao regime na União Soviética. Antes da Revolução, o Gulag chamava-se Katorga, e aplicava exatamente a mesma coisa: pena privativa de liberdade, pena de trabalhos forçados e pena de morte. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Gulag. Acesso em: 9 de fev. 2021.
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14
Cf. Nietzsche: “O que é originalidade? Ver algo que ainda não tem nome, ainda não pode ter nome, embora esteja diante dos olhos de todos. Os homens geralmente são tão comuns que apenas o nome das coisas os torna visíveis para eles. - Os homens originais geralmente eram também aqueles que davam nomes às coisas” (Gai savoir, § 261). “O que há de original no homem é que ele vê algo que todos não conseguem ver” (Gai savoir, fragment posthume § 12-80, Gallimard, 2ème édition, p. 459).
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15
N. T.: Trechos de falas dos personagens, no espetáculo.
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16
Há um filme de Henri Xhonneux e Roland Topor, intitulado Marquis, de 1989, feito tanto de comédia quanto de animação, e que enfoca a vida e a obra de Sade...
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Há de fato uma virtude maquiaveliana dos teatros de bonecos, pois TUDO pode ser mostrado ali, TUDO pode ser simulado sem danos. Maquiaveliano quer dizer: mostramos a verdade oculta das coisas (o que Maquiavel mostra para a política de César Bórgia) que o próprio político maquiavélico não quer mostrar, obviamente (Frederico II da Prússia escreverá um Anti-Maquiavel, acusando a mentira de Maquiavel e protestando a sua boa-fé e boa vontade...). Devemos, portanto, distinguir o que é maquiaveliano (o pensar e olhar crítico, o realismo: mostrar o que é) do que é maquiavélico (busca ávida de interesse, mesmo que isso signifique usar mentiras, força e destreza).
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18
No início de 2019, o Centre National de la Danse em Paris sediou o Festival Carioca Panorama, agendado, mas cancelado no Rio...
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Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.
Referências
- BARBOSA JÚNIOR, Zé. Bíblia, o livro que é a cara do Rio!, por pastor Zé Barbosa Jr. Revista Fórum, 14 jan. 2021. Disponível em: https://revistaforum.com.br/rede/biblia-o-livro-que-e-a-cara-do-rio-por-pastor-ze-barbosa-jr/ Acesso em: 16 fev. 2021.
» https://revistaforum.com.br/rede/biblia-o-livro-que-e-a-cara-do-rio-por-pastor-ze-barbosa-jr/ - BARTHES, Roland. O Prazer do Texto São Paulo: Perspectiva, 1987. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4992360/mod_resource/content/1/BARTHES-Roland-O-Prazer-Do-Texto.pdf Acesso em: 17 set. 2020.
» https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4992360/mod_resource/content/1/BARTHES-Roland-O-Prazer-Do-Texto.pdf - CAMPOS, Haroldo de. Da transcriação: poética e semiótica da operação tradutora. Belo Horizonte: Viva Voz, 2011.
- DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. V. II. São Paulo: Ed. 34, 1995. Disponível em: http://escolanomade.org/wp-content/downloads/deleuze-guattari-mil-platos-vol2.pdf Acesso em: 15 set. 2020.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Jul 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
23 Jun 2021 -
Aceito
31 Jan 2022